domingo, 24 de junho de 2012

Israel vs Palestina: História de um conflito XIII (08/09 2000)


A reunião de cúpula de Campo David terminou em julho de 2000 com a "oferta generosa" de Ehud Barak recusada por Yasser Arafat.
Logo em agosto soldados da IDF deram um tiro na cabeça de Mahmoud Abdullah, um palestino de 70 anos, e impediram que tivesse socorro médico durante uma hora. Fato corriqueiro nos Territórios Ocupados, mas este senhor tinha nacionalidade estadunidense e o caso deu no que falar; até terminar em pizza, como todos os casos similares.
No dia 18, três semanas após o colapso de Campo David, os negociadores voltaram a reunir-se em torno de uma mesa para dialogar como haviam prometido ao deixar os EUA.
Ehud Barak tomou a dianteira mediática comunicando que "oferecia" aos palestinos um estado independente contanto que terminassem formalmente o conflito com Israel.
Na mídia estas palavras soaram como uma demonstração de sua imensa boa-vontade, mas na verdade, era um belo golpe de palavras, pois quaisquer que fossem as garantias apresentadas por Yasser Arafat, poderiam ser consideradas insuficientes e ele sempre sairia de bonzinho na história.
De quem foi esta ideia brilhante, não se sabe, mas que Dennis Ross estivesse nas imediações era bem provável.
E o enviado estadunidense ficou lá fazendo seus conchavos.
Com a corda toda, Ehud Barak voltou às manchetes quando "garantiu" que "quando" Jerusalém estivesse sob sua guarda, nenhum dano seria causado aos santuários e às duas mesquitas, como se as igrejas que a cidade abriga não corressem  o mesmo perigo. Até então eram bem cuidadas pelos cristãos palestinos.
"Yasser Arafat sabia muito bem que se seus compatriotas não podiam circular livremente na cidade, mesmo esta sendo legalmente de sua propriedade e sob suposta tutela internacional; como ficaria quando ela tivesse só um dono e este dono em vez da ONU fosse sionista, intolerante e expansionista? Que garantia tinha que os cristãos e os muçulmanos não seriam atacados pelos judeus extremistas como acontecia em Hebron a toda hora do dia?" disse um de seus colaboradores.
Portanto o líder palestino descartou de cara a oferta generosa do primeiro ministro israelense, dizendo que jamais assinaria um tratado de paz que não lhe garantisse a soberania de Jerusalém Oriental incluindo a cidade antiga. Segundo determinação das Nações Unidas.

Foi neste clima que as discussões prosseguiram setembro adentro.
Barak rejeitava quase todas as propostas palestinas, mas mesmo assim, sabendo que o seu padrinho gringo não o deixaria à míngua, declarou que apesar de discordar de "algumas" ideias do líder palestino retomaria o diálogo se Arafat aceitasse que as negociações se baseassem nas ideias de Bill Clinton.
Pressionado por todos os lados e com a fama de ranzinza mal-agradecido ganhando a mídia que convence a opinião pública, Arafat voltou a conversar com enviados estadunidenses em meados de setembro para esclarecer pontos significantes.
Mas quando no dia 19 Ehud Barak negou soberania palestina inclusive no santuário de al-Haram al-Sharif, o pouco que fora construído foi por água abaixo em um minuto.
Em uma última tentativa de conciliação, Arafat adiou a declaração unilateral de Estado enquanto em Tel Aviv a tática da contra-informação prosseguia. Anúncios contraditórios ou ambíguos choviam, embora boatos corressem que Barak estava para concordar com a repartição de Jerusalém, que aos olhos de seus aliados de Washington parecia viável.
Aí chegou o dia 26 de setembro que precedeu uma data que ficaria nos anais negros do conflito.
O general Ariel Sharon, algoz de Sabra e Shatila, anunciou que pretendia ir à Esplanada da mesquita al-Aqsa.
O chefe do serviço de segurança palestino avisou imediatamente o governo israelense: "Se Sharon entrar neste sítio religioso, haverá uma revolta".
Não receberam resposta e a imprensa só obteve dos responsáveis do Likud respostas evasivas como "Não é certeza que a visita aconteça. Estamos esperando o parecer da polícia".
A expectativa aumentou, a preocupação mais ainda, o boato espalhou-se por Tel Aviv e os pacifistas, apreensivos, condenaram a visita que se anunciava de maneira enfática.
Todos sabiam que além da provocação gratuita, para todos os palestinos Ariel Sharon simbolizava repressão, invasão e crueldadde absoluta.
Lembram e relembram os filhos que era ele o Ministro da Defesa em 1982 durante a ocupação militar de Beirute e que inclusive a comissão de investigação israelense o considerara moralmente responsável pelos horrores cometidos nos massacres de Sabra e Shatila.
Sem contar que depois de ter sido afastado do cargo, adquirira um apartamento em plena Jerusalém antiga encorajando outros militantes sionistas a se implantarem na cidade palestina.
Ehud Barak, que acumulava o cargo de Ministro da Defesa, foi avisado e não deu a atenção devida. Limitou-se a autorizar escolta militar à comitiva.
Além de autorizar a "visita", não viu utilidade em preparar os soldados da IDF para a eventual reação visceral que a Autoridade Palestina considerava provável, temia e avisara para evitar que a situação piorasse.
Às sete e meia da manhã do dia 28 do ano 2000, o general Ariel Sharon, presidente do partido de extrema direita Likud, resolveu voltar ao palco com um golpe que ficaria nos anais do oriente Médio como o ato de provocação mais crasso de uma autoridade israelense, quase um ato de guerra. Guardando as proporções, do peso do assassinato em Saraievo do arqueduque austro-húngaro Franz Ferdinand, que em 1914 encadeou uma série de eventos que levariam à Primeira Guerra Mundial.
Sharon penetrou no pátio da mesquita situada no Al-Haram al-Sharif ou o Monte do templo, no coração de Jerusalém, de cara fechada. Estava com sua delegação partidária, protegido por dezenas de soldados das forças especiais bem armados.
Este complexo religioso localizado no sítio do antigo templo de Herodes e da Basílica de Nossa Senhora é hoje o primeiro Qibla dos muçulmanos e o terceiro santuário do islamismo. Ele contém também uma área sagrada do judaísmo.
O pretexto que Sharon usara para esta campanha político-militar era débil - conferir a procedência de reclamações de arqueólogos judeus que diziam que as autoridades religiosas muçulmanas haviam vandalizado sítios arqueológicos de um estábulo presumido do rei Salomão, localizados sob o monte, durante a conversão do local séculos antes.
O que não se sabe é como e se as autoridades responsáveis caíram nessa desculpa esfarrapada ou se concordavam com a iniciativa do presidente do partido rival.
 
