domingo, 31 de julho de 2011

Afeganistão, a galinha esquálida de ovos de ouro


Uma das razões de eu gostar do Afeganistão, além da hospitalidade do povo, é que embora muita gente seja encantada com mar, o que me fascina é montanha. E este país é em si uma cordilheira de tirar o fôlego.
Mas como se sabe, não é por isto que os Estados Unidos o bombardearam em 2001.
A razão dada foi Ben Laden, agora morto e enterrado.
Então, por que os GIs não fazem as malas e voltam para casa?
Quem só esteve no Afeganistão nos últimos dez anos nem acredita no passado glorioso da terra em que pisam. A maioria dos monumentos históricos, tesouros nacionais e relíquias de centenas de anos, foram reduzidas a poeira ou contrabandeadas para terra alheia. Um pouco como as riquezas mesopotâmicas do Iraque.
A Mesopotâmia local é a região de Bamian, com seus Budas bombardeados pelos Taliban antes dos gringos chegarem.
Depois eles cuidaram de destruir tudo o que não fosse comercializável.
Aliás, a desconsideração por tesouros culturais é uma constante nas ocupações estadunidendes.
Um pouco como Napoleão que destruía tudo à sua passagem.
No caso dos EUA é menos por desprezo do que por ignorância do quanto valem.

Paghman

Ao chegar a Berlim após a II Guerra, por exemplo, quiseram executar o grande Furtwängler. O maior maestro da época e um dos melhores de todos os tempos.
Aliás, diz-se que o oficial encarregado de “julgá-lo” não conhecia grande coisa de música clássica.
Foi preciso que os russos explicassem e negociassem a vida do maestro em troca de qualquer cientista nazista que os EUA quisessem levar.
Maimana
 
Kunduz
Minha revanche com a ignorância que “astravanca” o progresso e separa a humanidade, foi desfrutar, sob a batuta de Furtwängler, da Quinta, Sétima e Nona Sinfonias de Beethoven nos vales de Paghman, de Samangan e alhures, já que o silêncio virou coisa rara.
As cadeias de montanhas que cercam os vales, em degradê de altura e profusão de cores que vão do ocre ao tons bege-cinzentados, com a trilha sonora mencionada é uma experiência que engrandece a alma.
Estou divagando; que eu saiba, os EUA não estão no Afeganistão para adquirir cultura nem grandeza espiritual.
Para eles, a beleza de Paghman, Charikar, Karez-je-Amir, Chakardara, Farah, Kunduz, Bamian não representa nada.
Ludwig Van Beethoven então, nem se fala. Wilhelm Furtwängler! quem é esse cara?
Esmeraldas à vontade no Afeganistão 
Uns ocidentais estão lá para garantir o transporte do petróleo para o Paquistão; outros para aproveitar do tráfico de heroína cuja produção foi triplicada; outros para fomentar guerra, alugar mercenários e alimentar a indústria de armas.
Os que realmente entendem de negócio a curto, médio e longo prazo, estão lá para extrair as riquezas naturais desta terra árida.
Pois é, o Afeganistão não tem petróleo, mas tem uma imensa riqueza mineral (fora pedras preciosas) avaliada em 1.3 bilhões de dólares, ainda inexplorada e à vontade no Hindu Kush. Tem cobre, ferro, litium e urânio suficientes para transformar o país em uma potência mundial de matéria prima.
Os russos sabem disso desde 1970 quando mapearam o urânio.
O Pentágono sabe melhor ainda, já que vai fazer dez anos que vêm mapeando o potencial espoliável.
Só quem atrapalha são os Taliban e os Pashtuns, que teimam em obstruir a passagem para a evasão do patrimônio nacional.
Retirar-se do Afeganistão? Nem pensar!
Em vez disso, o Pentágono muda de tática, e para evitar perdas de vida domésticas que sujem a barra, copiam Israel e passam a usar veículos aéreos armados não tripulados (armed drones), que estão sendo tão mortíferos para os civis afgãos quanto há anos são para os de Gaza.
Mas voltando ao vil metal, no início de agosto Kabul vai sediar um leilão que está deixando muitos com a boca cheia d’água para conquistar Hajigak, o maior depósito de ferro do mundo, localizado no centro do Afeganistão.
Em 1960 os russos estimaram o filão a 1.8 bilhões de toneladas.
As 15 firmas que vão participar do leilão são indianas.
O equilíbrio do Afeganistão é essencial para a estabilidade da Índia, devido ao primo-inimigo Paquistão com quem está sempre em escaramuças e litigando, portanto o país faz tudo para estar em boas graças afgãs.
Mas a Índia não está sozinha na conquista mineral do vizinho.
Como na África, seu maior concorrente é a China com quem vem travando guerra comercial em várias partes do mundo sub-desenvolvido.
O negócio que vai ser feito em agosto, em teoria, renderá a Kabul 350 milhões de dólares anuais, cinco mil empregos, infra-estrutura médica, escolar e de transporte. Prometem inclusive segurança nas estradas.
Uma miragem.
Assim como deste dinheiro beneficiar o povo.
Vai ser difícil sair do circuito de propina estabelecido por Washington e bem-vindo no âmbito governamental.
Trocando em miúdos, enquanto a irrelevância militar dos EUA no Afeganistão para o povo estadunidense só tem encadeado gastos – 10 bilhões de dólares mensais, o filão vai ser dividido pelos três “rivais” do Brasil na corrida à supremacia mundial, China, Índia e Rússia.
Ninguém conhece melhor a região do que Moscou, que justiça seja feita, foi um conquistador à romana deixando muitas obras para trás.
E o que os EUA ganham com o terror e as bombas?
Segundo um estudo da Brown University, até hoje, a “guerra ao terrorismo” já custou aos EUA entre 3.7 a 4.4 trilhões de dólares, fora os juros de 1 trilhão pagos e sem contar os 5.3 bilhões prometidos para a reconstrução do que destruíram no Afeganistão.
Outra miragem, pois para arcar com o gasto da reconstrução vão ter de continuar a pedir dinheiro emprestado.
Quem está ganhando com a ocupação mesmo?
A resposta é simples.
Os contractors, empresas que fornecem armamento, mercenários, infra-estrutura militar de forma geral, e a elite bancária.
Um terço da dívida de 14.3 trilhões de dólares que os EUA contraíram foi com países estrangeiros.
Primeiro à China (U$1.2 bilhões), e como se sabe, ao Brasil devem U$211 bilhões.
Repito o que já disse que no Afeganistão o al-Qaida não é o maior inimigo, embora o discurso seja neste sentido.
O movimento de resistência no país é Pashtun, ou seja, nacionalista, ao contrário do que afirma Hamid Karzai, a marionete que dirige o Afeganistão e atrapalha muito mais do que ajuda.
O fato é que a “guerra ao terror” esvaziou os cofres dos EUA sem nenhum resultado.
Aliás, Ben Laden deve estar rindo lá da grelha infernal, pois dizia que bastava mandar dois mujahidin em um ponto longínquo com um pedaço de pano escrito Al-Qaeda para atrair os generais estadunidenses e provocar sofrimento e perda humana, econômica e política nos EUA por nada.
Só os contractors que levam vantagem.
A doutrina de domínio do Pentágono se repousa em bases militares espalhadas mundo afora para intimidar concorrentes e inimigos.
Mas esta militarização só provocou empobrecimento interno e ódio externo lamentável.
Conversando sobre a bancarrota dos Estados Unidos com um alto financista, este definiu o “líder mundial” como um predador-parasita que se mantém copiando a estratégia da Máfia. Ou seja, cobrando pedágio. Sem conflito de fato ou fabricado, a casa desmorona em um piscar de olhos.
É aí que o coitado do povo afegão (entre outros) paga o pato.
E é aí que voltamos à galinha de ovos de ouro para concluir o artigo de hoje.

