domingo, 2 de dezembro de 2012

Palestina galga ao Tribunal da Haia, mas não basta

"Sixty-five years ago on this day, the United Nations General Assembly adopted resolution 181, which partitioned the land of historic Palestine into two states and became the birth certificate for Israel,"
Abu Mazem às 193 Nações Unidas, no dia 29 de novembro.
A semana foi tensa na Palestina.
Não a mesm tensão angustiada da semana atrasada, quando a Faixa de Gaza estava sendo bombardeada. 
A tensão da semana passada era positiva, cheia de expectativa.
Os observadores internacionais temiam um Não improvável das Nações Unidas. Um Não que reforçasse ainda mais a posição vitoriosa do Hamas e enfraquecesse o Fatah, ao ponto de Mahmoud Abbas perder a autoridade, mas após o tiro que o governo de Israel deu no pé com mais um massacre injustificado, era pouco provável que o Mundo não apoiasse a iniciativa de Abu Mazem.
Pois quem conhece a Palestina sabe que desde o fim da Segunda Intifada, o Hamas vem ganhando simpatizantes não apenas na Faixa de Gaza. Também na Cisjordânia, por despertar o orgulho da Palestina que não baixa a cabeça e em vez de dizer Amém à potência bélica gringa e israelense, conseguiu dobrar um e outro com uns foguetórios.
O Fatah foi perdendo o fôlego ao ponto de perder as eleições em duas cidades chaves da Cisjordânia: Jenin e Nablus. Lá, a população elegeu vereadores de alas menos acomodadas. Cansadas de ouvir promessas e conversa fiada enquanto veem as colônias judias roubarem cada vez mais terra de seus quintais.
Mahmoud Abbas precisava desta vitória para poder tratar de igual para igual com Khaled Meshaal.
A embaixadora dos Estados Unidos perdeu uma boa oportunidade de ficar calada. Coitada, segue ordens dos patrões da Sala Oval. Que por sua vez prestam contas à APAIC (lobby sionista em Washington). Sobretudo dona Hillary Clinton, que como o marido, é cabeça dura, cega por ignorância e cobiça (o que, no fundo, se valem), e para enxergar o óbvio, só a pau.
Ao ouvi-la, dir-se-ia que os palestinos querem apagar Israel do mapa e não apenas ocupar o lugar que lhes cabe. Porém, Abu Mazem não podia ser mais claro: “We did not come here seeking to delegitimize a State established years ago, and that is Israel; rather we came to affirm the legitimacy of the State that must now achieve its independence, and that is Palestine.
E no final das contas, dona Hillary ficou com a cara no chão mais tarde, quando foi surpreendida com o anúncio de extensão da colonização judia na Cisjordânia. Netanyahu nem se deu ao trabalho de informá-la pessoalmente da notícia desagradável.  
Enquanto os liberais israelenses celebravam a vitória, após passeata de apoio à Palestina na famosa alameda Rothschild de Tel Aviv, liderados pelo grande Uri Avnery, "la" Clinton franzia a testa e considerava o voto favorável à Palestina "unfortunate e counterproductive". E no Vaticano? O papa Bento XVI não conteve seu entusiasmo com o resultado. E aproveitou a deixa para solicitar garantia internacional do estatuto especial de Jerusalém.
Em Tel Aviv, Binyamin Netanyahu, Ehud Barak, Avigdor Lieberman e a patota extremista que os apoia, franziram ainda mais a testa com a intervenção papal. Mas acabaram dando de ombros. Pois realmente se julgam intocáveis. A ONU, para eles, é um joguete controlado pelo padrinho estadunidense, que por sua vez, controlam eles e está acabado. Não se preocupam nem um pouco com a Organização internacional a cujas leis deveriam submeter-se como os demais. 
Com o Papa na jogada a ocupação ilegal fica mais complicada, mas nem isso os impressiona.
Só que agora a Palestina conquistou o direito inalienável de recorrer à Corte Internacional de Justiça. De solicitar sua intervenção, de ser atendida, de ver Israel pagar por seus crimes diários subrepitícios e os intermitentes visíveis.
Como é possível Hillary Clinton querer que os palestinos sofram calados, sejam despojados de tudo, até da dignidade, e engulam sapo atrás de sapo até sufocarem!
A deputada palestina Hanan Ashrawi tentou explicar-lhe o que está na cara: "Think for a moment of the absurdity of telling an occupied people to achieve their independence only by politely asking the occupier to kindly allow them to be free. While the world tunes out, Israel will continue its oppressive occupation with its continued settlement building and confiscation of land and resources, its control of everyday life with checkpoints and incursions, and its manipulation of the global political agenda by resorting to violence as the only solution, however futile it has proven itself to be."
O voto favorável à Palestina, ou seja, à elevação do estatuto ao do Vaticano, com direitos que até então lhe eram negados, é uma bofetada internacional em Barack Obama.
O Presidente dos EUA e sua Secretária de Estado, apesar das ameaças espalhadas por todo planeta através de telefonemas e das embaixadas, só conseguiram o apoio de um país desenvolvido: o Canadá. Os demais votos contrários que conseguiu foram do Panamá (quintal dos EUA), da República Tcheca e de países que ninguém nunca ouviu falar: As Ilhas Marshall, Micronesia, Nauru e Palau.
A velha aliada Inglaterra - responsável indireta desse rolo todo, já que retirou-se da Palestina deixando os palestinos ao Deus dará e depois apoiou a declaração unilateral israelense de Estado sem preocupar-se com o destino do povo que os ajudara na Segunda Guerra, povo a quem prometera liberdade - se absteve. A pressão popular foi tamanha no país, que se James Cameron tivesse seguido os EUA em mais este ato injustificável, teria ficado em maus lençóis até com os conservadores que o apoiam.
A Alemanha, coitada, é proibida de criticar Israel. Votar contra, então, nem pensar. Anti-semita! gritaria o lobby sionista em todos os jornais. Então Angela Merkel engliu o sapo e também se absteve de boca amarga. 