Ao serem informados do aparato, parlamentares palestinos e três deputados árabes do Knesset foram lá na hora marcada tentar argumentar, mas foram mantidos à distância enquanto Sharon e comitiva penetravam no recinto com estardalhaço.
A marcha ostentatória foi breve, durou 35 minutos. Sharon sabia do risco que corria e como bom general acostumado com carnificinas, queria estar longe quando o pavio que estava acendendo explodisse a bomba política.
Os palestinos que estavam na esplanada tinham ido orar e foram pegos de surpresa com a visita indesejada, pois a Autoridade Palestina preferira agir sozinha e manter segredo, a fim de não pôr lenha na fogueira.
Esta precaução serviria pelo menos para diminuir as perdas imediatas.
No dia mesmo, após a retirada estratégica de Ariel Sharon às 8h05, os poucos homens que se encontravam na Esplanada apenas gritaram "Dê o fora, assassino!" lançando sapatos contra os policiais israelenses que protegiam o general e que, detrás dos escudos, responderam com balas de borracha que deixaram vários feridos.
Enquanto isto Sharon explicava à imprensa: "É inaceitável que em plena Jerusalém, sob soberania israelense, um judeu não possa ir livremente a um dos lugares sagrados do judaísmo..." acrescentando em seguida a frase que acenderia o pavio da bomba que deixara para trás bem à vista: "O monte do templo está em nossas mãos!"
Foi a frase fatídica divulgada em todos os canais de televisão e emissoras de rádio da região.
A tática de Sharon de deturpar os fatos desviando o enfoque do conflito -  de político-territorial que opunha israelense e palestino, ao religioso (omitindo de propósito os cristãos nativos que sofriam os mesmos prejuízos morais, religiosos e físicos a que os muçulmanos eram submetidos) - foi detectada mas não exposta como devia. Quando reivindicou em nome de "sua" religião a propriedade da esplanada da mesquita que para os judeus é o monte do templo e para os cristãos a antiga basílica de Nossa Senhora - mas nem o Vaticano cria caso com isto - tinha a clara intenção de bloquear toda solução política e abrir caminho aos fanáticos que o ouviam.
Até os palestinos, muçulmanos e cristãos, com nacionalidade israelense, se sentiram diretamente visados pela provocação de Sharon. São mais de um milhão de sobreviventes à Naqba que vivem sobretudo na Galileia, em Jaffa e nas imediações de Haifa e que constituem vinte por cento da população israelense.
E por que Ariel Sharon organizou este ato ostentatório logo nessa hora?
Dizem que é por ter ficado sabendo que o primeiro ministro Ehud Barak estava para admitir o princípio de "uma cidade para duas capitais", ou seja, que Jerusalém seria a capital de Israel e da Palestina.
Esta "urgência" que teria dado uma chance ínfima à retomada das negociações teria motivado a visita estratégica de Sharon.
Mas não foi só por isto.
Sentiu que Ehud Barak estava fragilizado e queria mostrar que Israel é quem mandava, que tudo estava sob controle, lacrado, inclusive os santuários das duas religiões do povo palestino.
Visava as eleições e para ganhar tinha de contar com os votos dos extremistas se colocando como o bravo defensor dos interesses judeus e portanto levar vantagem sobre seu adversário político Barak e seu aliado Netanyahu, com uma única cajadada.
O ato de Sharon foi pensado.
Em um dia, em uma hora, transformou a percepção dos integristas. No conflito político objetivo, suscetível de resolução negociada, o general aposentado com sede de guerra projetou a obscuridade de um conflito pseudo-religioso que é por definição subjetivo e que portanto, neste caso específico, excluía possibilidade de compromisso.
No dia seguinte ao ato desastroso, dia 29, Jerusalém assisitiu a uma passeata de protesto de centenas de universitários, após a oração da sexta-feira (o "domingo" muçulmano).
Despreparados para a rebelião espontânea ao ato desrespeitoso do general Buldozer (como Sharon é chamado pelo seu incentivo à destruição de moradias para implantar invasões judias), a IDF reagiu com força brutal, muitos jovens foram agredidos a cacetada, a balas, sete morreram no local e 1.800 sofreram ferimentos mais ou menos graves.
Multiplicando este número pelo de familiares, parentes, amigos, conhecidos e pessoas relacionadas por tabela, a repressão sangrenta de Jerusalém e imediações fomentou uma bola de neve de passeatas nas principais cidades da Cisjordânia, em Gaza e em Israel - onde pela primeira vez na história a IDF atiraria em cidadãos nacionais.
Um relatório da Anistia Internacional demonstraria mais tarde que a maioria das vítimas palestinas nesta data era de jovens participantes das passeatas e passantes que não constituíam nenhum perigo para os soldados.
Daí em diante, de todo funeral eclodiria uma passeata de protesto que terminaria em pedras contra gases, tanques e balas que provocariam mais feridos, mais mortes, bombas-suicidas, prisões arbitrárias, torturas, mais revolta, bombardeios desvairados...
Assim começou a Intifada Al-Aqsa, conhecida como a Segunda Intifada.

"Palestine is the cement that holds the Arab worl together, or it is the explosive that bloxs it apart."
Yasser Arafat

Objetores de consciência e reservistas da IDF, forças israelense de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence

