domingo, 1 de julho de 2012

UNESCO tomba a Natividade, o SCAF policia o Cairo e na Síria, diplomacia



Acho que já foi manchete de todos os jornais do mundo, mas mesmo assim, resolvi marcar a data histórica acrescentando, espero, mais informações do que as que foram dadas na imprensa nacional. 
No dia 29 de junho a UNESCO (Organização Educacional, Científica e Cultural da ONU) reforçou sua posição de árbitro independente do controle estadunidense das Nações Unidas garantindo à Basílica da Natividade e à rota de peregrinação em Belém, na Cisjordânia, o estatuto de Patrimônio Universal da Humanidade, palestino, em perigo.
Junto com o gesto simbólico, desbloqueou verba para a restauração dos estragos. Causados pela visita anual de cerca de dois milhões de peregrinos cristãos (cujos euros e dólares não contribuem à economia local e sim à de Israel, devido ao controle turístico), pelas "obras" do muro/barreira de separação e pelas investidas militares da IDF em 2002 durante a campanha "Defensive Shield", sob o comando do então primeiro ministro Ariel Sharon.
A reunião dos 21 membros do Comitê de Patrimônio Universal (África do Sul, Alemanha, Argélia, Camboja, Colômbia, Emirados Árabes, Estônia, Etiópia, França, India, Iraque, Japão, Malásia, Mali, México, Qatar, Rússia, Senegal, Sérvia, Suiça, Tailândia) foi na Rússia, em São Petersburgo, cidade simbólica do cristianismo. Treze votaram a favor, dois se abstiveram e seis votaram contra.
O lobby dos Estados Unidos e Israel foi onipresente durante a campanha palestina de emergência, mas a Unesco já provara no ano passado que este lobby, lá, não é onipotente e desta vez também não conseguiu impedir o voto favorável.

Diretora da UNESCO, a búlgara Irina Bokova,
com o presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas,
durante o reconhecimento da Palestina na Organização no ano passado

http://mariangelaberquo.blogspot.fr/2011/10/unesco-desafia-onu-afeganistao.html
 http://mariangelaberquo.blogspot.fr/2011/11/unesco-diz-sim-palestina.html 
Vale lembrar que ao contrário da ONU em que as decisões da Assembleia dependem de ratificação unânime do Conselho de Segurança composto de cinco membros (China, Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia), o Comitê da Unesco funciona por maioria.
Foi assim que a Palestina foi reconhecida no ano passado apesar da rejeição dos Estados Unidos, de Israel e dos países a estes submissos.
O interessante do escândalo mundial causado pelo voto da Unesco é que no mesmo dia, da lista  de 35 candidatos (inclusive uma paisagem litorânea no Rio de Janeiro), a Basílica da Natividade não foi o único sítio escolhido no Oriente Médio.
Entre os cinco tombados, dois eram lá localizados.
O outro foi o Monte Carmelo, em Israel, chamado pelos israelenses de Sítio da Evolução Humana - as grutas de Nahal Me'arot/Wadi el-Mughara.
Esta inscrição passou em brancas nuvens e não foi contestada.
Só para refrescar a memória, a Lista de Patrimônio Universal foi criada em 1972 e contém 936 propriedades. 725 culturais, 183 naturais e 28 propriedades mistas, em 153 Estados, inclusive o Brasil, como se sabe - e a Catedral Notre Dame, em Paris, na França.  
O governo de Israel ficou tão preocupado em condenar e denegrir a vitória dos palestinos - e da humanidade - que nem celebrou sua vitória pessoal.
Soltou o veneno costumeiro junto com o padrinho estadunidense e apesar do voto duplo da Unesco ter demonstrado que não queria botar lenha na fogueira da discórdia, os dois inimigos mortais (literalmente) da Palestina foram de uma ingratidão que surpreendeu os ingênuos.
O comunicado de imprensa do ministro das relações exteriores de Israel - o colono fascista Avigdor Lieberman - dizia que "Isto prova que a UNESCO está agindo com considerações políticas e não culturais.... O mundo deve lembrar que a Igreja da Natividade, sagrada para os cristãos, foi dessacralizada no passado por terroristas palestinos".
Lieberman referia-se ao episódio que abordaremos dentro de domingos na História do conflito Israel vs Palestina, em que durante a operação Defensive Shield os padres deram santuário na Igreja a resistentes palestinos cristãos e muçulmanos que corriam risco de vida. Lieberman, que quase matou um menino palestino que sem água em casa tentou tomar um pouco da dele que abundava, não entende muito bem ou de jeito nenhum a noção cristã de santuário à qual nossas igrejas são engajadas. Coitado.
Quanto a seu porta-voz Yigal Palmor, declarou que Israel não se opunha à inclusão da Igreja da Natividade na lista de Patrimônios da Humanidade (como se sua opinião mudasse algo), mas considerou esta iniciativa um gesto político contra Israel.
Que eu saiba, nem Palmor nem Lieberman nem o primeiro ministro Netanyahu demonstraram satisfação pela inclusão do sítio israelense no Patrimônio da Humanidade. Reconhecimento pelo gesto de moderação diplomática da UNESCO, então, nem se fala, é claro. 
Nem Barack Obama, que em plena campanha eleitoral anda às catas dos dólares do lobby sionista da AIPAC e não quer deixar mais espaço nem dinheiro ao rival.
Através de seu embaixador David Killion, o presidente dos EUA declarou-se "profundamente desapontado com o Comitê. Este Corpo não deveria ser politizado". 
Cultura e política sempre andaram de mãos dadas. Ou Obama não sabe? 

