domingo, 6 de maio de 2012

Czar Putin: Mal últil ao equilíbrio do mundo?


A jornalista investigativa russa Ana Politkovskaya - crítica acerba e escorreita do sistema Putin - assassinada em Moscou em 2006, comparava o presidente que detestava com Akaki Akakievitch Bachmatchkine; uma das personagens literárias mais populares dos contos eslavos.
"Akaky Akakievich achava que a chave do sucesso residia no casaco caro que usava, só se preocupava com a imagem; e quando o casaco foi roubado, só ficou o vazio da alma. Assim é Putin. Uma pessoa cinzenta que não quer ser apagada. Teve a oportunidade histórica de ser grande em vez de cinzento, mas continua cinzento."
Concordo com a Ana no tocante à oportunidade desperdiçada, de quê, só ele sabe.
Porém, eu remataria a comparação de Vladimir Vladimirovich Putin estendo-a a Nicolai Vasilievich, o escritor que criou Akaky Akakievich em O Casaco.
Nicolai é mais conhecido pelo sobrenome Gogol do que pelo patronímico Vasilievich, embora a forma russa seja mais adequada ao seu percurso. Como Vladimir Vladimirovich.
Nicolai nasceu em uma família de baixa nobreza de meios limitados, o pai lhe transmitiu o gosto pela literatura e a mãe a religiosidade.
(Até aí Nicolai só tem em comum com Vladimir a devoção religiosa materna.) 
Para corresponder às expectativas paternas que tinha abraçado, armou-se de determinação e perseverança e foi andando aos trancos e barrancos até a celebridade.
Tomou coragem para sair de casa, enfrentar o mundo e esmerar-se na carreira literária, no misticismo crescente em que mergulhou como se a missão na qual acreditava fosse o cordão umbilical que o ligava à progenitora, o protegia dos males e o conduzia, por linhas tortas, à meta fixada.
Pois Gogol tinha uma particularidade. Era tão místico que acreditava piamente ter vindo ao mundo com a missão de salvar a pátria.
Guardando as proporções - letras e governo de uma potência atômica - Nicolai Vassilievich e Vladimir Vladimirovich compartilham a mesma ideia fixa de grandeza que engrandeça o ideal que persegue como se sem este ele não fosse nada.
Aí a Ana tem razão total, o poder máximo é o seu casaco.


O fundo de Putin é Gogoliano, mas sua filosofia política, calcada na ambição de Príncipe, foi e é forjada pelo fundador da Ciência Política moderna, o renascentista florentino Niccolo Macchiavelli.
Em todos estes anos de ascensão metódica, vem se inspirando ao pé da letra nos axiomas do filósofo renascentista, começando com "Os homens têm de ser tratados com generosidade ou serem destruídos, pois eles se vingam dos ferimentos leves - dos graves não conseguem," e outros do mesmo naipe que seguem.
Sua carreira meteórica que o diga, e sua longevidade no governo russo é a prova cabal.
Foi eleito em 2000, reeleito em 2004 com 71% dos votos, em 2008 passou a batuta ao amigo do peito Dimitri Medvedev ficando com o cargo de primeiro ministro, e está retomando o poder absoluto controlando tudo, da mídia ao judiciário.

"O primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar os homens que tem à sua volta."
Após descanso de um mandato assegurado pelo fiel camarada Dimitri Anatolyevich Medvedev, Vladimir Vladimirovich Putin derramou lágrimas, celebrou vitória e mandou recado para quem estivesse tentando minar suas bases.
A Rússia é minha, ninguém tasca e estou aqui para garantir que ela influencie a política do mundo!
As imagens lacrimosas correram o planeta como algo inusitado em um homem tido como inabalável.
Ele é. Se não inabalável, pelo menos um dos homens, ou o homem de poder, com o maior autocontrole do planeta.
Seus nervos são de aço. Não sai do sério e nada o distrai do objetivo i/mediato.

"Nada de grandioso jamais foi conseguido sem perigo."
É um produto típico do KGB ( КГБ - Комитет государственной безопасности, Serviço Secreto russo rebatizado FSB), que coube nele ou ele neste como só cabe um terno sob medida.
Aliás, ao entrar na Universidade de Leningrado, onde se formou em línguas e Direito - duas matérias importantes para um espião que se respeite - ofereceu seus préstimos ao serviço secreto, foi recusado por princípio de recrutamento, mas continuou se preparando do seu lado.
Seus planos tinham sido arquitetados e pareciam simplicíssimos: entrar no KGB, ascender, ascender, até a chefia, e de lá, ser eleito presidente da então União Soviética.

