domingo, 5 de agosto de 2012

Israel vs Palestina: História de um conflito XVI (01-02 2001)




No final do ano 2000, enquanto a Intifada corria solta nos Territórios
Ocupados com consequências drásticas. Yasser Arafat e Ehud Barak só pareciam querer ver o outro com cantando Bandeira Branca com uma hasteada na frente da cara. Porém, isto não impediu que seus representantes voltassem a encontrar-se em Washington a fim de negociar uma saída da onda de violência prejudicial a ambos os lados. Lá a equipe de Bill Clinton redesenhou o mapa da Palestina (à esquerda) como uma alternativa aos recortes ainda maiores propostos por Tel Aviv.
Enquanto uns continuavam tentando acalmar a tempestade, outros só pensavam em alimentá-la. O mais poderoso destes era Ariel Sharon. Em janeiro de 2001 o "general buldozer" declarou morto os Acordos de Oslo em um jornal israelense de extrema-direita causando rebuliço geral.
Mesmo assim Yasser Arafat, sabendo que o braço armado do Fatah, o Tanzim, andava fazendo estragos e tirando a confiança do gigante David - não tão certo de conseguir conter o anão Golias como esperava - propôs ao Primeiro Ministro de Israel uma reunião de dez dias em Taba, no Egito, a fim de salvar o que ainda pudesse ser salvo.
Barak ponderou os prós e os contras e ficou esperando que Washington interviesse a seu favor como sempre.
Os prós eram que confrontado à resistência militar inesperada - realmente danosa ao seu lado, ao contrário das pedras, coqueteis motolov e estilingadas com as quais lidavam facilmente de maneira drástica - não tinha como recusar a oportunidade de demonstrar aos eleitores potenciais que estava se esforçando para parar de prejudicá-los.
Os mortos de seu lado continuavam a virar manchetes assíduas que omitiam o estrago que a IDF causava e embora esta informação a mão única lhe valesse o aumento do apoio militar e da conivência diplomática dos Estados Unidos, assim como a simpatia da opinião pública internacional  - que via os escombros e as lágrimas das vítimas de todos os atentados, mas não via as ruínas que os ataques da IDF deixavam nos Territórios Ocupados, nem as pessoas espedaçadas, nem o sangue derramado e esparramado pelas casas, ruas e calçadas explodidas - a publicidade interna dos atentados facilitava a matança, porém, não era boa para a sua imagem. Barak queria e precisava inverter o processo a seu favor antes das urnas decidirem se saía ou ficava.
Os contras eram o orgulho ferido e outras coisas igualmente irrelevantes diante do sofrimento que desta vez seus compatriotas também estavam experimentando. 
No dia 04 de janeiro, em seus últimos dias de mandato, Bill Clinton continuou insistindo nas negociações entre os dois adversários.
Ligou para Yasser Arafat  que concordou mediante "minhas interpretações e princípios" esboçados para apresentação em um colóquio de última hora.
Ligou para Ehud Barak e este disse que ligaria de volta após consultar seus assessores, mas reiterou sua posição de o mais importante para Israel ser garantir sua segurança.
No fim considerou os prós e acabou concordando, mas para Clinton era tarde demais para colher quaisquer que fossem os louros ou migalhas de paz.
A delegação dos Estados Unidos que chegou à Península do Sinai tinha mais ou menos a mesma cara, apesar da Casa Branca estar mudando de dono temporário. Sua margem de manobra era restrita e sua autoridade curta demais para que o conflito chegasse a um final feliz hollywoodiano. O recém-empossado George W. Bush  - que vencera as eleições com poucos votos de diferença... levantando suspeitas de fraude como Vladimir Putin uns meses atrás - não queria pisar na bola logo na chegada, economizou palpites e sua distância só podia indicar que qualquer que fosse o resultado do Encontro, o seu goerno não se comprometia com nada que estava sendo negociado.
Foi pena, poi no diálogo direto entre as duas partes, o israelense Gilead Sher e o palestino Saeb Erekat (na foto acima), que já se conheciam de outros Acordos, demonstraram grande sinceridade na sala em que defendiam as ideias de seus respectivos líderes.
Quanto aos dois homens que assinavam os acordos, Yasser Arafat esperava continuar na via de Bill Clinton-George Mitchell, com uma análise baseada no Direito e na Justiça.
E Ehud Barak, desprovido da clarividência de seu ex-chefe Yitzhak Rabin, esperava um milagre para não perder o cargo.
No dia 21 os mediadores logo viram que o líder palestino não era o mesmo homem que chegara a Campo David em 1993 para assinar os Acordos de Oslo. O sorriso desaparecera, suas feições estavam crispadas e via-se que estava consciente de ter sido enganado, que o sofrimento de seu povo lhe pesava e que não estava disposto  a assinar nada sem garantia válida.
Muito sangue rolara debaixo da ponte de Oslo e era claro que só o pragmatismo responsável o levara a Taba para falar e escutar o parecer e os sentimentos do adversário.
Os quatro assuntos principais abordados foram o destino dos refugiados palestinos, as fronteiras, a segurança e o futuro de Jerusalém.
Ou seja, os mesmos de antes e de sempre.
Taba deixou a lembrança de uma reunião de cúpula em que todos lavaram a alma.
Pareciam estar tão fartos do grau de violência a que tinham chegado que deixaram o papo furado de lado e desabafaram as expectativas, as desconfianças e as mágoas acumuladas.
Foi a primeira vez que os negociadores pareciam se ver como homens e priorizar o que os unia em vez do que os separava.
Entretanto, apesar da declaração final conjunta de terem dado um grande passo adiante, nem os mais otimistas acreditavam que as diferenças tivessem diminuído tanto quanto precisavam.
Ehud Barak ouviu sem escutar e viu seus interesses iminentes sem enxergar que a fronteira de seu país só ia até a Linha Verde e que a ocupação jamais lhe proporcionaria a segurança que era o seu cavalho de batalha.
Terminou declarando que jamais permitiria o retorno dos refugiados palestinos ao que é hoje Estado de Israel, não assinaria a transferência da esplanada da mesquita al-Aqsa e que todas as colônias judias na Cisjordânia e na Faixa de Gaza ficariam sob controle da IDF.
Quanto ao território para o eventual Estado da Palestina, propôs o mapa acima, com menos recortes do que o de Campo David (da direita), mas também sem soberania interna completa e com terras ainda cortadas.
Trocando em miúdos, os negociadores ganhavam terreno no que propunham e Barak os minava.

