domingo, 20 de janeiro de 2013

O Sahel refém da barbárie


Países do SAHEL, como é chamado o Saara nessa região:  do Oeste para o Leste - Cabo Verde, Senegal, Mauritânia, norte do Mali,  sul da Argélia, note do Burkina Faso, Niger, norte da Nigéria, centro do Tchad, centro do Sudão, Eritrea, Etiópia.

Faixa sensível do Sahel, a faixa marron.
Sul da Mauritânia, norte do Mali, extremo sul da Argélia, note do Burkina Faso, norte da Nigéria, centro do Tchad, centro do Sudão (sobretudo o Darfour e o Kordofan).

Antes de Ossama ben Laden ser o terrorista mais procurado do planeta, ele foi sucessivamente um simples milionário árabe bem relacionado, um jovem ideólogo de ideias radicais, um ex-combatente patrocinado pelos EUA contra a União Soviética no Afeganistão.
Nessa época, em 1993, para ser precisa, ele mandou um mensageiro à Argélia para oferecer seus préstimos ao Grupo Islamita Armado que semeava o terror na área e em atentados motíferos na França. Este grupo cometia atrocidades com a bandeira de rebeldia contra o governo socialo-laico-corrupto que reinava em Argel. O GIA queria derrubar o presidente Chadle Bendjedi para instalar um regime governado pela sharia (lei) islamita.
Ben Laden ofereceu dinheiro e assistência logística ao GIA e em contrapartida, engrossaria a coalição jihadista que ben Laden, então baseado no Sudão, estava construindo.
O GIA, selvagem mas ainda nacionalista, recusou a oferta generosa do estrangeiro e o mensageiro de ben Laden quase perdeu a vida entregando a mensagem.
Quatrorze anos mais tarde, no fim de uma guerra civil que deixou 150.000 mortos na Argélia e um GIA derrotado, os sobreviventes do grupo mandaram recado para bin Laden, já pós-graduado em terrorismo e celebricíssimo pelos ataques no solo dos Estados Unidos.
O GIA havia perdido todo e qualquer apoio da população local, estava moribundo, e, portanto, seus sobreviventes estavam prontos para captar fundos que os reabastessem. E em um gesto oportunista, integraram a rede internacional extremista em 2007.
Foi assim que o AQIM nasceu no sul da Argélia e norte do Mali.
O que não prova que o ataque à refinaria na Argélia tenha sido comandada pelo al-Qaeda - que atualmente está mais preocupado em infiltrar a Síria do que dominar a África.
Para começar, os laços entre as lideranças do AQIM e a do al-Qaeda sempre foram tênues. Os interesses são os mesmos, mas os africanos tentam manter uma certa independência. Facilitada pela dificuldade de comunicação e locomoção na região Sahel-Sahara.
E muita água rolou desde que ben Laden tirou o grupo extremista do buraco. As atividades ilegais e a cumplicidade do governo do Mali o levaram a reconstituísse rápido, a fortalecer-se e os papeis acabaram se invertendo. A fonte financeira do al-Qaeda não está tão opulenta quanto na época de ben Laden e atualmente o AQIM, com sua bandidagem, é milionário e tem dinheiro e meios à vontade para comprar o que quiser. Inclusive estrategistas do al-Qaeda.
Para concluir esta parte, o AQIM não é o único bandidão islamita do pedaço.
Mokhtar Belmokhtar, o "maestro" dos ataques lidera seu próprio grupo e não tem nenhuma submissão ao al-Qaeda. Seu ego, sua convicção de líder religioso brilhante, excluem, a meu ver, qualquer possibilidade de ele seguir ordens.
Dito isto, os serviços de inteligência ocidentais têm constatado que nos últimos 18 meses uma série de membros do al-Qaeda foram despachados para o Sahel e para a África em geral. Mas não se sabe com que papel. É mais provável que seja de apoio. Atualmente, o al-Qaeda tem mais a ganhar com a ligação com os grupos extremistas da África Ocidental do que o contrário.
Que se saiba, os líderes locais, sobretudo Mokhtar Belmokhtar, não fez juramento de fidelidade - bayat - a ninguém.
Acho que a demanda de liberdade do egípcio Omar Abdel-Rahman, ideólogo jihadi preso em 1993 nos EUA logo após o ataque de Nova York, não é um presente para o al-Qaeda nem um sinal de obediência. E sim uma vontade de impor-se no cenário internacional e de demonstrar ao próprio al-Qaeda que está querendo tomar as rédeas do extremismo islamita além do Sahel.

