domingo, 11 de maio de 2014

Ucrânia: separação ou guerra?



A Ucrânia se impõe esta semana por causa da tragédia de Odessa, o referendum separatista cujo resultado é óbvio (como é óbvio que o Kremlin vai dar-lhe o apoio necessário sem interferência direta desnecessária), a diabolização de Vladimir Putin, e a demonstração que o Presidente da Rússia fez de sua potência bélica nas comemorações do Armistício da vitória contra o nazismo no dia 08 de maio.
Acho que por mais que observar a geopolítica, o maniqueísmo da grande mídia jamais deixará de deixar-me dubitativa sobre o que se esconde atrás dos artigos e das imagens que incitam o leitor e o telespectador a só ver um prisma. O que a leva a, de maneira geral e quase em consenso, desculpar, enaltecer e às vezes até endeusar os Estados Unidos, cujo Presidente descrevem como um D'Artagnan (o chefe dos Três Mosqueteiros, do escritor francês Alexandre Dumas) em vez de enxerido.
Na história dos últimos 34 anos em que estou na ativa testemunhei vários casos em que me parecia incrível que só um punhado de jornalistas vissem o leão invisível (blog 12/08/12) amiúde evidente até para míope.
O tempo passou e continuo desentendida com o maniqueísmo dirigido da chamada grande mídia. Um dia vou dedicar um blog inteiro a este fenômeno que considero um acinte ao público ao qual devemos servir e à ética que a Universidade nos ensina.
Para ser sincera, não assisto televisão e leio raramente opiniões alheias. Não precisa. Basta conversar com alguém no avião, com um amigo, com qualquer desconhecido, para saber exatamente o que a OTAN quer que o opinião pública internacional pense. Fico logo sabendo que a lavagem cerebral que praticam é eficiente no sentido de tirar toda a capacidade de dúvida de quão verossímil é a versão servida. É infalível. As pessoas repetem a mesma estória como se fosse A história testemunhada in loco e não o comunicado de um porta-voz estadunidense ou de um de seus aliados do momento.
A receita não falha. O prato é requentado, batido, só com um ingrediente a mais ou a menos que não faz diferença no gosto amargo que fica. Contudo, todo mundo engole, sem mastigar, pedacinho por pedacinho até o prato ficar vazio, trincar com os zunidos altíssimos e despedaçar com um estrondo difícil de não ser ouvido. Aí todo mundo se espanta: Mas como o prato quebrou? Estava sem nenhum defeito, limpinho?! Ainda bem que os 1% estão aí para colar os pedaços e deixá-lo novinho!
Atualmente, este prato está sendo servido em dois recipientes diferentes com ingredientes que parecem distintos mas cujo tempero é o mesminho. Na Síria e na Ucrânia.
Farei uma atualização sobre a Síria em outro blog. Neste só vou dar uma dica que infelizmente para os sírios, a ogeriza que Barack Obama tem de Vladimir Putin deve influir também em seu destino.
Obama gostaria mesmo é de, reforçado pelos europeus, usar a realpolítica para chantagear Putin: Ucrânia Oriental ou Síria, escolha o que lhe parecer imperdível. Neste caso, Putin tem duas opções. Escolher a Síria, o único país no mundo árabe em que tem base militar, sem a qual, fica fragilizado internacionalmente; ou lutar em duas frentes (solução que Assad acha plausível, pois sabe que a Rússia também tem arsenal e Inteligência para manter duas frentes de combate e não apenas os Estados Unidos. E sem enriquecer empresas de mercenários.
Mas a Síria vai ficar para outro dia. No de hoje voltamos à Ucrânia, pelo lado Oriental. Olhando pelo lado de lá que na grande mídia não tem voz ativa. É o único jeito do cidadão do mundo poder julgar o panorama sem cair na armadilha dos interesses invisíveis. Aí pode escolher seu lado com conhecimento de causa em vez de ser induzido.