Os EUA estão diretamente fora da rede de exploração da matéria prima bilionária.
Porém, perseguem a quimera do gaseoduto Pipelineistan (Turcomenistão/Afegasnitão/Paquistão).
Oficialmente chamado Trans-Afgan Pipeline - TAP (Gasoduto Trans-Afgão) e que talvez vire TAPI, caso a Índia entre realmente no negócio.
Washington é obcecada com o TAP desde meados da década de noventa quando Bill Clinton negociou sua exploração com os Taliban até eles baterem o pé quanto às taxas de trânsito e Clinton recuar porque queria levar todas as vantagens.
Antes do ataque às Torres Gêmeas em 2001 o governo Bush já havia substituído a retórica do “tapete do ouro” por “tapete de bombas”.
De uma certa forma, representando o advogado do diabo, nesta equação financeiro-militar Ben Laden veio a calhar.
Os EUA não se conformam em perder esta mina de ouro potencial que, apesar do custo de construção avaliado em U$10 bilhões, garante uma renda fixa milionária a longo prazo pela qual os EUA está desesperado.
Os Pashtuns nacionalistas eram uma pedrinha no sapato na época do comandante Massud e esta pedra virou uma pedrona chamada Taliban, no caminho deste contrato.
Contudo, dez anos e U$5.4 trilhões mais tarde, em Washington, o sonho com o Gasoduto ainda suplanta o pesadelo das mortes e da destruição que ele vem custando.
Com os Taliban no comando o gasoduto é inviável. Todos sabem.
Com a guerra interminável também, mas as tropas aliadas estão cuidando bem da faixa pela qual o gás transita.  
Se os EUA tivessem usado as vias diplomáticas no início do milênio e tivessem concordado com as condições tarifárias propostas pelos Taliban, o lucro com o TAP seria menor do que cobiçavam, mas não teriam sofrido nem infligido nenhuma perda humana.
A paz reinaria (pelo menos lá) e a Casa Branca não estaria à mercê de contractors, de credores, e sobretudo, não precisaria fomentar conflitos para vender seus serviços e faturar com o único poder que lhe resta; o das armas.

Um pouco da beleza do Afeganistão em imagens de alguns lugares que gosto.

Farah
 
Cidadezinha na província de Kurduz

Herat









Surkh Kotal
  
Kabul


  













Paghman






Vale do Kunduz








Tashkurghan

Ziarat-i-Jaw

Estrada para Kabul, construida pelos russos durante a ocupação










Estrada para Herat, construída pelos russos e desde então sem manutenção  

Filme Taking Sides ( Der Fall Furtwängler), de István Szavo (2001).
Com Harvey Keitel, Stellan Skarsgard, Moritz Bleibtreu, Ulrich Tukur.
Baseado na peça homônima de Ronald Harwood, 
o filme narra a investigação e os interrogatórios de Wilhelm Furtwängler.