As televisões do mundo inteiro estão se encarregando de mostrar os bombardeios e a imprensa escrita de dar as notícias que lhe chegam. Como não gosto de chover no molhado nem de falar no óbvio, resolvi hoje descrever as forças belicosas principais que poluem o norte do Mali. Pelo menos as que conheço.
E depois falar um pouco nos tuaregues, os grandes prejudicados nesta relação de forças militares entre os extremistas islamitas e a França.
É o Mali centraliza todo o conflito nessa área.
Foi por isso que aviões franceses, com apoio dos Estados Unidos e assistência logística alemã e inglesa, vêm bombardeando alvos no Mali considerados ligados ao al-Qaeda.
Quem dera fosse tão simples!
Há anos a região é um caldeirão de instabilidade. Começou com a primeira rebelião tuaregue em 1962 e aumentou com a invasão do Afeganistão e o aumento de pressão sobre o Yêmen.
Não há unidade sectária nem militar entre todos os bandos.
São diversas facções armadas. Distintas tanto nas tendências religiosas quanto étnicas. Há inclusive seculares.
Pôr todos no saco do terrorismo radical do lobo mal al-Qaeda é um simplificação perigosa e fátua.
Só eu, tenho conhecimento de vários grupos dominantes que pouco têm em comum, com exceção da violência.
Como tudo está sendo posto nas costas do Al-Qaeda, vou começar a listar das Organizações militarizadas pela coalição extremista pseudo-religiosa que engloba três grupos.
Primeiro o "famoso" AQIM. Ou seja, o Al-Qaeda no Magreb islâmico.
Neste, predominam homens originários da Argélia e da Mauritânia.
Instalaram-se no Mali em 2003 e são especializados em sequestro de ocidentais. Nos últimos dez anos barganharam 50 reféns europeus e canadenses em troca de um total de R$100 milhões de dólares.
Segundo o ministro das Relações Exteriores da Nigéria, Mohamed Bzoum, a presença do AQIM no Mali deve-se a um acordo entre o grupo e o presidente deposto Amadou Toumani Toure. O acordo teria sido feito através de outro Maliano. O parceiro político do ex-presidente, Iyad Ag Ghali.
Dinheiro dos resgates teria sido distribuído generosamente para servidores públicos malienses em troca de passe livre nas áreas tuaregues. Tudo isto sob as barbas do desmoralizado exército do Mali, cujos soldados fechavam os olhos seguindo ordens e por questão de sobrevivência.
O AQIM ainda detém pelo menos nove europeus no norte do Mali.
Com o passar dos anos, alguns membros da etnia Ifogha local, tuaregues e árabes, aderiram ao AQIM no Mali. Por causa de alianças de casamento e aliciamento de jovens. Vários membros do AQIM se casaram com mulheres das comunidades em que se instalaram.
Nos últimos anos este grupo tem desenvolvido suas atividades nas principais cidades do Mali, e graças à sua associação a grupos locais, como o Ansar al Din, foi se transformando em uma corrente para a qual convergiram jovens perdidos do sul do Mali, Senegal, Nigéria e outros países limítrofes. Estes recrutas aderiram à insígna da Polícia Islâmica, controlada pelo AQIM.
O líder do AQIM é o argelino Abdel Malek Droukdel. Conhecido como Abu Musab abdel Wadoud.
Além de Abu Musab, o grupo tem também um Emir para o Saara, chamado Yahia Abou Hammam. Mais um número de brigadas encabeçadas por indivíduos famosos no Sahel, tais como dois bandidos argelinos notórios. O traficante caolho Moktar Belmokhtar e Abou Zaid.
A estrutura de liderança não me é muito clara, portanto, paro nestas duas figuras famosas que mostram as caras.    
Mencionei o Ansar al Din acima.
Este é um grupo local de tuaregues Ifoghas, árabes berabiche e outros grupos étnicos locais que têm o mesmo objetivo religioso radical. Querem implantar a sharia, a lei muçulmana, no Mali inteiro e em todos os países muçulmanos.
O fundador e atual líder do Ansar al Din é Iyad Ag Ghali. Um ex-chefe tuaregue da década de 90.
Iyad começou a ajudar o ex-presidente do Mali a combater a revolta tuaregue no início do milênio. E a negociar com o AQIM resgates dos sequestrados.
O porta-voz do Ansar al Din, Sanda Ould Boumana, é um árabe de Timbuktu que foi preso na Mauritânia em 2005 sob acusação de pertencer ao al-Qaeda.
A maioria dos paramilitares do Ansar al Din são da área de Timbuktu.
Este grupo evita confrontação com o MNLA e FNLA para não derramar sangue de parentes, o que os desligitimaria aos olhos dos demais. Preferem deixar o derramamento de sangue nas mãos do AQIM e do MUJAO, que abordaremos em seguida.
O Ansar al Din se preocupa em manter um grupo essencialmente maliense e nega publicamente ligações com o al-Qaeda. Mas por baixo do pano, "hospeda" ações deste grupo terrorista internacional e do AQIM local - um pouco como a relação entre os Talibã e o al-Qaeda no Afeganistão antigamente. E asseguram, juntos, o policiamento religioso radical.
O Ansar al Din está presente nas três principais cidades do norte: Gao, Kidal e Timbuktu. 
O terceiro grupo extremista é o MUJAO (Movement for Unity and Jihad in West Africa - Movimento pela Unidade e Jihad na África Central). É o mais turvo, dos ligados ao Al-Qaeda no norte do Mali.
Apresenta-se como uma dissidência do AQIM, mas ao mesmo tempo, seus líderes trabalham com o AQIM em Gao no combate de inimigos mútuos.
O MUJAO também quer impor a Sharia, mas no mundo todo. E ao contrário do Ansar al Din, ele acolhe em suas fileiras tanto locais quanto estrangeiros da região do Sahel e da África do Norte.
Tem sido o grupo mais agressivo contra elementos do MNLA e de grupos árabes que lutam pela auto-determinação do norte do Mali. Cada vez que o MNLA conquista uma área, o MUJAO os ataca até que batam em retirada.
Dizem que quem fundou o MUJAO foram os drug lords árabes Tilemsi da área de Gao, com o recrutamento de jovens. 
AQIM, Ansar al Din e MUJAO são grupos radicais religiosos que poderiam ser considerados terroristas por causa das ideias extremistas islamitas. Entretanto, são meso é bandidos.
Tirando estes, há outros movimentos laicos de proeminência no Mali. Grupos movidos por um ideal e não pela bandidagem.   