A visão insidiosa é que no drama ucraniano Washington e Bruxelas são os heróis desinteressados e Moscou é o monstro insaciável.
A maioria dos cartunistas não cansa de desenhar, de um lado, o Presidente da Rússia como o ursão (os árabes o chamam de Raposa) tenebroso de presas e garras afiadas pronto para dar o bote em uma atrás de outra presa inocente e fraca. Do outro lado, o Presidente e o Secretary of State dos Estados Unidos são mostrados como os mocinhos impecáveis da cavalaria que chega para salvar os caras pálidas dos indígenas selvagens. (Não sei se quem tem menos de 40 anos entende esta analogia que para a minha geração não falha...)
O que mais é que ouço mesmo cá e acolá? Ah! Que a Rússia está usando as táticas imundas do extinto KGB (Комитет государственной безопасности - Comitê para a Segurança do Estado, cujo nome atual é FSB  Федеральная служба безопасности Российской Федераци - Serviço Federal de Segurança da Rússia), que por incrível que pareça, continua no imaginário popular ocidental como o predador mor de tão eficaz que foi a propaganda dos EUA e dos nossos ditadores nacionais.
E quais são essas táticas sujas mesmo? Agitadores secretos apoiados por para-militares.
As autoridades da OTAN não param de repetir isso on e off the record aos jornalistas que se apressam a divulgar acrescentando quão magnânimes são os europeus e os EUA que estão apoiando a democracia e a liberdade contra a intervenção do bandido da vez, que hoje é Putin e amanhã pode ser a Angella Merkell e depois de amanhã a Dilma. Conforme os interesses exclusivos dos Estados Unidos.
Sendo que para quem viu a testemunhou in loco a rebelião da Crimeia e a da Ucrânia Oriental é mais do que claro que a presença do Kremlin era óbvia na primeira, bem organizada, com os dirigentes bem articulados entre si e com Moscou, enquanto que a segunda, a de agora, é improvisada até na desobediência e na indumentária.

Alguns comentaristas chegaram ao extremo de evocar Anschluss para denegrir ainda mais a imagem da Rússia. Ora, o golpe é baixo e desonroso. Para quem não se lembra, Anschluss é o nome da anexação nazista da Áustria em março de 1938 com o propósito de unificação das populações alemãs e austríacas longamente sonhada e planejada por Adolf Hitler.
Digam o que disserem, Vladimir Putin não previa nem orquestrou o que está acontecendo na Ucrânia. Nem na Crimeia tinha, mas acabou recuperando o que era de seu país aproveitando a deixa.
Em novembro quando os problemas começaram pensou que fossem passageiros e que as instituições democráticas prevaleceriam. Depois acabou reagindo ao conflito que foi aumentando dia a dia.
Há de se lembrar que quem acendeu a fogueira foi a oposição pró-europeio-estadunidense, que foram os EUA e a Alemanha, interesseiros, que juntaram a lenha e puseram cada vez mais lenha na fogueira. "Se" tiver havido algum dedo estrangeiro lá, foi o da CIA e seus think tanks espalhados pela Europa Oriental.
Aliás, Hunter Biden, lobista profissional filho caçula do Vice-Presidente dos Estados Unidos acabou de ser contratado pela Burisma Holdings, a maior empresa de gás da Ucrânia. O filho de Joe Biden é o Diretor jurídico e membro do Conselho de Direção da empresa que tem interesses nas bacias Carpatas e do Azov-Kuzan e em Dnepr-Donetsk, a região Oriental mais russa-ferrenha.
Hunter declarou que "As a new member of the board, I believe that my assistance in consulting the company on matters of transparency, corporate governance and responsibility, international expansion and other priorities will contribute to the economy and benefit the people of Ukraine."
No Brasil teria sido visto como corrupção. Nos Estados Unidos é negócio. A Casa Branca "sees no conflict of interest".
Joe Biden não pára de criticar a Rússia por seu envolvimento na Ucrânia e queria por tudo reduzir a dependência ucraniana na energia russa (sem pagar a dívida imensa ao povo russo). Conseguiu. Matou dois coelhos de uma cajadada só. Dinheiro no bolso da família e maior controle dos Estados Unidos no presente e no futuro da Ucrânia.

