domingo, 27 de abril de 2014

Fatah & Hamas fazem as pazes; Israel bombardeia


Fazia meses que conversas informais se seguiam, mas a reconciliação entre o Fatah e o Hamas foi agilizada em abril de 2014. Mês histórico. Desde o dia 23 em que o pacto foi assinado que o processo está sendo efetivado dia a dia com o objetivo de formar um governo com ministros dos dois partidos. Este governo pluripartidário conforme o desejo dos palestinos que assim votaram em 2006 será um governo transitório até o novo pleito no qual Marwan Barghouti, ainda preso, terá certamente voz bastante ativa.
A Palestina estava partida, além de geograficamente, políticamente desde 2006 quando da vitória do Hamas nas eleições legislativas. Na época o presidente Mahmoud Abbas (Abu Mazen) cedeu às pressões sufocantes de Israel e dos EUA e declarou guerra aos seus compatriotas do Hamas apostando na promessa de paz e soberania que os estrangeiros lhe ofereciam. Deu com os burros n'água.
A divisão foi sangrenta e radical. Briga fratricida que dividiu famílias e enfraqueceu a causa comum de obter um Estado soberano uno, ao contrário do que havia sido prometido a Abbas.
Mas como Deus age certo por linhas tortas, a re-união do Fatah e do Hamas aconteceu por razões externas contingentes que tinham o propósito totalmente distinto da volta dos filhos pródigos ao lar da mãe Palestina.
A intenção de Israel com seus ardis para levar vantagem com a cumplicidade dos Estados Unidos e do Egito era aniquilar a determinação de ambos partidos e não de promover esta aproximação que os deixa esperneando como cirança mimada que não está acostumada a ser contrariada.

Tudo começou com as demandas israelenses impossíveis durante as tais Peace Talks - Deixar as colônias e aumentá-las em vez de pô-las abaixo? Como assim! Além do mais, prometeram, prometeram, inclusive soltar prisioneiros políticos e roeram a corda na última hora, como era de se esperar. Ou melhor, só John Kerry esperava que cumprissem a palavra. Como se o governo israelense tivesse alguma integridade e há décadas não fizesse barbaridades para derrubar obstáculos legais e morais à sua expansão territorial. A Casa Branca é desmemoriada.
Do lado do Fatah, a gota d'água foi a recusa israelense de soltar (apenas) 26 prisioneiros políticos que prometera.
Do lado do Hamas, foi a asfixia a que o ditador do Egito sob as ordens de Washington e Tel Aviv condenou a Faixa de Gaza desde o ano passado (Blog .
O general Sissi procedeu a uma caça às bruxas dos palestinos refugiados no Egito com a qual nem Mubarak havia concordado em seu regime. Os túneis foram sistematicamente destruídos e a Faixa, sem este comércio "clandestino" ficou à míngua. Literalmente. E o Hamas cortado de seus simpatizantes, de seus militantes externos, enfim, do resto do mundo.
"The court [Supremo Tribunal egípcio] has ordered the banning of Hamas work and activities in Egypt," disse um dos juízes na época pedindo anonimato.
Israel apostava em um rompante do Hamas que justificasse uma outra leva de bombardeios maciços. Entretanto, em vez de apelar para a ignorância das armas como Israel faz todo dia no terreno na Cisjordânia e do ar quase todas as semanas na Faixa, a liderança do Hamas pôs a cabeça pra funcionar e resolveu aceitar a mão que o Fatah vem estendendo há seis meses. Mas só depois de Abu Mazen criar vergonha na cara, abandonar as negociações que legitimizam as demandas impossíveis de Israel e obter a adesão a todos os organismos internacionais que permitem que a Palestina vire paulatinamente uma Nação.
Mahmoud Abbas fez demanda inclusive da Convenção de Genebra que legisla sobre as leis de guerra.
Treze das Convenções e Tratados abaixo foram entregues à Organização das Nações Unidas, um em Genebra e outra na Holanda.
The Fourth Geneva Conventions do dia 12 de agosto de 1949 e o Primeiro Protocolo Adicional
The International Convention sobre a Supressão e Punição do Crime de Apartheid
The International Covenant sobre os Direitos Cívicos e Políticos
The International Covenant sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
The Convention sobre os Direitos da Criança e o Protocolo Opcional à Convenção dos Direitos da Criança (envolvimento de criança em conflito armado)
The Convention contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Crueis, Desumanas ou Degradantes
The Convention sobre a Prevenção e Punição de Crime de Genocídio
The UN Convention contra a Corrupção
The Vienna Convention de Relações Diplomáticas
The Vienna Convention sobre Serviços Consulares
The Convention de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres
The Hague Convention (IV) respectiva às Leis e Costumes de Guerra no tocante à terra e seus anexos que regulamentam Leis e Costumes de guerra e território
The Convention sobre os Direitos dos Deficientes Físicos e Mentais
The Vienna Convention na Lei de Tratados
The International Convention sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação Racial.
Os 15 Tratados e Convenções reforçam a construção de instituições sólidas na Palestina.
Mahmoud Abbas foi recebido pelo secretário geral Ban Ki-Moon no dia 10 de abril para oficializar tudo e no dia 11 o Secretário Geral tinha informado as 193 Nações Unidas que os registros haviam sido feitos "in due and proper form".