Enquanto Israel e os EUA resmungavam engolindo a bilis do ódio, os palestinos nem pensavam em lamentar a inclusão do Monte Carmel na Lista. Só pensavam em celebrar o novo estatuto de proteção internacional da Basílica da Natividade e do caminho que os peregrinos seguem para chegar até ela.
O primeiro ministro palestino Salam Fayyad reconheceu a importância internacional para um futuro Estado Palestino, o fato de seu país ter sido colocado junto com nações e culturas mundiais, "e um triunfo da justiça". 
A parlamentar cristã Hanan Ashrawi, porta-voz da Autoridade Palestina, declarou por sua vez que "o voto foi uma afirmação da soberania palestina sobre o sítio que para os cristãos marca o nascimento de Jesus Cristo."  
Para quem ainda não esteve na Basílica da Natividade, uma rota de peregrinação leva até a portinha baixa que força o peregrino a abaixar-se em um gesto de humildade para adentrar o recinto sagrado.
A igreja em si é adornada de mosaicos e lâmpadas e uma escadinha leva o visitante à gruta da Natividade.
A basílica foi edificada no ano 339 DC pelo imperador romano Constantino I (que também construiu Constantinopla - atual Istambul e a igreja Hagia Sofia).
O sítio fica a 12 quilômetros de Jerusalém, na gruta que Justino identificou no Século II como a gruta em que Nossa Senhora dera a luz.
A basílica foi queimada no século VI e restaurada em seguida com a preservação dos mosaicos originais do assoalho.
O sítio inteiro comporta os conventos ortodoxo, armeniano, latino; a igreja de Santa Catarina; a torre com um sino da época; jardins e rota de peregrinação controlada pelos soldados israelenses. 
Tudo foi incluído na Lista e em princípio a IDF terá de deixar, pelo menos nestas imediações, os palestinos, os turistas conscientes e os ativistas internacionais em paz. 
Daí a procedência de emergência usada pela delegação palestina.
"O sítio tem claramente tremendo significado histórico", disse o embaixador dos EUA, "porém, o procedimento de emergência usado é reservado a casos extremos".
Que era este caso. Evitar a pressão do lobby antagonista sobre os membros do Comitê e conseguir que o voto sofresse o mínimo de influência possível.
Que esperneiem ou se conformem não mudarão o fato que desde o dia 29 de junho de 2012, a Igreja da Natividade está inscrita na UNESCO desta forma: propriedade da Palestina N31 42 15 67 E35 12 27 de 2.98 hectares em um zona de 23 hectares, referência 1433.
O processo é, em princípio, irreversível.
Esta vitória diplomática só será completa quando os turistas ocidentais em visita aos sítios cristãos da Terra Santa - Jerusalém, Jericó, Betânia, Monte das Oliveiras - começarem a exigir das agências de turismo que lá os levam que contratem guias palestinos (além do gesto  solidário, estes têm a vantagem de saber realmente do que falam, pois além de conhecerem os Evangelhos, conhecem suas cidades ancestrais de cor e decorado).
E quando você estiver lá, não entre e saia dos locais como uma ovelha alienada. Ande pelas ruas de Belém, Jericó, Betânia, Jerusalém Oriental e consuma algo nos "botecos" e restaurantes locais. O chá de menta palestino é delicioso e os doces são de comer ajoelhado!
Concluindo com duas perguntas de incentivo à caminhada de braços dados com um cristianismo real, realista, engajado: Quando a UNESCO vai tombar a Jerusalém antiga, Gaza, para proteger esta cidade de cinco mil anos dos bombardeios constantes que a desfiguram desde 1967;  e quando a ONU vai acabar com a ocupação civil e militar da Palestina mandando os capacetes azuis imporem as leis internacionais?
O reconhecimento da Igreja da Natividade é só o segundo passo.
Ainda faltam muitos para que justiça seja feita de maneira integral.