Já ouvi também compaparem Vladimir Putin com Saddam Hussein. Estes que fazem isso não conheciam o segundo e têm fantasias tenebrosas sobre o primeiro. O amálgama absurdo talvez visasse preparar o terreno para uma "justificada" invasão estadunidense, como no Iraque (em que fabricaram provas de armas químicas que não existiam para invadir, destruir e deixar o país desgovernado nas mãos de gangues mafiosas mais ou menos extremistas religiosas. Também veremos em outro blog).
John Kerry teve coragem de definir a atuação da Rússia na Ucrânia como uma "incredible aggression", demonstrando além de má-fé, memória curtíssima. Não precisa nem ir muito longe - aos Contra da Nicarágua, aos Pinochets latino-americanos, ao Vietnã, nem a outros lugares que esta geração só conhece na História.
Ele esqueceu os "drone strikes" que seu país pratica constantemente no exterior matando mulheres e crianças.
E a Guerra do Iraque e os inúmeros golpes ilegais que os EUA vêm dando no mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial?
E os vergonhosos patrocínios e defesa de Israel na ocupação da Palestina?
O interessante é que quando se levanta o argumento de irrefutável violência, cobiça e sede de domínio gringo, há quem esteja/seja tão influenciado pelo discurso estadunidense difundido pela grande mídia que ousa dizer: Mas isso não justifica a atitude de Putin.
É claro que não justifica. Nada justifica um conflito. Mas o que menos se justifica é jogar pedra no telhado do vizinho quando o seu é de vidro finíssimo.

Outro que podia ter ficado calado além do incrivelmente mal-informado senador republicano John McCain, foi o ex-secretário da Defesa dos EUA Robert Gates. Segundo ele, Putin  "is trying to re-establish Russian influence and a measure of control over the former states of the Soviet Union".
Peraí? O oportunismo de Putin na Crimeia está longe de ter sido premeditado como uma ampla estratégia geopolítica expansionista à qual, diga-se de passagem, os russos não queriam, para começar, por causa de problemas práticos.
Os árabes entenderam mais do que os cartunistas. Putin é uma raposa arguta e lépida e não um urso pesadão e oportunista. É inteligente, conhece a História e se tem algo que aprendeu no KGB foi a olhar, enxergar a realidade e analisar os prós e os contras a curto e também a médio e longo prazo. Pois pensa em seu mandato e também nos interesses nacionais.
Dito isto, é verdade que antes de agir deve pensar em um dos lemas do antigo KGB aplicado a posteriori por outros serviços secretos e por muito político, empresário e gente de bom senso: Espere o melhor e prepare-se para o pior.
E apesar da propaganda estadunidense, nada, mas nada mesmo leva a pensar que ele esteja na frente ou atrás da revolta do Leste e do Sul da Ucrânia. Sobrou e vai sobrar pra Rússia resolver o problema criado pelos think tanks gringos, mas intervirá contrafeita. Putin queria a Crimeia de volta para proteger suas fronteiras dos extremistas caucasianos e não perder a base de Sevastopol. Odessa também cairia bem. Mas dividir a Ucrânia são outros quinhentos, mesmo.

No meu ponto de vista (e de outros que conhecem a região e um pouquinho de Putin), há dois fatos claros.
O primeiro é que Putin não está agindo em desespero de causa como muitos dizem.
Embora a grande mídia ocidental teime em pintá-lo como impopular à cata de voto esta leitura é falha.
Putin herdou uma Rússia quebrada, desacreditada, desrespeitada e com uma grande evasão de divisas dos oligarcas.
Em seus dois primeiros mandatos ele ergueu a economia graças à alta do petróleo e o país recebeu uma avalanche de investimento estrangeiro que permitiu a incrementação da infraestrutura que faltava e um crescimento na érea de negócios.
De repente o desemprego, o pesadelo pós-soviético, voltou a ficar para a história, a classe média emergiu do nada e Putin foi enaltecido pelos saudosistas e pelos que clamam pela modernidade democrática (vídeos do blog de 16/03/14).
Aí veio a crise do débito de 2008 na Europa que repercutiu na Rússia através de inflação e baixa das margens de lucro dos empresários, empobrecendo uma camada da classe média.
(E como vimos no Brasil e no mundo inteiro, o país pode estar caindo aos pedaços que fica todo mundo calado; mas a classe média tem de estar satisfeita. Mexa nela e ela dá o bote, mesmo que seu infortúnio da hora traga benefício geral em futuro distante ou próximo.)
A primeira reação de Putin foi culpar a crise financeira europeia, mas no mesmo ano, antes do Natal, assumiu a culpa pelo problema que confessour ser interno, ou seja, dele. Causado por promessas quebradas que ele fizera de proceder a reformas econômicas e combater a corrupção que virara praga nacional.
E os problemas da Rússia estavam longe de ser resolvidos com uma previsão de crescimento "só" de 2.5 por cento e uma reserva de divisas esgotáveis a curto-médio prazo. O Presidente sofreu uma queda brusca de popularidade nesse período, óbvia nas passeatas de 2011 e 2012 e a semi e auto-censura que a imprensa voltou a sentir.
E como a Rússia não é excessão à regra e Putin também não é nenhum altruísta - se fosse estaria dirigindo uma ONG humanitária com salário mínimo - fez a mesma coisa que todos os presidentes dos Estados Unidos fazem há décadas, distrair a atenção para outra coisa.
Sochi era a distração programada.
A Ucrânia e os horrores de Odessa, são bombas localizadas que explodiram antes de ele conseguir desativar. Não são nenhuma distração. Pois não lhe são favoráveis e ele sabe disso. Os russos sofreram bastante durante a Segunda Guerra e desde então tomaram ojeriza a guerra.