Abro parênteses para dizer que contudo, o Encontro de Taba demonstrou a possibilidade de diálogo se os participantes das discussões olharem uns aos outros como homens, como pessoas de humanidade e inteligência iguais e um lado parar de olhar o outro como animais ou débeis mentais.
Em Taba o diálogo foi retomadodo e os negociadores se olharam, se viram como os seres humanos que eram e esboçaram ideias sobre as quais possíveis acordos pudessem mais tarde ser negociados, deixando a esperança e a impressão de quererem resolver o problema de verdade, de maneira racional.
O caminho foi aberto, embora tenha sido desde então fechado.

Seguindo a história, no ano anterior em Campo David, Ehud Barak chamara de "oferta generosa" a proposta de "concessão territorial" que previa a anexação de mais 10% da Cisjordânia e o "aluguel" a longo prazo de uma zona de segurança ao longo do Jordão. O Estado palestino ficaria cortado em três partes sendo que estas seriam entrecortadas de estradas exclusivas ao uso dos judeus que ocupavam as colônias que estas vias contornavam e nas quais os checkpoints da IDF fatalmente continuariam.
Em Taba, a equipe de Barak distanciou-se menos da viabilidade do Estado de terras contínuas na Cisjordânia que a ONU havia estabelecido, sem chegar ao direito legítimo do território designado pela Resolução 242 como condição sine qua non para as duas Nações viverem lado a lado convivendo pacificamente.
No mapa à esquerda o Estado Palestino determinado pela ONU em 1947 incluindo a parte rosada e a verde que delineia as fronteiras chamadas de 1967 estipuladas na Resolução 242 e das quais os palestinos não querem abdicar.
Em Taba os israelenses propuseram o mapa abaixo. Sem comentário.
 Um dos  negociadores disse na época off the record que após apresentação do mapa "colcha de retalhos" e a discussão posterior de peito aberto, houvera um acordo tácito que pareceu relativamente justo a ambas as partes.
Israel conservaria o controle de quatro a seis por cento da Cisjordânia nas áreas das colônias de Ariel, Gush Etzion e nas imediações de Jerusalém Ocidental.
Em compensação da perda de terras nessas áreas, os palestinos obteriam uma parcela igual de área do seu lado da Linha Verde.
No fim conversaram sobre o desmantelamento de cem invasões na Cisjordânia.
Os palestinos teriam concordado com a permanência de 25, desde que obtivessem a mesma extensão territorial do outro lado para retorno dos refugiados e que tivessem soberania dentro das fronteiras de 1967.
Todas as colônias judias da Faixa de Gaza, do Vale do Jordão e de Jerusalém Oriental seriam incluídas na lista de desmantelamento. Jerusalém seria a capital dos dois Estados. A cidade antiga voltaria a ser território neutro, internacional, santuário das três religiões monoteístas e as capitais seriam estabelecidas a oriente e ocidente do miolo histórico cobiçado.
Esta foi a primeira negociação da história do conflito em que os israelenses pareceram entender intrínsecamente a frustração e os direitos do povo cujo território ocupavam.
Esta compreensão fez com que se aproximassem das determinações da ONU sem integrá-las inteiramente, mas satisfazendo a curto e médio prazo as expectativas da pátria soberana da qual os palestinos não abdicavam - onde pudessem circular sem risco e entrar e sair sem pedir licença e sem serem maltratados.
A negociação de troca de território parecia conforme à equidade, fácil de ser explicada aos cidadãos de ambos os lados e aplicável a curto e médio prazo.  
Contudo, examinando melhor o mapa os palestinos viram que a larga extensão de terra entre as invasões de Ma'aleh Adumin e Givat Ze'ev  - que faziam parte das que permaneceriam e que continha densa população palestina e as maiores reservas de terra de Jerusalém Oriental - ficaria sob controle militar de Israel conforme estipulado no mapa. Isto faria com que os palestinos se encontrassem "no exterior" às portas de suas cidades quando transitassem de uma para a outra para ir trabalhar, estudar ou visitar amigos e familiares.
O que implicaria também a permanência das barragens-checkpoints nas quais vigoraria a autorização aléatória de passagem, humilhações e tudo que conheciam de longa data, em vez das promessas feitas acima cujo cumprimento não estava garantido. O que lhes custaria tanto ou mais do que os Acordos de Oslo que só era mencionado em detrimento dos ocupados sem preocupar-se com as infrações do ocupante que haviam justamente levado à Intifada.
O que mais preocupou os palestinos foi a omissão de data de implementação do acordo que estava sendo negociado. "Se nos Acordos de Oslo que tinham agenda bem marcada nada foi respeitado, o que garantiria que desta vez obteríamos a autonomia desejada?", foi a preocupação de um dos responsáveis. "Só a ONU com suas tropas internacionais."
Mas Ehud Barak não queria nem ouvir falar na eventualidade de ter um árbitro imparcial no lugar dos EUA. Washington, nem se fala.
