domingo, 31 de julho de 2011

Afeganistão, a galinha esquálida de ovos de ouro


Uma das razões de eu gostar do Afeganistão, além da hospitalidade do povo, é que embora muita gente seja encantada com mar, o que me fascina é montanha. E este país é em si uma cordilheira de tirar o fôlego.
Mas como se sabe, não é por isto que os Estados Unidos o bombardearam em 2001.
A razão dada foi Ben Laden, agora morto e enterrado.
Então, por que os GIs não fazem as malas e voltam para casa?
Quem só esteve no Afeganistão nos últimos dez anos nem acredita no passado glorioso da terra em que pisam. A maioria dos monumentos históricos, tesouros nacionais e relíquias de centenas de anos, foram reduzidas a poeira ou contrabandeadas para terra alheia. Um pouco como as riquezas mesopotâmicas do Iraque.
A Mesopotâmia local é a região de Bamian, com seus Budas bombardeados pelos Taliban antes dos gringos chegarem.
Depois eles cuidaram de destruir tudo o que não fosse comercializável.
Aliás, a desconsideração por tesouros culturais é uma constante nas ocupações estadunidendes.
Um pouco como Napoleão que destruía tudo à sua passagem.
No caso dos EUA é menos por desprezo do que por ignorância do quanto valem.

Paghman

Ao chegar a Berlim após a II Guerra, por exemplo, quiseram executar o grande Furtwängler. O maior maestro da época e um dos melhores de todos os tempos.
Aliás, diz-se que o oficial encarregado de “julgá-lo” não conhecia grande coisa de música clássica.
Foi preciso que os russos explicassem e negociassem a vida do maestro em troca de qualquer cientista nazista que os EUA quisessem levar.
Maimana
 
Kunduz
Minha revanche com a ignorância que “astravanca” o progresso e separa a humanidade, foi desfrutar, sob a batuta de Furtwängler, da Quinta, Sétima e Nona Sinfonias de Beethoven nos vales de Paghman, de Samangan e alhures, já que o silêncio virou coisa rara.
As cadeias de montanhas que cercam os vales, em degradê de altura e profusão de cores que vão do ocre ao tons bege-cinzentados, com a trilha sonora mencionada é uma experiência que engrandece a alma.
Estou divagando; que eu saiba, os EUA não estão no Afeganistão para adquirir cultura nem grandeza espiritual.
Para eles, a beleza de Paghman, Charikar, Karez-je-Amir, Chakardara, Farah, Kunduz, Bamian não representa nada.
Ludwig Van Beethoven então, nem se fala. Wilhelm Furtwängler! quem é esse cara?
Esmeraldas à vontade no Afeganistão 
Uns ocidentais estão lá para garantir o transporte do petróleo para o Paquistão; outros para aproveitar do tráfico de heroína cuja produção foi triplicada; outros para fomentar guerra, alugar mercenários e alimentar a indústria de armas.
Os que realmente entendem de negócio a curto, médio e longo prazo, estão lá para extrair as riquezas naturais desta terra árida.
Pois é, o Afeganistão não tem petróleo, mas tem uma imensa riqueza mineral (fora pedras preciosas) avaliada em 1.3 bilhões de dólares, ainda inexplorada e à vontade no Hindu Kush. Tem cobre, ferro, litium e urânio suficientes para transformar o país em uma potência mundial de matéria prima.
Os russos sabem disso desde 1970 quando mapearam o urânio.
O Pentágono sabe melhor ainda, já que vai fazer dez anos que vêm mapeando o potencial espoliável.
Só quem atrapalha são os Taliban e os Pashtuns, que teimam em obstruir a passagem para a evasão do patrimônio nacional.
Retirar-se do Afeganistão? Nem pensar!
Em vez disso, o Pentágono muda de tática, e para evitar perdas de vida domésticas que sujem a barra, copiam Israel e passam a usar veículos aéreos armados não tripulados (armed drones), que estão sendo tão mortíferos para os civis afgãos quanto há anos são para os de Gaza.
Mas voltando ao vil metal, no início de agosto Kabul vai sediar um leilão que está deixando muitos com a boca cheia d’água para conquistar Hajigak, o maior depósito de ferro do mundo, localizado no centro do Afeganistão.
Em 1960 os russos estimaram o filão a 1.8 bilhões de toneladas.
As 15 firmas que vão participar do leilão são indianas.
O equilíbrio do Afeganistão é essencial para a estabilidade da Índia, devido ao primo-inimigo Paquistão com quem está sempre em escaramuças e litigando, portanto o país faz tudo para estar em boas graças afgãs.
Mas a Índia não está sozinha na conquista mineral do vizinho.
Como na África, seu maior concorrente é a China com quem vem travando guerra comercial em várias partes do mundo sub-desenvolvido.
O negócio que vai ser feito em agosto, em teoria, renderá a Kabul 350 milhões de dólares anuais, cinco mil empregos, infra-estrutura médica, escolar e de transporte. Prometem inclusive segurança nas estradas.
Uma miragem.
Assim como deste dinheiro beneficiar o povo.
Vai ser difícil sair do circuito de propina estabelecido por Washington e bem-vindo no âmbito governamental.
Trocando em miúdos, enquanto a irrelevância militar dos EUA no Afeganistão para o povo estadunidense só tem encadeado gastos – 10 bilhões de dólares mensais, o filão vai ser dividido pelos três “rivais” do Brasil na corrida à supremacia mundial, China, Índia e Rússia.
Ninguém conhece melhor a região do que Moscou, que justiça seja feita, foi um conquistador à romana deixando muitas obras para trás.
E o que os EUA ganham com o terror e as bombas?
Segundo um estudo da Brown University, até hoje, a “guerra ao terrorismo” já custou aos EUA entre 3.7 a 4.4 trilhões de dólares, fora os juros de 1 trilhão pagos e sem contar os 5.3 bilhões prometidos para a reconstrução do que destruíram no Afeganistão.
Outra miragem, pois para arcar com o gasto da reconstrução vão ter de continuar a pedir dinheiro emprestado.
Quem está ganhando com a ocupação mesmo?
A resposta é simples.
Os contractors, empresas que fornecem armamento, mercenários, infra-estrutura militar de forma geral, e a elite bancária.
Um terço da dívida de 14.3 trilhões de dólares que os EUA contraíram foi com países estrangeiros.
Primeiro à China (U$1.2 bilhões), e como se sabe, ao Brasil devem U$211 bilhões.
Repito o que já disse que no Afeganistão o al-Qaida não é o maior inimigo, embora o discurso seja neste sentido.
O movimento de resistência no país é Pashtun, ou seja, nacionalista, ao contrário do que afirma Hamid Karzai, a marionete que dirige o Afeganistão e atrapalha muito mais do que ajuda.
O fato é que a “guerra ao terror” esvaziou os cofres dos EUA sem nenhum resultado.
Aliás, Ben Laden deve estar rindo lá da grelha infernal, pois dizia que bastava mandar dois mujahidin em um ponto longínquo com um pedaço de pano escrito Al-Qaeda para atrair os generais estadunidenses e provocar sofrimento e perda humana, econômica e política nos EUA por nada.
Só os contractors que levam vantagem.
A doutrina de domínio do Pentágono se repousa em bases militares espalhadas mundo afora para intimidar concorrentes e inimigos.
Mas esta militarização só provocou empobrecimento interno e ódio externo lamentável.
Conversando sobre a bancarrota dos Estados Unidos com um alto financista, este definiu o “líder mundial” como um predador-parasita que se mantém copiando a estratégia da Máfia. Ou seja, cobrando pedágio. Sem conflito de fato ou fabricado, a casa desmorona em um piscar de olhos.
É aí que o coitado do povo afegão (entre outros) paga o pato.
E é aí que voltamos à galinha de ovos de ouro para concluir o artigo de hoje.