"Antes de tudo, arme-se."
O treinamento físico e mental começou cedo.
Praticou artes marciais consumindo sem moderação produtos literário e cinematográfico de espionagem; informando-se o tempo inteiro sobre a vida que abraçava.
Putin perdeu os dois irmãos mais velhos cedo e assumiu a responsabilidade triplicada de "dar certo".
Seus pais, Vladimir e Maria, eram operários e faziam parte dos sobreviventes dos 29 meses de sítio de Leningrado durante a Segunda Guerra Mundial, portanto, exemplos de resistência, severidade e inimigos de desperdício em qualquer consumo e em qualquer atividade.
Foi criado no rigor comunista do pai ateu e sob os cuidados da mãe cristã devota calada - deu ao filho o crucifixo que ele só tira do pescoço quando está sem camisa e sujeito à indiscrição de paparazzi.
Sua fé é profunda e silenciosa como a da mãe que adorava - morta um ano antes do pai, em 1998.
Suas duas filhas foram batizadas seguindo todos os rituais da Igreja Cristã Ortodoxa (variação tradicional da Católica), e ele fez uma visita formal ao Vaticano para aproximar as duas igrejas (indo ao encontro do objetivo de Bento XVI de reunificá-las, incluindo a Anglicana). 
Quando o KGB - então chefiado por Iuri Vladimirovitch Andropov - foi buscá-lo no fim da Universidade em 1975, ele tinha 23 anos e estava pronto para a Academia de treinamento onde começaria a subir a escada do sucesso que almejava.

"Pois dentre os males de estar desarmado, há o de ser desprezável; uma desgraça da qual um príncipe tem evitar."
Formado, monitorou agentes de consulados e universidades, casou-se com uma bacharel em letras em 1982 (o KGB não admite agentes solteiros por questão de equilíbrio emocional e foco, além da margem de manobra e pressão sobre os agentes; imagino), e a partir daí sua carreira foi se internacionalizando e suas ideias sendo modeladas pelo sucessor de Leonid Brejnev na liderança da União Soviética, seu chefe do KGB Iuri V. Andropov.
Andropov merece uma digressão rápida. Foi o idealizador da Perestroika -Reconstrução/Reestruturação posta em prática por Mikhail Gorbatchev. Ele atacou a corrupção a todos os níveis do regime, encomendou estudo imparcial da situação econômica da URSS em valores ocidentais, constatou o atraso e começou a preparar o terreno para reformas que a tirassem do buraco.


"Um filho consegue suportar com equanimidade a perda do pai, mas a perda da herança pode desesperá-lo."

Quanto a Putin, foi transferido para Dresden em 1985, após a morte de Andropov.
Seu serviços na Alemanha Oriental foram apreciados, pois ganhou medalha de distinção por trabalhos prestados e deixou un certo rastro.
Talvez tenha sido lá que tenha começado seu exercício intuitivo dos ensinamentos de Niccolo Machiavelli.

"Quem quiser ser obedecido tem de aprender a mandar".
Em 1991, com a queda do muro de Berlim, retornou a Leningrado e deu outro passo em sua carreira maquiavélica.

"Os homens passam de uma ambição a outra: primeiro, buscam proteger-se de ataques, e depois atacam os outros."
Ao chegar, o então tenente-coronel apoiou o Golpe orquestrado pelo KGB contra Mikhail Gorbatchev, e após o fiasco, vendo que o vento soprava para o outro lado, demitiu-se, mas continuou ligado ao Aparelho velada e implicitamente.
Seu objetivo continuava o mesmo. Só que o novo regime exigia mudança de tática para alcançá-lo; tinha de continuar manipulando e controlando, mas de outro jeito, em outra carreira, mas com os mesmos instrumentos infalíveis da palavra e do gesto intimidativo que já o caracterizavam.

"Mudança sempre deixa espaço para o estabelecimento de outras." 
A política era a continuação óbvia.