Enquanto isto no Cairo, dezessete meses depois dos estudantes ocuparem a praça Tahrir exigindo trabalho e liberdade, os egípcios exerceram o direito democrático, votaram e escolheram para a presidência Mohammed Morsi, o candidato da Irmandade Muçulmana.
Alguns colegas jornalistas veem a vitória de Morsi como uma derrota para o movimento de liberdade que só integrou após a prisão de Mubarak.
Pensando a curto prazo, concordo quando a análise é baseada nos dois seguintes fatos.
O primeiro releva do papel nulo ou fraco que a Irmandade representou no processo revolucionário. Longe de valer-lhe a liderança máxima da nação que pouco fez para livrar de Hosni Mubarak.
O segundo releva dos conchavos feitos durante os meses de transição com o SCAF - Conselho Supremo das Forças Armadas - para aceder ao cargo máximo.
Aliás, a relação entre a Irmandade Muçulmana e o SCAF foi mais do que de conchavo. Foi um Amém às emendas legais feitas pelos militares antes das eleições.
Dentre elas, uma que submete o presidente ao comando militar e não o inverso - todas as decisões de segurança são da alçada do SCAF e não do presidente eleito. Inclusive declaração de guerra - "O presidente da República declara guerra após aprovação do SCAF", é a frase específica do estatuto atual.
Estas emendas foram publicadas no Jornal Oficial al-Jaridah Al-Rasmiyyah que detalhou as atribuições do SCAF antes das eleições esvaziando o poder de qualquer candidato que o povo elegesse. 
Falando em povo, outra emenda floreada com belas palavras - "princípios revolucionários", "interesses nacionais" -  atribui poder aos oficiais militares de policiar os civis e usar força considerada constitucional, além de autorizar o presidente a ordenar que as forças armadas o ajudem a manter a ordem pública e a proteger instalações vitais... Ordem esta também submetida à aprovação do Conselho.
O pior não é a restrição de poder do presidente ao lado.
O pior é a expansão dos poderes do SCAF até na Constituição que ainda vai ser escrita e aprovada.
Os generais do Conselho se outorgaram o direito de leitura do rascunho da constituição e de contestar sua substância antes de ser passada a limpo. Pode revisar qualquer cláusula que "contradiga os objetivos e os princípios básicos da revolução".
E uma das emendas autoriza o SCAF a assumir o controle da Assembleia Constituinte - se esta encontrar algum obstáculo - a formar outra Assembleia em uma semana e que esta redija a Constituição em três meses, submeta-a a referendum nas duas semanas seguintes e proceda a eleições parlamentares em seguida.
Além do controle político o SCAF preenche o vácuo do Poder Judiciário quando se nomeia "árbitro moral" da nação.
Tem um artigo em que concede o mesmo direito de vistoria da Constituição ao presidente, ao primeiro ministro, ao Conselho Supremo do Judiciário, ou a um quinto da Assembleia Constituinte. Sob aprovação do SCAF.
Apesar disso tudo - é aí que discordo dos colegas pessimistas - acho que o país do qual o SCAF tem as rédeas não é mais aquele de "Primeiro, Mubarak!" 
Este Egito em renovação tem partidos políticos de várias cores e os estudantes não vão submeter-se facilmente à "democradura" militar que os generais desejam.    
Com as passeatas experimentaram a liberdade.
Com Mubarak foi-se o medo de reivindicar seus direitos e viver plenamente os valores democráticos que reivindicaram.  
Sem contar que a integração dos religiosos ao processo político, com todas as imperfeições da Irmandade Muçulmana, divide os polos e pode não ser nociva, se for moderada.
Quem quer que esteja no poder, o que os jovens egípcios que ocuparam a Tahrir em janeiro de 2011 querem mesmo é um país em que cooptas e muçulmanos, religiosos e laicos, homens e mulheres convivam e contribuam para o desenvolvimento de um país que lhes dê perspectiva e trabalho.
E com o SCAF protegendo todos em vez de oprimir o povo de mãos dadas com os Estados Unidos.
Só para lembrar o que o SCAF representa, quem lidera o Conselho é o general Mohamed Hussein Tantawi Soliman. Pois é, aquele mesmo que comandava as Forças Armadas desde 1991 como ministro da defesa de Hosni Mubarak. Foi ele também que comandou as tropas egípcias na "Guerra do Golfo" liderada pelos Estados Unidos de George Bush pai.
Mohammed Morsi inaugurou seu mandato com um discurso de desafio, de independência, em suma, de rebelião contra o SCAF.
O futuro dirá se foi só para acalmar os universitários ou se está realmente determinado.
De qualquer jeito, no caos econômico em que se encontra o Egito (a Tunísia, ídem), a faixa presidencial devia estar com um abacaxi pregado.