Professor Edward Said com a palavra

Professor Noam Chomsky com a palavra

Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/

Petição internacional para o reconhecimento do Estado da Palestina  

domingo, 17 de junho de 2012

Réquiem para um jogador de futebol


No final do campeonato escocês de primeira divisão no dia 13 de maio, a torcida Green Brigade do Celtic FC mostrou que nem todos os torcedores de futebol (ou de esporte em geral) são desprovidos de consciência política e moral.
Durante o clássico que os opunha ao Heart of Diglothian FC de Edinburg, os torcedores da Green Brigade do Celtic surpreenderam os jogadores, o público e as transmissoras de televisão misturando às suas bandeiras verde e branca uma faixa em que se lia  "Dignity is More Precious than Food" - A Dignidade é mais preciosa do que comida.
Na mesma hora apareceram entre as bandeirolas com as cores irlandesas do Celtic dezenas de bandeiras preto, branco e verde da Palestina.
No website do clube estava escrito "We are all Hana Shalabi"  Somos todos Hana Shalabi. "Fizemos isto em solidariedade, para chamar a atenção e porque é a coisa certa. Queremos que os palestinos saibam que estamos pensando neles e queremos encorajar a sociedade civil escocesa a olhar para a injustiça na Palestina."
(Lá na Escócia, o Celtic conhece o preconceito nos ossos e na pele, pois foi criado em 1887 por um padre marista Walfrid para ajudar a comunidade irlandesa pobre em Glasgow, onde o clube principal, Rangers, até meados do século XX não contratava nenhum jogador católico e discriminava os funcionários casados com mulheres desta confissão religiosa.)
No dia 13 de maio em que a torcida Green Brigade fez este ato público de solidariedade, mais de 2.000 prisioneiros políticos palestinos estavam em greve de fome nos presídios israelenses. Negociações foram feitas no dia seguinte, a greve foi interrompida e as demandas aceitas por Tel Aviv estão sendo lentissimamente satisfeitas.  

É possível que esta tomada esportiva de consciência se alastre pelos estádios europeus e quem sabe nos nossos, devido a um fato diretamente ligado ao mundo futebolístico e à pressão de vedetes internacionais deste esporte popular.
Na semana passada o ex-jogador do Manchester United e da seleção da França Eric Cantona, o cineasta inglês Ken Loach e o professor do MIT Noam Chomsky entraram na luta pela libertação de um jogador de futebol preso injustamente.
Trata-se de Mahmoud Sarsak.
Mahmoud é palestino de Rafah, na Faixa de Gaza.
Desde menino sonhava em ser jogador de futebol idolatrando o nosso deputado Romário, o nosso embaixador humanitário Ronaldo e outros príncipes tupiniquins dos gramados e das causas válidas.
Só que sonhar com futebol na Palestina é como sonhar com Papai Noel em família carente até a alma.
Como os nossos ídolos que lavam nossas almas da dureza da vida, ele cresceu com a bola nos pés e na adolescência foi convocado para a seleção da Palestina logo interessando vários clubes nacionais.
Mahmoud escolheu o clube de Balata, no norte da Cisjordânia, pelo qual foi contratado.
Só que para integrar seu clube tinha de sair de Rafah e ir para Balata, é claro.
Então preparou a mudança entusiasmado como qualquer jogador que está começando a carreira profissional - como quando o Romário saiu da Vila da Penha para o Vasco, o Ronaldinho de Bento Gonçalves para o Cruzeiro de Belo Horizonte.
Só que para o Romário passar de um bairro para outro do Rio de Janeiro deve ter sido só entrar em um ônibus ou caminhar até o clube que o contratara, pois nenhuma barragem estrangeira obstruía seus passos. E o Ronaldinho só teve de pegar o avião no Rio, descer em BH, integrar-se ao Cruzeiro e começar sua carreira ascendente como o Romário sem entraves externos, pois graças a Deus são brasileiros e o Brasil é um país de terras contínuas, independentes e abertas.
Nasceram no Brasil como Pelé, Zico, Rivaldo, Neymar, enfim, todos os nossos prodígios, mas poderiam ter nascido em outras terras. Onde seu talento em vez de florescer tivesse sido cerceado e ao invés de ganharem copas do mundo, títulos conjuntos e prêmios internacionais pessoais, justamente por causa deste talento tivessem ido parar na cadeia.
O talento de Mahmoud Sarsak não o levou à merecida glória. Levou-o para trás das grades de um presídio estrangeiro.
Pois a Palestina não é o Brasil e lá é outra história.
A terra palestina é descontínua e ocupada.
A Palestina é composta de dois enclaves - da Faixa de Gaza que faz fronteira de um lado com o Mar Mediterrâneono e do outro com Israel e da Cisjordânia que faz fronteira com Israel e com o Mar Morto (também ocupado) e a Jordânia.
Para ir da Faixa de Gaza para a Cisjordânia tem de atravessar o Estado autônomo de Israel.
Para sair da Faixa de Gaza e atravessar o país ocupante tem de ter autorização especial das autoridades israelenses.
O clube de Mahmoud Sarsak tomou as providências necessárias e o "visto" de travessia foi batalhado e assegurado. A autorização foi regularizada e ele fez as malas pedalando em sonhos de um futuro de gramados e galera gritando seu nome por todos os lados.
Só que para sair da Faixa de Gaza tem de atravessar uma No Man's Land de um quilômetro e passar pelo chechpoint israelense de Erez.
Pois bem.
No dia 29 de julho de 2009 Mahmoud pegou a mala magra e lá foi ele aos 22 anos em sua viagem iniciática.
Ao chegar em Erez os soldados da IDF (forças armadas israelense) o detiveram apesar do "visto" de passagem... e naquele dia, naquela hora, seu futuro promissor virou um inferno.
Foi acusado de "combatente inimigo"... e começou sua via crucis.
Ao ficar sabendo da manobra, Mouzaffar Dhouqan, presidente do Clube de Balata, ficou surpreendido porque tinha cuidado ele mesmo dos trâmites administrativos necessários junto à IDF e sabia que estava tudo em ordem.
Portanto reclamou e desde então vem apelando para todas as instâncias internacionais que queiram ouvi-lo, sobretudo a FIFA. Acabou sensibilizando até Joseph Blatter, que uniu-se esta semana à campanha de Eric Cantona, Ken Loach e Noam Chomsky para a libertação do jovem cujos sonhos foram destruídos pelo ocupante inimigo. 
Mahmoud está preso em Israel desde o dia 22 de julho de 2009 sem nenhuma acusação formalizada, sem processo, enfim, sem razão nenhuma.
As autoridades judiciárias israelenses continuam sem querer formalizar sua prisão ilegal e desde que foi preso nunca teve direito de visita nem da família.
Como disse acima, mais de dois mil detentos palestinos fizeram greve de fome do dia 23 de março até o dia 14 de maio, quando por pressão internacional e nacional (blogs anteriores) um acordo foi assinado.
Apesar do acordo coletivo, Mahmoud e dois outros jovens continuaram a greve de fome individual porque queriam garantia assinada.
A greve de fome de Mahmoud está completando 90 dias. Seu estado é periclitante. Sua vida está por um fio.
E o que é mesmo tão difícil que ele reivindica? Que a Corte Suprema de Israel se comrometa por escrito a não renovar sua detenção e que o solte em julho - pois neste processo esdrúxulo de detenção "administrativa" contrária ao Direito Internacional, a detenção em Israel é renovada semestralmente, automaticamente, sem perspectiva de revisão do caso.
O que pode levar o prisioneiro político à prisão perpétua sem saber e sem que se saiba por que cargas d'água encontrou-se brutalmente atrás das grades.
Na quarta-feira o advogado de Mahmoud o convenceu a consumir alguns nutrientes à espera que a Justiça israelense tratasse de seu caso no dia 14.
Se a Corte Suprema israelense não garantisse sua liberdade em julho, ele disse que pararia inclusive estes até sua morte. Pois estar preso sem motivo e sem perspectiva de ver-se livre é estar morto-vivo. 
Se ele for libertado terá de ser hospitalizado de urgência para que não morra.
Oum al-Abed, mãe de Mahmoud, acusa "as forças de ocupação" de quererem matar seu filho, e o irmão Imad fez um apelo aos desportistas em geral: "Pedimos aos clubes de futebol através do mundo a salvar a vida de um jogador de futebol. Não sabemos porquê ele está detido. Ele nunca nem mexeu com política."
Na porta de seu antigo clube de Rafah tem uma foto enorme de Mahmoud.
No nosso dia dos namorados o site da FIFA mencionava os relatórios das organizações de Direitos Humanos que acusam a prática israelense corriqueira de deter os jogadores de futebol da seleção palestina em violação à sua integridade física e moral e aos seus direitos humanos básicos, e realça o caso de Mahmoud Sarsak.
Joseph Blatter dirigiu-se diretamente à IFA (Federação israelense de Futebol) para que interceda a favor de Mahmoud.
Eric Cantona foi mais longe.
Enviou carta aberta ao ministro britânico dos esportes Hugh Robertson e ao presidente da associação de futebol europeia UEFA, o também ex-jogador da seleção da França Michel Platini, solicitando que Israel seja submetido ao mesmo exame escrupuloso ao qual a Polônia e a Ucrânia foram submetidas no Euro 2012 antes que o evento internacional de futebol programado aconteça lá em 2013.
"Está na hora de acabar com a impunidade de Israel e exigir deste país os mesmos critérios de igualdade, justiça e respeito das leis internacionais reclamadas aos outros Estados."
A carta foi co-assinada por Ken Loach e por Noam Chomsky.
A Liga de Direitos Humanos e a Anistia Internacional se uniram ao pedido.
Será que o Romário, Ronaldinho e outros jogadores brasileiros ouvirão Eric Cantona; que torcidas e times brasileiros se unirão à batalha que o Celtic FC iniciou em maio?