Lista de produtos das colônias a serem boicotados: http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements;
Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/;
http://youtu.be/GO5Cay6GUkM
Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/
http://www.bigcampaign.org/


 

domingo, 24 de julho de 2011

Terrorismo doméstico passa dos EUA para a Noruega, e muda de cara no Oriente Médio

Na sexta-feira, um norueguês “tranquilo”, de 32 anos, bonito, loiro, de olhos azuis, cometeu um ato abominável premeditado e executado com uma minúcia de gelar o sangue.
Quando a bomba explodiu e ainda não se sabia o nome do culpado, a acusação direta ou velada foi logo dirigida a islamitas.
Quando descobriram o culpado – um militante de extrema-direita cujos ideais fascistas levaram a atacar compatriotas no próprio solo – este foi logo definido como doente mental por ter cometido tamanha barbaridade.
Se em vez de louro o assassino fosse um imigrante de pele morena, cabelos pretos, e, além disso, árabe, teria sido chamado de terrorista.
Europeu, ou estadunidense - vide Oklahoma city em 1995 - só pode ser "perturbado".
Como toda vez que acontece crime racista ou atentado desta índole nos países ocidentais.


O primeiro da lista foi um judeu australiano que em 1969 pôs fogo na Mesquita Al-Aqsa, em Jerusalém. Em vez de condenado como criminoso incendiário foi internado em hospital psiquiátrico como “doente mental” e ficou por isso.
Depois dele, vários colonos judeus na Cisjordânia cometeram “atos de loucura” matando palestinos por razão nenhuma, inclusive crianças, e sendo absolvidos por alienação ou algum motivo incompreensível.
Porém, como em Israel, o neonazismo tem crescido na Europa – na França, a candidata chegou a ultrapassar 20% nas pesquisas – mas a questão-tabu continua banalizada pela Direita tradicional e a Esquerda não consegue acreditar que seus compatriotas sejam majoritariamente capazes de atos ou ideias cujos danos já foram provados.
Os noruegueses estão em estado de choque e Anders Behring Breivik, o assassino, diz que quer explicar-se. Explicar o quê? Que foi por acaso que seu alvo foi a Esquerda nacional? Em Oslo, o Partido Trabalhista, e na Ilha de Utoya, um acampamento de jovens liberais? Em nome de uma paranóia injustificável?
Os Estados Unidos e a Europa têm de enxergar a sujeira que está entulhando suas cidades antes que seja tarde.
O radicalismo está atingindo até o Canadá! onde o primeiro ministro Steven Harper, loiro, bonitão, de olhos azuis, resolveu declarar, em eco à declaração de uma Comissão Parlamentar que confunde humanismo com anti-semistimo, que criticar a política ocupacionista de Israel é uma nova forma de expressão anti-semita...
O surrealismo dos dois pesos e duas medidas não tem mesmo limite.


Falando em surrealismo… Segundo jornalistas locais, o governo de Israel cancelou a visita de Michael Williams, enviado especial da ONU no Líbano, por causa do relatório que fez sobre a atuação do exército israelense no aniversário da  Naqba, no dia 15 de maio, em resposta à queixa dada pelo Líbano.
O exército libanês afirma que 111 pessoas desarmadas foram feridas a bala de verdade e sete pessoas morreram sob fogo israelense nesse dia.
O incidente na celebração da Naqba – dia em que a milícia sionista expulsou de suas terras 700 mil palestinos em 1948 – aconteceu perto do vilarejo de Maroun el-Rass. Desde 2006 que não acontecia uma tragédia parecida.
No dia 15 de maio deste ano, os soldados israelenses usaram balas reais quando atiraram em refugiados palestinos, libaneses e ativistas internacionais que manifestavam do outro lado da cerca que marca a Linha Azul que separa o Líbano de Israel.
O primeiro secretário da ONU, Ban Ki-moon, de cima do muro, teve de condenar o uso excessivo de força de Israel (estabelecido no relatório confidencial vazado), mas acrescentou que em um relatório preliminar lia-se que com o uso de pedras do outro lado, os manifestantes libaneses atuaram de maneira provocativa. Porém, concluiu pedindo para Israel “evitar responder com munição real neste tipo de situação”, deixando a porta aberta a uma nova carnificina, “a não ser em autodefesa”...


E voltando a Terrorismo, o número de atentados dos colonos israelenses na Cisjordânia contra os bens e as vidas dos palestinos está tão gritante, que até o chefe do Comando militar israelense, general Avi Mizrahi está botando a boca no trombone.
O general Mizrahi nasceu em Haifa em 1957, entrou na IDF (exército israelense) em 1975 e desde então foi ganhando galões e está em comando desde 2009.
Nesta semana ele avisou o governo que “terror judeu” contra os palestinos nos Territórios Ocupados pode mergulhar a Cisjordânia em um novo conflito. O general aconselhou o governo a fechar o seminário yeshiva, na colônia de Yitzhar (que desapropriou grande parte do município de Nablus), por ser um foco extremista e uma fonte de terror contra os palestinos.


