domingo, 27 de maio de 2012

Israel vs Palestina: História de um conflito XI (1999)


Com um ex-assessor de Yitzhak Rabin no comando, em Tel Aviv e em Gaza de onde Yasser Arafat governava, previa-se que o diálogo fosse logo retomado.
Quando Ehu Barak anunciou no dia 20 de maio de 1999, três dias após ser eleito, que acumularia o Ministério da Defesa a fim de assumir o controle direto tanto do governo quanto da IDF - suas Forças Armadas - ninguém, ou melhor, só uns gatos-pingados interpretaram a atitude do general como um ato autoritário. Os demais pensaram que fosse a maneira certa de controlar as derrapagens militares.
(Durante o governo acumularia progressivamente outros cargos de Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Educação e Indústria.)
Enquanto a era do Partido Trabalhista não chegava, no dia 27, jovens palestinos fizeram passeatas pacíficas em seu lado Oriental de Jerusalém para protestar contra a construção das colônias anunciadas pelo ainda primeiro ministro Binyamin Netanyahu, o movimento foi violentamente reprimido pela polícia israelense, o guarda-costas de Faisal Husseini foi espancado e este membro eminente da OLP sofreu ferimento leve.
Quando no dia seguinte Netanyahu declarou publicamente que cederia sua cadeira no Knesset e abandonaria a política (voto enganoso comum na política israelense), o incidente foi desdramatizado para não dificultar o esperado colóquio com o sucessor que o substituiria em julho.
Enquanto este não assumia o cargo, novas manifestações pacíficas foram organizadas na Cisjordânia e em Gaza contra a expansão colonial e para lembrar o futuro primeiro ministro dos Acordos de Oslo que ele conhecia a fundo porque tinha secundado Rabin ao longo das discussões que levariam ao Tratado.
A IDF recorreu aos métodos violentos com os quais estava acostumada, os palestinos reagiram com pedradas, três soldados e dezenas de manifestantes foram feridos, mas os defensores da paz acalmaram os ânimos exaltados e convenceram os mais afoitos a esperar que Barak assumisse e pusesse ordem na casa que Netanyahu desarrumara.