NotaBene: O futebol é o esporte mais popular na Palestina.
A PFA (Associação Palestina de Futebol) foi criada em 1928. Nesse ano solicitou sua integração na FIFA e foi integrada em 1929.
Participou da classificação à Copa de 1934 e em 1948, quando Israel se auto-proclamou Estado e foi reconhecido pela ONU nas fronteiras que havia traçado unilateralmente, apossou-se desta vaga e a Palestina foi descartada do circuito futebolístico internacional.
A PFA ficou então nocauteada até 1962 quando se reconstituiu revigorada e ingressou na União das Associações árabes de futebol em 1974 quando esta foi formada.
Desde então passou a batalhar pelo reingresso na FIFA e acabou sendo aceita em 1998, após o estabelecimento da Autoridade Palestina.
Em 2011 formou uma equipe feminina.
Em 2009, três jogadores da seleção nacional - Ayman Alkurd, Shadi Sbakhe e Wajeh Moshtahe - foram mortos durante o bombardeio israelense da Faixa de Gaza.
O Estádio Nacional e a sede da Federação Paelestina de Futebol foram destruídas no mesmo ataque.
É dificílimo para os palestinos formarem uma equipe nacional e treinarem em conjunto por causa da perseguição das autoridades israelenses que impedem a mobilidade dos jogadores e da equipe técnica entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia - a Palestina desistiu há anos de contar com os jogadores que vivem na diáspora em campos de refugiados em países vizinhos e nos demais.
(Como se os nossos jogadores que moram fora do Rio de Janeiro fossem impedidos de aceder à Granja Comary e tivessem de treinar separado e inclusive faltarem aos jogos marcados por estarem imobilizados em uma barragem estrangeira dentro das fronteiras brasileiras.)  
No primeiro jogo internacional em casa contra a Tailândia em Ramallah no ano passado para a classificação às Olimpíadas, a seleção palestina foi desfalcada de 8 jogadores detidos no chekpoint de Erez quando saíam da Faixa de Gaza para dirigir-se à Cisjordânia.
O objetivo era claro, podar na raiz qualquer possibilidade de vitória que desse a menor oportunidade de aparecer em um evento internacional.
"Pedimos que todas as organizações internacionais pressionem Israel para que tenhamos liberdade de movimento. Apelamos para todos os clubes de futebol do mundo para que apoiem os nossos direitos mínimos de existir, de treinar e jogar sem correr risco de vida", disse o porta-voz da Federação de Futebol palestina Nabhan Khraishi.
"A seleção nacional é um símbolo forte de qualquer nação e mais ainda em uma nação sem Estado. É por isto que Israel visa sistematicamente destruir nossa seleção," diz um funcionário da Autoridade Palestina.
Os israealenses negam, mas o fato é que desde que a FIFA integrou a Palestina como membro integral, as autoridades israelenses sucessivas têm feito tudo para evitar a viabilidade internacional da equipe nacional através de obstruções diversas e variadas dos funcionários técnicos e dos jogadores, e da destruição sistemática do material esportivo e da infra-estrutura administrativa e de estádio.
Diz-se em Tel Aviv que o governo de Israel não teme apenas que os palestinos se unam em torno da seleção nacional. Temem também, ou melhor, mais ainda, que o mundo veja o time em ação e descubra que apesar da ocupação, apesar de tudo o que sofre no quotidiano, a Palestina existe e resiste de cabeça erguida.
Seria um sonho que a CBF desse o apoio necessário à Federação Palestina de Futebol?
E que os nossos jogadores aderissem à campanha de Eric Cantona?

