domingo, 25 de setembro de 2011

63 anos bastam: "É hora do povo palestino ser livre"



As vias do Senhor são impenetráveis.
Na sexta-feira, na tribuna das Nações Unidas, aconteceu algo extraordinário e notável: baixou em Mahmoud Abbas o espírito do Yasser Arafat irredutível e determinado.
O New York Times, ignorante da natureza humana e de como e quanto a opressão transforma um homem, espantado, descreveu Abbas com uma frase condescendente que esconde um temor latente de Binyamin Netanyahu, Barack Obama, uma certa imprensa, terem criado um “monstro” incontrolável. Em suma, independente.
A surpresa do colega estadunidense ficou nítida nesta frase: “Um homem cinzento de terno cinza e sapatos sensíveis pode estar emergindo da sombra”.
Pode não, emergiu porque estava afogando e após respirar como homem livre é pouco provável que retorne ao fundo do poço para morrer à míngua, na qual 44 anos de ocupação e espoliação territorial e hídrica deixaram o povo que conta com ele na Organização das Nações Unidas.
De um dia para o outro, o homem tido por fantoche virou estadista.
Agora vai ficar na história. Merece biografia.

Era uma vez um homem chamado Mahmoud Abbas, conhecido pelos seus como Abu Mazen, nascido em 1935 em Safed, na Galiléia antes desta ser separada da Palestina, obrigado a deixar casa e terra na Naqba, exilado na Síria com a família, onde se formou em Direito na Universidade de Damasco e doutorado na Universidade moscovita Patrice Lumumba.
Recrutado para a OLP (Organização de Libertação da Palestina) por Yasser Arafat em 1961, no Qatar, subiu discretamente na hierarquia do Fatah até, em 2003 – com a recusa de Israel e dos EUA de negociarem com Arafat e por as eminências do partido (como Marwan Barghouti) estarem no fundo dos cárceres – emergir como Primeiro Ministro do Presidente (apátrida) Yasser Arafat com quem esteve em conflito permanente até demitir-se no ano seguinte e pela mesma razão de antes (dos grandes do Fatah estarem presos em Israel, e mais tarde, com a “ilegalidade” internacional do Hamas) após a morte de Arafat, acabar presidindo a Autoridade Palestina, sem nenhuma oposição de Tel Aviv nem de Washington.
Por quê?
Porque era considerado pela Casa Branca um dirigente manipulável.
Abbas escreveu um livro de 600 páginas sobre a Palestina sem mencionar uma única vez a palavra “ocupação”. Era portanto um homem, para Washington, fiável.
Os Palestine Papers divulgados pela TV Al Jazeera em janeiro revelaram que nas negociações com Israel e os EUA ele estava disposto a ceder muito mais do que podia. Era portanto um animal (como os palestinos são chamados pelos sionistas extremistas) domesticado.
O fato do ano passado ter empreendido uma campanha diplomática de reconhecimento da Palestina, bem sucedida no Brasil e em outros países que conhecem o ônus do militarismo, opressão e imperialismo, não mudou muito sua imagem nas altas instâncias de poder de seus dois ferrenhos adversários.
Tanto que o repreenderam como se fosse criança e acharam que na hora H ele afinaria e recuaria até ser de novo espremido contra a parede que vêem construindo além da Linha Verde, na sua Palestina.
Por causa desta miopia conhecida, de sua história moderada e de sua personalidade reservada, até quinta-feira, até sexta, o Quarteto Oriente Médio, formado pelos EUA, ONU, EU e Rússia, achava que conseguiria dissuadi-lo de fazer ao que tinha vindo.
Os jornalistas que trabalham com comunicado de imprensa e que torciam para o outro lado, também juravam que ele fosse aceitar a saída impossível que Obama lhe oferecia...
Mas o tiro saiu pela culatra e quem foi humilhado, uma vez mais, foi o presidente dos Estados Unidos. Expôs-se a mais uma afronta pública para nada. Saiu de mãos abanando e sob risos velados.
O Poder está mudando de mãos e os Estados Unidos sentiram a pontada ali, em plenário.
Cedo ou tarde todo império enfraquece até decair de importância e perder influência sobre o destino dos dominados. O processo é paulatino e irreverssível.
E todos caem por gastos excessivos em armas destrutivas.
As vias do Senhor são impenetráveis.

A semana passou como uma corrente elétrica passaria se entrasse e saísse por duas vias.
Uma popular de oração e espera na Cisjordânia e do outro lado do Atlântico, em Washington e Nova Iorque, uma de lobby e diplomacia que pressionava Mahmoud Abbas para fazer o moralmente impossível: Esperar mais um ano e voltar às negociações com um Binyamin Netanyahu que quer tudo sem ceder nem um milímetro.
Ou seja, Barack Obama pediu, em nome do lobby sionista, que o representante dos palestinos abandonasse a reivindicação legítima de um Estado sem nenhuma garantia jurídica de defesa e sem nenhuma perspectiva de paz e liberdade frente a um adversário expansionista de extrema-direita que os próprios compatriotas combatem há semanas.
O pior cego é o que não quer enxergar o tanque desenfreado que o achata.

