domingo, 28 de agosto de 2011

OTAN nocauteia Trípoli, sem Kaddafi, oito anos após Bagdá


Os desastres da guerra, de Francisco de Goya
Contra a corrente jubilatória que corre, enquanto na Cirenaica celebram a vitória, e os rebeldes na Tripolitana acertam as contas com os inimigos como se estivessem em um jogo de circo da antiguidade, sou obrigada a constatar que mesmo que vitória exista e que o derrotado mais do que mereça ser preso, julgado e condenado à prisão perpétua e trabalho forçado, a vitória é amarga.
Verdade seja dita, sem a ajuda da OTAN, os rebeldes jamais teriam se aproximado de Trípoli e já teriam voltado para casa com o rabo entre as pernas ou estariam mortos e enterrados.
Ao contrário da Tunísia e do Egito, na Líbia, quem empurrou o ditador para fora não foi o povo, mas as Forças Aéreas ocidentais. Isto não muda nada em curto prazo, mas dependendo das decisões imediatas que forem tomadas, pode mudar tudo a médio e longo prazo.
A Líbia é um lindo deserto povoado aqui e acolá de ruínas romanas pouco visitadas, e sem apoio aéreo, ninguém consegue ganhar batalhas válidas. O general britânico Montgomery e o alemão Romel experimentaram esta inospitalidade bélica terrestre na Segunda Guerra Mundial.
Por mais que ache Gaddafi e seus atos abomináveis, continuo refratária a intervenções em litígios nacionais porque o que tenho visto na história remota e recente é que no final os aliados estrangeiros sempre reivindicam direito de pilhagem.
A diferença dos conquistadores de hoje com Gengis Khan e Napoleão Bonaparte é que até o século passado, ou seja, até Adolf Hitler, o saque era paulatino e declarado.

Os poços de petróleo cobiçados
O século XXI, ou a invasão do Iraque, viu surgir outro tipo de furto. O encoberto por contratos devidamente assinados de cooperação militar, de reconstrução do que foi derrubado, e sobretudo de exploração e comércio das riquezas do povo salvo.
Benghazi hoje, como Bagdá em março de 2003, virou um mercado internacional do quem dá mais e do que quem quer o quê.
Desbloqueiem os fundos líbios já! Para que contratos de “reconstrução” sejam assinados, que o petróleo seja logo negociado, que as riquezas líbias sejam pechinchadas ao valor de guerra e não de paz, e que os cidadãos aguentem as consequências da ocupação econômica (se não for de fato) que começou na semana passada.
Seis meses atrás alertei para o perigo da intervenção ocidental, para o problema da divisão dentro do TNC, Comitê Nacional de Transição, e para o problema mais grave da profunda identidade étnica, dita tribal.
Mais de 85% dos cidadãos líbios admitem ligação forte com a tribo dos antepassados e além das etnias dominantes, existem dezenas de menos importância, mas que também participaram do combate contra Gaddafi.
O que os uniu já se sabe: o ódio de Gaddafi e dos membros das duas tribos que o apoiaram.
Mas muito mais coisas os separam.
Além de fazer negócios, o TNC vai ter tanto problema interno para resolver que talvez até acolha as bases militares da OTAN em seu solo de bom grado. E mais tarde, quem sabe, os contractors com seus mercenários, para combater os hoje aliados, mas que se os países ocidentais ousarem agir como no Iraque, virarão guerrilheiros nacionalistas antes do próximo carnaval. Sem contar as células do Al-Qaeda que estão sendo ativadas. Gaddafi sabia do que falava. Como na Síria Bashar el-Assad.
Embora tenha quase certeza do contrário, ainda espero que os que bombardearam as milícias de Gaddafi - do alto e fora do alcance de contra-ataque - por razões humanitárias, não cometam o mesmo erro cometido no Iraque de instalar-se como se estivessem em casa, por razões puramente venais, nas terras recém-libertadas. 
Grafiteiros líbios lavam a alma
Quanto ao paradeiro de Muammar Abu Minyar al-Gaddafi, ninguém sabe.
Dizem que carros blindados cruzaram a fronteira com a Argélia.
Dizem que está escondido em um bunker do qual sairá quando a poeira baixar e puder escapar com outra cara.
Rumores não faltam.
A certeza é que enquanto sua cabeça não for asteada, ele continuará a assombrar tripolitanos e cirenaicos como se estivesse no palácio.
Morto ou vivo, diz-se por todos os lados. Mas o prêmio milionário não é por sua captura. Se fosse, a OTAN não teria bombardeado Sirte, cidade natal do fugitivo, quando a vitória já parecia assegurada.
Mahmud Jibril e Mustafá Jalil
E quem vai para o lugar de Gaddafi? me perguntam sem parar.
O Conselho Nacional de Transição estabelecido em Benghazi em fevereiro é chefiado por um homem de ideias, o jurista Mustafá Abdel-Jalil, ex-ministro da justiça de Gaddafi. Mas o homem de ação é Mahmud Jibril, nascido em Benghazi, formado na Universidade do Cairo, pós-graduado na Universidade de Pittisburgh e bem relacionado em várias capitais do mundo árabe. No regime de Gaddafi ele dirigiu o Comitê Econômico de Desenvolvimento.
Jalil e Jibril formam uma boa dupla, inclusive na contenção necessária de brigas intestinas previsíveis entre os grupos rebeldes que os legitimam. Além deles, as duas figuras que se sobressaem na Nova Líbia é o filho do rei Idris (destituído do trono por Gaddafi 42 anos atrás) e o filho de Omar Mukhtar, herói da independência da Itália.
Como no Iraque, há também os paraquedistas exilados que querem sua parte. Têm chance, pois conhecem melhor os vencedores da OTAN do que seus compatriotas e a terra de seus antepassados. O que não significa que o povo esteja disposto a abrir-lhes os braços.
Prefiro esperar mais um pouco antes de fazer prognósticos.
Na Líbia de hoje não se tem certeza de nada. Nem na perda de influência total de Gaddafi.