Political Map of Mali
O MNLA (National Movement for the Liberation of Azawad - Movimento Nacional para a Libertação de Azawad), por exemplo, é uma organização secular separatista tuaregue.
Estes rebeldes querem a independência do norte do Mali, chamado Azawad.
Seus líderes dizem que desejam este Estado para todos os nortistas (tuaregues, songhai, árabes e fulani são os grupos étnicos preponderantes).
Alguns de seus participantes são Songhai, mas 99 por cento dos guerrilheiros são tuaregues motivados pela conquista de um Estado.
O líder do MNLA é Bilal Al Cherif, um tuaregue Ifogha. Seu "vice" é Mahmadou Djeri Maiga, um Songhai.
O grupo chegou a controlar as cidades de Gao e Kidal, mas foram forçados pelos MUJAO a recuar e misturar-se com a população à espera de uma oportunidade de re-emergir para conquistar espaço.
Sua força é subestimada por causa das recentes derrotas no terreno para os grupos contolados pelo al-Qaeda.
Mas acho que esta é apenas a parte visível da relação de forças, já que a gênesis da crise atual foi uma ação militar do MNLA no intuito de conquistar o norte do Mali. O invisível é uma reação em cadeia, pragmática.
A raiz das aspirações do MNLA são profundas. São fincadas na primeira rebelião tuaregue em 1963.
Não é um movimento emergente e oportunista como os três extremistas religiosos acima.
Suas pretenções não desaparecerão com bombas.
Querendo ou não, continuarão a ser a base da crise do Mali.
Assim como o FLNA (National Front for the Liberation of Azawad - Frente Nacional para a Libertação do Azawad). Um grupo árabe aliado do MNLA que luta pelo direito à autodeterminação do norte do Mali.
Pleiteiam o direito dos nortistas decidirem se querem ou não continuar ligados ao governo central. Através do mesmo tipo de referendum usado para separar o Sul do Norte do Sudão.
O FNLA também não reivindica nenhuma lei religiosa sectária.

