domingo, 21 de agosto de 2011

David e Golias

Bombardeio de Gaza na noite do atentado perto do Resort israelense do Mar Morto em Eilat, no Vale do Jordão 

Quem quebrou a trégua entre Israel e a Palestina?
Quando na Cisjordânia invasores extremistas de colônias como Yitshar fazem operações terroristas contra a população palestina, Israel, como um todo, é responsabilizado? 
Não que eu saiba.
Enterro de um soldado da IDF
Velório de uma criança palestina bombardeada 
Quando um corpúsculo extremista (sem nenhuma ligação com o Hamas) atravessa o deserto do Sinai -sob as barbas da IDF - para uma operação de captura de mais um refém militar (para reforçar o poder de barganha com Israel) e a operação termina na morte de sete deles mais oito israelenses – civis e militares, é normal que o Hamas seja tido como responsável e que todos os gazauís paguem o pato?
Vira e mexe faço esta pergunta. Vira e mexe o governo de Netanyahu usa um subterfúgio qualquer para tentar destruir o moral e a vida em Gaza.
Apesar do Hamas e da Brigada Qassam (sua Força Armada) terem logo negado qualquer participação na operação que ignoravam, a IDF (exército de Israel), mesmo sabendo que o responsável foi o grupo independente Popular Resistence Comitte – PRC (Comitê de Resistência Popular, que é uma pedra no sapato do próprio Hamas) e resolveu vingar-se, como sempre, na população inteira de Gaza com bombardeios ininterruptos da Faixa.
Agentes israelenses limpando um foguete em Ashdod
Um dos prédios destruídos em Gaza,
nos últimos três dias
 As brigadas Qassam responderam com o foguetório habitual ferindo quatro israelenses, e a IDF, só nas primeiras 24 horas já tinha ferido mais de 30 civis e matado 14. Seis militantes do PRC e oito civis, dentre estes, três meninos, um deles de 5 anos. Sem contar os danos materiais.
Como eu disse na semana passada, Netanyahu estava louco para encontrar uma desculpa para voltar a bombardear Gaza e distrair a atenção do movimento social interno que estava assumindo proporções incontroláveis. Pronto. Agora tem o escudo da retaliação para a escalada de violência e de distração nacional, e além disso, não para de gritar, bem alto, para a Comunidade Internacional só ouvir o seu lado.
E no mundo todo o atentado do Mar Morto é legitimamente condenado.
Só que até agora a comunidade internacional irreleva a morte dos civis em Gaza e o fato de Israel ter quebrado a trégua sem pestanejar.
E por seu lado, indignado com as perdas humanas, o Hamas confirma que a trégua, após a violência do ataque inesperado, virou história.
Aí me põem a pulga atrás da orelha e eu faço a pergunta básica dos criminologistas: Com a próxima votação da ONU do reconhecimento do Estado da Palestina, quem ganha com o crime?
O jornalista israelense Uri Avnevy aliás lembra que em 1982, o então ministro da defesa de Israel Ariel Sharon tinha decidido atacar os palestinos refugiados na Síria e no Líbano. E por isto foi a Washington pedir a bênção que foi condicionada a uma “provocação credível”. Alguns dias depois, como por milagre, o grupo liderado por Abu Nidal, inimigo mortal de Yasser Arafat, cometeu um atentado frustrado contra o embaixador israelense em Londres e esta ação foi interpretada como a “provocação credível” que valeu a Sharon o apoio estadunidense à agressão que ficou conhecida como a primeira guerra do Líbano. E à carnificina nos campos de refugiado de Sabra e Shatila.
Na quinta-feira, Netanyahu foi salvo pelo gongo militar em uma hora em que parecia que os protestos internos fossem empurrá-lo à demissão, como aconteceu com Golda Meir e como a coalição entre Netanyahu e Ehud Barak (antes de virar casaca) teve de ser quebrada anos atrás.
O ministro de extrema-direita Avigdor Lieberman (invasor de carteirinha, residente de uma colônia na Cisjordânia) passou a semana apavorando os compatriotas com o “banho de sangue” que os palestinos estão preparando para o dia 20. Dia da votação na ONU e em que várias passeatas multi-nacionais de celebração pacífica estão previstas na Cisjordânia e nas fronteiras com o Líbano e a Síria. O objetivo de Lieberman é que os jovens deixem as tendas plantadas na alameda Rothschild (que incomodam o governo todo dia), parem as reivindicações e empunhem fusis e canhões.
É a estória do inimigo comum que se fabrica a fim de promover uma reunião doméstica furtiva. Recurso que já gerou, mundo afora, tantos conflitos para acobertar erros políticos.

