domingo, 24 de abril de 2011

Os conflitos no mundo e a Páscoa na Palestina


Monte das Oliveiras

Enquanto os presidentes da Tailândia e do Camboja recorrem às armas para disputar a posse da área de 4.6 km² que rodeia o templo fronteiriço de Angkor, que a Corte Internacional de Justiça atribuiu ao Camboja em 1962; o presidente do Yêmen é posto na rua após três décadas de absolutismo; o da Síria atira em manifestantes após o gesto simbólico de pôr fim ao longo Estado de Sítio; o ditador da Líbia se agarra a Trípoli como um náufrago em bóia salva-vidas; o da Arábia Saudita desencava uma segunda eleição municipal sem voto feminino; o príncipe Salman Bin Hamad Bin Isa Al Khalifa, do Bahrein, acusado pela Anistia Internacional de usar força excessiva para sair da deriva, está se aprontando para assistir ao casamento de Kate e William sob protestos das ONGs britânicas de Direitos Humanos que não querem vê-lo nem pintado em Westminster – nem ele nem o rei Mswati III, da Suazilândia, outro déspota longe de ser esclarecido; na Palestina, a Semana Santa e as celebrações da Páscoa, apesar dos pesares, estão restritas, mas pacíficas.
Como poucos sabem, tem muitos palestinos cristãos e em Gaza tem um padre. Aliás, mais de um, mas o que chama mesmo atenção é o padre Manuel Musallam, um aposentado de 71 anos que serviu a paróquia gazauí durante 14 anos.
Cedo-lhe a palavra pascoal.
“Nós cristãos da Palestina temos vivido sob ocupação durante longos anos. Temos sofrido por sermos privados de acesso aos sítios santos, e já tem duas gerações de cristãos que nunca obtiveram autorização de visita a estes sítios.
A ocupação vem levantando obstáculos atrás de obstáculos ilegais. Este ano temos o problema do muro do apartheid, checkpoints e bloqueios de estradas. Todas estas medidas não apenas sufocam o povo palestino, mas também asfixiam a paz entre Israel e a Palestina.
A frase que os sionistas repetem que a Palestina era ‘uma terra sem povo para um povo sem terra’ teve e tem um impacto desastroso nos palestinos. ‘Não significa que Jerusalém não tem povo, mas sim que a cidade deveria ser evacuada e dada a um outro povo’, David Bem Gurion disse em 1937 quando declarou que ‘temos de expulsar os árabes e tomar seus lugares’.
Toda pedra construída no muro do apartheid, cada picareta dada nos subterrâneos da mesquita de Al-Aqsa e toda casa destruída por Israel, aumentam a intensidade de resistência e o ressentimento; enquanto uma cooperação com os palestinos dará a Israel a esperança de um futuro dominado pela paz e a serenidade.
Lamentamos Jerusalém e sentimos falta das belas cerimônias cristãs. Este ano milhares de turistas percorrerão o caminho da cruz sem os palestinos. Não verão nenhum folclore nativo, não poderão levar para casa nenhuma lembrança do artesanato religioso local, não ouvirão nenhuma oração, nenhum hino que testemunhe o calor e a fé dos cristãos palestinos. E ficarão chocados ao entrar no Santo Sepulcro e encontrarem policiais israelenses armados.
A Páscoa simboliza libertação dos pecados e da escravidão, mas a esperança de libertação nacional está evaporando e o que os palestinos cristãos sentem cada vez mais é escravidão e humilhação. O silêncio do mundo é chocante e a comunidade internacional parece incapaz de fazer respeitar as Resoluções da ONU.
Faz cinco mil anos que os palestinos vêm construindo e desenvolvendo Jerusalém, sem parar... exceto durante a ocupação. Em vez de virar a chave para as portas do paraíso, a cidade se transformou na chave para guerra e sangue.
Jerusalém, o lugar mais sagrado da terra, é foco de crime e pecado porque um homem está matando, humilhando e tirando do outro dignidade e direito de vida.
Ocupação é um pecado e uma forma de terrorismo. E usar a Torah como escudo para matar, expulsar e remover pessoas de suas terras é um crime contra a humanidade que quem comete deveria ser julgado pela Corte Internacional antes do Julgamento Final.
Há muito tempo o sionista Theodore Herzl disse que ‘se um dia recuperarmos Jerusalém e eu ainda estiver em plena capacidade, meu primeiro ato vai ser de limpá-la de cabo a rabo. Vou remover tudo o que não for israelita e queimar os monumentos.’
Israel tem nos devastado e torturado em muitas guerras. Peço que os cristãos de fora vejam as feridas do povo palestino e que tenham compaixão do nosso holocausto que vêm vendo nas telas.
Protejam-nos e protejam nossos sítios cristãos!
Nosso povo em Gaza é tratado como animal enjaulado. Não tem água, não tem eletricidade, não tem comida, só tem terror e bloqueio... nossas crianças vivem em um estado de trauma e medo constante. Estão doentes de medo, miséria e má nutrição... os hospitais estão privados até dos primeiros socorros necessários e milhares de feridos dos bombardeios e doentes não dispõem do mínimo tratamento adequado; até operações são feitas nos corredores de hospitais incapacitados. A situação é assustadora e triste.
Que a compaixão de Cristo reavive nosso amor por Deus embora este amor esteja nos cuidados intensivos!”
Paro aqui. Tinha pensado em contar como é a Páscoa na Palestina, mas de repente achei indecente discorrer sobre cerimônias que celebram Jesus Cristo quando os cristãos locais, que cuidam do nosso patrimônio religioso com o maior cuidado, destas são privados.
Por isto preferi dar a palavra a este padre que muitos gostariam de calar repetindo a frase que Henrique II pronunciou, em 1170, em referência ao padre Thomas Becket que se rebelou contra sua injusta reforma: “Que alguém nos livre deste padre turbulento!”
Pois, não! A inação assegura que nada mude para melhor e uma das coisas que movem este mundo na direção justa, é este punhado de padres turbulentos que pelo mundo afora seguem ao pé da letra o Homem que 1978 anos atrás ressuscitou em Jerusalém no terceiro dia. Este deve estar chorando ao ver Jerusalém, em vez de redimir-se, aproximar-se cada vez mais do abismo.
Vista de Jerusalém, da janela da igreja Dominus Flevit
Aliás, tirando a mesquita, as igrejas e o sossego de seus recintos, acho Jerusalém uma cidade fria em que a vida só emerge no mercado palestino. Nada a ver com a harmonia do Monte das Oliveiras que nem os soldados israelenses perturbam; onde a paz de Jesus reina sem nenhuma interferência des/humana.