Não canso de lembrar neste blog que a Palestina tem sido ocupada, pilhada, humilhada e "purgada" dos nativos desde 1948. 64 anos. Ocupação ilegal, segundo as Nações Unidas, mas mesmo assim tolerada bem que mal, apesar das inúmeras Resoluções abastratas infrutíferas.
A Síria, que vive um conflito interno, em um ano despertou a atenção das Nações Unidas e do secretário geral Ban Ki Moon cedeu lugar a seu predecessor no cargo Kofi Annan, menos identificado como porta-voz dos Estados Unidos, e Hillary Clinton fez da queda de Bashar el-Assad o cavalo de batalha internacional prioritário.
Primeiro queria uma intervenção militar, mas Vladimir Putin disse Нет (Niet, não) e os oponentes de Assad acabaram "só" com armas, primeiro leves, depois pesadas.
Vendo que a Rússia não abria mão e que Pequin seguia Moscou nesta decisão, acabou concordando com uma solução diplomática. Contudo, tirando Assad da jogada.
Na reunião da comissão internacional do dia 30 de junho, Putin repetiu sem Assad Нет e tiveram de procurar outra fórmula.
Aliás, resolver um problema sem os interessados é outra coisa comum que não entendo.
É aquela postura paternalista dos países ocidentais - não nós, mas os que dominam o mundo - acharem que sabem mais o que é melhor para uma nação do que os cidadãos locais.
Esta condescendência intelecto-cultural só causa danos. Vide o Afeganistão, o Iraque, enfim, onde quer que a OTAM intervenha e em vez de resolver agrave o problema.
Mas como defendo a cem por cento a diplomacia e o poder estável do diálogo contra a instabilidade da força bruta das armas, apoio a iniciativa de Kofi Annan e torço para que acordo se faça.
Mais cedo do que tarde.


Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/

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