Os Ganda Koy (Senhores da Terra) são um grupo étnico Songhai que data da segunda rebelião tuaregue.
Na década de noventa os Ganda Koy criaram uma milícia para auto-proteção e esta lutou com o exército maliense contra os rebeldes tuaregues.
Dizem na região que os Ganda Koy massacraram muitos civis tuaregues.
Segundo a ONG internacional de Direitos Humanos Human Rights Watch, este grupo tem executado muitos árabes e tuaregues. Assim como o grupo Ganda Izo.

O Ganda Izo é uma milícia da etnia Fulani. Foi formada em 2008 para o mesmo fim do Ganda Koy. Ou seja, fornecer auto-proteção para a população local Fulani e combater a rebelião tuaregue. Porém, acabou abrindo as portas de sua organização a outras etnias e abrindo campos de treinamento militar em Mopti.

Dito isto, qual é a dos tuaregues?
Nesta história, são os bonzinhos.
A tribo tuaregue maliense faz parte da comunidade nômade do Saara.
No Mali, vivem na área Azawad - que se refere à língua tuaregue que cobre o norte do país. Azawad consiste de três regiões: Timbuktu, Gao e Kidal.
Os tuaregues representam cerca de 7% da população do Mali. Há décadas que o MNLA reclama da negligência e da marginalidade à qual são submetidos pelo governo maliense, confortavelmente instalado em Balako, no sul do país.
E reivindicam a independência do norte para poderem dirigir o Azawad como quiserem, pois o consideram seu país legítimo povoado desde sempre por seus ancestrais.
Como o Sudão do Sul conquistou a liberdade com facilidade, não entendem como a comunidade internacional não apoia sua luta pela sepração do sul e pela soberania.
A história pós-colonial dos tuaregues no Mali tem se caracterizado por uma série de rebeliões iniciadas em 1962.
E por que não são ouvidos em vez de serem perseguidos e massacrados?
Porque a porção do Sahel que reivindicam pode estar cheia de petróleo e gás.
A Argélia, a França e o Qatar têm explorado o lado da Mauritânia na Bacia Taoudeni, e a Argélia tem a concessão do lado do Mali. Justamente na região tuaregue, na qual especialistas dizem conter urânio, ouro e outras riquezas naturais.
Os tuaregues são ricos em teoria. Pois o norte do Mali é uma das mais pobres do planeta e o governo do sul não fez quase nada para desenvolvê-la a fim de melhorar as condições precárias da população tuaregue.
Daí a rebelião tuaregue liderada pelo MNLA em janeiro de 2012. Ela conquistou dois terços da área reivindicada e declarou a independência do Azawad.
A alegria durou pouco. A rebeldia dos dois grupos separatistas foi logo esmagada pelos grupos de bandidos jihadistas milionários com a ajuda do governo central.
Agora os ocidentais estão pedindo ajuda aos tuaregues para combater o al-Qaeda no Sahel que conhecem como a palma da mão.
E foi aí que Bilal Al Cherif, chefe do MNLA e presidente do ex-futuro-Estado Azawad perguntou: "Temos de combater o al-Qaeda em troca de quê? Os governos ocidentais vão reconhecer o Azawad e ajudar-nos? Que eles nos deem assistência política, militar, econômica e segurança, aí lutaremos contra os terroristas".     
Enquanto os franceses bombardeiam e os diplomatas tentam seduzir os tuaregues com palavras,o AQIM, o Ansar Din e o MUJAO controlam o Timbuktu fazendo como os talibã fazem para ganhar adeptos. Os salafistas distribuem arroz e pão à população miserável e polícia religiosa impõe a ordem.
Exatamente o que pretendem fazer na Síria logo que tiverem a oportunidade.

