domingo, 17 de abril de 2011

Vittorio Arrigoni, mais um mártir da causa de Gaza



Esta semana foi marcada no dia 15 por um assassinato político que tem um significado mais dramático do que todos os mortos bombardeados, baionetados, metralhados e outros “ados” nos últimos meses nos países árabes.

O assassinado é o jornalista italiano Vittorio Arrigoni, prezado e respeitado por todos os que conheciam suas qualidades humanas e seu combate incansável pelos Direitos Humanos, mas desconhecido para o mundo até virar cadáver.

Vittorio foi assassinado em Gaza, justamente na terra pela qual combatia através do Movimento Internacional de Solidariedade.

Vittorio tinha 36 anos e desde 2008, quando foi preso por Israel por ter chegado no primeiro barco que tentou quebrar o bloqueio para levar víveres a Gaza, ia e voltava à Faixa onde era querido e altamente considerado por seu trabalho humanitário pacífico junto às ONGs Free Gaza e Solidariedade Internacional.

Vittorio é o primeiro estrangeiro morto em Gaza desde que o Hamas assumiu o controle em 2007. Até a semana passada, Israel era que assassinava jornalistas e militantes - Rachel Corry, James Miller, Raffaele Ciriello e Tom Rundall.

Vittorio foi sequestrado há alguns dias por uma célula extremista para ser negociado contra a libertação de um Salafista, preso pelo Hamas em março. Quando o Hamas foi resgatá-lo no esconderijo doze horas antes de expirar o prazo, encontrou-o enforcado.

Após anos de ocupação territorial, espoliação hídrica, humilhação quotidiana nos check-points na Cisjordânia; bloqueio interminável e injustificável, bombardeios sistemáticos e marginalização do Hamas cuja força política foi se esvaindo com a miséria e as perdas das famílias que o partido não consegue salvar, Israel e os EUA, finalmente, conseguiram fabricar verdadeiros terroristas em Gaza.

É uma péssima notícia para quem busca a paz.

Desde o sequestro do jornalista da BBC Alan Johnson, em 2007, pelos Salafistas, parecia que o Hamas retomara o controle e que a Faixa estava segura (nas horas em que os israelenses não bombardeavam). Mas não. De fato, enquanto a IDF (exército israelense) matava civis e militantes do Hamas, um monstro crescia nas entranhas sombrias de Gaza.

Estes extremistas sim podem ser chamados de terroristas porque têm o terror como regra de combate sem causa. São eles que quebram tréguas e tentam desintegrar a autoridade do Hamas e disseminar o pânico na Faixa.

A mensagem dos Salafistas e seus comparsas que consideram o Hamas moderado foi clara: estamos na Faixa para ficar. Mas será que neste caso foram manipulados? O que realmente ganham com este assassinato?
Vittorio fazia mais por Gaza do que nenhum deles nunca fez e jamais fará. Ele estava por todo lado informando dos horrores para despertar consciências ocidentais e sua sinceridade e entusiasmo, além do conhecimento profundo da Faixa, conquistava adeptos à causa.

Os gazauís ficaram chocados e pedem que uma rua e uma escola sejam batizadas com o nome de Vittorio, que desculpas formais sejam transmitidas aos italianos e à sua família e que lhe seja dada a nacionalidade póstuma palestina.

Os ativistas do Hamas também estão abalados. Alguns gazauís questionam inclusive o porquê da execução de Vittorio ter ocorrido justamente agora, quando outra flotilha está sendo organizada para tentar quebrar o bloqueio e levar víveres, remédios e materiais hospitalares e de construção a Gaza, em maio.
Tawihid wa Jihad, o militante do “Exército Salafista do Islã” cuja liberdade estava sendo negociada, é acusado de atentados em hotéis no Sinai, mas negou responsabilidade na morte de Vittorio.

