domingo, 3 de junho de 2012

Síria ensanguentada; Egito de volta à praça Liberdade

Hillary Clinton despejou o sangue derramado do massacre de Houla, na Síria, nas mãos de Vladimir Putin.
Putin, que já está perdendo a paciência com Bashar el-Assad, mas que enxerga o mundo mais em macro do que a Secretária de Estado de Barack Obama, lavou as mãos, devolveu a acusação e expôs a questão com a clareza da população que vem sendo prejudicada pela contenda.
Pressionar Assad é preciso, porém, pressionar os "rebeldes" também é preciso.
Eu não gosto de lamentar o leite derramado ad vitam æternam.
Portanto, é a última vez que falo, no caso da Síria, que SE o quiet american não tivesse armado indiscriminadamente os "rebeldes" através de seus aliados árabes e não tivesse infiltrado para-militares para formá-los em tempo recorde, Houla não teria acontecido e os civis não seriam reféns de todos os beligerantes armados.
Fala-se muito nos "massacres" cometidos pelo exército regular de Assad, mas pouco se fala dos "assassinatos" cometidos por seus oponentes. Estes são menos espetaculares e exigiria uma imparcialidade mal-vista nos países ocidentais; sobretudo após as imagens de corpos infantis inanimados.
Um amigo francês chegou a me lembrar na semana passada que a única pessoa lá que "defende" (não por convicção, mas para chatear) Bashar el-Assad é a líder da extrema-direita Marine Le Pen. Aí entendi que Bashar virara inimigo público n°1 obrigatório e indiscriminado das cabeças pensantes do mundo inteiro.
Quem dera as coisas fossem tão simples, mas infelizmente o maniqueísmo, neste caso, cai tão mal quanto em vários casos que envolvem os países árabes. Eu já chamara atenção para isto no início de fevereiro http://mariangelaberquo.blogspot.fr/2012/02/bashar-al-assad-e-os-rancores-que.html.
Como Saddam Hussein dez anos atrás, Bashar el-Assad é o "monstro" da vez que tem de ser aniquilado pela "boa" consciência ocidental custe o que custar. Até uma guerra civil anunciada.
Agora o vilão da farsa macabra é uma milícia secreta alauíta chamada shabiha, que significa "fantasma" em árabe. Teriam sido, a mando de Assad, os carrascos de Houma.
Aí até os sírios que conhecem as desavenças que rasgam o país questionam: "Assad teria de ser um grande mentecapto para (neste contexto de animosidade quase unânime da comunidade internacional contrária) ordenar chacina gratuita de civis, incluindo crianças, e ainda por cima permitir que anunciassem quem eram, a que vinham, e no fim do ato bárbaro, logo batessem em retirada deixando a cidadezinha à mercê da reocupação dos rebeldes. Ele é brutal, mas não é burro".
Pois é. Incompetente para governar, brutal por covardia ou descaso, mas que Bashar seja burro, não se sabe.
Não preciso sublinhar que o massacre de Houma não foi anônimo, sem olhar a vítima na cara. Foi - em bem menor escala - nos moldes de Sabra e Shatila. Foram realizados a sangue frio, à queima-roupa, de casa em casa. 
Não sei se é a experiência que me faz reticente, mas a contra-informação e a encenação de barbaridades - embora sejam armas execráveis pela gratuidade maior ainda das mortes que causam -deixam-me sempre de orelha em pé quando a única prova é o alarde provocado pelos próprios homens que manejaram as armas e a culpa cai em quem tem mais a perder do que a ganhar com publicidade.
O massacre é condenabilíssimo e incontestável.
A necessidade de tirar os civis desde saco de gatos, ídem, na mesma data.
Mas para mim, a lição que se há de tirar desta atrocidade é que há de se chegar (quanto mais cedo melhor) a um ponto em que ter-se-á de parar de pôr toda a culpa em Assad.
Sou obrigada a concordar com Vladimir Vladimirovitch Putin (que está mais bem informado sobre o terreno do que qualquer Obama), neste caso.
Alguém tem de pôr ordem nas milícias oposicionistas, fortemente armadas. Pois como na Líbia, muitas delas, por onde passam, semeiam terror nas comunidades alheias ao seu credo religioso e estupram as mulheres sem pestanejar. É o que dizem os locais.
A dona Clinton está jogando pedra no telhado do vizinho tendo teto de vidro mais do que permeável a críticas de sua interesseira preocupação humanitária.
Não há dúvida que os regimes Baas "tendem" a ser autoritários e o de Assad está longe de ser exceção à regra.
E não me estranha que as pesquisas nos países ocidentais mostrem que a opinião pública aprove majoritariamente uma intervenção militar na Síria.
Com as informações com as quais são alimentados, parece compreensível que o homem e a mulher que veem os horrores postos nas únicas costas de Assad aprovem e peçam que os caças da OTAM procedam ao bombardeio "cirúrgico" que force Assad a abdicar do trono pseudo-republicano em que foi instalado na morte do pai.
Porém (é o porém que muda tudo), quem pede esta intervenção certamente ignora muita coisa que não é mostrada e em que situação a "intervenção militar salvadora" dos países ocidentais deixou o Iraque, e recentemente a Líbia.  
Já disse e repito desde o início do ano que há semanas ou meses que na Síria não é mais uma questão (se tiver sido um dia...) de partido, ideais democráticos, tendência política; é uma questão sectária em que religiões e seitas diversas acedem a armas e tentam tomar o poder para impôr a própria lei, e não a democracia que o Ocidente prega e pouco aplica fora das próprias fronteiras.
Aliás, a hipocrisia ocidental é algo que me surpreende sempre.
Sem falar na Palestina, em Gaza e na vergonha da cumplicidade internacional neste caso, na Argélia ninguém levantou um dedo para parar o FLN em 1990 quando seu poder periclitava e seus líderes fizeram um limpa na oposição da Frente Nacional Islâmica dizimando civis e militantes. Organizou eleições de fachada para agradar os estrangeiros e os locais, mas o regime que permaneceu é do estilo do de Assad. Apoiado pela França e pelos EUA e sem nenhuma influência nos demais países árabes. Portanto, um dócil aliado.