Trocando em miúdos, faz dez anos que os simpatizantes do al-Qaeda  instalou-se no norte do Mali como parte de um acordo secreto com Amadou Toumani Touré (ATT), então presidente do país. ATT foi deposto em um golpe militar em março de 2012 devido à conquista tuaregue sucessiva das cidades do Norte.
Durante a presidência de ATT, o AQIM acumulou uma fortuna com resgastes. US$250 milhões. Mais de cinquenta europeus e canadenses foram sequestrados na última década. Geralmente na Nigéria.
Atualmente há sete sequestrados à espera de serem libertados contra US$132 milhões de dólares de resgaste.
As negociações de resgate eram feitas através da presidência do Mali e enriqueceram muitos VIPs do governo. Cada um recebia sua parte. Inclusive o presidente.
Um dos homens que mais se enriqueceram com o negócio de sequestros foi Iyad Ag Ghali, líder do Ansar Din, um equivalente local do Mullah Omar dos Talibã afegãos. Ghali intermediou quase todas as negociações. De 2003 a 2012.
Faz anos que os tuaregues malienses reclamam da cumplicidade entre o governo e o al-Qaeda, em vão.
Segundo os Nortistas, para-militares do AQIM circulam livremente em cidades tuaregues. Fazem compras, frequentam casamentos e desfilam armados pelas ruas na frente da polícia. Que não faz nada porque não pode e não consegue.
O coronel Habi ag al Salat, um oficial maliense que deixou o Exército para integrar-se no MNLA, foi um dos primeiros a denunciar a presença de argelinos do GSPC (Salafi Group for Preaching and Combat - Grupo Salafista para religião e combate) em cidades tuaregues.
Mas quando Habi avisou seus superiores hierárquicos, eles o mandaram calar a boca e deixar os para-militares em paz porque "não são inimigos do Mali".
E mesmo depois do GSPC mudar o nome para AQIM - al-Qaeda no Magrebe Islâmico - após um pacto anunciado por Ayman al Zawahiri, a polícia não mudou nada.  
O Mali facilitou a instalação do al-Qaeda lhe garantindo liberdade de movimento dentro das famílias para aliciar a juventude.

