domingo, 21 de abril de 2013

Boston: "Usual suspects" errados



O atentado à bomba que sacudiu a maratona de Boston na semana passada matou três pessoas, feriu dezenas de outras e deixou milhões de pessoas com  um friozinho na barriga: "Please, God, do not let the culprit be Arab or Muslim,"  era o que se ouvia no mundo árabe.
Pois logo que a bomba explodiu, o FBI, a CIA, a imprensa mal informada, e outras pessoas mal-intencionadas logo conjeturaram em voz alta e irresponsável: "suspeita-se que seja obra de terroristas árabes, do AL-Qaeda".
Não era. 
Se os Estados Unidos e a mídia prestassem mais atenção no mundo em vez de deixarem seus preconceitos agirem como torpedo, teriam pensado nos tchetchenos.
Faz meses que venho falando neste blog da presença tchetchena em lugares que os salafistas agitam. Como na Síria, onde "rebeldes" tchetchenos com agenda integrista própria empregam violência e desrespeito do patrimônio sírio.
Desde 1994, quando começou a chamada Guerra da Tchetchênia, remo contra a maré explicando que os tchetchenos não são assim tão vítimas, e muitos me olham de cara torcida.
A campanha militar russa na Tchetchênia não foi por acaso e nem (só) para evitar o separatismo deste estado. E os tchetchenos nunca foram tão pobres coitados que foram massacrados desarmados.
Desde o começo que os Talibã lhes forneciam armamento pesado obtido dos Estados Unidos para combater quem mesmo? Os russos. Aliás, na época, "soviéticos comunistas que comiam criancinhas".
A imprensa mundial caiu matando atacando os russos pela "invasão" da Tchetchênia e a opressão dos pobres nativos.
O povo russo aplaudiu a iniciativa do general Liebed, pois conhecia este antro de bandidos.
Vladimir Putin entrou em cena, "limpou" a Tchetchênia - embora a Rússia continue sendo vítima de atentados - e estendeu a "limpeza" ao resto do Cáucaso, onde a "insurgência" também reinava.
Os "terroristas" emigraram e muitos países acolheram os "refugiados". 
Não é que todos os cidadãos do Cáucaso sejam terroristas.
Não são.
Mas grande parte cala-se, um pouco como na Sicilia.
E não quero entrar na batalha dos estados por independência. Isto é problema dos russos e são eles que têm de votar a favor ou contra, assim como nos estados onde nascem estes insurgentes. 
A faixa geográfica que os abriga é longa, íngreme e inóspita até para jornalista. Ela vai do Mar Cáspio ao Mar Negro. Para ser precisa, do Daguestão, passando por Tchetchênia, Ingushetia, norte da Ossetia-Alania, Kabardino-Balkaria até o Karachay Tcherkessia.
Uma região montanhosa dotada de beleza de tirar o fôlego, mas onde ódio e extremismo primam. 
Muitos jovens dessa região são formados fora em fábricas de terrorista espalhadas pela Terra.
A Tchetchênia é a matriz de terrorismo e tráfico. A heroina que sai do Afeganistão em caminhões lotados, quando furam o cerco iraniano, chegam nessa região.
Será que é por isso que apesar de emitirem condenações mediáticas, os países ocidentais nunca pressionaram a Rússia para que parasse de "oprimir" os "coitados" dos tchetchenos?
Será que Putin faz o trabalho sujo necessário para que a Europa não seja inundada de heroina perigosa e de terrorismo aleatório.
Quando os tchetchenos agiam só na Rússia, alguns jornalistas ousavam até dizer que era obra de Putin para culpar os tchetchenos para poder reprimir à vontade.
(O que não deixa de ser possível, mas não de maneira sistemática, pois trabalho de contra-inteligência é um mistério indecifrável) 
Porém, como todos os males vêm para bem, mesmo sentindo muito pelas famílias bostonianas que perderam parentes e amigos neste atentado da semana passada, sou obrigada a admitir que ele serviu para abrir os olhos dos Estados Unidos e do mundo para o problema do Cáucaso. E por tabela, para o problema que Bashar el-Assad está enfrentando na Síria com infiltração externa.

Aproveito a oportunidade para retraçar o que a Rússia vive há anos nas mãos de pessoas como a dupla responsável pelo atentado de Boston.
De 1994 a 2012, mais de 2500 russos perderam a vida em atentados organizados por insurgentes do Cáucaso.
Vou listar abaixo os mais falados.
Primeiro em 1995 na cidadezinha de Budyonovski. 
Um grupo de para-militares invadiu a cidade semeando pânico e no final os homens armados sequestraram o hospital. Os danos foram enormes e o resgate foi mortífero. Segundo o governo russo, 129 civis morreram, 415 foram feridos, cerca de 25 policiais e soldados russos perderam a vida na operação de resgate. 
Os danos materiais também foram imensos. Mais de 160 prédios foram destruidos. Dentre eles 54 administrativos e 110 residências. Até hoje os sobreviventes são traumatizados, como sempre acontece nesses casos.
Os policiais russos foram pegos de surpresa, eram inexperientes neste tipo de operação e entenderam que tinham de treinar e preparar-se para este tipo de combate que não dominavam.