Não acredito que Putin tenha algum plano geopolítico maquiavélico. Seu plano é contingente. Pegou o trem andando e não era um bonde e sim um trem bala que o deixou momentaneamente tonto como tonteou muita gente. Se tivesse deixado o trem passar sem subir na locomotiva teria ficado a ver navios em desterro.
Putin não é nenhum bicho-papão. É um presidente oportunista como Obama. Só que mais inteligente, mais firme e bate de frente.
O Kremlin quer crescer dentro, com seus recursos naturais múltiplos, sem pretensão de fomentar desgraça fora para encher os bolsos com trabalho alheio.
Quanto à propaganda para atingir a opinião pública, é feita na Rússia até menos do que nos países ocidentais que repetem a lenga lenga dos Estados Unidos. E funciona com eficiência.
Putin não está jogando sujo como insinuaram Angela Merkell (que mordeu a língua) e Catherie Ashton. Está reagindo de ouvido para proteger seus compatriotas e corresponder às expectativas de seus concidadãos patriotas que não querem que ele se curve aos Estados Unidos.
Se ele estiver jogando sujo, a UE está fazendo o mesmo.
Quanto aos Estados Unidos, jogar sujo é seu lema. Não por maudade - pois não acho que o povo estadunidense seja más gente individual nem coletivamente; eles são ingênuos, ignorantes da História Geral e desinteressados do que não os envolve diretamente e que não atrapalhe sua ascensão socio-econômica. O governo só aproveita desse status quo que a ideologia do país alimenta. E o governo, como já disse antes, depende dos 1% que elegeram o presidente que tem de satisfazê-los fomentando conflitos para que o dinheiro/poder de seus patrocinadores aumente. A cobiça é um poço sem fundo; sem limite e sem preço. As sanções à Rússia vão servir a curtíssimo prazo os interesses destes marajás verdadeiros.
É por isso que os EUA escondem deliberadamente os gestos conciliatórios de Putin e continuam as sanções e perseguições até dos amigos do Presidente da Rússia, apresentados como uma quadrilha - nada a ver com os 1% de nababos ocidentais que só querem o bem do planeta... As sanções servem ao capital estadunidense. Somente. A Europa Ocidental também vai sofrer os efeitos loguinho, não apenas a Rússia.    