"Os homens são tão simples e tão propensos a obedecer necessidades imediatas que um engabelador sempre terá vítimas fáceis."  
Nos primórdios democráticos, foi o homem do Aparelho na prefeitura de Leningrado.
Primeiro como Secretário  de Turismo e Relações Exteriores (1991-1996) e com o passar dos meses foi acumulando funções, inclusive de membro do conselho editorial do jornal JSC de São Petersburgo, até chegar a dirigir a cidade quase de fato, no governo de Anatoly Sobchak.

"Aquele que adapta sua política aos tempos prospera."
Foi nesse período que seu patrimônio começou a ser construído até ser estimado em milhões sem que se saiba realmente quanto. Os meios foram os mesmos de outros compatriotas que aproveitaram o desgoverno em que o país se encontrava; oportunismo, tráfico de influência, corrupção, enfim, as mesmas coisas que enriqueceram os oligarcas.
Abro outro parêntese para lembrar que o patriotismo conferiu à Rússia uma particularidade que llhe valeu ódio eterno dos 1% de gringos que controlam a finança mundial. Estes  costumam sair mundo afora aplicando a "doutrina do choque"(1) de levar o país abalado ao caos econômico-social, comprá-lo a preço de banana de cabo a rabo, impor sua lei de mercado, pôr os cidadãos de joelho, e depois, contar dinheiro sem nenhuma moralidade. Na Rússia foi diferente. Todas as empresas públicas - do petróleo à vodka - foram sucateadas, como se sabe, mas nenhuma parou nas mãos de estrangeiros, embora alguns dos oligarcas estivessem longe de poderem ser chamados de patriotas.
Yeltsin, Putin e outros agentes do KGB reciclados na onda política, trancaram a economia com chave de aço e deixaram os Estados Unidos a ver navios e babando fel pelos países satélites.

"O homem sábio faz logo o que o bobo acaba fazendo tarde demais."
Quando o prefeito Sobchak foi derrotado, Putin foi levado para Moscou onde ocupou vários cargos até alcançar sua primeira meta em julho de 1998.
A direção do FSB finalmente estava no bolso.
Em outubro virou membro permanente do Conselho de Segurança da Rússia (versão nacional do Conselho de Segurança da ONU) e passou a liderá-lo em março do ano seguinte.
Durante os 13 meses de direção do Serviço Secreto, Putin embrenhou-se no mecanismo orgânico da espionagem e do poder ilimitado que a informação proporcionava, montou esquema próprio que deixou lacrado, e enquanto Boris Yeltsin privatizava os bens russos por um centavo, passando 1/4 das riquezas nacionais para as mãos da oligarquia emergente e sua saúde se deteriorava, o homem de Leningrado montava um esquema sólido para escudá-lo.

"O governante tem de detetar mediatamente as severidades necessárias e aplicá-las logo e de uma vez só, para que a rapidez das medidas provoque menos ressentimento; benefícios têm de ser proporcionados devagar para que sejam longamente apreciados."
Calcada no sigilo, temor e lealdade inerentes à organização à qual aderira de corpo e alma. 
Foi então que solidificou a rede eficiente e sólida que o apoia quase toda de olhos fechados. O lema desta voltou a ser o do KGB, defunto vivíssimo: A mãe Rússia é prioritária em tudo.
Após tirar a poeira do FSB e garantir sua prerrogativa de poder absoluto, precisava de um cargo que lhe desse experiência executiva e visibilidade nacional.
Este viria logo. Em agosto de 1999 alcançou o trampolim que almejava.
Como?
Boris Yeltsin, lutando contra o alcoolismo explícito e incapaz de resolver o problema da Tchetchênia, estava encostado na parede e estava pedindo arrego.
(Aliás, o problema com a Tchechênia em vez de diminuir aumentava desde que para eleger-se em 1993, Yeltsin havia declarado guerra e invadido a república rebelde esperando vitória relâmpago fulgurante que lhe desse a popularidade que precisava.
Mas o tiro saiu pela culatra e o Exército nacional foi recebido por grupos para-militares organizados e munidos de armas altamente sofisticadas que tinham angariado no Afeganistão junto aos primos taliban.
E como os taliban tinham tido acesso a este arsenal de primeira qualidade?
A munição fora doada pelo quiet american para ser usada contra os soviéticos. Naquela roda-viva da miopia da geopolítica apressada.
Os taliban, além da solidariedade religiosa com as comunidades muçulmanas do Cáucaso, precisavam da máfia tchetchena para traficar a heroína que fabricavam. E na estória do interesse mútuo, os tchetchenos estavam armados até os dentes quando os soldados chegaram.
A campanha militar de Yeltsin havia sido um desastre político, militar e humanitário.
Por isto tivera de apelar para o general Alexander Ivanovich Lebed para conseguir paz provisória, e como sempre, o general vitorioso adquiriu popularidade perigosa e estava batendo à porta do Kremlin para tomar seu lugar.
Em dois anos Yeltsin trocou de primeiro ministro quatro vezes. Até que, doente e esgotado, voltasse a pensar como todo ex-membro do Partido Comunista da ex-URSS e buscasse a tábua de salvação de sempre no velho Aparelho que Putin havia desempoeirado.