Depois uma operação de sequestro dos insurgentes foi em janeiro de 1996 em Kizlyar. No final, 26 reféns civis foram mortos.

Em 1999, uma bomba explodiu em uma estação ferroviária lotada, na cidade de Vladikavkaz, na Assetia do norte - Alania. Resultou em 4 mortos e 17 feridos. 
No mesmo ano houve cinco atentados à bomba em Moscou e outras cidades russas. Nestes, 30 pessoas foram mortas. Dezenas tiveram membros amputados ou tiveram ferimentos mais ou menos graves.

Em outubro de 2002 aconteceu outra operação de sequestro. Desta vez em Moscou. No Teatro Dubrovka lotado. Cerca de 50 para-militares tchetchenos sequestraram o público de 850 pessoas durante dois dias e meio. No fim dos quais 40 sequestradores foram mortos junto com 130 reféns, intoxicados pelo gás utilisado na operação de resgate.

Em 2003 o atentado foi nas imediações da Praça Vermelha. Uma bomba suicida explodiu na rua Mohovaja em Moscou matando 6 pessoas e ferindo 44.

O ano de 2004 foi prolífico em atentados.
Dois em estações de metrô de Moscou, que resultaram em 170 feridos e 51 mortos; um no estádio do Dínamo de Grozny, que resultou em 56 feridos e 30 mortos; um sequestro, da escola Beslan na Ossetia, onde, dos 1100 reféns, 334 foram mortos, inclusive 186 meninos; mais dois sequestros de aviões. O primeiro, o vôo 1353 da Volga-Avia Express foi explodido no ar. Os 34 passageiros e a tripulação de nove pessoas morreram. O segundo, foi o vôo 1047 da Siberia Airlines que explodiu em agosto com 38 passageiros e 8 membros da tripulação. Os destroços foram encontrados sem nenhum sobrevivente.

Em agosto de 2006 um quilo de TNT explodiu no Mercado Tcherkizovsky, em Moscou. Treze pessoas morreram, dentre elas apenas duas eram russos, pois este mercado é bastante frequentado por comerciantes estrangeiros. 

Em 2008 foi um atentado à bomba, em um táxi que desembarcava passageiros em um mercado de Vladikavkaz, em novembro, na Ossetia do Norte. Doze pessoas morreram e 41 foram feridas.

Em 2009 houve dois atentados. 
Um em agosto, em Nazran, na maior cidade da Ingushetia. O ataque foi à Delegacia central da cidade. 25 pessoas morreram e 164 saíram feridas.
O outro foi em novembro, no trem bala Nevsky Express, que liga Moscou a São Petersburgo. A bomba fez o trem descarrilhar matando 39 passageiros e ferindo 95 - dos quais 27 morreram no mês seguinte.

Em 2010 o metrô de Moscou foi atacado. Aliás, duas estações - Lubyanka e Parque Kultury - com 40 minutos de intervalo. Nestes, houve 40 mortos e mais de cem feridos.
No mesmo ano, em março, um bomba-suicida explodiu em Kzkyar, no Daguistão, matando doze pessoas e ferindo 18.
Em setembro, o mercado central de Vladikavkaz, na Ossetia, foi atacado deixando mais de 17 pessoas e ferindo mais de 160. O mesmo mercado já fora alvo de atques em 1999 (52 mortos). 

Em 2011 os insurgentes escolheram Moscou de novo. Atacaram o Aeroporto Domodedovo em janeiro matando 37 pessoas e ferindo 173, dentre as quais algumas morreram dos ferimentos e várias perderam membros.
Em 2010 este aeroporto, localizado a 42 quilômetros do centro de Moscou é o mais usado para vôos internacionais e domésticos - cerca de 22 milhões de passageiros. Desde 2004 - quando uma mulher conseguiu embarcar com explosivos - que este aeroporto é um dos mais seguros do planeta. A polícia usa inclusive scaners corporais.

Tudo isto para dizer que o que aconteceu em Boston é uma tragédia, mas não é maior do que as que há 20 anos os russos vêm vivendo.
A não ser que a vida dos estadunidenses seja considerada mais valiosa do que a dos russos e a dos sírios.
Mas aí são outros quinhentos.
Meus pêsames a todas as famílias das vítimas da violência cega, organizada e desorganizada. As vítimas estadunidenses, russas, sírias e todas mais.
No caso do Cáucaso, dizem que a independência resolveria o problema de uma vez por todas.
Talvez. Se não criar outros. De qualquer jeito, repito que este assunto tem de ser debatido internamente e a resposta tem de respeitar a vontade popular de todos os estados que compõem a Rússia.
Estes problemas domésticos são iguais os de família. Ninguém de fora pode saber exatamente o que acontece dentro da casa e nem a dinâmica mais adequada à estabilidade de um casal. Porém, todo mundo sabe que se há de proteger os filhos. 

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