Saman Nawaj'ah, após o ataque
Para que o general Mizrahi, militar de carreira nacionalista calado e comedido, faça esta declaração eloquente, acreditem, é preciso que a situação esteja pretíssima.
Aliás, espera-se que o ministro das relações exteriores, Avigdor Lieberman, um sionista radical e fascista declarado que escolheu morar em uma dessas invasões, contra-ataque nesta semana.
Porém, não tem como negar o que está na cara e que os soldados e oficiais vêem diariamente mesmo sem querer enxergar.
A violência dos colonos israelenses contra os autóctones tem aumentado a olhos vistos. Vêm queimando oliveiras e casas, vandalizando postos de água e outras propriedades palestinas essenciais, há pouco chegaram a incendiar uma mesquita, e só neste ano já mataram três palestinos. Sem contar que o assassino de uma criança, acabou de ser "inocentado" no Tribunal de Tal Aviv, por vício de forma.
Vale lembrar que estas colônias, invasões, ou assentamentos (até hoje não entendi este termo ambíguo usado no Brasil; será fruto de simples tradução inadequada ou algo mais?) são ilegais, segundo as leis internacionais.
O general afirmou, ao vivo na televisão, “o que está acontecendo no terreno é terrorismo e tem de ser contido”; a IDF teme que “este terrorismo contra os palestinos inflame os Territórios” Ocupados. Aproveitou também para extravasar a frustração de não poder agir junto aos colonos violentos.
Aliás, as ONGs de Direitos Humanos palestinas e israelenses vivem acusando a IDF de tomar partido dos colonos. A resposta tem sido que o exército israelense é obrigado a proteger seus cidadãos e não a definir política de atuação.
Estas ONGs de Direitos Humanos acham que estes colonos sionistas radicais que se opõem à criação dos dois Estados estão agitando para evitar o reconhecimento da Palestina em setembro. Acham que o aumento dos ataques e a gravidade galopante da violência contra os cisjordanianos visa provocar revolta e finalmente, uma quebra da resistência pacífica estabelecida em 2005.
Adam Keller, porta-voz do grupo de Direitos Humanos Gush Shalom, confirmou que o exército israelense teme uma Terceira Intifada, ou seja, um levante palestino massivo, e “o nervosismo do exército está aumentando a agressividade dos colonos”, segundo Adam.
Vale lembrar também que estes grupos de colonos sionistas radicais são apenas parte dos 500 mil judeus, na maioria "importados" para Israel e exportados diretamente para as invasões além da Linha Verde que separa os dois países, no processo de ocupação sub-reptícia da Cisjordânia.


Os habitantes do vilarejo de Asira, no sul de Nablus (na ex-Samaria bíblica), literalmente cercado pelo muro e pela colônia de Yitzahr são constantemente terrorizados pelos vizinhos ilegais.
Um grupo de invasores armados ocupou a montanha do lado da qual os nabluenses desfrutavam (fazendo piqueniques e caminhadas familiares) para usá-la como base e a IDF (Forças Armadas de Israel) não faz nada para tirá-los, pois os soldados estão na Cisjordânia justamente para proteger os colonos e manter os palestinos assustados, ocupando suas casas de madrugada e impondo humilhação e arbitrariedade nos checkpoints. 

Yitzahr Yeshiva, fonte do radicalismo.
Desde 2008 que a IDF solicita seu fechamento a fim de acalmar os ânimos dos colonos. Armados, eles atacam os palestinos e confiscam o que conseguem nas terras em volta das que já invadiram para construir sua colônia, no distrito de Nablus. 


Na mesma região, mas em outro registro, como segui aqui o avanço e a obstrução da Flotilha da Liberdade II, talizada Stay Human em homenagem a Vittorio Arrigoni, termino com a chegada na semana passada do único barco que conseguiu furar o cerco da Grécia e da Turquia para aproximar-se da Faixa de Gaza.
Segundo a colega jornalista israelense Amira Hass, que estava a bordo do barco francês Dignité Al-Karama, de 16 metros, os 16 ativistas europeus foram presos (estão sendo deportados aos poucos para seus países) quando o barco foi interceptado em águas internacionais por 7 barcos da polícia naval, 3 navios equipados de mísseis e 150 soldados.
Os outros 14 barcos foram ilegalmente interditados pela potência de Israel. Ou melhor, dos EUA, seu único verdadeiro aliado.
Voltarei ao assunto mais tarde. Junto com a situação do Egito, onde os jovens continuam a lutar pela liberdade, do Irã, em que o Partido Verde está mostrando a cara, e do rombo financeiro dos EUA, que é tão grande que os russos já estão tomando a dianteira da conquista espacial.


Checkpoint em Paris: http://youtu.be/PPEfi2kFNp8; http://youtu.be/Z4YEnEBw424;
Ação do BDS em Paris nos Invalides: http://youtu.be/J3SoKvYNdYo;
Lista de produtos das colônias a serem boicotados: http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements;
Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/; http://www.bigcampaign.org/