No caso preciso da Síria, poucos falam que soldados de Assad detiveram nas imediações de Homs soldados (mercenários?) franceses e turcos que estavam dirigindo operações locais contra as Forças Armadas regulares. Tinham o propósito de transformar Homs em uma "zona franca" como foi feito na Líbia, em Benghazi.
Tenho amigos libaneses e todos detestam, com razão, a família Assad. Meu coração parte cada vez que contesto as vontades internas e estrangeiras de derrubá-lo na marra.
Meu coração parte por causa de libaneses e sírios oposicionistas que prezo e porque é verdade que a família Assad é responsável por muitos crimes contra a humanidade e cavaram muita cova coletiva raza para jogar quem ousasse contrariar suas vontades.
Pois é. Gosto muito do Líbano e dos libaneses, mas também dos sírios hospitaleiros que querem viver tranquilos na Síria e suas metrópolis Aleppo e Damasco que são patrimônio nacional e também universal.
Por isto e por saber dos desastres que as intervenções da OTAN provocam a curto, médio e longo prazo, mantenho que a transição tem de ser feita com Assad ou não trará - além da destruição de patrimônios arquiteturais e muitas perdas humanas "colaterais" - o fim de iniquidades. Ao contrário as agravará.
Repito que o país não tem uma liderança de oposição bem articulada que inspire confiança a curto prazo.
E armada como está, quem garante que um novo governante não seja vítima de um golpe de um camarada acidental do próprio movimento que o leve ao cargo de Bashar?
Vale lembrar que antes do terrível pai de Bashar, Afez el-Assad, a Síria viveu uma sucessão de golpes que começavam e terminavam em caça às bruxas, prisões e execuções sumárias dos oponentes. Desde que ficou livre da colonização francesa.
Afez Assad levou uma estabilidade relativa e uma certa laicidade rara nos países árabes.
O que não significa que Bashar tenha direito hereditário de governar com apoio de uma minoria. Tem de desencarnar mais cedo do que tarde, mas sem ingerência militar internacional. Apenas diplomática.  
Continuo achando que a dona Hillary deveria fazer como o ministro das Relações Exteriores da Inglaterra William Hague. Sentar com o ministro das relações exteriores de Putin, Sergei Lavrov, para conversar. Ninguém sabe mais do que Lavrov (e Putin) o que passa na cabeça de Bashar el-Assad.
As vias diplomáticas são e deveriam ser vistas como inesgotáveis.
Em último caso ainda resta o argumento dos capacetes azuis para a ONU pôr ordem na casa.
Mas bombardear um país em desavença interna, nem pensar!
A Rússia jamais permitirá uma intervenção que ponha em risco sua base naval em Tartus - sua única instalação militar na região - e quanto mais aumentam os boatos de intervenção dos EUA, mais reforço russo chega à Síria. Fontes russas põem os navios de guerra Nikolai Filchenkov e Tsezar Kunikov a caminho.
Comportamento compreensível, já que os EUA também jamais abrirão mão da Arábia Saudita, da enorme base militar que instalaram lá (que lhe valeu a inimizade de Ben Laden), nem da ditadura da monarquia absoluta que controla o país com mãos de ferro, proibindo inclusive que as mulheres dirijam. Eleições, nem se fala.
Longe de mim defender Bashar el-Assad.
Só quero deixar claro que a fotografia da Síria que é mostrada por todos os lados não é tão nítida quanto parece e nem tão ampla quanto deveria ser quando se fala em meios extremos como ingerência militar mais pesada do que as armas que têm sido passadas às Forças contrárias - que já estão muito bem armadas.
A ONU tem de encontrar outro plano para conter todos os beligerantes.
Fala-se na intervenção da OTAM, que é uma Força de guerra, mas ainda não se fala nos capacetes azuis, que é uma Força de Paz que poderia ser uma solução a curto prazo (inclusive em cidades do Líbano como Trípoli em que forças militares pró e contra Assad transformaram as ruas em campo de batalha). Até Assad fazer as reformas que o povo merece, pede e cedo ou tarde terá, se for realmente esta a sua vontade. 
Até Kofi Annan, após semanas de bate perna e bate papo de seus enviados à Síria foi categórico na descoberta do que quem tem olhos abertos no terreno não cansa de falar: o conflito está (é) sectário.
Por incrível que pareça, Assad parece mais disposto ao diálogo do que os "rebeldes" que sa&bem que contam com a simpatia e apoio militar (contrabandeado na surdina; através da Turquia e/ou do Líbano?) dos EUA e das potências regionais que querem ver os Bassistas fora do circuito árabe, estão na do tudo ou nada.
Isto muda tudo e exige medidas diferentes das unilaterais que vêm sendo tentadas.
Bashar el-Assad já virou há meses a tábua de salvação das minorias religiosas, além da sua alauita, dos druzos e dos cristãos - que ainda se lembram do massacre que sofreram em 1860 quando um bando de muçulmanos invadiu o seu bairro em Damasco deixando atrás de si cerca de 10.000 cadáveres, só parando o massacre por intervenção direta das autoridades Otomanas.
Hillary Clinton e Vladimir Putin, por vias e interesses diversos, são parte do problema atual. Ela pela má ação e ele por inação. Ela mais do que ele por ter se intrometido em problema interno alheio por miopia geopolítica.
Vladimir Vladimirovitch já está tentando encontrar solução que salve o que ainda der para ser salvo.
O que der porque embora Assad diga o contrário, após estes meses de batalha fratricida e sectária, a Síria jamais será a mesma. Pelo menos nesta e na geração seguinte. Sangue demais foi e está sendo derramado de todos os lados. 
Para não piorar a situação e não aumentar os traumas, a diplomacia é e sempre será a via mais estável e menos prejudicial para a população civil que é e tem de ser prioritária.
Embora talvez seja tarde demais. Armados como estão os "rebeldes", evitar uma guerra civil nesta altura da peleja parece missão quase impossível até para os diplomatas mais capazes.