Não sei se Israel aprendeu com os Estados Unidos ou se os Estados Unidos aprenderam com Israel ou se a fonte de pensamento é a mesma. Só sei que a palavra dada por ambos governos, desde que estou na ativa, raramente é cumprida. Pois as promessas e os tratados são feitas e assinados conforme os interesses do momento que variam rapidamente. Quando a mentira não é deslavada desde o começo, tem sempre uma frasinha escondida no "contrato" para ser usada à sua vontade as raras vezes em que são pegos em flagrante e a mídia faz uma ondinha que sensibiliza a opinião pública desfavorável.
Mas sempre saem por cima. Pois ambos ontam com a impunidade e a fraqueza da memória da opinião pública e da imprensa.
Nesta "crise" ucraniana contam também com a ignorância histórica dos que se informam por facebook, twitter e qualquer outro meio de comunicação relâmpaga empírica e passageira.
Já falei anteriormente que em 1990, quando a União Soviética estava dando o último suspiro, o então secretary of state James Baker, em nome do presidente George Bush (pai), prometeu a Mikhail Gorbatchev que a OTAN não ia aproveitar o enfraquecimento da Rússia para expandir sua influência nem um milímetro nos países do Leste, ex-satélites.
Os russos foram traídos logo de início e primeiro Gorbatchev e depois Yeltsin foram engolindo um sapo atrás do outro caladinhos. Até que em 2009 Gorbatchev, desiludido, declarasse à revista alemã Der Spiegel que fora enganado descaradamente e que não dava para confiar nos políticos estadunidenses.
Na época o então presidente da Rússia, Dimitri Medvedev, confirmou publicamente a ruptura da promessa que os EUA haviam feito solenemente. Segundo Medvedev os EUA roeram a corda inteira depressinha até morder os dedos da Rússia. "None of the things that we were assured, namely that NATO would not expand endlessly eastwards, and our interests would be continuously taken into considerations."
As declarações de ambos foram irritadas, com razão. Mentiram-lhes mesmo na cara.
Em pouco tempo a OTAN tomou conta da Polônia, Estônia, Latívia, Lituânia, República Tcheca, Hungria, Eslováquia, Bulgária e România.
Bem além dos milímetros de distância prometidos.
Para completar a enganação, a OTAN deu um passo a mais, em falso, de pretender posicionar mísseis na Polônia e na República Tcheca. "Na porta" da Rússia.
A OTAN só recuou quando Putin falou grosso e alto que paciência tinha limite e a dele já estava esgotando.
A desculpa de Washington foi que as tais plataformas visavam proteger a Europa de eventuais mísseis iranianos (apesar de saberem que o Irã não possui nem um único míssil com tal alcance).
Putin viu os tais mísseis como uma ameaça potencial e pediu para Obama imaginar como os Estados Unidos se sentiriam se a Rússia construísse uma base de anti e lança-mísseis no México...
O Presidente dos Estados Unidos recebeu a mensagem direitinho e parou a operação.
O atual distúrbio na Ucrânia serve também para o Pentágono instalar as tais plataformas como queria e não podia diplomaticamente.

Por outro lado, não é segredo para nenhum jornalista internacional investigativo que bem antes deste movimento Euromaidan em Kiev os Estados Unidos investiram agressivamente no financiamento de um movimento anti-Yanukovich na Ucrânia.
Eles semeiam a discórdia onde podem a fim de colher frutos que os alimentem.
Só não contavam com a reação de Putin, que até então reclamara sentado sem mexer um dedo.
Antes desta "crise" na Ucrânia, no cinto de países que rodeiam a Rússia, obscuros think-tanks ligados ao US State Department financiaram centenas de projetos de rebelião contra o Kremlin.
Só nos últimos anos, os tais think-tanks suspeitos financiaram só na Ucrânia mais de 80 projetos "pro-democracia" - na Ucrânia, país já democrático, diga-se de passagem, apesar das instituições capengas.
Lá chegaram ao extremo de distribuir benesses aos grupos neo-nazistas, indiscriminidamente; bastava e basta ser anti-Rússia para beneficiar de "incentivos" gringos.
Além de patrocinar grupos variados que queriam tomar o poder sem nenhum programa de governo, só para cantar de galo, os investidores em revolução "popular"  e rebelião "espontânea" financiaram uma emissora de televisão oposicionista. Um canal de TV inteiro à disposição da propaganda anti-governamental. O estadunidense Steve Weissman revelou os detalhes. 
(A Ucrânia não é exceção nesta prática desestabilizadora dos EUA e sim a regra nos ex-países satélites da URSS, como já abordei superficialmente em blogs anteriores. Estas operações da CIA são do tipo da Operação Condor que nos atingiu em cheio nos anos 60 e 70 para abrir as veias da América Latina promovendo e patrocinando os golpes militares no nosso Cone Sul. Na Europa do Leste seguiram/seguem o mesmo modelo, aperfeiçoado e modernizado com o controle da mídia social -  e não me surpreenderia que no nosso país fizessem o mesmo, já que a Casa Branca acha a Dilma hostil à sua influência econômica e política no Brasil).

