Como em dia de Natal, no domingo de Páscoa gosto menos ainda de conflito do que nos outros dias de labuta. É por isto que fiz uma pausa em Israel vs Palestina e deixei a parte IX para o dia 15.
As celebrações da Semana Santa e da Páscoa na Palestina, apesar de continuarem restritas aos turistas, foram pacíficas. Como estou com acesso informático també restrito porque trabalho do mesmo jeito que nos outros dias, vou pegar emprestado a parte do blog do ano passado que continua atual como se tivesse acabado de ser escrita.
Como poucos sabem, tem muitos palestinos cristãos e em Gaza tem um padre.
Aliás, mais de um, mas o que chama mesmo atenção é o padre Manuel Musallam, um aposentado de 71 anos que serviu a paróquia gazauí durante 14 anos.
Aliás, mais de um, mas o que chama mesmo atenção é o padre Manuel Musallam, um aposentado de 71 anos que serviu a paróquia gazauí durante 14 anos.
Cedo-lhe a palavra pascoal.
“Nós cristãos da Palestina temos vivido sob ocupação durante longos anos. Temos sofrido por sermos privados de acesso aos sítios santos, e já tem duas gerações de cristãos que nunca obtiveram autorização de visita a estes sítios.
A ocupação vem levantando obstáculos atrás de obstáculos ilegais. Este ano temos o problema do muro do apartheid, checkpoints e bloqueios de estradas. Todas estas medidas não apenas sufocam o povo palestino, mas também asfixiam a paz entre Israel e a Palestina.
A frase que os sionistas repetem que a Palestina era ‘uma terra sem povo para um povo sem terra’ teve e tem um impacto desastroso nos palestinos. ‘Não significa que Jerusalém não tem povo, mas sim que a cidade deveria ser evacuada e dada a um outro povo’, David Bem Gurion disse em 1937 quando declarou que ‘temos de expulsar os árabes e tomar seus lugares’.
Toda pedra construída no muro do apartheid, cada picareta dada nos subterrâneos da mesquita de Al-Aqsa e toda casa destruída por Israel, aumentam a intensidade de resistência e o ressentimento; enquanto uma cooperação com os palestinos dará a Israel a esperança de um futuro dominado pela paz e a serenidade.
Lamentamos Jerusalém e sentimos falta das belas cerimônias cristãs. Este ano milhares de turistas percorrerão o caminho da cruz sem os palestinos. Não verão nenhum folclore nativo, não poderão levar para casa nenhuma lembrança do artesanato religioso local, não ouvirão nenhuma oração, nenhum hino que testemunhe o calor e a fé dos cristãos palestinos. E ficarão chocados ao entrar no Santo Sepulcro e encontrarem policiais israelenses armados.
A Páscoa simboliza libertação dos pecados e da escravidão, mas a esperança de libertação nacional está evaporando e o que os palestinos cristãos sentem cada vez mais é escravidão e humilhação. O silêncio do mundo é chocante e a comunidade internacional parece incapaz de fazer respeitar as Resoluções da ONU.
Faz cinco mil anos que os palestinos vêm construindo e desenvolvendo Jerusalém, sem parar... exceto durante a ocupação. Em vez de virar a chave para as portas do paraíso, a cidade se transformou na chave para guerra e sangue.
Jerusalém, o lugar mais sagrado da terra, é foco de crime e pecado porque um homem está matando, humilhando e tirando do outro dignidade e direito de vida.
Ocupação é um pecado e uma forma de terrorismo. E usar a Torah como escudo para matar, expulsar e remover pessoas de suas terras é um crime contra a humanidade que quem comete deveria ser julgado pela Corte Internacional antes do Julgamento Final.
Há muito tempo o sionista Theodore Herzl disse que ‘se um dia recuperarmos Jerusalém e eu ainda estiver em plena capacidade, meu primeiro ato vai ser de limpá-la de cabo a rabo. Vou remover tudo o que não for israelita e queimar os monumentos.’
Israel tem nos devastado e torturado em muitas guerras. Peço que os cristãos de fora vejam as feridas do povo palestino e que tenham compaixão do nosso holocausto que vêm vendo nas telas.
Protejam-nos e protejam nossos sítios cristãos!
Nosso povo em Gaza é tratado como animal enjaulado. Não tem água, não tem eletricidade, não tem comida, só tem terror e bloqueio... nossas crianças vivem em um estado de trauma e medo constante. Estão doentes de medo, miséria e má nutrição... os hospitais estão privados até dos primeiros socorros necessários e milhares de feridos dos bombardeios e doentes não dispõem do mínimo tratamento adequado; até operações são feitas nos corredores de hospitais incapacitados. A situação é assustadora e triste.
Que a compaixão de Cristo revigore nosso amor por Deus embora este amor esteja nos cuidados intensivos!”
Vista de Jerusalém através da janela da igreja Dominus Flevit, a pérola do Monte das Oliveiras |
Paro aqui. Teria preferido descrever a Páscoa na Palestina, mas acho indecente discorrer sobre cerimônias que celebram Jesus Cristo quando os cristãos locais, que cuidam do nosso patrimônio religioso com o maior cuidado, destas são privados.
Por isto preferi dar a palavra a este padre que muitos gostariam de calar repetindo a frase que Henrique II pronunciou, em 1170, em referência ao padre Thomas Becket que se rebelou contra sua injusta reforma: “Que alguém nos livre deste padre turbulento!”
Pois, não!
A inação assegura que nada mude para melhor e uma das coisas que movem este mundo na direção justa, é este punhado de padres turbulentos que pelo mundo afora seguem ao pé da letra o Homem que 1979 anos atrás ressuscitou em Jerusalém no terceiro dia. Este deve estar chorando ao ver Jerusalém, em vez de redimir-se, aproximar-se cada vez mais do abismo.
Aliás, tirando a mesquita, as igrejas e o sossego de seus recintos, acho Jerusalém uma cidade fria em que a vida só emerge no mercado palestino. Nada a ver com a harmonia do Monte das Oliveiras que nem os soldados israelenses perturbam; onde a paz de Jesus reina sem nenhuma interferência des/humana.
E para não dizer que não falei na Páscoa, para mim, uma das cerimônias mais bonitas em Jerusalém é a do Fogo Santo no Santo Sepulcro (foto acima). O Patriarca da cidade chega, tira a batina cerimonial (é revistado por um rabino que confirma que não carrega nada inflamável) e entra no que foi a gruta que recebeu Jesus após ser crucificado. A partir daí, é Deodoro, patriarca da cidade de 1981 à 2000, que conta como ocorre o milagre anual: Entro no escuro em direção à câmara, me ajoelho, recito as orações ancestrais e espero às vezes alguns minutos, mas normalmente o milagre é imediato. Sai uma luz azulada da pedra em que Jesus foi deitado e esta a envolve de várias cores indescritíveis. Algumas vezes a luz apenas cobre a pedra e outras ilumina o sepulcro inteiro. A luz não queima. Nunca ouvi caso de queimado. Ela é de uma substância diferente da do fogo que conhecemos. De repente a luz sobe e forma uma coluna na qual o fogo adquire uma consistência diferente para que eu acenda as velas. Então saio e transmito o fogo primeiro para o patriarca armênio, depois para o copta e em seguida passo a flama aos peregrinos que estão na igreja e que a vão passando.
Os fiéis crêem no milagre, acendem as velas no fogo santo, põem a mão na chama e não se queimam. A transmissão da flama de uma vela para outra é bonita e emocionante.
Fogo sagrado no Santo Sepulcro
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