O primeiro ministro em fim de mandato fora claro com seu negociador Gilad Sher: A segurança de Israel é primordial - naquela estória de em vez de matar o mal pela raiz cortar ramos daninhos que voltariam a crescer loguinho e mais fortes ainda.
O general reciclado em político não conseguiu entender que a segurança em conflitos nunca é uma condição e sim uma consequência da paz adquirida de maneira equilibrada segundo os parâmetros de justiça das Nações Unidas. Que no final das contas, neste caso específico dos capacetes azuis, os protegeria sem precisarem do arsenal militar bilhonário que aprimoravam sem parar em detrimento dos melhoramentos sociais que seus cidadãos precisavam.
Mas uma das constantes deste conflito que data desde a Naqba em 1948 é a recusa de Israel, incessante e peremptória, de intervenção das Nações Unidas. Inclusive durante a Intifada. Já os palestinos sempre facilitaram tanto o trabalho dos jornalistas quanto de observadores internacionais. "O que em si é uma confissão israelense de má-conduta, pois quem não deve não teme. Quem tem razão não teme investigação, muito pelo contrário!" declarou um ativista inglês de Direitos Humanos e é o que se houve amiúde entre os estrangeiros no terreno.
Em primeiro plano,
Shlomo Ben-Ali e Ahmed Qurei
Na reunião de Taba, quando abordaram a questão recorrente do direito de retorno dos refugiados deportados na Naqba, Israel fez a comparação surpreendente com os judeus forçados a emigrar dos países árabes.
"Como se só os judeus tivessem problemas nos países islâmicos e os cristãos nestes prosperassem", disse então um ativista de outra ONG, completando, "e como se os palestinos tivessem a mesma responsabilidade com o que acontece em países estrangeiros que Israel tem com a Naqba que é sua obra e com a ocupação que impõe ao povo nativo da terra para a qual emigraram".
A semana de negociações foi intensa e no final Yasser Arafat recusou o conselho de Hosni Mubarak  que aceitasse o que Israel lhe estava "oferecendo".
O boato correu na mídia, talvez divulgado pelo próprio Bill Clinton (que hoje dá uma de humanista e cobra fortunas para falar do que as pessoas acham que ele sabe) que Arafat ter-lhe-ia dito que se aceitasse a "oferta generosa" de Barak seria assassinado por seus próprios concidadãos apátridas - que eu saiba, os próximos de Arafat não confirmam isto. 
A questão dos refugiados era fundamental e os palestinos suspeitavam que o primeiro-ministro só tivesse concordado com a reunião "porque os israelenses estavam sofrendo na carne uma parte ínfima dos efeitos da ocupação que sofríamos há décadas. Temíamos que o Acordo fosse mais circunstancial do que de fato. Que quando a Intifada parasse e as eleições passassem, nenhum tratado fosse respeitado e Yasser Arafat levasse a culpa de mais uma derrota evitável," lembra um palestino. 
Former Israeli Prime Minister Shimon Peres and Palestinian leader Yasser Arafat
Quanto à Tel Aviv pensante, via esta reunião como inócua e irrelevante, pois sabia que era o último recurso de Barak para continuar no comando do país e como as pesquisas eleitorais davam seu concorrente na dianteira, dentro de um mês os tempos mudariam e com eles as vontades do novo primeiro ministro.
Taba estava fadada à efemeridade, embora os negociadores estivessem satisfeitos com a concórdia instalada pelo menos entre eles - longe da discórdia patente entre os homens que representavam.
E foi neste clima que Yasser Arafat e Shimon Peres se dirigiram ao Fórum Econômico de Davos na Suiça, onde se esperava que renovassem o bom entendimento de 1994.
No dia 27 os dois participaram de entrevista conjunta até bem-humorada, com a palavra de ordem from Peacemaking to Peacebuilding,  e as esperanças de entendimento cresceram na comunidade internacional.
Ehud Barak suspendeu a reunião de cúpula no mesmo dia, à espera do resultado das eleições do dia 06 de fevereiro e recusou o convite para encontrar Yasser Arafat em Estocolmo nos próximos dias.
A questão que continua pouco clara é se Barak fez isso antes ou depois do discurso ferino de Arafat na tribuna de Davos - a única tribuna pública que o líder palestino tinha para desafogar-se e fazer os grandes deste mundo enxergarem o que estava na cara.
Sabia que era a última oportunidade que tinha antes da queda de Barak e da ascensão do "Bulldozer" aos plenos poderes de continuar sua limpeza étnica e atacou pugnazmente "a guerra selvagem e barbárica" de Israel contra a Palestina e o uso de armas e munições proibidas pela Convenção de Genebra.
Shimon Peres fechou a cara e no fim declarou ter ido a Davos preparado para um casamento e não para um divórcio, omitindo que Arafat tinha razão de aproveitar o único espaço que tinha para denunciar o que o então Ministro das Relações Exteriores de Israel sabia ser verdade.  
Três dias após o desabafo dos fatos no terreno Arafat  reiterou sua intenção de continuar as negociações, apesar dos pesares.
De fato seu "embaixadores" e os de Barak tinham se entendido tão bem que continuariam a encontrar-se informalmente para adiantar o expediente até seus chefes voltarem a encontrar-se.

