domingo, 30 de setembro de 2012

Israel vs Palestina: História de um conflito XX (01 2002)


O ano de 2002 começou com uma tentativa diplomática acanhada dos Estados Unidos de retomar o processo de paz.
No dia 03, sob pressão de Colin Powell, Israel retirou-se de áreas ocupadas na Cisjordânia, mas autônomas desde Oslo. Talvez para dar boa impressão ao novo enviado de George W. Bush a Tel Aviv - o veterano do Vietnam Anthony Zinni, apelidado The Godfather (pela origem italiana e autoridade, não por ligações com a máfia).
Zinni aceitou o encargo, deixou o uniforme com as quatro estrelas e as medalhas no armário e foi ao Oriente Médio exercer sua "sensibilidade política" lendária.
A escolha de Zinni mostrou que Colin Powell se esforçara para encontrar em seu meio militar um mediador com os talentos necessários já testados, confirmados e com moral suficiente para dobrar outro general aposentado.
Zinni foi realmente um oficial à parte. Tinha 30 anos ao aterrizar no Vietnã como conselheiro de infantaria. Chegou e em vez de viver no acampamento militar com os soldados e oficiais estadunidenses, foi morar em um bairro da cidade como uma pessoa normal. Conviveu com os vietnamitas, aprendeu o idioma nacional e entendeu o povo para e contra o qual seu país lutava. Seu trabalho foi tão apreciado que serviu duas vezes. Na segunda foi ferido e transferido para Okinawa. Isto foi na década de 70 do século passado.
Na década de 80, não hesitou a verbalizar sua desilusão com a estratégia estadunidense no Vietnã e desde então ascendeu na hierarquia militar sempre em postos de comando e sem esconder seus pareceres sobre as táticas do Pentágono que considerava erradas.
"Eu imergia na cultura e via o mundo de maneira diferente dos meus colegas" declararia modestamente ao Washington Post mais tarde.
Passou a década de 90 entre Somália, Turquia, e em 1997 foi "premiado" com o comando da tropa de 36.000 soldados baseada na Arábia Saudita - foi então que aprendeu árabe e leu vários livros de escritores da região, em versão original, para entender um pouco da cultura local.
Antes de aposentar-se em 2001, percorreu vários países asiáticos satélites da ex-União Soviética - Kazaquistão, Turquemenistão, Uzbequistão, etc., tentando cooptá-los para o lado dos EUA.
Zinni dizia que fazer guerra era a parte fácil. O difícil era fazer as pazes. Para um militar de carreira, seu currículo era ideal para a missão im/possível que assumiu com a mesma seriedade de seus precedentes encargos militares.
Ao chegar a Tel Aviv no dia 03 de janeiro, Sharon mantinha Yasser Arafat preso na Mukata'a (sede do governo), no norte de Ramallah. A rua de um lado a outro bloqueada. Porém, retirara as tropas de várias áreas autônomas inclusive Jenin e Nablus.
As conversas foram a portas fechadas.
Zinni deve ter entendido melhor então que poucos são os homens de armas que como ele travavam batalhas questionando ordens incompatíveis com a realidade do terreno e usando armas regulares com objetividade. Descobriria mais cedo do que tarde que este general com quem lidava tinha poderes absolutos e era dado a golpes baixos.
Já no dia 09 de janeiro Ariel Sharon criou verba especial de U$34 milhões para importar "judeus brancos" para popular as colônias. Em sua hierarquia humana impiedosa, o racismo do Primeiro Ministro de Israel aplicava-se também à sua confissão religiosa. Queria "aprimorar" a raça com sangue ashkenazi, ou seja, de israelitas misturados com europeias louras convertidas cujos filhos nasciam de pele, cabelos e olhos claros. Esta leva de imigrantes foi levada para Israel da África do Sul (os Afrikaners do apartheid), Argentina (foi no período daquela crise econômica brava, lá), França, Rússia e a grande maioria dos importados nem falava hebraico. Cada família recebia quase U$400 mil dólares para virar invasor em terras alheias, de bom grado.
A notícia chegou em Ramallah, em Gaza, e a indignação era palpável. "É mais do que injustiça! Centenas de milhares de compatriotas nossos viverem em campos de refugiados espalhados mundo afora enquanto judeus estrangeiros são importados para ocupar nossas terras ancestrais!" Era o que se ouvia por todos os lados.
Para completar, no dia seguinte os caterpillars voltaram à ação na Faixa de Gaza destruindo dois postos policiais.
O Hamas disse "Basta!" e quebrou a trégua unilateral - que Yasser Arafat mantinha desde o dia 16 de dezembro - atacando uma barragem israelense.
Os dois militantes do Hamas morreram depois de matar quatro soldados na operação militar. A retaliação não tardou e foi brava. Vinte e um tanques e uma fila de caterpillars armados reocuparam as zonas autônomas brevemente evacuadas para impressionar o enviado dos EUA.
No aeroporto de Gaza destruiram os 3,5 quilômetros restantes da pista de aterrizagem, em obras de reconstrução desde os bombardeios do mês anterior.
O ataque de Sharon foi carregado de símbolos desmoralizadores.
Para os palestinos o aeroporto  Gaza representava muito mais do que prédios, pistas, aviões estacionados, viagens, enfim, o que compõe e caracteriza este tipo de local - representava a aspiração de soberania e liberdade.
Com a torre de controle derrubada, os prédios e as pistas em pedaços, Sharon contava também esmagar as perspectivas de autonomia que os palestinos almejavam.
O primeiro ministro sabia direitinho onde e que ferida apertar.
Segundo fontes oficiais, o assalto foi "em retaliação ao assassinato dos dois soldados", que na verdade haviam morrido em um dos raros combates de igual para igual em armas.
Mas seu verdadeiro alvo era Yasser Arafat.
O ódio que Sharon sentia pelo líder palestino era tamanho que devia corroê-lo noite e dia no pesadelo que ele próprio fomentava.