A própria OLP (Organização de Libertação da Palestina) adiou uma reunião para após a mudança de governo, Yasser Arafat encontrou o presidente egípcio Hosni Mubarak em Alexandria e no dia seguinte à sua posse no dia 06 de julho, Ehud Barak anunciou que em breve entraria em contato com ambos a fim de retomar as negociações abandonadas.
Dito e feito, sete meses depois da última discussão de cúpula, o novo primeiro ministro de Israel encontrou o líder da Autoridade Palestina no dia 11 de julho a fim de abordar a questão espinhosa da expansão das colônias na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.
No dia 14, Ehud Barak, em sua primeira visita a Washington, sugeriu que os Estados Unidos retomasse o papel de "policial e árbitro" no processo de paz e em seguida declarou-se otimista quanto a um resultado positivo nos próximos quinze meses.
E para isto, Yasser Arafat programou reuniões com os dois grupos da OLP baseados em Damasco. Queria convencer estes militantes da Frente Popular para a Libertação da Palestina e da Frente Democrática para a Libertação da Palestina, contrários aos rumos que estavam tomando os Acordos, a dar uma oportunidade à paz.
Conseguiu o voto de confiança que buscava e enquanto as negociações não eram retomadas, avisou Barak que se não começasse a retirada das tropas de pelo menos parte dos 13% do território determinado em Wye River, outras áreas sob seu próprio controle explodiriam e ele não teria recursos policiais para manter a ordem à qual Oslo o obrigava.
Barak respondeu através de seu porta-voz que a retirada prometida começaria no dia 1° de outubro e em seguida nomeou Nawaf Massalha para o cargo de Ariel Sharon no Ministério das Relações Exteriores.
A substituição provocou surpresa e alívio.
Massalha fora ministro da saúde de Yitzhak Rabin. Além disso é árabe e foi o primeiro e único nativo a ocupar cargo de tal relevância em Tel Aviv. Nasceu em 1943, durante o Mandato Britânico na Palestina, em Kafr Qara, cidadezinha fundada no século XVII a 35km de Haifa, com população de 15.300 habitantes quase todos palestinos sobreviventes à Naqba.
É formado na Universidade de Tel Aviv, bilingue árabe-hebraico, foi eleito deputado em 1988 e sua carreira política ascendente no Partido Trabalhista terminou em 2003 quando o partido deu uma guinada para a direita que o desviou dos princípios em que foi criado.
Esperava-se que a origem de Massalha facilitasse os contatos e de fato, no dia 09 de agosto, três dias após ser nomeado, Arafat concordou com a proposta de implementação do acordo de terra-para-segurança.
As negociações começaram no mesmo fôlego. Foram intensas no dia 15 e apesar de desentendimentos nos dias seguintes, no dia 25 a imprensa recebeu comunicado que os negociadores tinham chegado a um acordo sobre a agenda de retirada final da IDF da Cisjordânia, mas que ainda não havia nenhuma garantia de libertação dos 500 prisioneiros políticos palestinos que ainda faltavam, na lista dos 750 prometidos.
Por isto as reuniões foram prolongadas até uma entre os dois líderes ser confirmada para o dia 04 de setembro.
Quando Ehud Barak e Yasser Arafat chegaram ao Egito, o documento negociado já estava impresso e pronto para receber as devidas firmas. 
O Acordo de Charm-el-Cheikh - cidade que sediou este encontro de cúpula - fixava datas para a retirada israelense da Cisjordânia, condição sine qua non para que o processo de paz moribundo ganhasse um sopro de convalescença.
A Secretária de Estado estadunidense Madeleine Albright estava lá para cumprir seu papel de "policial e árbitro" e para marcar um encontro em Washington que formalizasse aquilo tudo sob os olhos de Bill Clinton, que estava terminando o segundo mandato presidencial e queria ficar para a história do processo de paz do Oriente Médio custe o que custasse.
Este Acordo egípcio era de fato uma ponte entre o Memorandum de Wye River de 1998 e um novo Memorandum que implementasse os diversos pontos mortos.
Previa que negociações mais aprofundadas prosseguissem até o dia 12 de setembro do ano seguinte - prazo que Barak dera a seus eleitores para concretizar pelo menos uma paz relativa.
O primeiro passo foi a libertação de 199 dos 500 prisioneiros que faltavam a fim de demonstrar a Arafat boa-vontade. O segundo foi organizar devolução ao controle administrativo palestino de 7% do território devido desde 2004.   
Tudo parecia em bom caminho.
Nem a notícia do serviço secreto jordaniano ter detido três líderes eminentes do Hamas no aeroporto de Amman - Khaled Meshal, Musa Abu Marzook e Ibrahim Ghosheh - não estragou os planos.
Suspeitou-se que o quiet american da CIA (autorizada no território pelos acordos assinados com Bill Clinton) e o Mossad estivessem por trás desta detenção importuna, mas as coisas acabaram sendo resolvidas sem atrito.
O disparate foi amenizado graças ao anúncio do cumprimento de uma das promessas feitas por Yitzhak Rabin. Esta era de abrir uma via de ligação entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza que permitisse aos palestinos irem e virem de um a outro lado de seu território descontinuado com relativa liberdade.
A rodovia chamada "passagem segura" foi celebrada por Arafat como o segundo passo (o primeiro sendo o aeroporto de Gaza) para o estabelecimento do Estado da Palestina e as esperanças foram revificadas.
Duraram só cinco dias.
No sexto Ehud Barak aprovou a construção de mais 2.600 "unidades habitacionais" em invasões judias na Cisjordânia, dizendo em seguida que em contrapartida retiraria as não-autorizadas por Tel Aviv - anúncio que soou mal aos ouvidos palestinos, "Todas as colônias são ilegais, com ou sem autorização de Tel Aviv são invasões! Suas palavras subentendiam que ele achava que Tel Aviv tinha autoridade de direito e de fato sobre os Territórios Ocupados... Era mal sinal," disse um negociador palestino.
Nesse dia os observadores começaram a duvidar que Barak estivesse tão bem intencionado quanto dizia durante a campanha eleitoral e entenderam que pretendia prosseguir a política de seus antecessores de expansão colonial e de dar com uma mão e tirar com a outra, subestimando a capacidade de compreensão dos palestinos do conceito de vitória, de derrota e de trava.