Enquanto isto o Egito continua sua revolução popular.
(Aliás, de novo aliás, o que salvou a Tunísia e o Egito da carnificina recíproca que atolou a Líbia e em que a Síria está atolando é o fato de ambos ditadores - Ben Ali e Hosni Mubarak - serem aliados dos EUA. Se tivesse sido do interesse do quiet american derrubá-los em vez do contrário, os estudantes teriam sido inundados de armas, a guerra civil teria sido inevitável e teria deixado ambos países no caos civil em a Síria se encontra nesta data.
Dá no que pensar.
Espero que a "opinião pública" ocidental pese e meça em conhecimento de causa antes de autorizar ou empurrar seus governos à intervenção militar em vez de solicitar que parem de armar os insurgentes cuja agenda própria desconhecem.)
Parênteses fechados, o fim do julgamento de Hosni Mubarak cuja sentença - prisão perpétua - deveria ter levado o povo de volta à Tahrir em festa, acabou os levando de volta à praça, mas em protesto contra o veredito pronunciado nos processos dos filhos do ditador deposto e dos chefes de segurança do regime.
Gamal e Alaa foram exonerados das acusações de corrupção e os responsáveis pela segurança foram inocentados da acusação de assassinato.
Erro judicial?
Erro conjuntural.
Os promotores parecem ter feito mal o trabalho. De propósito ou por incompetência, não há como provar.
O que se sabe é que o próprio juiz Ahmed Refaat que presidiu a Corte questionou a "falta de esforço" dos promotores - criticados abertamente por juristas locais. Não apresentaram provas suficientes dos crimes dos quais os réus eram acusados.
Se tiver sido um complô para libertar estes homens temidos justamente por seus atos repreensíveis por temor de represálias, a emenda pode ser pior do que o soneto. Na prisão, cumprindo pena, estes criminosos estarão mais bem protegidos do que fora à mercê da ira das vítimas.
O Egito está longe do processo de reconciliação cristão posto em prática pelo bispo Desmond Tutu na África do Sul pós-apartheid. 
O primeiro governo do novo regime vai ter muitíssimo trabalho.