Randa Siniora, Diretora Geral da Comissão Independente de Direitos Humanos  (ICHR) na Palestina, explicou que "We [Palestinians] have not only signed these [agreements], but we have become officially bound by them now. We must ensure compliance with their clauses and must report back regularly to the overseeing bodies. We welcome this step, but it needs to be translated on the ground and it entails a lot of work."
"The issue is how to implement these treaties with the absence of the Palestinian Legislative Council," acrescentou Randa referindo-se ao fato do Parlamento Palestino (Palestinian parliament - PLC) estar paralisado desde 2007 quando Israel sequestrou e prendeu muitos deputados, e também por causa das divisões internas que desde o dia 23 estão sendo remendadas. Ou melhor, segundo os participantes de ambos os lados, devidamente costuradas com linha robusta, duradoura e solidária. 
Várias mudanças são necessárias para a implementação dos Tratados. Mas considerando que o PLC está extinto, de imediato será preciso um decreto presidencial para estatuar que os instrumentos internacionais suplantam a legislação nacional.
Porém, nenhuma das Convenções terá impacto imediato direto em Israel nem na ocupação. Para isso a Palestina tem de ratificar o Estatuto de Roma e outras Convenções que permitam que processem Israel por seus crimes de guerra e de ocupação.
A Palestine Liberation Organization (PLO) - Organização pela Libertação da Palestina - OLP, responsável pelas negociações e assinatura de Acordos com Israel disse que recorreu às instâncias internacionais, embora tivesse se comprometido a não tomar nenhuma iniciativa unilateral, porque Israel não cumpriu a palavra de libertar os prisioneiros combinados e por sentir que as negociações haviam voltado ao impasse.
A adesão aos Tratados é apenas uma proteção e "does not mean that [the] negotiations process is over. Indeed, the PLO remains committed to this nine-month process [of talks], which ends on April 29".

Estava, já que os Estados Unidos ficaram despeitados e decidiram parar as tais Peace Talks.
O interessante é que a maioria dos 26 prisioneiros a serem soltos no fim de março (parte de um acordo de libertação de mais de uma centena) são palestinos cidadãos de Israel.
Binyamin Netanyahu, como sempre, culpou os palestinos pela crise e disse que "the PA was quick to unilaterally request to join the treaties, and had substantially violated the understandings that were reached with American involvement". A última frase foi para liberar os estadunidenses de sua mediação partidária.
Esqueceu de mencionar que Tel Aviv gelou em seus bancos os impostos de renda e alfandegários coletados em uma contravenção flagrante do Proctocolo de Paris que Isarael assinou em 1994 com a OLP. Ato que Sa'eb Erekat, o negociador palestino oficial, chamou, sem papas na língua, de "piracy" e "theft".
E Israel é recidivista. Há pouco tempo, em 2012, procedeu à mesma pirataria quando os palestinos conseguiram ser recebidos na ONU como non-member state.
No ano anterior fizera o mesmo quando a UNESCO acolheu a Palestina em seu seio parisiense.
Em 2008, também atrasou bastante a transferência de fundos após o ex-primeiro ministro Salam Fayyed pedir para a União Europeia e a Organisation for Economic Cooperation and Development (OECD) não estreitarem suas relações com Israel.
Esta chantagem financeira de Israel com a Autoridade Palestina já virou corriqueira, pois Tel Aviv sabe que este terrorismo financeiro não tem nenhuma consequência. Para eles. Se fosse outro país, sanções e reclamações teriam chovido copiosamente; e se fosse outro país que estivesse ocupando outro durante tanto tempo, a OTAM já o teria bombardeado várias vezes e os soldados da ONU já estariam nas fronteiras para estabelecer a lei internacional. Porém, ...   
Os palestinos andam dizendo que Israel está usando esta última leva de prisioneiros a serem libertados (centenas mais continuarão detidos de qualquer jeito por tempo indeterminado) para extrarir mais concessões. "Israel has refused to release the last tranche because they wanted a trade-off. Sometimes it's 'prisoners for [more] settlements'; now it's 'prisoners for talks' and recently it's been 'prisoners for [incarcerated US spy Jonathan] Pollard'. They want to use the last group [of prisoners] for blackmail."
E quem vive sequestrando gente, terra, água e dinheiro, está acostumado a fazer chantagem e acha que é um processo normal. Como os bandidos que no Brasil fazer os tais sequestros relâmpagos como se fossem a um caixa eletrônico sacar dinheiro deles e não alheio e como se aterrorizar a vítima não fosse um ato de covardia e sim um passeio.