PS de segunda-feira, dia 18.
Cedendo às pressões internacionais, sobretudo do comitê encabeçado por Eric Cantona que não deixou a FIFA tranquila, o governo de Israel concluiu no dia seguinte à publicação deste blog um acordo com Mahmoud Sarsak para que este cessasse sua greve de fome que almeaçava sua vida e punha em risco o acordo frágil negociado em maio com as centenas de prisioneiros políticos/de guerra palestinos que estavam para voltar à greve em solidariedade com o jogador de futebol injustiçado querido.
As autoridades responsáveis pelos presídios prometeram ao advogado de Mahmoud libertá-lo no dia 10 de julho, quando vence o seu sexto semestre de prisão administrativa. Em contrapartida, Mahmoud concordou em alimentar-se e está sendo tratado para recuperar a saúde perdida.
Seguiremos o caso para informar quando e se a promessa for cumprida.
Não esquecendo que os sequestros e prisões aleatórias, arbitrárias, ilegais continuam em prática e continuam tendo de ser combatidos. Mahmoud Sarsak é apenas um dos trezentos casos de palestinos em detenção administrativa. 

PS bis: Este "incidente" prova aos céticos quão fácil é resolver o problema do Conflito de Israel vs Palestina e da ocupação que envergonha o planeta.
Mostra como uma simples equação de ações resolve qualquer problema "insolúvel" da noite para o dia.
 
Jornalistas que informam +
Cidadãos comuns que exercem o direito de boicote e pressionam os próprios governos para que imponham sanções ao país infrator que oprime cruelmente outro povo + 
Cidadãos célebres (artistas, intelectuais, desportistas) que têm moral e ousam defender a justiça fora de suas fronteiras sem benefício próprio +
FIFA e demais Federações esportivas aderindo ao boicote de Israel como fizeram com a África do Sul do apartheid +
ONU exercendo o seu ofício de mandar os capacetes azuis imporem as leis internacionais (que ela mesma fabrica) e proteger um povo ocupado por outro que infringe todas as regras éticas e jurídicas que regem o mundo civilizado e faz de nós seres humanos em vez de selvagens.

PS, dia 10 de julho de 2012:
Graças à campanha internacional, Mahmud Sarsak foi libertado e já voltou para casa.







GOAL!
"Mahmund Sarsak, of the Palestinian National Football Team, was detained without trial and went on a three-month Hunger strike.
International footballers demanded his release, and suddenly the 'security considerations' evaporated into thin air.
An own goal by Israel."
Publicado no jornal Haaretz, no dia 22 de junho de 2012
Holandeses jogam futebol para os palestinos

Documentário Al Jazeera: Girls FC - Futebol feminino na Palestina

Documentário da BBC sobre a via-crucis da seleção da Palestina na Copa de 2006




  

Entrevista com a família de Mahmoud Sarsak


Lowkey: Long live Palestine

domingo, 10 de junho de 2012

Israel vs Palestina: História de um conflito XII (01/07 2000)

O novo milênio começou em Israel com acusações de corrupção contra o presidente Ezer Weizman que teria recebido presentes no valor de centenas de milhares de dólares entre 1988 e 1993 sem declarar.
Do outro lado da Linha Verde em que as preocupações eram terra a terra, Saeb Erekat, porta-voz da Autoridade Palestina, se mostrava otimista quanto ao implemento da negociação com Ehud Barak para recuperarem a posse da terra que a ONU lhes outorgara.
Nesta linha de ação, Yasser Arafat foi a Washington encontrar Bill Clinton.
Durante o encontro do dia 20 de janeiro o presidente dos Estados Unidos tentou convencer o líder palestino a não se fixar tanto nos noventa por cento que não obtivera e sim nos dez por cento com os quais Barak concordara (só faltando chamá-lo de mal-agradecido pelas migalhas que lhe ofereciam "de mão beijada") e fez promessas para enrolá-lo.
O primeiro ministro de Israel se encontrava em apuros e uma mãozinha gringa a mais não cairia mal. O Partido Trabalhista estava sendo multado em U$3.2 milhões por violação financeira durante a campanha e a Promotoria estava abrindo investigação criminosa para esclarecer o assunto. Barak argumentou que a lei de financiamento de partido não era clara, mas a multa foi mantida e a sua imagem sofreu um baque que não era fatal, mas que foi bem utilisada por seus adversários políticos nacionais.
Fevereiro chegou e apesar da montagem mediática do ano anterior, nada fora concretizado e as assinatura do Memorandum de Charm-el-Cheikh pareciam ter sido apagadas.
O único passo adiante foi dado em meados de março, quando a IDF retirou-se de 6,5% da Cisjordânia e a Autoridade Palestina passou a controlar, dentro dos limites de autoridade mencionados acima, 40% do seu território.
Nesta leva, o Knesset aprovou uma lei de devolução de mais três cidades, dentre elas Abu Dis, colada em Jerusalém, que alguns boatos internacionais indicavam como possível sede de uma futura capital palestina, contra a opinião majoritária que insistia em Jerusalém Oriental.
No tocante às negociações fevereiro trouxe uma má notícia.
Durante as negociações bilaterais, os israelenses apresentaram aos palestinos um mapa da Cisjordânia como uma ilha seca cheia de oásis ocupados por israelenses civis e soldados.
A proposta foi rejeitada no ato.
Tayyeb Abdel Rahim, próximo de Abu Ammar (como Arafat era chamado pelos próximos), foi quem confirmou aos jornalistas a existência do mapa que Israel submetera propondo fronteiras mais do que tortas. Nestas, Israel anexaria mais terra dentro da Linha Verde, a oeste e a leste, com blocos reservados à ocupação de colônias judias.
Quando o mapa voltou a ser enrolado a luz dos três meses de diálogo estavam embaçadas.
Então no dia seguinte, dia 03, Arafat e Barak se encontraram pessoalmente para explicitar melhor suas expectativas.
Arafat expôs a situação "inaceitável de transformar o território de terras contínuas que lhes cabia conforme as Nações Unidas em uma colcha de retalhos cortada por civis e soldados estrangeiros que tiravam além de terra, liberdade."
Barak defendeu seu ponto de vista pragmático e os dois homens se separaram.
Uma semana depois a imprensa recebeu um comunicado do governo de Israel reconhecendo que a IDF usara de força ilegal contra os palestinos durante a Intifada.
Coisa que as ONGs de Direitos Humanos denunciaram ao longo da revolta e após a calmaria, sem parar.
O relatório israelense feito em 1997 abrangia os anos de 1988 a 92 e dizia que os agentes do Shin Bet (serviço secreto interno israelense) que interrogavam os suspeitos mentiram sistematicamente sobre suas práticas aos superiores e à Corte.
Durante esses anos, centenas de homens, mulheres e crianças (de até 12 anos) foram presos e interrogados sob tortura denunciada por ONGs de Direitos Humanos e as proporções eram tão grandes que não havia como desmentir o que era patente.
Como não dava para negar o óbvio, mais valia admiti-lo exonerando o Estado da culpa. Em vez de confessar os crimes e assumir as consequências previstas pela Convenção de Genebra, o governo de Israel desculpou o Shin Bet e o Poder Judiciário de Tel Aviv deixando toda a culpa em indivíduos que dizam desobedecer ordens.
A manobra era clara, mas Ehud Barak saiu de bonzinho e desviou a atenção dos assuntos que incomodavam.
Yasser Arafat entendeu a manigância e pediu para Dennis Ross, o enviado de Bill Clinton, pressionar Ehud Barak para que retomasse o processo de paz com seriedade.
Reclamou, mas não ficou sabendo qual recado Dennis Ross passou ao primeiro ministro israelense.
Além de distante das confidências trocadas em Tel Aviv, ele estava ocupado com a iminente visita do Papa à Palestina. Casado com uma católica, a viagem do Papa tinha um sabor especial para a família do líder palestino.
João Paulo II, então com 79 anos, chegou à Palestina no dia 21 de março, beijou a terra emocionado, peregrinou por Belém com orações nos lábios, benzeu cristãos e muçulmanos e sua visita encheu os palestinos de esperança que o mundo os visse e admitisse a legitimidade de sua demanda de recuperar terra e cidadania.
O sistema de segurança era o de eminentes chefes de Estado, visitou um campo de refugiados, celebrou missa para milhares de cristãos na Praça Manger em Belém, ajoelhou-se na gruta em que Jesus recebeu a visita dos Reis Magos e foi embora sem indispor-se com ninguém, mas sem tomar o partido que os cristãos palestinos esperavam que tomasse, "se não por convicção político-ideológica que fosse pelo menos por afinidade religiosa". Mas não.
A visita foi cooptada pelo serviço de comunicação israelense e no final a imprensa tinha no máximo duas ou três fotos de Arafat com João Paulo II e dezenas de sua chegada no aeroporto de Ben Gurion com Ehud Barak e vídeos à vontade sobre sua estada em Israel.
Quase nada de sua passagem pela Cisjordânia, onde se encontram as principais cidades cristãs (exceto a Galileia que Israel agregou durante a Naqba, com o lago de Genezareth e o rio Jordão onde um os israelenses comercializam batizados rentáveis longe da Cisjordânia onde Jesus foi batizado por João Batista) cuidadas com o maior carinho.
O Papa voltou para o Vaticano deixando os palestinos a ver navios e enquanto isto as negociações continuavam entre os dois adversários.