Um lembrete sobre o Iraque mencionado acima. Só em julho deste ano, 259 pessoas foram vítimas de mortes violentas. Desde 2003, estima-se que a perda de vida de civis iraquianos ultrapasse cento e dez mil. Enquanto que 4.474 (3.529 em combate) soldados estadunidenses perderam a vida
Quanto aos contractors, vão bem, obrigados.

Auto-colante da Gush Shalom, ONG israelense de Direitos Humanos
E do lado da Terra Santa, duas pedras a mais foram postas no caminho do reconhecimento do estado da Palestina.
Uma oficiosa outra ideológico-aftosa.
Ambas vindas do nosso vizinho lá de cima do mapa que se encontra em uma ladeira espantosa.
A ameaça diplomática chegou via Tel Aviv.
A outra via Fox News e o radicalismo.
Vou começar pela segunda, o canal contra-informativo, que como se sabe, é uma gangrena de informação que se diz jornalística.
Glenn Beck, um de seus porta-vozes, acabou tendo de ser demitido por opiniões ainda mais extremas do que as que lhe davam carta branca editorial para destilar seu veneno fascista. Não por ter ultrapassado o limite do possível editorial, mas porque fez perder ao canal estadunidense de extrema direita 400 anunciantes. E atingidos no bolso, os patrões lhe mostraram o caminho da porta.
A evasão publicitária ocorreu após Glenn Beck ter comparado, ao vivo, os jovens noruegueses assassinados no início do mês de agosto pelo militante fascista (com quem se identifica) com a juventude nazista, e o judaísmo liberal com o islamismo radical.
O homem passou da imprensa marrom para o sionismo radical e foi vestindo esta nova casaca que foi a Jerusalém na semana passada fazer um comício. Contra o quê? A criação do estado da Palestina, é claro.
Seus argumentos? Tenho até vergonha de mencionar.
Com amigos como Glenn Beck, Binyamin Netanyahu e seus comparsas não precisam de inimigo para levar o governo abaixo.
A outra estocada foi por vias diplomáticas e imediatamente desmentidas na Casa Branca.
Em encontro com o negociador oficial palestino Saeb Erekat, o embaixador dos EUA em Israel Daniel Rubinstein teria dito, em voz alta, o que se ouve em Washington em vozes cada vez mais levantadas: Se a Autoridade Palestina não retirar a moção de reconhecimento do seu Estado pela ONU, os EUA tomarão medidas punitivas além do veto puro e simples, inclusive econômicas.
E do outro lado do Atlântico, um eminente professor de Direito Internacional em Oxford alertou para o perigo do reconhecimento do Estado acarretar alegações de ilegitimidade da Autoridade Palestina.
Isto porque, em teoria (que nem sempre é respeitada, como não foi com o assento dado ao Sudão do Sul com um governo improvisado) o reconhecimento do Estado envolve um governo democraticamente eleito.
A Autoridade Palestina é a autoridade máxima desde que os candidatos eleitos do Hamas foram impedidos de tomar posse, mas o Hamas e o Fatah, prevendo eventuais dificuldades, já concordaram em convocar eleições executivas e legislativas sem tardar.
Mas aí vem a questão dos palestinos da diáspora. Tanto os emigrados forçados quanto os enxotados que viraram refugiados. Em princípio têm direitos iguais aos cidadãos que vivem em Cisjordânia e Gaza. Inclusive de voto.
Tanto neste caso quanto na garantia legítima das autoridades palestinas da segurança de Israel em contrapartida do fim da invasão militar e retirada das colônias da Cisjordânia, o Hamas e o Fatah terão de estar em fase, assim como suas bases.
Mas primeiro tem-se de reconhecer o Estado da Palestina. Esta é a primeira fase. As outras dependerão da capacidade da ONU impor sua autoridade. Inclusive mandando tropas de paz para ajudar Israel a evacuar as colônias e derrubar o muro da vergonha. Pelo menos onde ele ultrapassa a Linha Verde que marca a fronteira de 1967.
Não custa nada sonhar. Na Palestina não tem petróleo. E se tivesse, além de tirar-lhe a água já tê-la-iam esvaziado na marra. Sem que a expressão “limpeza étnica” fosse em nenhum momento mencionada.


Lista de produtos das colônias a serem boicotados: http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements;
Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/;
Lowkey:http://youtu.be/ET6U54OYxGw;http://youtu.be/kmBnvajSfWU; http://youtu.be/GO5Cay6GUkM;
Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/;
http://www.bigcampaign.org/

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