À esquerda, no resort israelense de Eilat, perto de onde aconteceu o atentado, a juventude dourada passeia devidamente policiada. À direita, um menino gazauí limpa o quintal de bomba recém-jogada. Por pouco a família inteira teria sido dizimada, como outras tantas em bombardeios noturnos passados.  

Netanyahu fez declarações tonitruantes em Beer Sheva, inclusive de reforço da proteção da fronteira no deserto de Sinai, admitindo a falha(?) da IDF em controlar a área, enquanto no sul, ao lado, o Egito está em polvorosa por causa do assassinato “acidental” de seus soldados.
Os egípcios voltaram às ruas e desta vez foi para gritar contra o vizinho. O embaixador foi retirado de Tel Aviv em seguida.
O Egito, que se debate entre a era Mubarak da cumplicidade criminosa com o governo de extrema direita israelense e a da solidariedade com a Palestina não quer e não pode ser dar ao luxo de complicar a situação interna.
Quanto a Netanyahu e seus cúmplices de extrema-direita, estão todos regozijantes com a desculpa esfarrapada que encontraram para fazer o que mais gostam: expandir suas invasões na Cisjordânia e bombardear a Faixa de Gaza.

Interpretação da lenda de David e Golias em
pintura de 1914 de Albert Weisgerber

Na verdade, este conflito dos séculos XX e XXI na Palestina, hoje, me lembra a ocupação deste território há cerca de três mil anos quando os israelitas chegaram à “Terra Prometida”.
A história dos vencedores pinta Golias como um mastodonte contra um David corajoso e miúdo – e a ficção começa neste ponto.
Estudados, viajados e vividos sabem que naquela região, gigantes são pura fantasia.
E sabe-se bem que para preservar seus compatriotas dos invasores fugitivos do Egito, Golias propôs uma luta entre os dois líderes.
Litografia David e Golias, de Osmar Schindler
Uma luta limpa que resolvesse a disputa sem guerra e sem perda palestina material e humana.
Todos conhecem mais ou menos o desfecho bíblico e a lenda de David e Golias, em que o primeiro foi sacralizado e o segundo ficou na história como um Hulk morenado.
Toda aquela parte espertinha, em que Golias espera que David se levante para começar a luta e é surpreendido com a esperteza de David, que em vez de orar estava arquitetando o plano de jogar-lhe areia nos olhos para derrubá-lo com uma estilingada e matá-lo traiçoeiramente deitado, parece irrelevante para os que usam David como exemplo de vitória do mais fraco contra o mais forte que o ameaça ou oprime.
Já Gustave Doré preferiu retratar David
com o troféu da vitória: a cabeça de Golias 
Estes desconsideram que nesta história, o "mocinho" e o "bandido" não são forçosamente os que diz a lenda.
Já que no final do combate desleal, David não cumpriu a palavra e saqueou a Palestina, forçando a população a refugiar-se onde?
Isto mesmo.
Na Faixa de Gaza.
Onde os Filistinos ficaram conhecidos sob o nome latino de Filisteus. Que, diga-se de passagem, no Aurélio e em todos os dicionários do mundo influenciado pelos vencedores, virou um insulto – “burguês de espírito vulgar e estreito”...
Com a derrubada do templo de Jerusalém pelos romanos no fim do Século I, a fuga das autoridades israelitas e o abandono das terras tiradas de Golias, os filistinos foram saindo de Gaza e voltando a expandir-se.
E dezoito séculos mais tarde... David voltou pelas mãos da ONU. 
E no século XXI, o governo israelense de extrema direita é o David contemporâneo, espertinho, espoliador, expansionista.
E a Palestina é Golias, mas não o brutamonte que se imagina. O Golias de dimensão humana que não é reconhecida.



Lista de produtos das colônias a serem boicotados: http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements;
Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/;
Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/; http://www.bigcampaign.org/
                           



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