domingo, 10 de julho de 2011

A dialética da Não-Violência



Desde que me entendo por gente ouço a palavra Dialética sendo usada a torto e a direito como outros conceitos político-filosóficos cuja definição poucos que os proferem conhecem direito.
Tenho a impressão que Dialética é usada popularmente para tudo que é paradoxal e/ou inexplicável. 
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, interessado no movimento da história, definiu Dialética como o movimento de dissolução do pensamento passando do conhecimento abstrato à Razão até a concretização do raciocínio em uma conclusão objetiva. Tudo isto com base no espírito.
Aí veio Karl Marx e apedrejou o "espírito" de seu compatriota com o argumento que as condições sociais e humanas reais exigem mais do que um exercício mental. A realidade de opressor e oprimido tem de levar a dialética a uma desestruturação e reestruturação conceitual baseadas no questionamento do fato relacionado com o poder, o capital, o indivíduo, e assim corrigir o desequilíbrio social que prejudica os homens. Estou simplificando todo um livro, mas foi mais ou menos isso.
Rachel  Corrie em 2003 com um soldado israelense 
na véspera de ser esmagada
 por um buldozer que ia destruir uma casa em Gaza 
Pois bem, Marx, hoje, daria mais um tapinha no grande Hegel ao questionar a dialética aplicada à resistência não-violenta dos palestinos confrontada à força bruta de armas sofisticadas, do sadismo de autoridades e oficiais que desonram a nação que desservem, e o poder do vil metal que leva países como a Grécia e a Turquia a dizer Yes Sir a Israel e seus potentes aliados como junkies desesperados por uma dose de heroína afgã, cuja produção, diga-se de passagem, triplicou, desde que o país foi ocupado pelos EUA.
Os dois arqui-inimigos estão apostando corrida para chegar primeiro, um aos cofres do FMI, e o outro à União Européia. Para isto a Turquia também entrou no bloqueio da Flotilha da Liberdade e está de mãos dadas com Israel na contra-enquete que o exonere dos assassinatos dos turcos no ano passado. Ankara tenta salvar um pouco a face para não ser torpedeada pela opinião pública nacional, mas como as eleições já passaram... Esperemos que Erdogan tome vergonha na cara.

O barco francês Dignité Al-Karama
conseguiu escapar da Grécia e está a caminho de Gaza
A Flotilha bloqueada nos portos da Grécia e da Turquia em que os navios tinham de parar para reabastacer antes de chegar em Gaza,
a Flytilha pôs-se a voar.
Alguns jornais falaram que a Flytilha era uma opção à Flotilha bloqueada, mas a história não é bem esta. Os dois movimentos ativistas são independentes e autônomos.

O barco canadense Tahrir, bloqueado na Grécia
A Flotilha consiste de um grupo de dez navios de passageiros e dois cargueiros que tentam levar mantimentos e solidariedade à Faixa de Gaza.
A Flytilha é constituída de ativistas
de Direitos Humanos convidados
 por ONGs palestinas para visitar a Cisjordânia entre os dias 8 e 16 de julho.