Reservista da IDF Breaking the Silence


domingo, 17 de julho de 2011

Pra não dizer que não falei das flores


Passeata de israelenses e palestinos anteontem em Jerusalém Oriental
em favor da criação do Estado da Palestina 
Caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais, braços dados ou não...
Eu gosto muito de passeata. Desde a escola, quando a música que abre este blog era o hino da minha geração contra a ditadura que se impôs em nosso país por 20 anos. Caminhando... é a melodia que murmurro com meus botões quando vejo gente separada pelo meio em que gravita e por poucas horas unida pela vontade de melhorar o mundo em que vive. 
Geraldo Vandré (http://youtu.be/PDWuwh6edkY) faz parte daqueles compositores de carreira curta, em seu caso, podada drasticamente pelos torturadores que lhe extirparam a vontade e desonraram nossa pátria amada, salve, salve.
Vandré nunca foi Geraldo, mas foi íntimo de todos os brasileiros que têm mais de 40 anos. Como se fosse o irmão sacrificado em nosso nome. Compôs Disparada, Canção da Despedida e quantas mais maravilhas, mas imortalizou e foi imortalizado pela frase ao alto. O hino da liberdade entoado nas ruas e praças das capitais brasileiras contra o jugo do obscurantismo e pelas eleições diretas, até chegarmos, em 1984, à tahrir que buscávamos.
Passeata espontânea em Tel Aviv
contra a recente Lei Boicote
Até o ano passado, quando os reacionários engrossavam a voz e seus representantes no governo espoliavam e bombardeavam os vizinhos, os israelenses liberais, artistas, intelectuais, envergonhados, costumavam argumentar que apesar de tudo, tinham democracia e liberdade para rebelar-se e denunciar criminosos e crime. Hoje, com a aprovação do Knesset da Lei Boicote, nem isto têm para consolar-se.
Entre outras coisas, esta proíbe os cidadãos de boicotar os produtos oriundos da política de ocupação e do apartheid. O israelense que se recusar a consumir produto com etiqueta do Jordão (http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements
) será punido. E lá se vai a liberdade de ação e de expressão da qual tanto se orgulhavam. 
Gush Shalom foi a primeira organização a liderar o boicote na década de noventa e foi a primeira a contra-atacar com uma liminar junto à Corte Suprema. "Esta lei viola os princípios básicos democráticos. Com ela o Knesset procura silenciar críticas da política governamental em geral, de sua política nos Territórios Ocupados em particular e evitar um diálogo aberto e produtivo que constitui a base do funcionamento democrático. A política de silenciar só um lado é danosa para a Liberdade de Expressão e indica claramente a fragilização de um regime democrático. Além do mais, a nova lei (que também desobriga as empresas a etiquetar a origem do produto para evitar o boicote internacional, nda) prejudica empresas ao infringir sua Liberdade de Profissão, já que não permite que o consumidor diferencie os produtos de Israel e dos Territórios Ocupados." Concluindo, afirmou que o boicote é um instrumento de expressão pacífico e legítimo dos cidadãos. 
A Gush Shalom não está sozinha no desagravo. Está apoiada por outras 52 ONGs locais e por muitos compatriotas indignados.
Toda passeata por causas legítimas é bonita, mas bonita mesmo foi a da sexta-feira passada em Jerusalém. Oriental. Aqui, cidadãos de ambos os lados da Linha Verde e do muro que separa Israel e Cisjordânia se uniram e caminharam juntos pelo mesmo ideal.
Tinha mulheres, homens, crianças, judeus, cristãos, muçulmanos, unidos e provando mais uma vez ao Knesset, a Netanyahu e quem enxergasse, que têm a mesma crença na justiça que trará a paz.
O motivo da passeata era apoiar a criação do Estado da Palestina, que será decidida em setembro nas Nações Unidas.
Esta foi a primeira das passeatas que se se repetirão todas as sextas-feiras nas cidades abaixo. 
A colônia usurpadora. O SPA está longe dos olhares




As próximas cidades são Nabi Saleh, em que os colonos israelenses confiscaram a fonte que a alimentava em água para fazer um SPA;



Iraq Burin e ao fundo a colônia Har Bracha



Iraq Burin, cujas hortas são constantemente destruídas pelos colonos de Har Bracha;






Manifestação contra o muro em Budrus

 Budrus, à qual o muro havia tirado 300 hectares e 5.000 oliveiras;

O muro em Ni'lin





Ni’lin, da qual o muro cortou um terço do município para a expansão da colônia construída ao lado;





Em maio, protesto pacífico parou um buldozzer
 em Deir Qaddis




Deir Qaddis, confiscada por Israel em 1980;

Bi'lin



Protesto semanal reprimido com gás

Bi’lin, que o muro engoliu 60% da roça cultivada. Cidade precursora das passeatas semanais. Faz anos que isarelenses e palestinos manifestam e há algumas semanas um manifestante foi assassinado por um soldado;

Sheikh Jarrah, com Jerusalém ao fundo


Sheikh Jarrah, encostada em Jerusalém Oriental e que Israel quer ocupar alegando que era habitada por judeus antes de 1948 (embora não reconheça o direito dos refugiados palestinos de recuperarem suas casas cujas chaves são bem guardadas...);




Ma’sara, uma área a seis quilômetros de Belém que os israelenses querem confiscar para expandir a colônia Gush Etzion;



Beit Ummar, em que o muro separou as roças dos donos para uso dos colonos de Kamei Tsur.



Segundo ONGs israelenses, a passeata de anteontem contou com a presença de milhares de pessoas e a mobilização continua tanto do lado israelense quanto do palestino. Se a violência não esmagar a não-violência, a tendência é que o número de participantes aumente sem parar.
A obstrução de embarque de membros da Flytilha na França, por exemplo, ou da deportação expeditiva de vários participantes direto do aeroporto Ben Gurion – dos quais, 31 britânicos, “Israel ultrapassou outra linha vermelha”, disse o professor escocês de 64 anos Mick Napier, “fomos detidos e algemados no aeroporto sem nenhuma explicação e sem ter infringido nenhuma lei local ou internacional; não permitiram que telefonássemos durante todo o período de detenção. Foi uma situação fora-da-lei, ilegal.”
Depois deste depoimento, tenho de dizer em que pé está o processo para a sonhada justiça e liberdade para a qual estes ativistas e boicotadores cidadãos normais agem.
Salam Fayyad, o primeiro ministro encarregado do processo de reconhecimento do estado palestino, afirma que no dia 26 de agosto, prazo dado pela Autoridade Palestina dois anos atrás, estarão prontos para ser um Estado. Duas semanas mais tarde apresentarão a moção de reconhecimento na 66ª assembléia da ONU que decidirá seu destino. A AP já conta com 130 dos 193 países que votam. Precisam de maioria de dois terços para o reconhecimento do Estado.
Os Estados Unidos estão pressionando os outros 63 que votarão contra ou se absterão, e continuam na política do Deixa pra lá e do Deixa comigo que não faço nada, porque se vocês conseguirem algo sem meu apadrinhamento, vão acabar não conseguindo nada porque tudo que conseguirem será vetado.
Repreendem os palestinos de um lado e do outro os convocam para negociar. E a cada investida a AP repete que senta à mesa com Israel a convite dos EUA contanto que estes garantam a fronteira pré-1967 prometida por Barack Obama em discurso público, antes de recuar sob pressão da APAIC (lobby israelense), cujo dinheiro e voto o presidente-canditato cobiça para reeleger-se em 2012.
A esperança dos cidadãos que agitam Tel-Aviv e gritam “Não em meu nome!” contra o oportunismo de Obama e o sectarismo de Netanyahu, é que o movimento internacional de boicote e a mobilização das forças democráticas pacíficas israelenses e palestinas consigam derrubar o muro que os esmaga, conseguir que justiça e dormir sossegado.
Contam com os cidadãos do mundo que teriam combatido a política de limpeza étnica nazista, o massacre dos armenianos, outras atrocidades do mesmo calibre e que se levantaram, ou se tivessem idade ter-se-iam levantado, contra a África do Sul do apartheid.
Tem momentos na vida em que tomar partido não é partidarismo, é ser humano e responsável.
Vendo de um lado a diligência da ONU e dos Aliados em reconhecer o Sudão do Sul (que já obteve inclusive Forças de Paz da ONU para a proteção que Yasser Arafat pediu três décadas atrás) e outros combatentes nacionalistas, e do outro os 63 anos em que os palestinos vivem em suas terras sob ocupação e apátridas, as gerações futuras perguntarão onde estávamos, o que fizemos, e nos julgarão como julgamos os que colaboraram com injustiças passadas ou simplesmente ficaram calados.