A Austrália e a nossa vizinha Colômbia, foram pressionadas, pressionadas e também optaram por ficar em cima do muro. Junto com a República Tcheca e outros países amedrontados.
Na França, a pressão dos militantes socialistas e da população foi tanta, que o presidente François Hollande voltou atrás na conversa com Netanyahu e foi arregaçou as mangas para lutar pelos valores que prometeu respeitar. Inclusive buscando votos favoráveis.
A Europa que conta - Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Irlanda, Suíça e outros, votaram a favor da Palestina de boa vontade. Assim como a Escandinávia.
Os BRICS então, nem se fala! O Brasil liderou o barco na América, a Rússia na Europa, a China e a Índia na Ásia, e a África do Sul na África.
Afinal, são estes países que hoje em dia dão as cartas.
A Turquia mostrou que os acordos com Israel e os EUA são coisa do passado. Caducaram. Assim como as palavras incompreensíveis que os representantes dos Estados Unidos e de Israel pronunciaram. Se o assunto não fosse tão dramático, pareceria comédia. Negra, é claro.
Eles teimam em não entender nada.
Ora, como diz Hanan Ashrawi, "Rather than being perceived as a substitute for negotiations, our efforts are consistent with the international community's objective of achieving a peaceful solution whereby Palestine and Israel can live side by side in peace and security. This aim will never be achieved by giving one of these states a veto on the other's existence. We are trying to create momentum for progress and credibility for legal and political solutions. Negotiations can work only if Israel is given a clear signal that it must abide by the laws of nations and the values of humanity at large."
Trocando em miúdos, apesar das pressões e chantagens gringas e israelenses, Abu Mazem, conhecido internacionalmente como Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, voltou à ONU pra abrir caminho e conseguiu. Saiu de lá com novas prerrogativas que lhe serão em breve autorizadas e que deixará seu povo menos desprotegido.
No ano passado (http://mariangelaberquo.blogspot.fr/2011_09_01_archive.html), Abu Mazem fez um belo discurso. Estabeleceu sua autoridade, porém, no final das contas, os Estados Unidos mexeram os pauzinhos de forma a que seus esforços não dessem em nada.
Ele pedia estatuto de Estado, que só pode ser outorgado pelo Conselho de Segurança e Washington puxou o tapete do presidente da Autoridade Palestina e quando ele estava no chão, deu-lhe tapinhas nas costas. E desfiou promessas de retomada de diálogo. Contanto que os palestinos concordassem em ir assistindo de braços cruzados suas terras serem paulatinamente ocupadas por invasores estrangeiros que restringem cada vez mais seus movimentos.     
O contexto em 2011 era diferente. Abu Mazem não teve o apoio que esperava dos países árabes em plena ebulição sócio-política e a influência dos Estados Unidos declinava, mas suas chantagens ainda surtiam efeito.
O ano 2012 são outros.
Até o Emir do Qatar estava farto dos EUA, e a data simbólica deu um empurrãozinho na imprensa que preferiria ficar calada.
O dia 29 de novembro, dia do aniversário de 65 anos em que as Nações Unidas votaram a partição da Palestina, despertou consciências adormecidas e obrigou os jornalistas a abordarem a declaração unilateral de Estado de Israel em 1948 - que a curto prazo gerou a Naqba e representou uma expansão territorial além do que a ONU outorgara aos imigrantes judeus, e a médio e longo prazo, facilitou a ocupação e a limpeza étnica dos palestinos. Como já sabemos.
No dia 29 de novembro, 138 membros das Nações Unidas responderam Presente à justiça. 41 resolveram deixar como está para ver como fica. E só 9 se dobraram aos Estados Unidos. Aliás, 8. Israel estava defendendo interesse próprio.
A Palestina conseguiu um grande vitória diplomática. Os Estados Unidos, acorrentados à vontade dos governantes israelenses atuais (e passados), além de sofrer mais uma derrota, isolou-se mais um pouco da comunidade internacional. Inclusive de seus aliados históricos.
Quanto à Palestina, no frigir dos ovos, não obtém nada. A curto prazo.
A festa em Ramallah, por todos os lados foi bonita, pá! mas por enquanto, a ocupação vai continuar como era; os bombardeios intermitentes de Gaza também, e a colonização, ídem, nas mesmas datas.
Mas a médio prazo, o caminho está aberto. Para o Tribunal da Háguia e para a conquista final de um Estado.
A Casa Branca pode falar grosso, espernear, ameaçar cortar ajuda econômica; Israel pode dar os mesmos faniquitos, além de ameaçar, através de seu Ministro da Economia Yuval Steinitz, "retaliar" a decisão da ONU confiscando os U$100 milhões de dólares que "coletam" mensalmente para a Palestina em impostos locais e alfandegários (graças aos Acordos de Oslo) - e que representa um terço do orçamento público palestino.
Porém, se fizerem isto no contexto atual, vão provocar um levante social na Cisjordânia com o qual nem a IDF conseguirá lidar sem matar muita gente, e implicar os países árabes.
No dia 29 de novembro de 2012, a Palestina não ganhou a liberdade. Apenas uma batalha. A escalada é íngreme, os obstáculos estadunidenses são pesados, mas a soberania está em marcha.  
Apesar da precariedade que ainda impera na Cisjordânia e na Faixa de Gaza - já que o novo estatuto não realiza nenhum milagre - a festa foi bonita. A alegria, rara nestas paragens, foi benvinda. Além da energia positiva vinda de toda essa gente sofrida e dos milhões de simpatizantes da causa palestina, o novo "Observador" da ONU, que agora já se pode chamar de Palestina sem levantar suspeita, ganhou proteção dívina... O assento de seu embaixador no plenário das Nações Unidas será do ladinho do do representante do Vaticano.
Melhor guarda-costas, só Jesus Cristo.