Mas a operação "dissuasiva" não parou no aeroporto.
Do dia 10 ao dia 14 de janeiro, o exército e a polícia israelense destruíram dezenas de casas em Rafah, na Faixa de Gaza, em Jerusalém Oriental, e bombardearam prédios públicos em todos os lugares - com afinco triplicado ao pulverizarem o porto de Gaza, destruindo o instrumento de trabalho dos pescadores e uma das poucas fontes alimentícias da Faixa.
A IDF fechou a operação militar de quatro dias assassinando um responsável militar do Fatah de Tulkarm, Raed al-Karmi. O líder da Brigada dos Mártires de Al-Aqsa foi vítima de uma bomba que explodiu seu carro em rua da cidade.
No dia 16, ainda de luto mas querendo fazer um gesto que estancasse o sangue que vinha sendo derramado, Yasser Arafat, de coração pesado, mandou prender Ahmed Saadat, chefe da FPLP (Frente Nacional de Libertação da Palestina), suspeito do assassinato do ministro israelense Rehavam Zeevi em outubro de 2001.
Só que além de não conseguir acalmar a sede de vingança do primeiro ministro israelense, seus compatriotas não gostaram do "presente" em sentido único e rumores diziam que militantes do FPLP pediam em contrapartida que o assassino de seu líder fosse punido para que ficassem quites pelo menos nisso, senão, lia-se nas entrelinhas, que mais sangue seria derramado.
Falaram no vazio.
Vendo que a via da reciprocidade positiva estava fechada, no dia seguinte um militante abriu fogo em um salão de baile de Hadera, no norte de Tel-Aviv, matando seis pessoas.
A Brigada dos mártires de Al-Aqsa reivindicou o atentado e a IDF respondeu com o bombardeio da Prefeitura de Tulkarm e com uma estrondosa incursão de tanques lá e em Ramallah.
Concluíram esta onda de devastação bombardeando o prédio de cinco andares em Ramallah que abrigava o complexo jornalístico palestino. Destruíram todo o material de transmissão radiofônica e televisiva para deixar o povo sem notícias e levaram mais de cinquenta prisioneiros quando saíram de Tulkarm dois dias mais tarde.
No caminho da retirada passaram por Nablus e mataram seis ativistas do Hamas que suspeitavam serem artífices das bombas artesanais.
No dia 23, Avraham Burg, presidente do Knesset e Ahmed Qorei, presidente do Conselho Legislativo palestino se reuniram em Paris em um diálogo interparlamentar e lançaram um apelo "à razão e à sabedoria, para restabelecer a confiança entre os dois povos."
Porém, no dia 24 um tanque da IDF matou dois lavradores palestinos que aravam suas roças situadas perto da invasão judia de Kfar Daron na Faixa de Gaza. Enquanto isso, uma tropa sitiava o bairro gazauí al-Sheikh e saqueava as casas dos moradores procedendo a detenções aleatórias.
No mesmo dia um bomba-suicida se dirigiu a Tel Aviv onde explodiu deixando 18 feridos e seu cadáver estendido.
A poeira mal assentara os Apaches da IDF já estavam no ar para eliminar mais três resistentes do Hamas em Khan Yunis, na Faixa de Gaza.
No mesmo dia 25 reservistas da IDF - dois oficiais e um punhado de soldados - declararam publicamente sua recusa de servir nos Territórios Palestinos ocupados, "a fim de não participar de operações cujo único objetivo é oprimir, expulsar, esfomear e humilhar um povo inteiro".
Dois meses depois o número de objetores de consciência se multiplicaria até chegar a quinhentos.
Mas as operações intimidativas que estes humanistas recusavam prosseguiram com a mesma crueldade.
Em consequência disso, no dia 27 outro bomba-suicida explodiu em Jerusalém Ocidental levando consigo um israelense e deixando uma dúzia de feridos.
Chocado com o sangue de seus compatriotas enchendo as telas de televisão, no dia seguinte à explosão, Avraham Burg deu nova ênfase à sua campanha contra a política de Ariel Sharon. Denunciou em plenário a ocupação dos territórios palestinos porque "um povo de ocupantes, mesmo tendo sido levado a ocupar (os territórios) contra sua vontade, acaba mudado e desfigurado pelas taras da ocupação".
As críticas contra Sharon se acumulavam dentro e fora de seu Estado.
No dia 29 a União Europeia (UE) apresentou ao governo de Israel sua "rejeição contundente" à destruição dos edifícios públicos e das infraestruturas palestinas que financiara - as perdas materiais causadas por Israel só nestas obras se elevava a 17 milhões de euros.
Sob pressão, Ariel Sharon resolveu então parar uns minutinhos com o espalhafato aeronáutico. No mesmo dia mandou a IDF deixar os ares aos pássaros e atacar na surdina, por baixo.
Tropas e tanques invadiram uma cidadezinha detendo três homens e deixando seis feridos, inclusive uma mulher grávida que levou um tiro dormindo.
E no dia 31 o primeiro ministro israelense fechou o primeiro mês do ano de 2002 fazendo uma concessão pragmática ao presidente do Knesset Avraham Burg. Encontrou pela primeira vez o presidente do Conselho Legislativo palestino em seu escritório.
Ahmed Qorei estava acompanhado de Mahmmud Abbas, então braço direito de Yasser Arafat, e o conselheiro econômico deste, Mohammed Rachid.
Mas ao invés de resolver algo, Sharon acabou chateando todo mundo com palavras, palavras, palavras, que no final das contas espelhavam seus atos drástricos.
A trégua seria breve e de fachada.