Para desviar a atenção da bomba que lançara com a expansão colonial, o primeiro ministro libertou mais 151 prisioneiros no dia 15, ciente que o retorno destes é sempre meio de distração pontual por causa da satisfação dos familiares e da população em geral que os recebe como heróis pela independência.
Dez dias depois ensaiou o cumprimento do Protocolo assinado no dia 05 de outubro de 1999. Começou a construção de alguns quilômetros da rodovia de conexão entre Cisjordânia e Gaza, mas no dia seguinte os caterpillars derrubaram residências na Cisjordânia despojando mais quatro famílias de seus pertences e de domicílio, embora um dos moradores tivesse obtido da corte israelense uma liminar que impedia a demolição.     
Mas isto nem foi notícia, pois as atenções estavam voltadas para outro encontro de cúpula no dia 01 de novembro em Oslo, monitorado pelos noruegueses.
Bill Clinton chegou otimista, dizendo à imprensa que esperava injetar energia renovada no processo de paz para que um Acordo final fosse assinado dentro de 10 meses. "Esta é a parte difícil na qual temos de dar nosso apoio", disse ele com a aprovação do primeiro ministro norueguês Kjell Magne Bondevik que estava lá porque ser o dono da casa e não porque tivesse voz ativa em algo.  
As discussões entre Arafat e Barak terminaram no dia 04, todos voltaram para casa e a negociações entre seus respectivos representantes para o ansiado Tratato de Paz continuaram no dia 08, em Ramallah.
A discussão durou duas horas, apesar da explosão de bomba-suicida que ferira cerca de 30 pessoas na cidade litorânea israelense Netanya na véspera, "em retaliação ao aumento das invasões, à demolição de moradias e a todos atos repressivos próprios da ocupação," segundo foi divulgado.
Parecia então que nada obstacularia a decisão de avançar.  
Ehud Barak começou a retirada militar e civil de 5% da Cisjordânia no dia 10, mas cinco dias depois os negociadores chegaram a um impasse quanto à finalização da agenda de evacuação da área marcada.
Sentindo que não deixaria o cargo com o sucesso de mediador que esperava, Bill Clinton convocou Ehud Barak a Istambul onde estava de visita. Lá conversaram sobre a devolução prometida das terras, sem a qual a perspectiva de paz iria por água abaixo.
De fato o problema se agravava. Nem bem novembro terminava, 15 colonos invadiram um novo sítio perto de Belém, região há anos devolvida à Autoridade Palestina e os ânimos voltaram a alterar-se - os ânimos do povo e de Arafat que constatou quão fictício era seu poder policial.
"De repente o absurdo da situação saltou aos olhos", disse um membro da AP. "Os Acordos nos coagiam a manter a ordem com todos os meios físicos necessários para reprimir o nosso povo, mas nos proibiam de tocar em um fio de cabelo dos invasores para evitar e punir a violência constante contra nossos compatriotas."
O controle policial que os Acordos de Oslo conferiam a Arafat era, além de imaginário, de sentido único, extremamente limitado e perigoso para sua popularidade, já que só podia usar a força policial, já mal equipada, apenas contra seus concidadãos e com o único objetivo de garantir a segurança de Israel reprimindo atentados cada vez mais difíceis de serem abortados.
A consciência desta fragilidade fez com que Yasser Arafat começasse dezembro apelando, mais uma vez, para Hosni Mubarak, que usasse sua influência junto a Israel e aos EUA de quem era aliado.
Quando voltou do Cairo para Gaza, disse aos repórteres que a conversa girara em torno das invasões que só aumentavam e de suas objeções aos mapas de retirada de 5% de terras descontínuas.
Arafat argumentava que as regiões propostas eram pequenas demais, recortadas, e com uma densidade demográfica extremamente baixa para representarem boa vontade.
Arafat vivia sobre uma corda bamba, sobretudo por causa das acusações de corrupção da estrela ascendente do Fatah, Marwan Barghuti, que começavam a incomodá-lo.
Ehud Barak ainda estava com a corda toda para agir à vontade. Por isto encontrou o ministro das Relações Exteriores sírio Faruq al-Shara e Bill Clinton em Washington para discutir sobre a ocupação dos Golan que também se eternizava, sem concretizar a devolução que Afez Assad esperava.
Mas na política das vantagens ilusórias, libertou mais 26 prisioneiros de guerra/políticos em uma cidade emblemática, Ashkelon - uma das cinco metrópolis do extinto Império Filistino, hoje no lado ocidental da Linha Verde.
A transação atrasou semanas por causa do Supremo Tribunal estar julgando queixas dadas por parentes de vítimas de atentados que se opunham à libertação dos supostos cérebros atrás dos bombas-suicidas e clamavam vingança.
Esta leva de libertação, além de complicada internamente, foi estéril nas negociações bilaterais, pois desta vez Barak não conseguiu enganar ninguém. Os palestinos logo retrucaram que estes presos, que elevavam a 350 o número de libertados - dos 750 negociados - eram insuficientes e estavam quase todos em fins de pena, ao contrário dos de penas longas cuja soltura haviam solicitado.
Não receberam nenhuma satisfação e engoliram mais este sapo. Que ficou entalado porque estes 26 que faziam parte da terceira leva seriam os últimos a serem libertados.
O novo milênio se aproximava, os cristãos palestinos, os outros dois bilhões espalhados pelo mundo se preparavam para celebrar os 2.000 anos da era cristã celebrando o nascimento do homem que a edificara, e no Vaticano, o papa João Paulo II estava se preparando para ir a Jerusalém a convite de Yasser Arafat.
Em Tel Aviv Ehud Barak começava a mostrar as garras e Jerusalém não abrigava só santuários.
Nela residia um ogro. Um general à paisana que andava à espreita de dar o bote contra a paz.



"All who want to see an end to bloodshed in the Middle East must ensure that any settlement does not contain the seeds of future conflict. Justice requires that the first step towards a settlement must be an Israeli withdrawal from all the territories occupied in June, 1967. A new world campaign is needed to help bring justice to the long-suffering people of the Middle East."
Bertrand Russel, 1970
Reservista da IDF, Forças israelenses de ocupação,
 Shovrim Shtika - Breaking the Silence
Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/

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