Os jornalistas que seguem a saga palestino-israelense (o mais antigo, há mais de 45 anos, o mais novo, 4 meses) estavam “estacionados” lá, ali, aqui (o advérbio depende de onde estiver e de quem você se aproxima), no lugar que, no final das contas, tudo se decide.
No lugar em que a emoção das mulheres se traduzia em força risonha e lágrimas, a dos homens em um misto de resignação e entusiasmo, a dos jovens e das crianças em energia e esperança jamais vistas nas paragens.
Por “lá” “aqui” leia-se Nablus, Ramallah, Jerusalém e outras aglomerações dos Territórios Ocupados onde a emoção era palpável.
Na Via Dolorosa os versos da Bíblia e do Alcorão se misturavam em um manso hino de liberdade que aguçava a sensibilidade até dos colegas que põem em volta do coração uma carapaça.
A presença dos jornalistas era para informar e para evitar a chacina que os colonos armados anunciavam, sem que nenhuma medida tivesse sido tomada para conter a ira dos invasores contra o povo invadido, humilhado, ocupado, sem nenhum direito de reagir militarmente ou solicitar proteção internacional.
Daí a necessidade de “existir” e de ter um Estado.
Os palestinos não têm demonstrado nenhuma agressividade nas reuniões e passeatas de espera do voto que esperam que vá libertá-los.
Ouvindo os rumores de Nova Iorque que Mahmoud Abbas renunciaria à missão dada, eu não entendia a ingenuidade dos colegas que acreditavam (?) nos boatos de uma diplomacia internacional defasada com o terreno e alheia à potência da consciência da injustiça de ser lesado, despojado de terra, água, e sobretudo, de pátria.
Quem estava na Palestina perto dos que Abbas representava e que seguiu passo a passo expectativas, engodos, decepções dos últimos 30 anos e o fracasso diplomático e mediático da reunião de cúpula organizada por Bill Clinton no ano 2000, em Campo David, entre o primeiro ministro israelense Ehud Barak e o líder da OLP Yasser Arafat, sabia que Abbas não tinha como recuar.
Morrer na praia?
Impensável.


No Campo David de Clinton, Israel exigiu tudo sem ceder nada. Por isto, Yasser Arafat retirou-se. Ciente que o circo tinha sido armado para que nada mudasse e que ele saísse de gaiato.
E saiu. Arafat foi crucificado por jornalistas mal-informados, ou mal-intencionados.
De lá pra cá, a verdade veio à tona e os gatos escaldados que cobrem o Oriente Médio agora tentam escutar os dois lados em vez de se aterem a comunicados de imprensa e a boatos fabricados.
Como os desta semana, que Abbas recuaria, que diplomatas ocidentais conseguiriam convencê-lo a esperar mediante promessas vagas – já que Binyamin Netanyahu não quis nem ouvir falar em respeitar as leis internacionais, o que no caso se traduziria em pelo menos gelar as expansões das colônias judias na Cisjordânia.
Mahmoud Abbas foi às Nações Unidas com um único objetivo. Todos sabiam.
Missão cumprida.
Agora a decisão está nas mãos do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que não tem prazo fixo para comunicar o veredito.
Enquanto deliberam, é certo que farão tudo, junto com o Quarteto (no qual muitos gostariam que o Brasil fosse admitido como quinto violino) para que Israel e a Autoridade Palestina retomem as negociações.
Porém, caso Netanyahu continue intratável, Abbas deverá requerer (rapidamente) que o Conselho exprima seu voto, o qual Obama, se cumprir a palavra dada ao afilhado, vetará em seguida.
Os palestinos então recorreriam à opção que sobra. Ou seja, solicitar aos 193 membros das Nações Unidas que elevem seu status na Organização, com poucas prerrogativas de um Estado.
O que permitiria que Israel continuasse sua política de ocupação e limpeza étnica sem ser incomodado.
Resta ver quão longe Barack Obama está disposto a ir para defender seus custosos aliados.