Representação no Teatro da Liberdade de Jenin
parte da programação preparada para os convidados
O movimento é chamado Welcome to Palestine e os visitantes estrangeiros ficariam (se a polícia de Israel não estivesse bloqueando) hospedados em casas de famílias, participariam de atividades culturais como assistir representações artísticas no Teatro da Liberdade em Jenin (cujo diretor Juliano Mer foi assassinado há alguns meses),
Grafites deixados por visitantes no muro de Belém
visitar Centros Comunitários em campos de refugiados em Belém e plantar oliveiras em vilarejos próximos de Ramallah.
O convite dos palestinos era extensivo aos cônjuges e aos filhos, à família inteira. Muitas das quais haviam programado a visita como a viagem de férias familiar.
Este projeto se enquadra na resistência não-violenta ativa que os palestinos vêm desenvolvendo nos últimos seis anos, em vão.
As casas estavam um brinco para receber os convidados, os meninos estavam ansiosos para fazer novos amiguinhos, e a população estava entusiasmada como se fosse receber amigos íntimos que há anos não via.
350 franceses aceitaram o convite, assim como 250 outras pessoas procedentes da Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Itália. 
Acontece que, por incrível que pareça, o único jeito de chegar à Cisjordânia e a Gaza é aterrizando no aeroporto Ben-Gurion, perto de Tel Aviv.
Querendo ou não, turistas, ativistas e jornalistas são obrigados a passar por Israel para alcançar a Palestina. Com lucro de “pedágio” para os donos do aeroporto e para ônus dos demais.
Portanto nem os anfitriões nem os convidados tencionavam provocar desordem. Ben-Gurion seria apenas uma etapa obrigatória para chegar ao destino final.
Mas o governo de Israel martelou os compatriotas com comunicados alarmantes como se as famílias que estavam para chegar fossem agentes do Mossad em missão de assassinato ou de sabotagem. Centenas de policiais foram mobilizados para montar guarda no aeroporto que parece pronto para combate; e na impossibilidade dos palestinos acolherem seus convidados, ONGs de Direitos Humanos israelenses foram ao aeroporto recepcionar os estrangeiros que conseguiram embarcar.
O governo de Israel havia transmitido às companhias aéreas que servem Ben-Gurion uma lista negra com 342 nomes (compilados aleatoriamente em sites de mídia social) e as companhias executaram a proibição à risca. Seis foram bloqueados no embarque em Paris e muitos outros em Berlin, Londres, Nova Iorque, Dublin...
Ativista de ONG israelense sendo presa
no aeroporto Ben-Gurion
Os que conseguiram embarcar aterrizaram em um Ben-Gurion cheio de guardas. O aeroporto virou campo de batalha em que um dos combatentes está armado e o outro com presentes e máquinas fotográficas.
Os convidados que já chegaram foram barrados na apresentação do passaporte e tratados como criminosos. Nunca chegarão à Cisjordânia. Serão deportados.

Mas o convite continua aberto até o dia 16, os vôos continuam a chegar e os militantes das ONGs israelenses, solidários e indignados com a arbitrariedade dos seus governantes, estão prontos a revezar-se no saguão ou de fora para testemunhar o ato, apesar de vários já terem sido presos “por obstrução”. A quê, não se sabe. Suspeita-se que seja de matracagem.

É aqui que volto ao começo, à dialética da não-violência. Segundo Marx, não Hegel.
Durante a campanha de resistência palestina violenta, dos bomba-suicidas, minha comadre gringa que tenho na mais alta estima, dizia que os palestinos serviriam melhor sua causa se seguissem os caminhos da não-violência, como Ghandi agia.
Vale dizer que como gringa, por mais líbero-intelectual que seja, minha comadre sofria influência da hasbara (propaganda, em hebraico) e da  informação seletiva que recebe da mídia estadunidense sobre a questão Palestina.
E para ela, como para muitos, parecia quase natural assistir confrontos de soldados armados até os dentes atacando jovens que se defendem com pedra o direito de existir, e deixar por isso.
É nesta postura em si que a dialética da não-violência que é atacada e protagoniza um ato violento do qual quer a maior distância possível.
Sei que é difícil entender, mas dialética é barra!

O tempo passou e com ele veio a conferência de Bil’in em 2005 e a decisão que a Palestina tomou de iniciar uma resistência não-violenta ativa, contra a qual Israel vem respondendo na dialética acima enunciada. Ou seja, do ocupante super-militarizado e prepopente que agride o ocupado diariamente.
Difícil entender, pois esta história é em si de um obscurantismo temerário.
Um Resistente francês ao nazismo me disse um dia que não entendia porquê eles foram aclamados por defender seu país de invasores bárbaros e os palestinos são chamados de terroristas por tentarem fazer o mesmo, desarmados.
Diante do meu silêncio respeitoso, ele prosseguiu dizendo que sabia quão violenta estava sendo a resposta à não-violência e o preço que os palestinos vêm pagando em terra e água.
Continuei calada, aprendendo a engolir em seco a injustiça que a minha geração presencia de braços cruzados.
A dialética do poder e das vontades é complicada, senhor Marx.