Essa cumplicidade do governo com bandidos radicais deve-se ao desejo tuaregue de emancipação.
Faz cinquenta anos que o Mali vem administrando a rebelião tuaregue, que começou depois da independência da França em 1960.
Nenhum dos países do Sahel ou Sahara apóia a noção de de um novo Estado. Sobretudo um que incite as aspirações Berber na Argélia, ou a mais séria dos tuaregues na parte rica em petróleo no sul da Argélia, ou do sudoeste da líbia também rica em petróleo, ou a parte rica em uranio no norte tuaregue da Nigéria.
A maior ameaça existencial para os Estados do Mali, Nigéria e Argélia são as rebeliões tuaregues/berberes .
Os governos dessa região morrem de medo e de inveja dos tuaregues, embora eles sejam um dos povos mais pobres e isolados do planeta. Porque vivem em alguns dos solos mais ricos em recursos naturais do mundo.
Nestes últimos anos, a União Europeia e os Estados Unidos encheram o governo do Mali de milhões de dólares e euros para combater o al-Qaeda. Só que a maioria absoluta deste dinheiro foi desviada para esmagar a insurgência tuaregue.
Em vez de combater o Mal internacional, o governo usou o dinheiro para combater rebeldes nacionais.
Segundo o UNODC - departamento de Droga e Crime das Nações Unidas - o norte do Mali é o maior corredor de tráfico de drogas do planeta. O movimento é de US$1.8 a US$2 bilhões anuais em cocaína transitando do Oeste da África para a Europa e Oriente Médio.
Ibrahim Ag al Saleh, deputado de Bourem, epicentro do tráfico de cocaína no norte do Mali, afirma que ATT e a esposa estavam envolvidos no negócio da droga até o pescoço.
"O presidente usava o lucro do tráfico e dos resgates para financiar as milícias no norte que protegiam o tráfico e a rebelião tuaregue. Hoje em dia são os mesmos traficantes que ostentam a bandeira de Allah em Gao e em Bourem. Agora que não têm mais a proteção de ATT, estão se escondendo atrás dos salafistas (islamitas radicais)."
Enquanto ATT investia nas milicias para-militares, o Exército maliense passava necessidade e estava desmoralizado. Os soldados vendiam armas para comprar comida e eram obrigados a assistir o AQIM desfilar na frente dos quarteis e aviões aterrizarem perto de suas bases. O sistema estava podre. Por isto foi derrubado.
O próprio emir do AQIM, o argelino Abdelmalek Droukdel, vulgo Abu Musab Abdel Wadoud, ousou apresentar-se na televisão para pedir para os malienses rejeitarem o MNLA e assim "preservarem a integridade territorial do Mali". Como se fosse isso que lhe interessasse.
O fato é que o ocidente fechou os olhos para o crescimento da coalição extremista no Sahel e agora a França bombardeia mais em desespero de causa.
Bombardear do alto é fácil. Limpar o terreno é muito mais complicado.
Vai ser difícil dizimar a coalição "al-Qaedista" no Sahel. Suas bases militares foram se solidificando com o tempo e com a fortuna que saiu do bolso das empresas e dos governos ocidentais em pagamentos de resgaste. E do tráfico.
Estes grupos se prepararam para expandir-se além do Sahel e do Saara. Daí sua presença na Síria, que o ocidente teima em minimizar. 
Boa sorte à França e seus aliados. Mas sobretudo boa sorte aos Tuaregues.
E a Bashar el-Assad no combate dos milhares de salafistas estrangeiros que estão tentando derrubá-lo para depois passar uma rasteira nos rebeldes nacionais e instalarem a Sharia.