Durante e após o interregno papal os israelenses diziam para quem quisesse ouvir que os representantes das duas partes estavam em fase. Hassan Abdel Rahamn, o chefe da OLP em Washington, mais comedido, falava que era cedo demais para afirmar para onde caminhavam.
E a imprensa, tomando o partido da "simpatia" do representante israelense sem se preocupar com o porquê da sisudez do palestino, reclamava da sua má-vontade aparente.
No final do mês, centenas de palestinos participaram de passeatas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza em protesto ao confisco de terras e às invasões judias que se expandiam enquanto em Washington seus representantes eram apertados cada vez mais contra a parede para abdicar de direitos mínimos.
A IDF pegou pesado, os estilingues saíram dos bolsos para combater os tanques e as balas de borracha e no final do dia 30 os hospitais palestinos estavam lotados. Algumas pedras atingiram soldados em lugares que os capacetes e escudos não protegiam enquanto distribuiam cacetadas, e seus companheiros de armas descontaram nas barragens e nas famílias quando "inspecionavam" e ocupavam as casas.
Enfim, a história de sempre que os reservistas da IDF repetem sem parar, Breaking the Silence.
Em abril as negociações recomeçaram em um clima pesado.
Os estadunidenses que mediavam os encontros estavam inquietos com as notícias que chegavam do Oriente Médio e a situação estava tão tensa que os egípcios, que até então se conformavam à condição de mediadores calados, resolveram intervir pela primeira vez para tentar explicar o óbvio que nem os Estados Unidos nem Israel conseguiam entender "apesar da evidência indiscutível".
"Vocês não podem ter a expectativa de paz sem concordar com o Estado da Palestina e sem fazer um acordo sobre Jerusalém. Vocês não entendem a frustração que os palestinos sentem com a ocupação", disse o embaixador de Mubarak, Nabil Fahmy, a seu colega israelense em Washington.
O recado foi mandado para Tel Aviv, mas Barak e seus colaboradores continuaram a desenhar o mapa de um Estado Palestino retalhando o território reconhecido pelas Nações Unidas.
Sentindo que estava em um beco sem saída, Yasser Arafat pediu que os mediadores estadunidenses participassem das reuniões para entenderem o cerne da questão que o preocupava e Ehud Barak acabou concordando em fazer uma concessãozinha depois de voltar a encontrar Bill Clinton. Seu tom era condescendente, como se estivesse atendendo a um mero capricho "de um velho rabugento", como se ouvia em Tel Aviv. E a imprensa caiu como um patinho.
A partir deste dia convenceu a "grande mídia" que os palestinos estavam agindo como garotos mimados que nada, por mais valor que tivesse a "dádiva", satisfazia.
Poucos foram os jornalistas formadores de opinião que se preocuparam em analisar quais eram tais presentes na íntegra, quanto valor tinham e para quê serviam.
A indisposição da mídia contra Yasser Arafat era tanta, sobretudo estadunidense, que quando uma semana mais tarde o líder palestino declarou sua decepção com a "mediação" infrutífera dos Estados Unidos, poucos colegas consideraram legítima a demanda de Arafat que Israel concordasse com um Estado Palestino que compreendesse a Cisjordânia, a Faixa de Gaza, a Jerusalém antiga e Oriental que lhes era devida e onde fariam sua capital. Dentro das fronteiras legais estabelecidas pela ONU após a criação unilateral do Estado de Israel no fim do Mandato Britânico.
Enquanto Barak se ativava no proselitismo, a Casa Branca, onde tudo se decidia de fato, estava em polvorosa, receando que o grande golpe mediático que fecharia o mandato de Bill Clinton falhasse. A data limite para um Tratado de Paz em setembro tinha de ser mantida, custasse o que custasse!
Yasser Arafat, cético com as motivações e os meios de Washington, resolveu dar um pulo na França para desabafar. No dia 26 encontrou em Paris o primeiro ministro socialista Lionel Jospin e o presidente Jacques Chirac, que lhe prometeu apoio no processo de paz.
Precisava do amparo de Chirac porque tinha outra reunião bilateral em Eilat, um resort israelense no Mar Vermelho, patrocinada por Dennis Ross em maio e precisava ter pelo menos um presidente do "primeiro mundo" do seu lado.
No nosso Dia do Trabalho, o chefe de cabinete de Barak, Haim Ramon, continuando a campanha de simpatia, pronunciou uma frase com sonoridade conciliatória  - que o Estado Palestino já era um fato e que o Tratado de Paz se resumiria a definir os limites em que seria criado.
Não deu nenhuma dica do que entendia por Estado Palestino.
A reunião em Eylat aconteceu após uma outra de duas horas em Ramallah e no dia 05 Israel voltou a tentar empurrar o mapa que compreendia cerca de dois terços da Cisjordânia com os mesmos recortes que os palestinos julgavam incaceitáveis.
Por isto nem se deram ao trabalho de ouvir o fim da fábula. 
Embora os comunicados de ambos os lados tenham sido que o encontro fora produtivo, uma fonte anônima palestina revelou em seguida que dessa vez os israelenses desenharam o Estado da Palestina que queriam.
Ou seja, dois terços da Cisjordânia determinada pela ONU e com terras descontínuas, recortadas por enclaves israelenses que impossibilitavam a autonomia de direito e de fato.
Enquanto que os palestinos queriam um Estado que englobasse a totalidade da Cisjordânia mais a Faixa de Gaza e Jerusalém como capital. Isto é, nas fronteiras de 1967.
No fim do encontro de Eylat os representantes de um e outro lado apertaram as mãos, mas no dia 08 a imprensa foi informada que os dois líderes não haviam conseguido "fazer uma ponte entre os espaços larguíssimos" e que era pouco provável que esboçassem um tratado de paz.
Ehud Barak aproveitou de novo para dar a impressão de estar de boa vontade e que o vilão era Arafat anunciando em voz alta que pretendia devolver à Autoridade Palestina três bairros de Jerusalém Oriental, precisando em voz bem mais baixa que era provável que não conseguisse levar a cabo este plano nas próximas semanas ou meses por causa da forte oposição interna, inclusive de membros de sua coalição política.
Yasser Arafat ouviu do começo ao fim e entendeu a estratégia da miragem.
Irritou-se, Barak ficou sabendo que ele não engolira mais esta e acabou admitindo que só concordaria com um Estado da Palestina em que as fronteiras finais fossem definidas de maneira que a maioria absoluta das invasões-assentamentos-colônias que alojavam os 200 mil judeus na Cisjordânia e na Faixa de Gaza ficasse sob soberania israelense e não do país em que se haviam instalado ilegalmente.
O resultado foi uma onda de protestos na Cisjordânia em lugares já autônomos em que até a polícia palestina foi envolvida em desespero de causa, incapazes de ver seus compatriotas sendo agredidos de braços cruzados.
No dia 19 os israelenses divulgaram que os palestinos tinham rejeitado sua "ótima" oferta na reunião da Suécia, deixando entender que a proposta era generosíssima, de 80% do território! - sem precisar que era repicado e inviabilizava a soberania de um Estado.
A imprensa caiu como um pato.
Quando as últimas tropas israelenses se retiraram do Líbano no dia 24 de maio, a "boa-fé" de Barak pareceu completa. Tinha cumprido a palavra de acabar com outra ocupação que durava mais de uma década. É um fato, mas a ocupação do Líbano custava a Israel os olhos da cara e era um golpe severo na sua popularidade nas capitais ocidentais por causa da influência internacional dos libaneses abastados.
Na verdade tirou uma pedra do sapato. 