E enquanto Mahmoud Abbas desabrochava em um homem corajoso e honrado que será para sempre lembrado, do outro lado do Atlântico, outro homem, murchava.
Quando Abbas estava em cima do muro olhando Abbou Mazen embaixo, espremido e angustiado, Obama discursava como se fosse Jimmy Carter, com uma convicção dinâmica que a ocupação da Cisjordânia e o roubo de terras árabes tinham de acabar.
Quem diria há dois anos que na quarta-feira na ONU baixaria em Barack Obama o espírito do Ariel Sharon, que permitiu o massacre nos campos de Sabra e Shatila, em lugar do lúcido e humano recém-eleito presidente dos EUA?
O presidente de hoje mereceu o adjetivo “patético” que os anglófonos usaram com desprezo enfático por sua falta de vergonha de virar uma ferramenta do governo de extrema-direita israelense.
Com a cumplicidade da imprensa nacional.
Como é possível que esta não tenha relevado o absurdo de Dan Shapiro, embaixador dos EUA em Tel Aviv, ter viajado para Nova Iorque no avião de Binyamin Netanyahu, trocando figurinhas com o Primeiro Ministro como se fosse um de seus funcionários?
E foi preciso que o Haaretz, principal jornal de Israel, ousasse publicar a nova alcunha do presidente dos Estados Unidos que os jornalistas já murmuravam: Barack Netanyahu.
Aliás, o homônimo político do recém-batizado o respeita tanto, que na hora de seu discurso estava entretido em conversa animada com o presidente da Colômbia...
Outro tapa na cara que Obama recebeu calado.
E como todo sujeito débil, humilhado, esbofeteou então Abbas por “ousar” reivindicar o direito a uma pátria, ao respeito, a uma identidade.
Como declarou a deputada do Fatah e militante de Direitos Humanos Hanan Ashrawi ao Haaretz, ouvindo o discurso do presidente dos EUA, dir-se-ia que são os palestinos que ocupam Israel em não o contrário.
Nenhuma palavra de simpatia pelas centenas de milhares de palestinos forçados à diáspora na Naqba, os refugiados; nem pelos ocupados, terrorizados pelos 500 mil colonos invasores dentre os quais bastante estão armados; pelos despojados de terra, água, identidade; nem pelas milhares de vítimas gazauís bombardeadas, pelos sobreviventes sem casa, sem meios e enclausurados em um estado de sítio interminável.
Nada.
Só os infortúnios israelenses lhe interessaram.
Levantou os defuntos dos bombas-suicidas, que deixaram de ser atualidade em 2005, como se continuassem em atividade; lamentou os pobres israelenses atingidos pelos foguetes artesanais jogados de Gaza como se fossem torpedeados dia e noite por dirigíveis sofisticados; teve coragem até de desencavar o holocausto da Segunda Guerra Mundial, argumento inesgotável, como se fossem os palestinos os responsáveis ou tivessem sido eles os idenizados com uma pátria, em vez de terem sido desfalcados de nacionalidade.
Shame on him! disseram membros de ONGs israelenses de Direitos Humanos.
O holocausto é um fato histórico que faz parte de todo curriculum escolar no Ocidente. É um Mal irrefutável e condenado com merecida veemência.
Contudo, não foram os palestinos que cometeram aqueles atos abomináveis.
Como sempre, os EUA recorreram ao argumento de chantagem que funciona com os europeus, que um dia, vão ter de pôr fim a esta culpabilidade inesgotável: Foram cúmplices ativos ou mudos, mas já reconheceram, se desculparam, se redimiram com o Estado de Israel; ponto final.
Agora têm de consertar outro erro do passado.
Madeleine Albright, a Hillary Rodhan do governo de Bill Clinton, costumava servir ao mundo, no conflito Israelo-Palestino, uma mentira que ficou nos anais jornalísticos: “Só depende das duas partes”.
Quem conhece a história das últimas décadas sabe qual parte quer paz e qual quer ter tudo ou guerra.
E a Justiça depende da Organização das Nações Unidas e do voto de um indivíduo:
Barack Houssein... Netanyahu ou Obama.


Milícias terroristas de judeus franceses chegaram na Cisjordânia, armados até os dentes e recrutando mercenários na internet.
55 homens e mulheres com treinamento militar já estão a postos em colônias e em pé de guerra.
Chegaram no aeroporto Ben Gurion sem ser incomodados, embora há poucos meses a entrada de militantes de Direitos Humanos de ONGs internacionais, inclusive franceses, que vinham em paz, tenha sido bloqueada.
Pedras contra kalishnikovs.
A ONU vai permitir outra Naqba? Limpeza étnica total?

Treinamento de tiro ao alvo nas colônias/assentamentos/invasões judias na Cisjordânia - até as mulheres aderem à onda terrorista.
Em uma confrontação de uma milícia de Esh Kodesh com uma passeata pró-Estado da Palestina de pessoas desarmadas, entre gás lacrimogênio e balas, Issam Badran, palestino de 35 anos, pai de oito filhos, virou cadáver.




The reason that Israel has been able to appropriate Palestine unto itself with American aid and support is that Israel controls the explanation of the Israeli-Palestinian conflict. At least 90% of Americans, if they know anything at all of the issue, know only the Israeli propaganda line. Israel has been able to control the explanation, because the powerful Israel Lobby brands every critic of Israeli policy as an anti-semite who favors a second holocaust of the Jews.”
Paul Craig Roberts, 2007, em Carter's Inconvenient Truths

Entrevista Jimmy Carter
 
Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/;
Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/



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