domingo, 16 de setembro de 2012

Israel vs Palestina: História de um conflito XIX (09-12 2001)


Em 2001, no dia em que celebramos a nossa independência, a IDF voltou a atacar a liderança palestina. Desta vez foi em Tulkarm.
O alvo foi o Fatah e os meios foram os dos "ataques cirúrgicos" que provocam grandes danos colaterais e o algoz assiste de camarote, protegido por um tanque ou um avião de combate.
Dois mísseis foram lançados de Apaches matando dois ativistas e deixando dois feridos em estado grave.
No dia 11 de setembro de 2001, aniversário da morte de Salvador Allende durante o Golpe Militar no Chile infiltrado pela Operação condor, da CIA, o saudita Ossama Ben Laden deixou de ser conhecido só por Serviços Secretos e jornalistas que cobrem a área. Ganhou celebridade mundial com o ataque espetacularmente terrível de alvos econômicos em Nova Iorque e militar (fracassado) em Washington.
O mundo comoveu-se com estes mortos em solo gringo, os analistas clarividentes previram o fim do gigante de pés de barro, e Yasser Arafat, em um gesto simbólico de solidariedade, doou sangue para as vítimas no hospital Shifa de Gaza, seguido de todos os membros da Autoridade Palestina.
Nem sei se os estadunidenses ficaram sabendo deste gesto de bons amigos. Sei que Sharon não ficou nem um pouco comovido. Como de costume, aproveitou que as atenções estavam voltadas para Nova Iorque e Ben Laden para, na Cisjordânia, armar mais uma emboscada criminosa.
No dia 13 a IDF matou 13 palestinos em uma incursão brutal em Jenin, no norte da Cisjordânia, pilhando e destruindo a prefeitura e outros prédios públicos.
No dia 16, seus tanques, Apaches e escavadoras armadas penetraram em Jericó, outra cidade mística da Palestina, esmagando história, fraturando memória, derrubando moradias, destruindo veículos, propriedades, e cortando trabalhadores e estudantes de empregos, de escolas e universidades.
Os feridos se acumularam, os mortos se empilharam, mas ficaram fora da mídia. Eram palestinos. Não contavam nem um milésimo de um dos mortos no ataque aos Estados Unidos.
Enquanto o mundo se sensibilizava com os escombros das Torres Gêmeas, os caterpillars D9 destruíam dezenas de casas ancestrais e os bombardeios da IDF não paravam  - eram quase sempre noturnos, como são até hoje em Gaza. Para pegar os moradores dormindo?
Yasser Arafat, que encontrara Collin Powel durante o ano em Ramallah, apelou para os EUA, pôs a boca no trombone, mas nenhum jornal tirou espaço dos bombeiros novaiorquinos cavando sobreviventes nos escombros do atentado que fascinava o planeta como os blockbusters holywoodianos fascinam os que apreciam grandes catástrofes nas telinhas e telonas.
Mas as ONGs de Direitos Humanos estavam atentas e pressionavam como podiam.
E George W. Bush precisava do apoio dos países árabes no processo de formação de sua coalição anti-terrorista.
Então pressionou para que Shimon Peres e Yasser Arafat negociassem uma trégua que envolvesse o fim do sítio de áreas palestinas, inclusive o aeroporto.
Marcaram um novo encontro para a semana seguinte, mas enquanto os dois velhos conhecidos conversavam, um soldado da IDF matou um estudante na Faixa de Gaza à queima roupa... E o mês terminaria como começara.