"É duplamente prazeroso enganar o enganador."
Para quem apelar para sentir-se a salvo? pensou Yeltsin, e a resposta era clara. Para o órgão que tradicionalmente garantia força e estabilidade.
E Vladimir Vladimirovich virou primeiro ministro para proteger a pátria e pôr ordem em casa.
Com 45 anos, Putin era o segundo homem mais poderoso da Rússia e o único fiável.
E devido aos problemas de saúde do presidente que secundava e à amizade que o ligava a Tatiana Borisovna Yumasheva, a eminência parda do governo e do pai que ela controlava sem rival, daí para a presidência foi um pulo que Putin deu sem nenhum esforço suplementar.
A batalha já estava ganha há anos.


"Os homens são mais propensos a ofender quem inspira amor do que quem inspira medo."
Logo em dezembro Yeltsin surpreendeu o mundo, mas não Tatiana e Putin, com a demissão do governo por razões de saúde.
Dizem as más línguas que os dois homens fizeram um acordo de "cavalheiros". Yeltsin deixaria o cargo para Putin sem alarde e em contrapartida, Putin guardaria o segredo das falcatruas feitas durante seu mandato.
O fato é que a transferência de poder foi discreta. Putin subiu o degrau que faltava, sentou no trono que cobiçava desde a mais tenra idade, e entrou de sola, determinado a elevar a Rússia à grandeza de outrora.

"Príncipes e governantes são muito mais perigosos do que quaisquer elementos de uma sociedade."
"Quem deseja sucesso constante tem de mudar de conduta com a mudança dos tempos."
Pronto. O filho de operários sobreviventes de um dos maiores sítios da história tinha vingado, no sentido figurado. No próprio, a limpeza só começava.
Aderiu ao jogo democrático e disputou a presidência com Alexandre Ivanovitch Lebed, o general incorruptível que tinha levado a paz à Tchechenia e cujo modelo de governante era Augusto Pinochet..., e ganhou a partida com facilidade.
No dia 26 de março de 2000 foi eleito o segundo presidente da Federação da Rússia.

"Se tiver de ferir um homem o ferimento tem de ser severo ao ponto de não precisar temer sua vingança."
Lebed foi afastado do Exército e continuou a governar a segunda maior região russa, Krai de Krasnoiarsk, no meio da Sibéria; apoiado pelo primeiro oligarca Boris Berezovski (hoje exilado na Inglaterra), acusava clamorosamente Putin e o governo, até 2002, quando sofreu acidente de helicóptero que levantou suspeita, mas a investigação não deu em nada e o general estava morto e enterrado.


Na biografia de uma "dissidente" russa recém-publicada nos EUA o marketing é que Vladimir Putin é um "homenzinho", longe da estatura que lhe é dada.
Deve estar vendendo bem por lá porque diz o que os estadunidenses querem acreditar.
Entretanto, embora o livro seja bem documentado, basta conhecê-lo um pouco para saber que a definição está longe de ser apropriada.
Até os inimigos e adversários têm de admitir que Putin pode ser chamado de tudo, mas este adjetivo redutor é estreito demais para a sua pessoa.
Se "homenzinho" fosse pejorativo para atos condenáveis, faria sentido.
Mas como homem de poder serviria para George W. Bush, Tony Blair, outros mais, mas para Putin, acho meio falho.
Dito isto, a experiência geopolítica me mostra que todo ditador é um homenzinho com complexos e infantilidades patéticas. Todo déspota encerra no âmago problemas emocionais e fragilidade.
Putin não foge à regra.
Mas ao mesmo tempo é diferente dos demais.
Teve uma educação soviética, portanto, de alta qualidade universitária, e embora seja mi/bilionário graças ao oportunismo propiciado pela má gestão da fragmentação da União Soviética, até sua pose altiva, retrata a dimensão que quer dar à Grande Rússia que é nele ideia fixa.
Espião a serviço do KGB ou eminência máxima do Kremlin, sua postura é imutável.