Binyamin Netanyahu e seus cupinchas, não deixaram por menos.
O sorriso no rosto dos palestinos lhes é insuportável.
A fim de apagá-lo e provar que Israel está se lixando com a ONU, contra-atacaram já nesta semana, infringindo leis que regem as nações unidas - que não são bandidas - expandindo a ocupação.
O Primeiro Ministro israelense "autorizou" (como se tivesse autoridade para desapropriar e ocupar terra alheia) a construção na Cisjordânia, de mais 3.000 "unidades habitacionais" judias, vulgo "assentamentos", ou seja, invasões - em linguagem tupiniquim clara e crua em vez de traduções apressadas.
Barack Obama deve ter se arrependido de ter ouvido Hillary Clinton.
Ou não.
As dívidas e vias dos patrocínios eleitorais nos Estados Unidos são impenetráveis.
Obama não foi, não é, e pode não ser o único nem último presidente dos EUA a vender a alma para o diabo. Nesta questão Palestina e em outras questões internacionais.
Os estadunidenses usam Deus a torto e a direito para justificar suas derrapagens morais. In God we trust? O deus que realmente adoram é o capital.
A partir daí, a Justiça e a Moral viram uma dialética intrincada que nem Karl Marx conseguiu destrinçar plenamente no Capital.
Porém, porém, porém, é para isto que o Tribunal da Háguia foi criado. In Justice the united nations trust. Eu também quero acreditar que a justiça e a moral acabam imperando, apesar da força-poder do capital.
Insha'Allah.