Outubro chegou com uma bomba que sacudiria o governo de Israel como este vinha sacudindo a Autoridade Palestina em sua operação de assassinatos de seus altos executivos.
George W. Bush, desesperado com o ataque aos Estados Unidos e correndo atrás da ajuda dos países árabes em sua guerra contra o Al-Qaeda, declarou-se favorável à criação de um Estado da Palestina. Contanto que este reconhecesse o direito de exitência de Israel.
Ariel Sharon subiu nas paredes e declarou que os esforços dos Estados Unidos para angariar apoio árabe em sua guerra contra o terrorismo, leia-se, Ben Laden, não evitaria que ele continuasse sua campanha nos Territórios Ocupados. Que Bush não "apaziguasse" os árabes em detrimento do avanço de sua política de ocupação!
O bate-boca durou uns dias, e enquanto isto a Frente Popular de Libertação da Palestina tramava a retaliação contra Sharon pelo assassinato de Abu Ali Mustafá.
O líder palestino morto pelos dois mísseis lançados de um Apache no dia 27 de agosto, foi vingado em Jerusalém.
O alvo foi o ministro do turismo Rehavim Ze'evi, baleado na porta do hotel em que estava hospedado.
Ariel Sharon parou logo as negociações que engatinhavam, jogou toda a responsabilidade em cima de Yasser Arafat irrelevando o precedente de seus próprios assassinatos, e decidiu endurecer as operações militares.
Do dia 18 ao dia 21 a IDF invadiu todas as cidades palestinas autônomas, inclusive Ramallah, Jenin e Belém.
O dia 24 de outubro seria o mais sangrento do ano de 2001. Os Apaches sobrevoavam as cidades metralhando e bombardeando às cegas, os tanques os seguiam causando mais estrago, e os caterpillars armados passavam demolindo o que encontrassem - carros, casas, gente.
O ataque foi tão bárbaro que até os EUA intervieram, em voz baixa.
Ariel Sharon não deu bola para Colin Powell a quem disse que a IDF continuaria no terreno "evitando terrorismo e prendendo terroristas" - para ficar em fase com a terminologia que estava na moda em Washington, e continuou sua campanha bélica.
Usou o jargão de Washington, a AIPAC puxou a rédea e Bush calou a boca na hora. 
No dia 24, a IDF matou mais 6 pessoas em Beit Rima antes da retirada em que deixava atrás das tropas 13 mortos e 20 feridos graves.
(Feridos "colaterais" na Palestina nem entram nas contas. Ferimento de estilhaços, de raspão de bala, de efeitos nocivos de gás são tão comuns que nem são contabilizados. Quando as estatísticas falam em feridos, falam nos que são hospitalizados em estado realmente grave. Os demais são tratados em casa porque não podem e não querem tirar lugar precioso e raro nos hospitais ainda não bombardeados.)
A semana de retaliação da IDF à execução de Rehavam Zeevi, deixou mais de 40 mortos e centenas de feridos na Cisjordânia.
No dia primeiro de novembro a operação vingança prosseguiu do alto. Mísseis israelenses estraçalharam Jamil Jadallah, um chefe militar do Hamas e mais cinco resistentes.
No dia 05 Ariel Sharon adiou sua viagem a Washington por causa "da situação de segurança no país". Contava passar em Londres para ver o amigo Tony Blair, que sabe-se lá por que cargas d'água, já virara "simpatizante" da AIPAC.
Em outra operação militar no dia 08, soldados disfarçados assassinaram outro membro do Hamas. Issa Dababsa de 50 anos, em Yatta, e feriram dois parentes que se encontravam no local.
No dia 13 foi a vez de Mohammed Hassan Reihann, em uma operação que envolveu uma tropa inteira em Tell, perto de Nablus.
Depois a IDF cometeu a bobagem de metralhar de AH (helicópteros Apaches estadunidenses), a American School of Gaza, em Beit Lahyia, no norte da Faixa. Escola frequentada também por filhos dos estrangeiros baseados no local.
Aí foi demais para Colin Powell.
Os boatos em Washington eram que ele já estava para ter um ataque de nervos de general para general. Mas seu patrão pediu-lhe calma.
A discórdia foi abafada e Powell conseguiu de Sharon a promessa vaga e nula de um encontro.
No dia mesmo da promessa os caterpillars D9 passaram ao ataque na Faixa de Gaza demolindo casa atrás de casa.
Sharon disse que era para construir novas residências para os colonos importados de algum país distante e completou com a informação que autorizara a ocupação de moradias palestinas em Hebron, apesar da objeção pública do Secretário de Estado estadunidense.
Os palestinos reagiram com uma operação falha. No dia 25 o general da IDF Shaul Mofaz escapou por pouco de uma explosão nas montanhas de Hebron.
A resposta da IDF à operação falha foi pesada. Uma tempestade de mísseis, balas de borracha e gases caiu nos hebronitas sem parar.