"Não há como atribuir à fortuna e à virtude o que é conseguido sem nenhuma das duas."
Na verdade, Vladimir Vladimirovich escalou até a presidência da república, mas continua a dirigir o sistema de poder paralelo como se a Guerra Fria continuasse e só tivesse mudado na forma - o que não deixa de ser verdade. Sua visão do país e do mundo permaneceu a mesma.
Pode ser que às vezes nem seja ele que tome decisões abruptas ou incompatíveis com um regime de tradição democrática. Pode ser uma das crias do sistema montado que faz o que acha que ele gostaria que fosse feito e que é melhor para o governo, e portanto, para a Pátria.
A Rússia é o único país, internacionalmente reconhecido, que conheço, que rivalize com o patriotismo brasileiro.
O amor à terra é tão forte na Rússia, que foram os únicos que realmente não cederam, em próprio solo, à Wehrmacht, Exército alemão, na Segunda Guerra.
Primeiro durante os 872 dias de sítio de Leningrado em 1941, até a Krasnaja Armija, Exército Vermelho soviético conseguir abrir um corredor até a cidade. As perdas humanas foram enormes - 1 milhão e 500 mil civis e soldados - mas a população não se rendeu ao inimigo; a capitulação era impensável.
(Os moscovitas tinham feito o mesmo no século anterior, preferindo queimar as próprias casas em Moscou do que entregar a cidade a Napoleão de mão beijada.)
Depois foi a vez de Stalingrado (hoje, Volgogrado), de agosto de 1942 a 02 de fevereiro de 1943. Os alemães bombardearam dias a fio só deixando ruínas e mais de um milhão de mortos nos destroços da cidade. Mas os sobreviventes resistiram nos escombros até a Wehrmacht não poder mais com o rigor do inverno e bater em retirada. Foi a batalha mais longa da frente oriental e foi decisiva na Segunda Guerra. Os alemães e seus aliados perderam cerca de 500 mil soldados.
As resistências de Leningrado e Stalingrado são repetidas nas aulas de história, são citadas como exemplo, e um dos maiores, se não o maior, herói nacional é Vassili Zaitsev; o jovem voluntário de 26 anos que foi para Stalingrado como atirador de elite e aniquiliou dezenas de atiradores alemães, inclusive o oficial que os treinava.
Vladimir Putin é o Nicolai Gogol que sonha em salvar a Pátria como Vassili.
Herdou o país quebrado, desrespeitado, traçou um plano de enriquecimento próprio, dos próximos e da indústria nacional, fixou a meta de repor Moscou no mapa das capitais incontornáveis na ronda das decisões e conchavos, e foi eliminando as "pedras" uma a uma. Artistas, jornalistas e oligarcas.
"É mais seguro ser temido do que ser amado."