Foi nesta onda da resistência pacífica que o Global BDS foi criado e as manifestações populares se transformaram em meios de comunicação da insatisfação, revolta e sede de justiça.
O boicote cultural já começou a incomodar.
O célebre baixista inglês Roger Waters
pixando "Não ao controle do pensamento", no muro de Belém
O nosso Augusto Boal foi um dos primeiros a agir junto com Ken Loach, Jean-Luc Goddard, André Brink, Allá Shohat, Judith Butler, Cinvenzo Consollo, Ilan Pappe, David Toscana, Aharon Shabtai, John Berger. 
Em seu último show que está dando a volta ao mundo, Roger Waters, um dos fundadores do lendário Pink Floyd, imaginou um cenário extraordinário no qual um muro vai sendo levantado durante a apresentação e no fim a platéia está totalmente separada do grupo e ouve a música sem ver os músicos. É impressionante ouvi-lo cantar Hey You atrás da parede, invisível.
É nesta realidade quotidiana que vivem os palestinos.

Naomi Klein em Bil'in
Depois vieram outros escritores, Henning Mankell, Alice Walker, Naomi Klein,... cantores Brian Eno, Elvis Costello, Peter Gabriel, Santana, Gill Scott-Heron... A lista é longa, mas tenho de citar outros como Roger Waters, the Yes-Men, Sarah Schulman, Aharon Shabtai, Udi Aloni, Adrienne Rich, John Williams, Iain Banks, Dave Randall, Maxi Jazz, the Klaxons, Gorrilaz Sound System, etc.
Há também os que recusam convite por razões óbvias que (ainda) não verbalizam, como U2, Bjork, Snoop Dogg, Vanessa Paradis. 
E nos dois últimos anos 500 artistas canadenses assinaram o abaixo-assinado de Montreal contra o apartheid, 200 artistas iralandeses assinaram um documento similar, movimentos gays internacionais fizeram o mesmo e da África do Sul Nelson Mandela e o bispo Desmond Tutu vivem condenando publicamente o governo israelense.
Australianos em jogo de futebol,
ativando no gramado
O boicote acadêmico e esportivo também está ativo.
Desde o ano passado que a tenista israelense Shachar Peer está sendo persona non grata de vários torneios. Tudo começou em Melbourne na Austrália. Este ano ela nem se aventurou a enfrentar o boicote do público neste torneio. Ficou em casa.

O movimento de boicote econômico está sendo um sucesso com a queda de 21% nas exportações israelenses para os países do Primeiro Mundo.
O consumidor tupiniquim ainda está alienado da luta global contra a ocupação, o sítio de Gaza e o muro, mas a CUT já aderiu e está atenta e atuando onde pode atuar.
Sabem que, entre outras, as empresas a boicotar são Ahava, Camel Agrexco, Éden Springs, SodaStream, e Motorola.
Motorola e Ahava são fáceis para o consumidor boicotar.
É só não comprar celulares nem cosméticos destas marcas.


E não se há de esquecer os diamantes sangrentos comercializados por Israel e cujo dinheiro é usado na ocupação e no apartheid.
Aliás, com diamante tem sempre de ter cuidado. Exija a transparência da origem, antes de comprar. Eu não compro e não uso nem que me paguem.

Comitê inaugural do boicote de venda de armas a Israel
Nesta semana começou a campanha para o boicote de venda de armas a Israel.
Os EUA é o maior visado.
Mas o governo brasileiro também não é inocente. Dólares sujos de sangue! Não, obrigada. 


Violência dos colonos israelenses na Cisjordânia

Ah! e no meio de todo este movimento internacional de boicote, qual não foi minha surpresa ao receber um email-porcaria convidando para show de Roberto Carlos em Jerusalém neste ano!
Sei que Roberto Carlos não é nenhum Chico Buarque, mas nem tanto.
Fiquei zonza no processo de desestruturação de uma imagem para tentar fazer uma análise que ainda não está clara nem em uma dialética mixuruquinha.
Primeiro perguntei-me se era piada. Não.
Depois perguntei encarreado, Roberto Carlos não era admirador de Chico Xavier? O cristianismo não obriga a defesa dos fracos e oprimidos mesmo deixando de ganhar mais alguns milhares de dólares? O que ele vai fazer na Jerusalém ocupada? Vai cantar para que público? Com que propósito? Para servir o quê e quem?
Quem souber me avise porque estou pagando o maior mico com colegas estrangeiros a quem vivo repetindo que os brasileiros são humanistas...
Que Roberto Carlos não venha com etiqueta tupiniquim, de “brasileiro”, e que não ouse cantar "Jesus Cristo"!
Pink Floyd - The Wall : Hey You

Artistas contra o apartheid

63 anos de Naqba


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