E para não dizer que não falei na Páscoa, para mim, uma das cerimônias mais bonitas em Jerusalém é a do Fogo Santo no Santo Sepulcro (foto acima). O Patriarca da cidade chega, tira a batina cerimonial (é revistado por um rabino que confirma que não carrega nada inflamável) e entra no que foi a gruta que recebeu Jesus após ser crucificado. A partir daí, é Deodoro, patriarca da cidade de 1981 à 2000, que conta como ocorre o milagre anual: Entro no escuro em direção à câmara, me ajoelho, recito as orações ancestrais e espero às vezes alguns minutos, mas normalmente o milagre é imediato. Sai uma luz azulada da pedra em que Jesus foi deitado e esta a envolve de várias cores indescritíveis. Algumas vezes a luz apenas cobre a pedra e outras ilumina o sepulcro inteiro. A luz não queima. Nunca ouvi caso de queimado. Ela é de uma substância diferente da do fogo que conhecemos. De repente a luz sobe e forma uma coluna na qual o fogo adquire uma consistência diferente para que eu acenda as velas. Então saio e transmito o fogo primeiro para o patriarca armênio, depois para o copta e em seguida passo a flama aos peregrinos que estão na igreja e que a vão passando.
Os fiéis crêem no milagre, acendem as velas no fogo santo, põem a mão na chama e não se queimam. A transmissão da flama de uma vela para outra é bonita e emocionante.



FELIZ PÁSCOA!

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