A artilharia do Primeiro Ministro de Israel deixou atrás de si ressentimentos revigorados e no dia 01 de dezembro um bomba-suicida explodiu um ônibus em Israel matando três pessoas e ferindo nove. Irado, Sharon embarcou para Washington no intuito de conseguir o apoio de Bush para sua demanda de sete dias de calma antes de retornar à mesa de negociações.
Em seguida, o Primeiro Ministro israelense chamou Yasser Arafat de "irrelevante", o deteve em Ramallah e seus Apaches e F16 procederam a um bombardeio desenfreado à moda da represália da OTAM no Afeganistão com a desculpa de Ben Laden.
Os estragos foram tantos e a detenção de Arafat foi tão absurda que Saeb Erekat apelou para os países árabes dizendo que os ataques noturnos de Sharon "eram uma declaração de guerra".
Saeb Erekat argumentou com palavras e a resistência armada com um atentado que deixou 25 mortos em Israel.
Só que em vez de cruzar os braços ou ordenar novos ataques como fazia seu homólogo israelense, Yasser Arafat ordenou a prisão de mais de duzentos militantes do Hamas e do Jihad Islâmico.
Apesar das providências impopulares que Arafat tomara a fim de demonstrar boa vontade, Sharon decidiu em vez de conversar, praticar a punição coletiva que era a imagem de marca das Forças Armadas israelenses.
No dia 08 deixou os Apaches estacionados e pôs no ar aviões de combate.
O alvo era a Mukata'a - sede da Autoridade Palestina - em Gaza. O bombardeio deixou mais de 15 feridos e repercutiu em toda a Palestina. 
Mas o general primeiro-ministro não achou essa medida suficiente para vingar seus compatriotas. No dia 10 bombardeou Hebron matando dois meninos, um bebê, ferindo doze adultos e adolescentes; na mesma noite vários prédios públicos foram bombardeados no norte da Faixa de Gaza e no dia 11 soldados mataram dois palestinos perto de Tulkarm em uma barragem da IDF na Cisjordânia.
Os palestinos retaliaram atacando uma das invasões judias matando 10 pessoas e deixando 34 feridos.
E os aviões de combate da IDF voltaram ao ar.
Bombardearam Nablus, um quartel policial em Gaza, o quartel general da polícia naval na Faixa e a unidade de radar do aeroporto, cujas pistas já tinham sido destruídas pelos caterpillars.
Uma mulher morreu durante a investida e dez outras pessoas ficaram feridas.
No dia 14 os caterpillars D9, tanques, Apaches, aviões de combate, continuaram a campanha de destruição dos edifícios públicos para aniquilar toda a infra-estrutura construida desde a criação da Autoridade Palestina.
Dezenas de milhões de dólares adquiridos a duras penas partiram em fumaça em poucos dias.
Sem contar as vidas perdidas e destruídas.
A hostilidade destrutiva de Sharon era tanta, que em Israel a imprensa conjeturava se o seu próximo passo seria a guerra total. E os jornalistas estrangeiros se perguntavam o que podia ser mais total do que a devastação que viam todos os dias.
O mês continuou no mesmo ritmo desvairado.
A adesão aos grupos de resistência palestinos aumentou, os já militantes ficaram ainda mais aguerridos por causa da perda de familiares durante as operações militares da IDF e as ocupações rudes das moradias pelos soldados inimigos, e dezembro começou com três atentados suicidas nos dois primeiros dias.
Em Jerusalém Ocidental e em Haifa, no norte de Israel, provocando 26 mortos e cerca de duzentos feridos no total.
A imprensa internacional lamentou os "atos terroristas" calando a violência da ocupação que os provocava e Sharon cuspiu fogo, literalmente.
No dia 04 parecia ter lançado todos os seus caças F16 sobre os Territórios Ocupados.
Voltou a declarar Yasser Arafat "irrelevante" e para perplexidade internacional, o deteve em Ramallah.
Cercou a Mukata'a (o "Palácio do Planalto" palestino ) de dezenas de soldados.
No dia 24 de dezembro, Sharon o impediu inclusive de assistir à tradicional Missa do Galo em Belém com a esposa e a filha, rompendo a tradição que Arafat mantinha desde 1995 quando os palestinos recuperaram a cidade.
Esta medida do Primeiro Ministro de Israel criou um outro precedente na História Geral. A Palestina é o único lugar do mundo em que um presidente foi detido por um chefe de Estado estrangeiro durante mais de um mês sem que a ONU interviesse de maneira decisiva.
Lembro da perplexidade dos jornalistas e dos demais ocidentais em Ramallah diante desta situação imprecedente. No mínimo inusitada e no máximo inadmissível.
Yasser Arafat invocou a ilegalidade da prisão domiciliar, pediu auxílio internacional, em vão.
Após perder as celebrações natalinas católicas, queria pelo menos ir com a família às celebrações da Igreja Ortodoxa Grega no dia 06 de janeiro e da Armênia, no dia 16, mas Ariel Sharon foi irredutível.
Os Estados Unidos e a Europa estavam enredados no Afeganistão em uma guerra própria contra o Al-Qaeda e a imprensa estava com assunto de sobra para encher seus jornais. Israel infringir as leis internacionais já era um assunto banal - um golpe baixo a mais não passava de um golpe a mais e a Palestina que se virasse com os meios que encontrasse.
Arafat só poderia deixar Ramallah depois que prendesse os dois homens que tinham matado o ministro de turismo israelense, declarou Sharon com a autoridade que se dava.
Os assassinatos dos assessores de Arafat eram "atos de guerra" executados em toda a impunidade peculiar às Forças de ocupação, segundo a propaganda dos comunicados de imprensa de Tel Aviv. Mas toda ação da resistência palestina era "ato de terrorismo" que tinha de ser punido como tal.
E assim acabou o ano. Com 801 mortos e centenas de feridos.
Do lado israelense, 190 mortos dentre os quais 85 civis vítimas de bombas-suicidas. Destes, 36 menores de 18 anos.
Do lado palestino, 611 mortos. 80 menores de 18 anos.
O ano de 2002 seria pior ainda.


"All who want to see an end to bloodshed in the Middle East must ensure that any settlement does not contain the seeds of future conflict.
Justice requires that the first step towards a settlement must be an Israeli withdrawal from all the territories occupied in June, 1967. A new world campaign is needed to help bring justice to the long-suffering people of the Middle East."
Bertrand Russel, 1970

Reservistas da IDF, Forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence 


Shovrim Shtika - Breaking the Silence
Nablus
 Balata

Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/

Nenhum comentário:

Postar um comentário