Para quem vê o visível e busca o invisível, é óbvio que o que está acontecendo na Ucrânia é o resultado (além do previsto) de um plano estadunidense bem elaborado e longamente posto em prática para cercar e conter a Rússia, que continuam a ver como o lobo mal. Enquanto isso, continuam a apresentar-se como chapeuzinho vermelho, quando não de heróico John Wayne desinteressado. (Outra referência que os mais jovens que não conhecem os clássicos cinematográficos não vão identificar...)
No frigir dos ovos, a hipocrisia discursiva de Barack Obama e Angela Merkell (cuja traição a Putin está dando o que falar e já está lhe custando mais caro do que a Alemanha está disposta a pagar), o Presidente da Rússia virou super-impopular no mundo e em casa teve uma queda de popularidade - o que prova que a mídia russa não é assim tão censurada como se fala. Pois muitos repetem o que diz John Kerry como se fosse verdade, enquanto que nos EUA, Obama é enaltecido por unanimidade.
Mas quem está perdendo com a crise é o povo ucraniano. Traído pelos líderes do Euromaidan cooptados desde o início pelos interesses dos Estados Unidos. A última cifra é de US$80 bilhões de perda na Economia. Perda de um dinheiro que o país não tem.
Será que os países que os incitaram à briga estão dispostos a bancar este rombo? É provável que não. É por isso que os "organizadores" deste evento macabro teimam e precisam demonizar Vladimir Putin. Precisam de um bode expiatório para mais este fora. Mais este erro de julgamento. Mais esta aposta no lucro a curto prazo. Mais este investimento no caos.


Portanto, apesar do que afirma a grande mídia que repete a mantra de sempre, a Casa Branca e seus aliados europeus não têm se comportado bem nesta crise e sim mal. A crise propriamente dita foi arquitetada sem previsão das consequências drásticas em que a Ucrânia está atolada. Na semana passada Putin jogou um balde de água fria para tentar apagar a fogueira separatista e evitar uma guerra civil que só pode terminar em muitas lágrimas.
Pois justiça seja feita, o único país estrangeiro envolvido no conflito cujos cidadãos estão correndo risco de vida é a Rússia. Os demais, EUA, Alemanha, e outros interesseiros, estão pondo lenha na fogueira a uma distância segura para não se queimar.
Portanto, Putin, que tem a perder e já está perdendo vidas de compatriotas civis, quer dar chance ao diálogo, se alguém quiser conversar. É o que os russos desejam porque estão sofrendo os efeitos do conflito na carne.
E os estadunidenses que estão assistindo de camarote seus dirigentes manipularem os ucranianos para que lutem para aumentar o mercado dos EUA? Vão pressionar Obama como os russos estão pressionando Putin para que dialogue antes das coisas se deterioram ainda mais? Talvez pressionem. Mas só se sentirem que a vida de seus "boys" estiverem em jogo. E é isso que pode obstacular o processo de conciliação, pois quando os GIs entrarem em ação e começarem a morrer vai ser tarde demais.

Putin tentou acalmar os ânimos com uma solução diplomática junto aos russos-ucranianos e enquanto isso os Estados Unidos continuavam empurrando sanções pela goela dos europeus que estão perdendo muitos negócios com mais este joguinho de choque de guerra da Casa Branca. (os empresários europeus independentes não estão sendo autorizados a vender ou entregar qualquer produto ao Kremlin que tenha componente de empresa estadunidense; produto rotulado como sensível; sensível é um rótulo recorrente que visa este tipo de circunstância, e é como os EUA conseguem estrangular o Irã e estrangulou o Iraque antes disso.)
Apesar desta guerra econômica suja, ao perguntarem a uma das eminências intelectuo-financeiras russas, Konstantin Simonov se a Rússia retaliaria, ele respondeu simplesmente: "Por que teríamos de responder à estupidez com estupidez?"
O pior disso tudo foi que a posteriori ficou claro que os Estados Unidos estavam totalmente enganados em orquestrar a queda de Yanukovitch com a leitura tão errada de ele ser "Kremlin puppet" como fora rotulado. Acabou vindo à tona que o Presidente ucraniano deposto recusou assinar o acordo com a União Europeia não por estar cumprindo ordens de Moscou e sim porque estava chantageando a Rússia e a UE para ver quem poria mais dinheiro nos cofres de Kiev.
Yanukovich foi derrotado por sua ganância e por um defeito imenso em seu serviço de Inteligência interno. Yulia Tymoshenko foi mais esperta (inclusive contratando a noiva de George Clooney para advogada...) e talvez acabe colhendo as migalhas que sobrarem do desperdício de recursos econômicos e humanos.
As eleições previstas para o dia 25, diante do sucesso do referendum separatista, vai chegar atrasada.  A secessão, se não for feita agora, só vai ser adiada. Para quem conhece a Ucrânia, a diferença entre o Leste/Sul (realmente russa na alma e nos costumes) e a parte ocidental é flagrante. A crise não tem lugar. Tem de sentar e separar. Como casal quando não se entende mais.