E para terminar com uma anédota, vamos ao fora que Barack Obama deu na semana passada quando entregou a Medal of Freedon - distinção dada a pessoas que contribuíram à vida e à cultura estadunidense (Bob Dylan já a recebeu) ao polonês Jan Karshi. A homenagem foi póstuma. Karshi foi professor da Universidade Goergetown de Washington e morreu há doze anos. 
Obama é tido como inteligente, formado em Harvard e bem articulado intelectualmente.
Contudo, como diz Oscar Niemeyer, diploma universitário não representa cultura geral. Representa, cada vez mais, conhecimento restrito à sua área (e olhe lá!).
O discurso de Obama começou bem, enaltecendo o trabalho de resistência do homenageado durante a Segunda Guerra Mundial e sua luta para informar Franklin D. Rossevelt e as tropas aliadas dos guetos judeus em Varsóvia - Jan Karshi foi um católico que arriscou a vida penetrando no gueto e em campos de concentração para ver e posteriormente denunciar o que estava acontecendo.
Tudo ia bem até Obama falar (mais) uma bobagem.
Resolveu descrever os "campos de concentração poloneses"... aí pisou na bola feio.
 atraindo a indignação geral da comunidade polonesa pela ignorância ou negligência da História.
Quem escreveu, e quem proferiu as palavras erradas por ignoância ou negligência histórica, esqueceu-se que embora geograficamente seis campos de concentração fossem localizados na Polônia, nenhum deles era polonês. Todos foram criados e dirigidos por nazistas alemães.
Se o erro tivesse sido cometido por George W. Bush a imprensa teria caído matando em seguida.
Obama é tido por inteligente, e é. Mas infelizmente sua cultura internacional e conhecimento histórico universal não são tão mais extensos do que os do bem menos inteligente ex-presidente.
Se fosse, os EUA não continuariam a causar tanto estrago mundo afora.

"It is permissible to kill gentile children who might hurt Jews when they grow up" - So wrote rabbis in a book.
The Attorney General ruled: This is not incitement, this is the Halacha (Halacha é a parte legislativa do Talmud; lei, regra religiosa hebraica).
No anti-Semite would dare today to defame Judaism so blatantly!
Publicado no jornal “Haaretz” de Tel Aviv, no dia 1° de junho de 2012.
Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/

Comercial anti-palestino nos EUA  (inglês)
Peça: Sete crianças judias para Gaza (inglês)

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