Os cidadãos israelenses cortariam as asas dos pombos da paz no dia 06 de fevereiro quando escolheram outro general, ainda mais sanguinário, para o cargo de primeiro ministro.
Ariel Sharon foi eleito com 62,5% dos votos (participação de 62% do eleitorado em vez dos 80% habituais) e Ehud Barak anunciou em seguida que renunciaria ao mandato parlamentar e a suas responsabilidades no Partido Trabalhista - promessa tão vã quanto a de Binyamin Netanyahu ao ser derrotado.
A era do general "bulldozer" começava.
  
Mapa que indica as ambições sionistas na Palestina.
Em branco, a Palestina antes do Mandato Britânico;
em escuro, na sequência, os enclaves judeus no início do século XX,
a respartição da ONU em 1947,
as fronteiras de 1967,
as implantações judias e o projeto da extrema-direita israelense de ocupar tudo. E fazer o quê mesmo com os palestinos?   









"To those who wrongly accuse you of unfairness or harm done to them by this call for divestment, I suggest, with humility, that the harm suffered from being confronted with opinions that challenge one’s own pales in comparison to the harm done by living a life under occupation and daily denial of basic rights and dignity. It is not with rancor that we criticize the Israeli government, but with hope, a hope that a better future can be made for both Israelis and Palestinians, a future in which both the violence of the occupier and the resulting violent resistance of the occupied come to an end, and where one people need not rule over another, engendering suffering, humiliation, and retaliation. True peace must be anchored in justice and an unwavering commitment to universal rights for all humans, regardless of ethnicity, religion, gender, national origin or any other identity attribute. You, students, are helping to pave that path to a just peace".
Bispo Desmond Tutu em carta de apoio a universitários que aderiram ao BDS no boicote aos produtos das colônias israelenses na Cisjordânia.

Reservista da IDF, Forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence
 
 
 
Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/


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