O mundo gira, e no Oriente Médio está girando mais depressa ainda.
Nesta semana a Palestina vai protagonizar um evento histórico.
Khaled Meshaal estará em Gaza no dia 8 de dezembro para celebrar o 25° aniversário do Hamas.
Khaled vive em exílio desde 1967. Primeiro na Jordânia, depois na Síria, e desde o início da guerra civil, no Qatar. Desde então, fez do Emir - um dos homens mais influentes do planeta - um grande protetor da Faixa de Gaza.
Ele preside o Hamas desde 1996. Em 1997 sobreviveu a uma tentativa de assassinato do Mossad http://mariangelaberquo.blogspot.fr/2012/04/israel-vs-palestina-historia-de-um.html  e tem sido fundamental no fortalecimento interno e diplomático do partido que ajudou a evoluir.
Khaled vai entrar em Gaza pelo Egito, em toda legalidade.
O próximo passo, quem sabe, será dado em direção de sua cidade natal, Silwad, ao norte de Ramallah, na Cisjordânia.
Não desta vez, não neste ano, mas desde o último ataque da Faixa que reaproximou os irmãos inimigos Hamas e Fatah, e sua recente conversa telefônica com Mahmoud Abbas, o retorno ao lar deixou de ser um sonho distante.
Khaled Meshaal é uma autoridade palestina de direito e de fato. É incontornável nas negociações de paz efetiva e durável. Ele não é terrorista e nem um extremista fanático. É um homem estudado, culto, que exerce o direito inlienável a qualquer ser do planeta de resistir à ocupação, humilhação e agressão de uma potência estrangeira.
Chega em Gaza na hora de enxugar as lágrimas das 173 famílias que choram seus mortos da semana passada. 

Norman Finkelstein: Palestinians battle Israel's war crimes with UN bid
 
Al Jazeera - Palestine: state of play

Enquanto isso, no Egito, Mohamed Morsi aumentava assustadoramente os poderes que o cargo de Presidente já lhe concedia.
Este é mais um desses casos em que detesto ter razão. Ou melhor, detesto que o leão invisível que eu vi no ano passado apareça na superfície e que abocanhe a democracia. E os direitos que deveriam ser inalienáveis a todos os cidadãos do planeta e que os jovens revolucionários egípcios conquistaram com tanta coragem.
Na época da Ditadura no Brasil, os nossos generais chamavam os decretos do tipo dos de Morsi Atos Institucionais.
O de Morsi é apresentado como uma "limpeza das instituições". E tem as seguintes consequências.
. Ele pode nomear o Procurador Geral da República por 4 anos anos e tirá-lo quando for de seu agrado.
. Pode aprovar e executar lei de sua autoria sem consulta parlamentar;
. impedir as autoridades jurídicas e parlamentares de revogar qualquer decisão presidencial;
. autorizar o re-julgamentos dos réus de cujo veredito discordar.
. Seu decreto vigora até uma nova eleição parlamentar;
. proíbe a eleição de parlamentares antes da nova Constiuição ser efetivada;
. e determina que o prazo para a redação desta é definida pelo presidente.
. Morsi afirma que precisa de poderes absolutos para proteger a revolução... Daí estas medidas e outras decorrentes, igualmente relevantes.  
Ele conta com o apoio da Irmandade Muçulmana e dos partidos aliados ao governo.
Contudo, seus críticos e oponentes que voltaram à Praça Tahrir para protestar e foram reprimidos como antigamente, estão comparando sua jogada Institucional aos meios autocráticos que Hosni Mubarak usava. E denunciam seus plenos poderes, que chamam de um "golpe contra a legitimidade".
A oposição serviu para algo, já que Morsi resolveu convocar um referendum para dar ao seu Ato Institucional, pelo menos, uma certa legitimidade.  

PS: Hamas has said in a statement that the estimated losses resulted from this last Israeli war on Gaza is about $1.245bn. The statement also said that all Gaza life aspects have been damaged and affected. The direct damages are for $545m while the indirect ones are about $700m, it said. 

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