Em junho Bill Clinton já estava dando faniquito. Sua estadia na Casa Branca estava terminando e não queria deixar o cargo com mais esta mancha no currículo.   
Instou então os dois líderes a cumprirem palavra de chegar a um Acordo antes da eleição presidencial nos EUA.
Contudo a agenda de pendências era longa e a via íngreme.
Faltava concordarem sobre questões básicas como o futuro de Jerusalém, extensão e qualidade do território devolvido aos proprietários, a questão dos refugiados e o ponto crucial dos recursos hídricos dos quais Israel se apoderara.
Como nem Barak nem Arafat queriam desagradar o presidente dos Estados Unidos, enviaram negociadores à base da aeronáutica Andrews, no estado de Maryland, e à base Bolling em Washington para considerarem o que faltava e parirem um protocolo apresentável em julho.
Ciente das propostas "generosas" infrutíferas repetidas na reunião a seus embaixadores, Yasser Arafat acabou denunciando as duas caras de Barak um pouco antes de encontrar-se com o seu representante Shlomo Ben-Ami no dia 16 em Maryland, enquanto em Washington as negociações eram interrompidas pelos palestinos por causa da recusa de libertação de mais 250 prisioneiros e dos termos de retirada da Cisjordânia.
Depois de conversar com Ben-Ami Arafat deixou seus compatriotas remando contra a maré nos Estados Unidos - repetindo que não viam como chegar a um acordo em setembro - e voltou para casa dizendo que os palestinos proclamariam seu Estado como Israel fizera 52 anos antes com ou sem seu consentimento.
A secretária de estado estadunidense Madeleine Albright foi correndo atrás dele, ou de Barak.  
Foi, mas foi surda à realidade. A segurança de Israel era o que mais lhe importava.
Organizou a reunião de cúpula que seu chefe queria a todo custo na qual os dois líderes tinham de esboçar um tratado de paz nem que fosse na marra.
Ehud Barak respondeu presente na hora, pois esperava que sob pressão estadunidense e mediática Arafat sucumbisse à proposta que ele e os compatriotas consideravam inaceitável.
Yasser Arafat exprimiu relutância - as lacunas eram tantas que uma reunião destas naquela hora, naqueles termos, naquele ponto, era ver a paz como uma quimera e não como uma realidade - mas ninguém queria escutá-lo. 
Tentou manter uma certa aparência diplomática, mas seus colaboradores foram claros, off the record, que o líder palestino temia que os mediadores estadunidenses tomassem o partido incondicional de Israel e o apertassem para que fizesse concessões impossíveis. 
Nas duas semanas que passaria em Campo David comprovaria tudo o que temia e suspeitava. 