Os EUA estão diretamente fora da rede de exploração da matéria prima bilionária.
Porém, perseguem a quimera do gaseoduto Pipelineistan (Turcomenistão/Afegasnitão/Paquistão).
Oficialmente chamado Trans-Afgan Pipeline - TAP (Gasoduto Trans-Afgão) e que talvez vire TAPI, caso a Índia entre realmente no negócio.
Washington é obcecada com o TAP desde meados da década de noventa quando Bill Clinton negociou sua exploração com os Taliban até eles baterem o pé quanto às taxas de trânsito e Clinton recuar porque queria levar todas as vantagens.
Antes do ataque às Torres Gêmeas em 2001 o governo Bush já havia substituído a retórica do “tapete do ouro” por “tapete de bombas”.
De uma certa forma, representando o advogado do diabo, nesta equação financeiro-militar Ben Laden veio a calhar.
Os EUA não se conformam em perder esta mina de ouro potencial que, apesar do custo de construção avaliado em U$10 bilhões, garante uma renda fixa milionária a longo prazo pela qual os EUA está desesperado.
Os Pashtuns nacionalistas eram uma pedrinha no sapato na época do comandante Massud e esta pedra virou uma pedrona chamada Taliban, no caminho deste contrato.
Contudo, dez anos e U$5.4 trilhões mais tarde, em Washington, o sonho com o Gasoduto ainda suplanta o pesadelo das mortes e da destruição que ele vem custando.
Com os Taliban no comando o gasoduto é inviável. Todos sabem.
Com a guerra interminável também, mas as tropas aliadas estão cuidando bem da faixa pela qual o gás transita.  
Se os EUA tivessem usado as vias diplomáticas no início do milênio e tivessem concordado com as condições tarifárias propostas pelos Taliban, o lucro com o TAP seria menor do que cobiçavam, mas não teriam sofrido nem infligido nenhuma perda humana.
A paz reinaria (pelo menos lá) e a Casa Branca não estaria à mercê de contractors, de credores, e sobretudo, não precisaria fomentar conflitos para vender seus serviços e faturar com o único poder que lhe resta; o das armas.

Um pouco da beleza do Afeganistão em imagens de alguns lugares que gosto.

Farah
 
Cidadezinha na província de Kurduz

Herat









Surkh Kotal
  
Kabul


  













Paghman






Vale do Kunduz








Tashkurghan

Ziarat-i-Jaw

Estrada para Kabul, construida pelos russos durante a ocupação










Estrada para Herat, construída pelos russos e desde então sem manutenção  

Filme Taking Sides ( Der Fall Furtwängler), de István Szavo (2001).
Com Harvey Keitel, Stellan Skarsgard, Moritz Bleibtreu, Ulrich Tukur.
Baseado na peça homônima de Ronald Harwood, 
o filme narra a investigação e os interrogatórios de Wilhelm Furtwängler.



Lista de produtos das colônias a serem boicotados: http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements;
Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/;
http://youtu.be/GO5Cay6GUkM
Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/
http://www.bigcampaign.org/


 

Um comentário:

  1. concordei com tudo que eu li, mas e a maldade que o taleban faz com as mulheres como o uso da burca e não podem estudar nem serem medicadas por médicos homens

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