Entrevista do foto-jornalista/escritor canadense Jon Elmer com o jornalista e ex-parlamentar israelense Uri Avnery, ativista da ONG Gush Shalom. 1
Jon Elmer: There is an active debate in Israeli society, in government and in the media about murdering Yasser Arafat. Have you ever heard of a discussion of assassinating the elected leader of another country taking place in a 'democratic' society? What logic drives the open discussion of assassinating Arafat? What would the consequences of such an action be?
Uri Avnery (foto ao lado): First of all, there is no public debate in Israel at all - on this subject or on any other. We have now a situation where there is a group of generals - including the Prime Minister, the Minister of Defence, the Chief of Staff, the army Chief of Intelligence and Chief of the Security Service - who decide all these methods alone, with the help of a compliant media that accepts everything the government says.
For the past 30 years there has been a campaign to demonize Arafat in the media. I don't remember one single article saying anything positive about Yasser Arafat. So the public just takes this and the public also believes what it has been told since Camp David [of 2000] - that we offered the Palestinians everything and they rejected it; therefore, there is no partner for peace. Within Israel this is an axiom accepted by virtually everybody. When the public believes that peace is impossible, and that the suicide bombings will go on forever, they will accept everything the Prime Minister tells them.
The act itself of assassinating Arafat, apart from its moral and legal aspects, will cause the greatest disaster in the history of Israel. It may put an end to the Israeli state in the long run, because it will put an end to any prospect of peace between Israel and the Palestinian people, and between Israel and the Arab world, for the next hundred years.
Setembro de 2003

Reservista da IDF, Forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence 1
 
 
 
Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/

 

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