Enquanto isso em Jerusalém grupos ultra-sionistas que há meses vêm ganhando terreno no complexo Al-Haram al-Sharif  - "Esplanada das mesquitas", em árabe, (que abriga a mesquita al-Aqsa construída sobre uma rocha - daí o nome Cúpula da Rocha dado por Israel - em que supõe-se eram realizados sacrifícios contra os quais Jesus se rebelou e que foram extintos com o cristianismo), ocuparam o recinto sob as barbas dos soldados da IDF indignando até o rei da Jordânia, que é normalmente passivo no que se relaciona à ocupação - promesse feita aos Estados Unidos com quem seu país tem estreitas relações.
Só pra lembrar, estima-se a fundação de Jerusalém a 4.000 anos Antes de Cristo. É importante para as três religiões monoteístas: Judaismo, Cristianismo e Islamismo. Atualmente a cidade antiga é dividida em quatro bairros (cristão, armênio, judeu, muçulmano) e é cercada de um muro com onze portões dos quais apenas sete continuam acessíveis.
Dentro da cidade há um grande complexo que desde 691 DC abriga a mesquita e dependências consideradas o terceiro lugar sagrado islâmico. Antes da invasão Otomana era um complexo cristão com uma basílica dedicada a Nossa Senhora, escola e hospital, como todas as contruções cristãs tradicionais. E antes disso foi o templo isaelita do rei Herodes (construído nas ruínas do templo de Salomão) destruído pelos romanos no fim do I° Século da era cristã.
De vez em quando Israel, aleatoriamente, só admite a entrada na mesquita de homens de menos de 50 ou 40 anos.
O pátio do complexo é aberto a visita de pessoas de todas as religiões. Entretanto, há uma parte reservada apenas aos cultos muçulmanos. É lá que grupos sionistas de extrema-direita têm penetrado sem consideração.
Aliás, há poucas semanas um funcionário da União Europeia alertou para os problemas vindouros em um relatório interno que vazou na imprensa israelense. "There remains a significant risk that incidents at this highly sensitive site, or perceived threats to the status quo, may spark extreme reactions locally as well as across the Arab and Muslim world."
O rei da Jordânia interveio talvez para evitar que Israel imponha uma divisão de controle do complexo al-Haram al-Sharif e exija acesso a judeus no recinto sagrado. Possibilidade real e que incendiaria os países árabes. Pois seria um repeteco do que aconteceu em Hebron com a tomada da mesquita Ibrahimi e a ocupação israelense do que os judeus chamam de Túmulo dos Patriarcas. Lugar em que no dia 25 de fevereiro de 1994 o terrorista sionista Baruch Goldstein matou 29 palestinos e feriu 125 que estavam orando.
O rei da Jordânia não está nada satisfeito com as manobras israelenses e já reclamou em altos brados por vias diplomáticas das "grave violations of international and humanitarian law, as well as a threat to the peace agreement between Jordan and Israel." Ora, a Jordânia tem um acordo com a Autoridade Palestina de conservação dos sítios sagrados na Jerusalém ocupada e já não gosta nada de Israel ficar com todo o fruto do turismo sendo eles que mantêm os sítios arrumados.
Vamos seguir este assunto de perto porque ainda vai dar pano pra manga, com Netanyahu e Lieberman no comando.

Finalizando com a reconciliação do Fatah e do Hamas, o invasor mor Binyamin Netanyahu ousou vociferar que "He [Abu Mazen] has to choose. Does he want peace with Hamas or peace with Israel? You can have one but not the other. I hope he chooses peace, so far he hasn't done so."
E logo cancelou as reuniões de Peace Talks previstas e ordenou um bombardeio no norte da Faixa de Gaza matando e ferindo doze pessoas inclusive crianças.
Abu Mazen por sua vez afirma que o pacto assinado com Ismail Haniyeh não contradiz em nada as negociações de paz e sim as legitimizam, já que agora deverão envolver todas as partes interessadas e as decisões tomadas serão finalmente implementadas sem vozes dissonantes.
Negociar sem o Hamas é negociar no vazio hipotético que não leva a nada porque aliena uma grande parte dos palestinos.
Para demonstrar que os palestinos unidos estão com boa vontade, já anunciou que o novo governo vai admitir a existência do Estado de Israel. O que é um passo larguíssimo que deixa Tel Aviv sem argumentos contra o Hamas, pois era nesta tecla que batia sem parar.
Quanto a Ismail Haniyeh, o chefe do Hamas na Faixa de Gaza, estava rindo para as paredes ao anunciar "This is the good news we have to tell the people: the era of discord is ended!"
Desta vez parece que estão fazendo as pazes de verdade.
A data das eleições será anunciada logo que a diplomacia resolver os detalhes com a ONU e a União Europeia.
Em um mundo menos desigual, as Nações Unidas aproveitariam a deixa para impor as leis internacionais e finalmente tomar providência para livrar-nos desta vergonha mundial que é a ocupação e a limpeza étnica da Palestina.
Não custa nada sonhar.
Enquanto quem tem o poder para tal não age de maneira moral, o cidadão comum continua com o recurso pacífico de exprimir seu desacordo boicotando e divulgando o status quo infame.


Enquanto isso, a opressão e a repressão israelense continuam na Cisjordânia


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