As teorias conspiratórias de Shin Bet, Mossad, vão ficar para outra hora. Esta, a de agora, é do Vittorio, executado por este corpúsculo que vem gangrenando Gaza e é favorecido por cada bombardeio da IDF, por cada dia a mais de bloqueio que agrava a situação de precariedade e incentiva o caos.

Vittorio era um idealista que escolheu o combate pela causa palestina por convicção ética, por ter uma visão nítida do Bem e do Mal e do que é e não é moral.

Vittorio era uma pessoa rara. Destas que deixam um rastro, uma passagem, e inspiram dezenas, centenas e quem sabe, milhares.
Vivo, ele era extraordinário.
Morto, vai virar um motor de engajamento solidário.

A matéria de hoje é em sua homenagem.


Uma pessoa como ele gostaria que até sua morte servisse para algo, como sua vida levou conforto e solidariedade a um povo marginalizado pela comunidade internacional.

Já serviu, Vittorio.
Para abrir os olhos dos gazauís e para que os holofotes foquem Gaza e mostrem que terrorismo não é uma palavra que possa ser banalizada e usada de maneira errada. Que confundir Resistência com Terrorismo é no mínimo ignorância crassa, para não dizer oportunismo arriscado.

Terrorismo é assassinato premeditado como a campanha israelense na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, violência gratuita para mostrar uma força que no fundo é fraca. Tanto o terrorismo oriundo de um bando de inconsequentes quanto o de um Estado irresponsável.

Resistência é o combate artesanal quotidiano contra um ocupante, um inimigo titânico que esmaga sem piedade.

Vittorio era um resistente impregnado daquela coragem que faz o mundo avançar e sem a qual a vida não representa nada.

Vittorio é morto.
Mas não é tarde para corrigir os erros que culminaram no caixão que a família recebeu na Itália.

A situação da Faixa de Gaza é literalmente insuportável.

Não tem água, não tem comida, não tem remédio, não tem material de construção para levantar as repartições públicas, residências e comércios destruídos pelos bombardeios de 2009 e os demais, constantes, até a semana passada.

A morte de Vittorio deixou a Faixa de luto e desesperançada.
Centenas de famílias saíram às ruas com lágrimas nos olhos em uma procissão fúnebre que o homenageava.
A indignação é geral, palpável.
Todos exigem além da punição dos culpados, segurança para os estrangeiros que entram na Faixa e mudanças políticas e administrativas radicais.

Nem que seja por interesse próprio, Israel tem de interromper o bloqueio e deixar os gazauís respirarem.
Um pouco de humanidade! Por enquanto, um pouquinho já basta.

A humanidade de Agidea Prata é do tamanho da do filho Vittorio.
A mãe, de luto fechado mas aberta às causas válidas, anunciou neste sábado que participará da Flotilha de Libertação de Gaza, em maio.
“Quero ver a Gaza que meu filho amava e pela qual se sacrificou. Quero conhecer as pessoas boas que moram lá e em quem meu filho Vik sempre falava”.

A Flotilha da Liberdade se dirigirá à Faixa em maio, como no ano passado em que no dia 30 Israel atacou os barcos em águas internacionais matando nove pessoas e ferindo 54. Na impunidade.

A Flotilha humanitária deste ano ostentará o nome do livro-símbolo de Vittorio Arrigoni: Stay Human, com o qual acabou de ser batizada.

Obrigada, Vittorio.
Sua vida foi curta, mas exemplar; justa.
Deus o guarde.







GAZA, STAY HUMAN : http://guerrillaradio.iobloggo.com/1853/gaza-stay-human-di-vittorio-arrigoni
Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/

Um comentário:

  1. Mariângela, mais uma vez vc ilumina uma questão que o mundo todo insiste em deixar na escuridão.
    Vittorio não se foi sozinho.
    Com ele, se vai um pedaço importante da coragem e liberdade de todos que acreditam num mundo melhor.
    Obrigado por não nos deixar esquecer que enquanto dividimos ovos de páscoa, o povo palestino ainda divide as esperanças...

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