Houve fraude nas eleições? É provável, mas o que é claro mesmo é a compra de voto; do mesmo jeito que se "alugava" participantes nos comícios apoteóticos.
A maioria da população está contra ele?
A urbana é certeza, mas ele ainda não tem nenhum rival de peso que dê firmeza nem a quem não vota nele.
No interior, Putin ainda dá as cartas.
E o futuro?
"Empreendedores são simplesmente pessoas que entendem a pouca diferença entre obstáculo e oportunidade e conseguem tirar vantagem de ambos os lados." 
Apesar dos pesares, ele levantou o moral dos compatriotas e lhes restituiu o orgulho da grande Rússia.
Putin cumpriu dois mandatos, pôs o amigo Dimitri Anatolyevich na presidência, governou por tabela um terceiro e está pronto para começar o quarto que é tecnicamente o terceiro, sem esclarecer se é o último ou se quer igualar Brejnev nos anais, em vez de apenas de fato, e inteirar "só" 18 anos no Kremlin.
Entende-se que ele queira continuar morando naquela bela fortaleza, mas um dia vai cair a ficha que o complexo histórico construído pelos czares pertence ao povo e não a ele.
Neste mandato, diz ele, quer fazer tudo direito.
Na linha da perestroika de seu mentor Iuri Andropov, rejeita o isolacionismo como a peste.
Já tinha se aproximado bastante dos países ocidentais e da OTAN, mas as intervenções recentes em países de sua influência e a ingerência secreta em sua própria casa o fez dar um passo atrás, mas isto pode ser reesolvido por vias diplomáticas.
Tenciona incentivar cooperação com países estrangeiros, privilegiando as três outras potências emergentes - Brasil, China, Ínida, e a África do Sul que está correndo para subir no trem do BRIC.
Putin não é bobo e sabe que a fratura social entre seus compatriotas ricos e pobres representa um perigo para a estabilidade política e o crescimento que almeja, por isto pretende remediar com projetos de resgate econômico que sejam efetivados este ano e em 2013.
E já começou a encorajar inovações tecnológicas com incentivos fiscais para projetos de diversificação da economia, sobretudo no ramo farmacêutico, nanotecnologia, informação tecnológica e setores de comunicação.
Nos três governos precedentes, o desenvolvimento da Rússia já foi grande, a dívida externa foi reduzida a menos de 30% do PIB.
Além de eleger-se, Putin obteve maioria absoluta no Congresso com seu partido Rússia Unida ocupando dois terços das cadeiras da Assembleia.

"Só o príncipe entende a natureza do povo, e só o povo entende a natureza do príncipe."
Na sociedade civil ele controla tudo, é um fato, mas a incrementação do setor social e a modernização das Forças Armadas lhe valem apoio incondicional dos militares e de vários setores da sociedade.
No plano internacional houve uma desavença pontual quando um ex-espião do KGB mudou-se para a Inglaterra, começou a falar demais e foi assassinado em Londres. Mas como todos os outros países têm telhado de vidro na área de espionagem e não querem que seus agentes saiam por aí contando segredos guardados a sete chaves, a morte de Alexander Litvinenko não teve grandes consequências.
Quanto à Georgia e à Ucrânia, vira e mexe se desentendem com a às vezes mãe às vezes madrasta, mas Putin ameaça cortar o petróleo e a calmaria retorna.
A imigração é um problema que foi negligenciado no começo e agora a Rússia tem de administrá-lo de qualquer jeito e é certo que o próximo presidente apreciará a "limpeza" que Putin vai ter de fazer em casa.
Pois embora admita que o país seja "multinacional" e que os imigrantes vizinhos se misturem com os nativos, insiste que a imigração só pode ser aceita com a adesão à cultura nacional, pois não quer "a destruição do povo russo".

"Da natureza humana, dá para dizer que em geral os homens são hipócritas e gananciosos."
Putin prometeu aumentar o salário dos médicos e dos professores universitários e melhorar os setores de educação e saúde - que se deterioram a olhos vistos após a queda do comunismo, e reduzir os custos de construção para resolver o problema de moradia, que é grave.
E para prosseguir a construção da Grande Rússia, Putin precisa inverter o processo de mortalidade masculina altíssima. Para isto tem de atacar o mal pela raiz combatendo o alcoolismo e incentivando a natalidade e os emigrantes a voltarem para casa.
Prometeu continuar o processo de privatização em todos os setores, com exceção da defesa e petróleo.
Com estas medidas pretende resolver o problema de evasão massiva de capital, que é o maior mal econômico que aflige a Rússia.
Enfim, fez as promessas certas às pessoas que as esperavam.
"A promessa dada é uma necessidade do passado: a palavra não cumprida é a necessidade do presente."