Qualquer que seja o resultado da "crise" na Ucrânia, os Estados Unidos já ganharam a parada. Conseguiram em poucos meses o que vêm tentando desde a queda de muro de Berlin: alienar a Rússia; fragilizar economicamente a Europa privada de negócios importantes para empresas médias e grandes; indispor os países da Europa ocidental contra o Kremlin.
Putin não é paranóico e sim arguto e desconfiado.
Não acho que estivesse enganado com a leitura que fazia do comportamento dos EUA em sua região, nem no tocante ao Irã e à Síria.
Diabolizar Putin e suscitar inimizades que estrangulem a economia russa (que depende bastante da exportação para os vizinhos continentais), redesenhar o mapa econômico da Europa cortando as importações/exportações com a Rússia para poder entrar de sola no mercada desfalcado, e instalar bases militares nos países mais frágeis.
Em suma, dividir para reinar.
Para sair da areia movediça da crise econômica interna contra a qual vêm  se debatendo freneticamente com golpes baixos para evitar a decadência de seu império, os Estados Unidos precisam de um vasto mercado para escoar seus produtos, já que não reina mais soberano sobre o nosso continente americano - o Brasil, através da Dilma, deixou isto mais do que claro em Washington: Na nossa casa acabou a mamata.
A Ucrânia que não sabe da miséria que aumenta nos EUA e acredita que o "american dream" não é um mito (blog 07/10/12) e sim um sucesso ao alcance de todos, estadunidenses e estrangeiros com igualdade de chances, caiu como um patinho e está pagando o pato desta luta dos Estados Unidos para recuperar seu status quo dentro e fora de suas fronteiras, a qualquer preço.
Trocando em miúdos, Vladimir Putin também tem culpa no cartório, mas a dele pode ser explicada pelos problemas que tem no Cáucaso e por isso querer proteger sua casa com muro e cadeado. Como os Estados Unidos jamais deixariam o México e o Canadá escaparem de seus dedos mesmo sem nenhuma ameaça concreta imediata.
E ele vai certamente acatar o resultado das eleições do dia 25. Que seja Yulia Tymoshenko ou o rei do chocolate Petro Poroshenko.
A Ucrânia entrou de gaiata na geopolítica dos poderosos e no melhor dos casos vai ser separada e viver amputada e mendigando, em paz. No pior, vai ficar nas mãos da OTAN, receber a shock doctrine, e viver vampirizada. Sem conflito os 1% não podem vampirizar para aumentar seus lucros. Onde há conflito há oportunidade e oportunismo.
A Ucrânia está pagando o pato também da luta dos Estados Unidos contra a Rússia pela influência sobre a Europa. Angela Merkell e Vladimir Putin, predominantíssimos no Continente, estavam próximos e combinavam demais. Tinham de ser separados. A Ucrânia, os ucranianos, são meros efeitos colaterais.