Falando em Sudão do Sul, a independência chegou no dia 9, a festa durou, acabou e agora vem a realidade dos fatos.
O novo país está longe dos sonhos dos que lutaram nos últimos cinquenta anos para viabilizá-lo. A violência inter-tribal já começou durante as celebrações da qual o mundo participou através das imagens.
Nos bastidores visíveis, em nove das dez tribos, o vizinho virou o oponente atual (como será na Líbia?).
No início todos estavam unidos na busca da independência, mas agora chegou a hora da desunião e de cair na real, que o Norte não era responsável por todas as mazelas que viviam.
O Sudão do Sul é uma das regiões mais ricas da África (daí a presença dos EUA e muito maior da China). Porém durante o movimento independentista ninguém se preocupou com estratégica econômica nem administrativa. Agora a capital Juba está à mercê da enfermidade continental endêmica, a corrupção, e a luta pelo poder começou a fazer vítimas.
No Norte, o problema é o mesmo dos outros países da Liga Árabe. A miséria, a fome e o desemprego dos recém-diplomados. O povo está cansado de mudanças políticas infrutíferas. Omar al-Bashir já está sendo chamado de “o homem que perdeu o Sul” e está tão desesperado para conservar a presidência que dizem que está disposto até a estabelecer leis draconianas de adesão à Sharia, só para contar com o apoio das autoridades religiosas. Lá, a verdadeira campanha eleitoral está acontecendo nas mesquitas.
Sem dar uma de pessimista, sente-se no ar logo logo Norte e Sul estarão atolados em problemas maiores ainda do que os que ultrapassaram.
E o pior é que tanto no Norte quanto no Sul os políticos interesseiros sabem muito bem o que fazer para unir os cidadãos atrás de si. Um inimigo comum. E quando as coisas apertarem, é o que um e outro vai buscar o mais perto possível.
O inimigo poderá ser Abyei (uma área controvertida no meio dos dois países), o sul do Cordofão (província instável localizada no centro do Sudão), de novo o Darfur, ou qualquer outro oponente plausível.
Teme-se que cedo ou tarde os políticos politiqueiros de Cartum e Juba, interessados em si-mesmos e não no interesse público, arrumem um bode espiatório para não perderem o trono. Aí a arruaça vai recomeçar. Que a população de um e de outro aproveite a bonança precária, pois, a não ser que apareça nos dois lados um salvador da pátria com ideais incorruptíveis, pode não durar.

Para os jovens, imagens da nossa ditadura da qual foram poupados 



Lista de produtos das colônias a serem boicotados: http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements;
FLOTILHA DA LIBERDADE STAY HUMAN: http://www.freedomflotilla.eu/;
Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/;
Lowkey: http://youtu.be/ET6U54OYxGw;http://youtu.be/kmBnvajSfWU; http://youtu.be/GO5Cay6GUkM;
Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/; http://www.bigcampaign.org/


domingo, 10 de julho de 2011

A dialética da Não-Violência



Desde que me entendo por gente ouço a palavra Dialética sendo usada a torto e a direito como outros conceitos político-filosóficos cuja definição poucos que os proferem conhecem direito.
Tenho a impressão que Dialética é usada popularmente para tudo que é paradoxal e/ou inexplicável. 
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, interessado no movimento da história, definiu Dialética como o movimento de dissolução do pensamento passando do conhecimento abstrato à Razão até a concretização do raciocínio em uma conclusão objetiva. Tudo isto com base no espírito.
Aí veio Karl Marx e apedrejou o "espírito" de seu compatriota com o argumento que as condições sociais e humanas reais exigem mais do que um exercício mental. A realidade de opressor e oprimido tem de levar a dialética a uma desestruturação e reestruturação conceitual baseadas no questionamento do fato relacionado com o poder, o capital, o indivíduo, e assim corrigir o desequilíbrio social que prejudica os homens. Estou simplificando todo um livro, mas foi mais ou menos isso.
Rachel  Corrie em 2003 com um soldado israelense 
na véspera de ser esmagada
 por um buldozer que ia destruir uma casa em Gaza 
Pois bem, Marx, hoje, daria mais um tapinha no grande Hegel ao questionar a dialética aplicada à resistência não-violenta dos palestinos confrontada à força bruta de armas sofisticadas, do sadismo de autoridades e oficiais que desonram a nação que desservem, e o poder do vil metal que leva países como a Grécia e a Turquia a dizer Yes Sir a Israel e seus potentes aliados como junkies desesperados por uma dose de heroína afgã, cuja produção, diga-se de passagem, triplicou, desde que o país foi ocupado pelos EUA.
Os dois arqui-inimigos estão apostando corrida para chegar primeiro, um aos cofres do FMI, e o outro à União Européia. Para isto a Turquia também entrou no bloqueio da Flotilha da Liberdade e está de mãos dadas com Israel na contra-enquete que o exonere dos assassinatos dos turcos no ano passado. Ankara tenta salvar um pouco a face para não ser torpedeada pela opinião pública nacional, mas como as eleições já passaram... Esperemos que Erdogan tome vergonha na cara.