Post-Scriptum
Com tudo o que está acontecendo no Mali e na Argélia, com o número de pessoas sendo mortas, e o único comentário que fazem comigo, fora do trabalho, é sobre a morte e o perigo que correm os reféns ocidentais.
É demais.
Eu nunca consegui entender porquê o "collateral demage" da responsabilidade dos países da Europa e dos EUA é diferente do "collateral damage" dos outros lados.
Para os argelinos, sua operação militar foi um sucesso. Os mortos europeus, estadunidenses, japoneses, que estavam lá com salários no mínimo três vezes mais altos do que o argelino mais bem pago, eram collateral damage.
Para a mídia e os governos ocidentais, estes funcionários-mercenários viraram mártires.
É claro que não mereciam morrer e nem serem maltratados. Aliás, ninguém merece.
Contudo, se fossem argelinos, o máximo que teria sido dito sobre a perda humana teria sido "consequência trágica".
Esta regra de dois pesos e duas medidas é, no mínimo, cansativa. No máximo, insuportável.
Lembro-me que durante a "guerra" do Iraque, um dia, George W. Bush ousou dizer que o collateral damage de civis iraquianos era de "Thirty thousand, mor or less". Ou seja, não se importam nem com a conta aproximativa do número de vidas de homens, mulheres e crianças que para eles não têm importância.
Mas todos sabem de cor quantos soldados estadunidenses morreram, no mesmo período: 4.486.
Bernard Kouchner, o francês oportunista disfarçado de humanitário, chegou a solicitar a ajuda da Inglaterra para combater o "terrorismo islamita" em sua ex-colônia Mali. (Que poucos ingleses, europeus, asiáticos, americanos, conheciam antes da semana passada. Menos ainda sabiam que Bamako era o nome da capital. Estou errada?)
O caolho Mokhtar Belmokhtar, o novo inimigo n°1 do Ocidente, não é nenhum Osama ben Laden. Que era perigoso porque era fanático religioso radical, mas acreditava em algo.
Belmokhtar é traficante, contrabandista, sequestrador, assassino, em suma, bandido. Não é um ideólogo islamita. É um malfeitor que quanto mais for tratado de "islamita", mais será aproximado de jovens muçulmanos carentes e incautos, que verão nele um herói; e se for morto, um mártir.
Ele não é nenhum herói idealista. É um bandoleiro da pior espécie. Dar-lhe um rótulo religioso, mesmo sendo para obter simpatia da opinião pública francesa e apoio dos aliados, é um erro.
Disto isto, e voltando ao início, que não me venham condenar os argelinos por tratarem os mortos dos países do Primeiro Mundo com o desdém que o Primeiro Mundo trata os mortos iraquianos, afegãos, palestinos, enfim todos os que atravessam no caminho de conquista de riquezas naturais e de hegemonia.
Daí o ódio contra Bashar el-Assad. O ditador que tem agenda própria, que não se dobra às vontades dos ocidentais. Assad é "inimigo de Israel", portanto, persona non grata. Isto, embora - como disse acima e venho dizendo desde o ano atrasado - muitos de seus oponentes sejam bandoleiros do mesmo naipe de Belmokhtar e de seus cupinchas salafistas radicais, que foram à Síria bagunçar para reinar.
Que pelo menos François Hollande entenda que não pode bombardear a turma de Belmokhtar no Mali, na Argélia e na Nigéria (onde os bombardeios tendem a propagar), e na Síria, defendê-los e apoiá-los como se fossem bons rapazes - naquela mesma lógica imediatista gringa do pragmatismo irresponsável.
Espera-se que a França, altamente intelectualizada e orgulhosa da lógica cartesiana que a caracteriza, tenha um mínimo de coerência. Enfim, o raciocínio básico que falta aos Estados Unidos.

Curiosidade jornalística.
Em dezembro do ano passado, o New York Times , que a imprensa brasileira adora louvar, publicou em seu site uma matéria cujo título admitia que Israel ocupava a Palestina. Algumas horas depois o título foi mudado como por milagre, certamente após as pressões e a censura mostrarem a cara.
Há uma cordo tácito na grande mídia gringa de usar o termo "disputed" em referência às terras tiradas dos palestinos para a construção de invasões judias. Ilegais, segundo as leis internacionais. Mas nesse dia o colega responsável estava com vontade de dizer a verdade. Sua sinceridade ficou seis horas no ar.
1. Editado às 13:09 “Palestinians Set Up Camp in Israeli-Occupied West Bank Territory.”
2. Reeditado às 19:10 “Palestinians Set Up Tents Where Israel Plans Homes.”
Confira abaixo.


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