Aos que perguntam se vai "aposentar-se" despois deste mandato, digo que Putin só vai descansar daqui a seis anos se atingir dois objetivos que entende como prioritários na segurança nacional.
O primeiro é ter certeza que o quiet american não está fomentando nenhuma revolução subterrânea nem apoiando algum candidato que transforme a Rússia em joguete de Washington.
O segundo é que surja um candidato que lhe pareça válido - ou seja, que prove ser valor agregado à grandeza da Rússia e não agravo ou marionete manipulável que não inspire o respeito que ele acha que a "Mãe" merece e vale.
Vladislav Yuryevich Surkov, de 48 anos, considerado o ideólogo do Kremlin e arquiteto do atual sistema político chamado de democracia soberana, pode ser este homem. Mas resta saber se Putin o deixaria emancipar-se.
Mas espera-se que o Czar concorde com Maquiável também quando diz que "Quanto mais areia escapa da ampulheta da nossa vida, deveríamos vê-la com mais claridade."

Do lado da oposição, hoje, nomes emergem mas ainda não são fortes.
Mas é pouco provável que o povo russo que saiu às ruas para protestar contra a posse de Putin, vem amadurecendo a passos largos e deixando de ver o consumismo desenfreado como a mais alta prioridade, o deixe eternizar-se depois deste mandato.
"O desejo de adquirir mais é natural e comum; e os homens bem sucedidos são mais celebrados do que condenados. Mas quando lhes falta habilidade para conseguir mais a qualquer preço, eles merecem ser condenados pelos seus erros."
Mesmo que ele continue aplicando os axiomas mais populares do mestre do fundador da política, dentre eles o que vigora em todos os Estados contemporâneos: "A política não tem nenhuma relação com a moral."

Dito isto tudo sobre o Czar, apesar da solidariedade que me move em direção dos colegas jornalistas e outros oponentes tolhidos pelo sistema Putin, acho que ele no Kremlin pode ser um mal necessário ao equilíbrio geopolítico mundial.
Enquanto os BRICS não tiverem verdadeira voz ativa, ou seja, enquanto o Brasil, a África do Sul e Índia não dispuserem de cadeira cativa no Conselho de Segurança das Nações Unidas e pesarem realmente contra os Estados Unidos e seus interesses imediatos que chacoalham o planeta à vontade, a força de Putin, que é a única que a Casa Branca respeita fora das fronteiras, não deixa de ter uma certa utilidade.
O descaso e as desfeitas calculadas de Barack Obama à nossa presidente/a Dilma em Washington mostra que o Brasil está abalando mortalmente a autoconfiança dos EUA que apelaram para a ignorância do ar de poucos amigos ao país que 58 anos atrás manipulavam, no qual há quatro décadas cantavam de galo e que hoje está ameaçando sua hegemonia na América Latina e daqui a pouco além do Atlântico e do Pacífico sem derramar nenhuma gota de sangue.
A estratégia de Obama teve o efeito diplomático inverso do esperado. Mostrou ao mundo que os EUA temem o vizinho do sul que cresce sem parar enquanto eles encolhem. Foi um tiro no pé que só aumenta o número de ferimentos do gigante de pés de barro.
Vamos abordar este assunto importante que nos toca diretamente mais tarde. Por enquanto voltemos ao Czar Putin que já tem a voz que pleiteamos e que os Estado Unidos nos recusam no Conselho de Segurança da ONU.

"O fato é que o homem que quer agir com virtude em todos os domínios, sofre fatalmente nas mãos dos numerosos homens desvirtuosos."
Se não fosse a Rússia, o Irã e a Síria já teriam sido bombardeados pela OTAN há semanas, uma marionete estaria nos respectivos governos e os recursos naturais desses países já estariam nas mãos dos carteis que controlam Bagdá, Kabul e Benghazi; sem contar a ascendência sem medida que os EUA ambicionam e obteriam no Oriente Médio de mão beijada.
Não é por nada que o nome de Putin é pronunciado em Washington com um desprezo colorido de receio.
O que não impede o quiet american de invadir seu domínio para semear uma revolução vermelho/branco/azul em vez do azul e vermelho da bandeira russa.
Se o quiet american não invadisse seara alheia, talvez Putin sentisse firmeza, deixasse o governo ou perdesse a legitimidade desta desculpa que usa para continuar no Kremlin.