Bill Clinton, apesar das reticências explícitas do líder palestino, anunciou no dia 07 de julho a tal reunião de cúpula entre Arafat e Barak em Campo David, a partir do dia 11.
O ano 2000 sendo o último de seu segundo mandato, Bill Clinton sonhava em redourar a localidade mística de Campo David - onde em 1978 o presidente Jimmy Carter conseguira o Acordo de Paz entre o egípcio Anwar el-Sadat e o primeiro ministro israelense Menachem Begin, e onde ele próprio conseguira reunir Yitzhak Rabin e Yasser Arafat em 1993 para fechar com um aperto de mão os Acordos de Oslo - patrocinando um novo encontro de cúpula, no qual o interlocutor de Yasser Arafat seria o atual primeiro-ministro Ehud Barak.
Só que Bill Clinton não era Jimmy Carter e nem Ehud Barak era Yitzhak Rabin.
O primeiro ministro do ano 2000 não conseguiu nem nuançar sua ambição territorial, hídrica e segurança absoluta, sem contrapartida válida.
O Encontro de julho foi um fracasso, mas não por causa de Arafat mal-contou a mídia enganada - um colega até ganhou prêmio de prestígio por um artigo baseado em informações unilaterais erradas.
Em vez de Acordo sólido, Bill Clinton conseguiu Acordo frágil e promessas vagas de ambos os lados.
Já no segundo dia, em uma tentativa de salvar o mínimo e de não ficar mal aos olhos do mundo, Clinton pôs os dois homens cara a cara para rasgar o verbo à vontade.
Os assuntos pendentes foram abordados; mas como os dois homens estavam sozinhos, seus estados de ânimos não vazaram, mas as caras na saída eram de poucos amigos.
Mesmo assim as negociações continuaram e no dia 19 Ehud Barak, no propósito de livrar a cara, mandou uma carta ao anfitrião reclamando da "má fé" dos palestinos.
Corriam boatos bem orquestrados que Barak decidira ir embora e então o anfitrião em questão adiou sua viagem ao Japão para ter uma conversa particular com Arafat.
Aliás desde o dia 11 que o presidente dos EUA andava de um lado para o outro tentando convencer um e outro a ceder algo.
Sobretudo Arafat que era o úncio que tinha a perder. Barak só tinha a ganhar, já que já possuia terra própria, Estado reconhecido e estava lutando apenas para expandir seu território em detrimento dos legítimos proprietários.
  
No dia 25, apesar das idas e vindas de Bill Clinton, dos tapinhas nas costas de Ehud Barak e das prensas dadas em Yasser Arafat, o diálogo sofreu um colapso.
O motivo imediato foi o futuro de Jerusalém, mas o motivo real era tão ou mais grave - o recorte da Cisjordânia que Barak premeditava e cujo mapa estendeu na cara de um Arafat indignado.
Diante deste impasse, Bill Clinton acabou tendo de declarar o que todos sabiam antes do encontro começar. Que as divergências não tinham sido resolvidas, mas previu que seriam, pois "acho que a alternativa é impensável".
No final das contas, Arafat e Barak reconheceram apenas ao que tinham ido. Acabar com as décadas de conflito, alcançar paz durável e prosseguir as negociações sobre um estatuto permanente o mais depressa possível, que estas negociações tinham de ser baseadas nas Resoluções 242 e 338 das Nações Unidas.
Concordaram em criar um ambiente livre de pressões, de intimidação, de violência para negociar e evitar ações unilaterais que prejulgassem os resultados; que suas diferenças fossem resolvidas de boa fé, que os Estados Unidos permanecesse um parceiro vital na busca da paz e que Bill Clinton e Madeleine Albright continuassem a ser consultados antes de qualquer decisão ser tomada entre as partes.
Trocando em miúdos, os dois homens se entenderam nas questões abstratas, mas se desentenderam nas concretas que realmente levariam à paz - território, Jerusalém, direito de retorno dos refugiados palestinos (então cerca de 3.9 milhões registrados na ONU) e a segurança.
Apesar dos desentendimentos, as delegações se comportaram como manda o figurino e no fim declararam que retomariam o diálogo sobre as questões permanentes o mais cedo possível.
Esta reunião de cúpula em Campo David durou duas semanas.
As pressões sobre Yasser Arafat foram tantas que temia-se que sofresse um ataque cardíaco. Até o chefe da CIA George Tenet jogou a (pre)potência da Agency e dos EUA na cara do líder palestino a fim de convencê-lo a capitular: We can make new borders, we can make peoples, we can make new regimes! E no final, quando viu que Arafat não se dobraria aos desejos de Bill Clinton e Ehud Barak, explicitou a ameaça: So you will be back to the Middle East alone. No que Arafat respondeu: "Se for o caso, você está convidado para o meu funeral. Mas eu não vou aceitar esta oferta."   
Aliás, este "evento" político deveria servir de exemplo em todas as escolas de jornalismo do planeta Terra e dos demais, de como não fazer jornalismo. De como a imprensa foi manipulada do início ao fim e até depois da poeira assentar.
A "grande" imprensa que forma opinião engoliu ingenuamente, ou não, os comunicados de imprensa como se fossem verdades absolutas e inquestionáveis - como uma década mais tarde nas "armas químicas" iraquianas e outras questões internacionais que eram porém questionáveis.
Arafat e Barak fizeram as malas e voltaram para casa com um perfil público bem forjado.
Ehud Barak com fama de magnânime.
Yasser Arafat de rabugento mal agradecido.
Hoje a verdade é conhecida, mas pouquíssimos jornalistas que cobriram o evento veiculando ingenuamente os comunicados de imprensa israelenses se retrataram.
Para entender porquê Yasser Arafat virou a mesa, a ONG israelense de Direitos Humanos Gush Shalom publicou em detalhes interativos quão inaceitável para Arafat foi a "oferta generosa" de Barak de repicar a Cisjordânia.
Dê uma olhadinha no link abaixo.

"The tragedy of the people of Palestine is that their country was “given” by a foreign Power to another people for the creation of a new State. The result was that many hundreds of thousands of innocent people were made permanently homeless. With every new conflict their number have increased. How much longer is the world willing to endure this spectacle of wanton cruelty? It is abundantly clear that the refugees have every right to the homeland from which they were driven, and the denial of this right is at the heart of the continuing conflict. No people anywhere in the world would accept being expelled en masse from their own country; how can anyone require the people of Palestine to accept a punishment which nobody else would tolerate? A permanent just settlement of the refugees in their homeland is an essential ingredient of any genuine settlement in the Middle East."
Bertrand Russel, 1970 
Reservista da IDF, Forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence

Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/