O barco francês Dignité Al-Karama
conseguiu escapar da Grécia e está a caminho de Gaza
A Flotilha bloqueada nos portos da Grécia e da Turquia em que os navios tinham de parar para reabastacer antes de chegar em Gaza,
a Flytilha pôs-se a voar.
Alguns jornais falaram que a Flytilha era uma opção à Flotilha bloqueada, mas a história não é bem esta. Os dois movimentos ativistas são independentes e autônomos.

O barco canadense Tahrir, bloqueado na Grécia
A Flotilha consiste de um grupo de dez navios de passageiros e dois cargueiros que tentam levar mantimentos e solidariedade à Faixa de Gaza.
A Flytilha é constituída de ativistas
de Direitos Humanos convidados
 por ONGs palestinas para visitar a Cisjordânia entre os dias 8 e 16 de julho.

Representação no Teatro da Liberdade de Jenin
parte da programação preparada para os convidados
O movimento é chamado Welcome to Palestine e os visitantes estrangeiros ficariam (se a polícia de Israel não estivesse bloqueando) hospedados em casas de famílias, participariam de atividades culturais como assistir representações artísticas no Teatro da Liberdade em Jenin (cujo diretor Juliano Mer foi assassinado há alguns meses),
Grafites deixados por visitantes no muro de Belém
visitar Centros Comunitários em campos de refugiados em Belém e plantar oliveiras em vilarejos próximos de Ramallah.
O convite dos palestinos era extensivo aos cônjuges e aos filhos, à família inteira. Muitas das quais haviam programado a visita como a viagem de férias familiar.
Este projeto se enquadra na resistência não-violenta ativa que os palestinos vêm desenvolvendo nos últimos seis anos, em vão.
As casas estavam um brinco para receber os convidados, os meninos estavam ansiosos para fazer novos amiguinhos, e a população estava entusiasmada como se fosse receber amigos íntimos que há anos não via.
350 franceses aceitaram o convite, assim como 250 outras pessoas procedentes da Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Itália. 
Acontece que, por incrível que pareça, o único jeito de chegar à Cisjordânia e a Gaza é aterrizando no aeroporto Ben-Gurion, perto de Tel Aviv.
Querendo ou não, turistas, ativistas e jornalistas são obrigados a passar por Israel para alcançar a Palestina. Com lucro de “pedágio” para os donos do aeroporto e para ônus dos demais.
Portanto nem os anfitriões nem os convidados tencionavam provocar desordem. Ben-Gurion seria apenas uma etapa obrigatória para chegar ao destino final.
Mas o governo de Israel martelou os compatriotas com comunicados alarmantes como se as famílias que estavam para chegar fossem agentes do Mossad em missão de assassinato ou de sabotagem. Centenas de policiais foram mobilizados para montar guarda no aeroporto que parece pronto para combate; e na impossibilidade dos palestinos acolherem seus convidados, ONGs de Direitos Humanos israelenses foram ao aeroporto recepcionar os estrangeiros que conseguiram embarcar.
O governo de Israel havia transmitido às companhias aéreas que servem Ben-Gurion uma lista negra com 342 nomes (compilados aleatoriamente em sites de mídia social) e as companhias executaram a proibição à risca. Seis foram bloqueados no embarque em Paris e muitos outros em Berlin, Londres, Nova Iorque, Dublin...
Ativista de ONG israelense sendo presa
no aeroporto Ben-Gurion
Os que conseguiram embarcar aterrizaram em um Ben-Gurion cheio de guardas. O aeroporto virou campo de batalha em que um dos combatentes está armado e o outro com presentes e máquinas fotográficas.
Os convidados que já chegaram foram barrados na apresentação do passaporte e tratados como criminosos. Nunca chegarão à Cisjordânia. Serão deportados.

Mas o convite continua aberto até o dia 16, os vôos continuam a chegar e os militantes das ONGs israelenses, solidários e indignados com a arbitrariedade dos seus governantes, estão prontos a revezar-se no saguão ou de fora para testemunhar o ato, apesar de vários já terem sido presos “por obstrução”. A quê, não se sabe. Suspeita-se que seja de matracagem.

É aqui que volto ao começo, à dialética da não-violência. Segundo Marx, não Hegel.
Durante a campanha de resistência palestina violenta, dos bomba-suicidas, minha comadre gringa que tenho na mais alta estima, dizia que os palestinos serviriam melhor sua causa se seguissem os caminhos da não-violência, como Ghandi agia.
Vale dizer que como gringa, por mais líbero-intelectual que seja, minha comadre sofria influência da hasbara (propaganda, em hebraico) e da  informação seletiva que recebe da mídia estadunidense sobre a questão Palestina.
E para ela, como para muitos, parecia quase natural assistir confrontos de soldados armados até os dentes atacando jovens que se defendem com pedra o direito de existir, e deixar por isso.
É nesta postura em si que a dialética da não-violência que é atacada e protagoniza um ato violento do qual quer a maior distância possível.
Sei que é difícil entender, mas dialética é barra!