Aqui vai um pedido a Vladimir Vladimirovich: Deixe de perseguir a oposição, que no fundo, é vital ao avanço de seu próprio programa de reformas necessárias e deixe seu povo livre para que lideranças saudáveis nacionalistas floresçam para que você possa ir-se no fim deste mandato tranquilo.
Em vez de azucrinar a vida de seus compatriotas, azucrine a de gringos que mereçam ser azucrinados e tente deixar uma marca positiva tentando melhorar o estado do mundo.
Faça o que a Rússia fazia melhor durante a União Soviética - use o seu potencial bélico dissuasivo para estabelecer um equilíbrio planetário e peitar quem precisar ser peitado, do Pentágono, a Obama, a um certo lobby e alguns oligarcas que desafiam o bom senso e a ONU, até os magnatas sem deuses nem Pátria cuja ganância fomenta guerras, conflitos e provoca miséria e injustiça por onde passam.
Deixe seu povo emancipar-se à vontade.
Seja justo. Seja sábio. Faça jus ao casaco. 

Putin humilhando publicamente Oleg Deripaska, o oligarca mais rico da Rússia
Um pouco de humor russo para desanuviar  

Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/

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  1. Concordo plenamente! Putin não é nenhum santo, mas vamos nos lebrar do golpe fadítico de 1991, que acabou por encerrar a URSS. Na época um grupo de militares da ala conservadora da ex URSS, estava descontente com os rumos da Perestróika de Gorbachev, de como nada fez ao ver todo o leste europeu saindo da esfera soviética e pior, a Guerra contra o Iraque. (antigo aliado)em 1990, sem nenhuma interlocução Yeltsin, como outros que queriam ver o Patrimônio Soviético em mãos mafiosas, arquitetaram a queda da mesma. Não deu outra, foi dissolvida a URSS. Em poucos dias, 70 anos de História e tradição nas Ciências, Artes, Matemática, Bem estar Social, Espaço, ainda que não perfeita, foram jogadas no lixo, sem nenhum processo de transição (como está fazendo hoje a China) . Um País que gabava-se de ser o maior em área do mundo, esfacelou-se, a Rússia nação Mãe da Pátria, com um espaço que era 3 vezes maior que o Brasil, ficou reduzido à fronteiras do século XV, menor que nos tempos dos Czares (claro ainda grande, pois ainda cabe o Brasil X 2). A camarilha do Yeltsin ficou com a cereja do bolo, devido às indescentes privatizações. Quando Putin assumiu a Rússia em 1999, o País estava quebrado, endividado, empobrecido, envelhecido, com uma taxa de mortalidade maior que a da natalidade, máfia, corrupção, drogas, prostituição entre outros. Passadas 2 décadas, hoje a Rússia é outra, mesmo com muitos desafios pela frente. Ele soube fazer retornar este Patrimônio ao Hierárquico Público, prendendo muitos Oligarcas, ainda que trocando por outros, mas desta vez trazendo de volta 50% de Controle das emprtesas gigantes ao Governo Estatal, o restante sim privatizado. E deu certo, claro que graças ao Petróleo e Gás(hoje é o maior produtor do mundo, superando inclusive a Arábia Saudita); primeiro também em minério de ferro, Carvão, inclusive até em ouro e diamantes (superando a África do Sul). A Rússia de hoje tem a 2a. maior reserva cambial do mundo(só perde pra China), o 2. maior número de Universitários do Planeta (só perde pros EUA), o maior arsenal nuclear e biológico da Terra, a 2a. marinha e aéronáutica e o mais profissional exército do mundo. Putin com uma caneteada só fechou todos os Cassinos do País(só Moscou tinha mais que Las Vegas), mandou pra cadeia o homem mais rico da nação por Cartel, assim como outros oligarcas da era Yeltsin, que inclusive o haviam apoiado; mas tudo, sempre com as costas largas, pois conta com o apoio quase que incondicional do povo russo, talvez porque tenha tirado da linha de pobreza mais de 55 milhões de concidadãos. Hoje a Rússia tornou a Europa, por incrível que pareça mais dependende dela e ela da Europa do que nos tempos da ex URSS, na relação Petróleo-Gás e outros minérios desta inesgotável Pátria. Pouca gente sabe, mas a Rússia de Putin voltou a ser o País que mais lança satélites por ano no espaço, e a única economia que cresce numa Europa e EUA totalmente endividados. Eles é que estão com tudo e não estão proza. Alguém ainda duvida, dê um pulo lá agora e veja como está a Rússia de hoje.

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