E para apresentar opinião russa crítica, eis a de Vasily Kashin editada.
"For the time being, Russian leaders have decided not to stage an overt military intervention in southern and eastern Ukraine. If the Russian military had been involved at all in the region, it was minimal. Judging from the fighting in recent days, it is clear that the Russian-speaking insurgents in the Donbass region have only a small core of people with serious combat training. Russian nationalists play an important role in that core group, but they still hold ambiguous attitudes toward Russia itself.
Most likely, separatist leader Igor Strelkov, who is based in Slovyansk, is acting on his own. That is not an unusual character type among former Russian members of the siloviki. In fact, retired Main Intelligence Directorate Colonel Vladimir Kvachkov, who is serving an eight-year prison sentence for plotting a mutiny against Russia, fits this character profile. Such people often try to place themselves at the center of tumultuous events and aspire to be leaders of rebellious movements.
In eastern and southern Ukraine, there is no evidence of the highly trained and well-equipped "polite green men," who were seen during in Crimea in early and mid-March before the referendum was held there. The small core group of separatists in eastern and southern Ukraine is only equipped primitively and shows no clear signs that its members come from Russia.
It is likely that the insurgents seized the man-portable air-defense systems, or MANPADS, that they used on the first day of fighting during their disarmament of a division of the 25th brigade of the Ukrainian Navy. Apart from the few MANPADS, however, the insurgents are poorly trained and equipped, often carrying only hunting rifles and heavily outdated guns.
At most, the Russian Special Forces and FSB are probably monitoring the situation in southern and eastern Ukraine and possibly maintaining channels of communication with individual rebel leaders. Without this support, the poorly armed and trained Ukrainian troops would surely have faced much heavier losses when entering population centers. As proof, just recall what happened to the Russian Army during the first Chechen war in the mid-1990s...
... The prospects for Ukrainian state sovereignty were doubtful even before the current crisis. Following the ouster of former Ukrainian President Viktor Yanukovych, Ukraine was saddled with all of the problems usually associated with revolution — economic collapse, deep societal divisions, chaos and the loss of territory — without enjoying the benefit of at least installing a new leadership. All of the candidates for president and other key posts — including oligarch Petro Poroshenko and former Ukrainian Prime Minister Yulia Tymoshenko — have long histories in Ukrainian politics. At various times in their political careers, they were linked to corruption, which means there is little hope their continued involvement would lead to significant improvements to the government or the economy.
There is no potential leader capable of accomplishing for Ukraine what former Georgian President Mikheil Saakashvili did for Georgia. What is more, Saakashvili carried out his successful, although painful, reforms against the backdrop of the strong economic recovery that began when Eduard Shevardnadze was president. Ukraine is doomed to a protracted political crisis marked by an increasingly radical conflict over nationality, language and religion.
Russia, the European Union and the U.S. will likely become entangled in every new stage of the Ukrainian upheaval. Given the respective leaders' mutual distrust and their inability to compromise, the confrontation between them will only continue. In addition, Moscow's annexation of Crimea undermined U.S. authority so much that Washington now feels compelled to punish Russia and turn it into an international pariah. The West will impose both direct and indirect sanctions against Russia in stages and over a period of years. Although they will also hurt U.S. and European economies, they are in a better position to absorb the consequences.
Although Russia has not intervened militarily in eastern and southern Ukraine, it has not removed the threat of further sanctions. The Kremlin has merely bought a little time to prepare for the sanctions' impact by shifting economic, scientific, technical and other ties to Asia, trying to find substitutes for Western imports and taking measures to stabilize the financial sector."
Vasily Kashin is an analyst with CAST, a Moscow-based think tank. This comment appeared in Vedomosti and in The Moscow Times.


Documentário do cineasta inglês Michael Winterbotton
The Shock Doctrine
baseado no livro homônimo da jornalista geoeconômica Naomi Klein

Documentário do jornalista australiano John Pielger, 2007 (1h34')
The War on Democracy

POST SCRIPTUM PALESTINA: Em abril o governo de Israel, em desespero de causa, resolveu enviar convocação compulsória aos cidadãos do Estado de Israel palestinos-cristãos para que sirvam a IDF obrigados. Antigamente o serviço militar dos palestinos que sobreviveram aos massacres de 1948 e ficaram no que viraria Israel era facultativa e ninguém servia, por razões óbvias.
A resposta do Arcebispo Theodosios Atalllah Hanna de Sebastia, patricarca de Jerusalém, a Binyamin Netanyahu foi contundente: "The only Christian reply to the Israeli call to service should be that the Christians will never be the border guard Israel but of the Arab and Palestinian identity”.
O Hamas saldou a atitude do Arcebispo dizendo que "Muslim and Christian Palestinians have the same position towards the defence of their country and their holy place, as they endure the same suffering."
Há pouco a IDF - Forças armadas israelenses de Ocupação - voltou à carga e insiste em seu direito constitucional de convocar quem lhe der na telha.
Como são imediatistas não veem que se forçarem os palestinos cristãos a servirem a IDF o tiro pode sair pela culatra. Ou vão ter de vigiar seus próprios soldados no terreno.

 

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