O tempo passou e com ele veio a conferência de Bil’in em 2005 e a decisão que a Palestina tomou de iniciar uma resistência não-violenta ativa, contra a qual Israel vem respondendo na dialética acima enunciada. Ou seja, do ocupante super-militarizado e prepopente que agride o ocupado diariamente.
Difícil entender, pois esta história é em si de um obscurantismo temerário.
Um Resistente francês ao nazismo me disse um dia que não entendia porquê eles foram aclamados por defender seu país de invasores bárbaros e os palestinos são chamados de terroristas por tentarem fazer o mesmo, desarmados.
Diante do meu silêncio respeitoso, ele prosseguiu dizendo que sabia quão violenta estava sendo a resposta à não-violência e o preço que os palestinos vêm pagando em terra e água.
Continuei calada, aprendendo a engolir em seco a injustiça que a minha geração presencia de braços cruzados.
A dialética do poder e das vontades é complicada, senhor Marx.

Foi nesta onda da resistência pacífica que o Global BDS foi criado e as manifestações populares se transformaram em meios de comunicação da insatisfação, revolta e sede de justiça.
O boicote cultural já começou a incomodar.
O célebre baixista inglês Roger Waters
pixando "Não ao controle do pensamento", no muro de Belém
O nosso Augusto Boal foi um dos primeiros a agir junto com Ken Loach, Jean-Luc Goddard, André Brink, Allá Shohat, Judith Butler, Cinvenzo Consollo, Ilan Pappe, David Toscana, Aharon Shabtai, John Berger. 
Em seu último show que está dando a volta ao mundo, Roger Waters, um dos fundadores do lendário Pink Floyd, imaginou um cenário extraordinário no qual um muro vai sendo levantado durante a apresentação e no fim a platéia está totalmente separada do grupo e ouve a música sem ver os músicos. É impressionante ouvi-lo cantar Hey You atrás da parede, invisível.
É nesta realidade quotidiana que vivem os palestinos.

Naomi Klein em Bil'in
Depois vieram outros escritores, Henning Mankell, Alice Walker, Naomi Klein,... cantores Brian Eno, Elvis Costello, Peter Gabriel, Santana, Gill Scott-Heron... A lista é longa, mas tenho de citar outros como Roger Waters, the Yes-Men, Sarah Schulman, Aharon Shabtai, Udi Aloni, Adrienne Rich, John Williams, Iain Banks, Dave Randall, Maxi Jazz, the Klaxons, Gorrilaz Sound System, etc.
Há também os que recusam convite por razões óbvias que (ainda) não verbalizam, como U2, Bjork, Snoop Dogg, Vanessa Paradis. 
E nos dois últimos anos 500 artistas canadenses assinaram o abaixo-assinado de Montreal contra o apartheid, 200 artistas iralandeses assinaram um documento similar, movimentos gays internacionais fizeram o mesmo e da África do Sul Nelson Mandela e o bispo Desmond Tutu vivem condenando publicamente o governo israelense.
Australianos em jogo de futebol,
ativando no gramado
O boicote acadêmico e esportivo também está ativo.
Desde o ano passado que a tenista israelense Shachar Peer está sendo persona non grata de vários torneios. Tudo começou em Melbourne na Austrália. Este ano ela nem se aventurou a enfrentar o boicote do público neste torneio. Ficou em casa.

O movimento de boicote econômico está sendo um sucesso com a queda de 21% nas exportações israelenses para os países do Primeiro Mundo.
O consumidor tupiniquim ainda está alienado da luta global contra a ocupação, o sítio de Gaza e o muro, mas a CUT já aderiu e está atenta e atuando onde pode atuar.
Sabem que, entre outras, as empresas a boicotar são Ahava, Camel Agrexco, Éden Springs, SodaStream, e Motorola.
Motorola e Ahava são fáceis para o consumidor boicotar.
É só não comprar celulares nem cosméticos destas marcas.


E não se há de esquecer os diamantes sangrentos comercializados por Israel e cujo dinheiro é usado na ocupação e no apartheid.
Aliás, com diamante tem sempre de ter cuidado. Exija a transparência da origem, antes de comprar. Eu não compro e não uso nem que me paguem.

Comitê inaugural do boicote de venda de armas a Israel
Nesta semana começou a campanha para o boicote de venda de armas a Israel.
Os EUA é o maior visado.
Mas o governo brasileiro também não é inocente. Dólares sujos de sangue! Não, obrigada. 


Violência dos colonos israelenses na Cisjordânia

Ah! e no meio de todo este movimento internacional de boicote, qual não foi minha surpresa ao receber um email-porcaria convidando para show de Roberto Carlos em Jerusalém neste ano!
Sei que Roberto Carlos não é nenhum Chico Buarque, mas nem tanto.
Fiquei zonza no processo de desestruturação de uma imagem para tentar fazer uma análise que ainda não está clara nem em uma dialética mixuruquinha.
Primeiro perguntei-me se era piada. Não.
Depois perguntei encarreado, Roberto Carlos não era admirador de Chico Xavier? O cristianismo não obriga a defesa dos fracos e oprimidos mesmo deixando de ganhar mais alguns milhares de dólares? O que ele vai fazer na Jerusalém ocupada? Vai cantar para que público? Com que propósito? Para servir o quê e quem?
Quem souber me avise porque estou pagando o maior mico com colegas estrangeiros a quem vivo repetindo que os brasileiros são humanistas...
Que Roberto Carlos não venha com etiqueta tupiniquim, de “brasileiro”, e que não ouse cantar "Jesus Cristo"!
Pink Floyd - The Wall : Hey You

Artistas contra o apartheid

63 anos de Naqba