domingo, 10 de abril de 2011

Goldstone diz e desdiz a verdade

No Oriente Médio e na ONU, Israel afastou os revoltados e os repressores dos outros países das manchetes dos jornais com o primeiro ministro Byniamin Netanyahu reclamando a anulação do Relatório Goldstone sobre a operação de seu exército (IDF- (Israeli Defense Forces) em 2009, em Gaza, no que foi chamado de Operation Cast Lead.

Esta Operação militar resultou na morte de 13 israelenses (11 soldados - 6 por fogo amigo e dois civis), de 16 para-médicos (e 22 feridos), de 1385 palestinos (758 civis, dos quais 117 mulheres e 318 menores), em 5.300 palestinos feridos (350, graves, muitos deles queimados por bombas de fósforo branco), na destruição de mais de 3.500 casas, 18 escolas, 20 mesquitas, 50km de estrada, dezenas de prédios públicos e comerciais, e de grande parte da infra-estrutura elétrica, hídrica e de esgoto da Faixa), no aumento de casos de leucemia, de crianças nascidas (60%) com defeitos físicos – sintomas de uso de munições de urânio empobrecido, do tipo usado pelos EUA, ou seja, contendo plutônio por vir de usinas de reprocessamento nuclear em vez de enriquecimento, menos radioativas – a particularidade desta munição é que o urânio se pulveriza durante a explosão, formando nuvens de partículas radioativas capazes de contaminar extensas áreas. Israel negou ter usado tanto o fósforo branco quanto a munição de urânio empobrecido, embora médicos noruegueses tenham encontrado no solo de Gaza grande quantidade de resíduos).

A reivindicação de Netanyahu seguiu o artigo do juiz sul-africano Richard Goldstone, publicado em uma tribuna aberta no jornal Washington Post, em que manifestou arrependimento pelo relatório que fez para a ONU, no qual acusava Israel e o Hamas de crimes de guerra durante o bombardeio e a invasão da Faixa de Gaza em 2009.

Vale lembrar que na época em que o Relatório foi publicado, Richard Goldstone foi pulverizado pelos simpatizantes, internos e externos, de Israel usar de força máxima. Um dos insultos que se ouvia era o de Goldstone ser um exemplo do self-hating judeu, que na época foi proibido inclusive de participar da Bar Mitzvah (corresponde à Primeira Comunhão cristã) do neto e foi rejeitado por sua comunidade.

Os meses de ostracismo o levaram a rever sua posição e o mesmo homem abominável é hoje aclamado pelas mesmas vozes que o vilipendiaram. Netanyahu chegou ao extremo de bradar que a retratação do novo aliado confirma que a IDF é o Exército mais moral do mundo... Os objetores de consciência (Shministim) e os reservistas que o digam! no Breaking the Silence...

Em minha concepção da vida e dos direitos humanos, Guerra em si já em um crime contra a humanidade.

Em toda guerra se comete crime contra a humanidade, do Iraque e Afeganistão ao Líbano e a Faixa de Gaza, o princípio não diverge em nada: humilhar, matar, destruir e espoliar o mais fraco.

Os soldados são peões imberbes alimentados pelo ódio e despreparados psicologicamente para a realidade do combate. Fazem o trabalho, e o medo e o aditivo ódio chacoalhados durante o ataque viram um coquetel sem componente moral; e é aí que acontece o pior.

Em Israel, a opinião pública é como a estadunidense, julga o resultado de uma guerra iniciada pelas autoridades que os governam com o critério simplista de quantos soldados nacionais voltam para casa.

Partindo daí, a estratégia militar de ambos também é básica, ou seja, como infligir o máximo de perdas materiais e humanas reduzindo as próprias perdas ao máximo, de preferência, a nenhuma e a nada. A não ser a munição, já que a indústria de armamento tem de ser alimentada.

Neste prisma, a Operação CL em Gaza, embora Israel tenha fortificado o Hamas (o ataque era para dizimá-lo), foi um sucesso para a opinião pública majoritária.

Por outro lado, em toda guerra, qualquer que sejam os lados, há o fator da desumanização do adversário, sem o qual, pessoas normais seriam incapazes de assassinar como se não fosse um crime capital. No caso de Israel o caso se agrava. Os recrutas são intoxicados com discursos de que os árabes em geral e os palestinos em particular não passam de objetos animados. Portanto...

Voltando a Goldstone, como prêmio pela retratação, acabou de ser convidado oficialmente para uma visita a Israel. Convite que aceitou sem questionar o fato do mesmo ter vindo do Ministro do Interior Eli Yishai (do partido ultra-ortodoxo Shas), um dos dois maiores racistas do governo atual.

E voltando a Netanyahu, ele se esqueceu que o trabalho da equipe da ONU em 2009 foi consciencioso e imparcial, ao ponto de ser chefiado por um judeu sionista confesso, justamente para evitar dúvidas sobre o resultado. A Comissão estava tão preocupada em não pisar nos calos de Israel que usou critérios iguais para julgar as ações dos agressores – umas das cinco Forças Armadas mais potentes do planeta, com uma das tecnologia mais sofisticadas – e dos agredidos – um “exército” irregular mal-equipado que detona uns foguetes ultrapassados que em todos estes anos fizeram vinte mortos, o que já é lamentável, é claro; tanto quanto o que atingiu o ônibus ferindo o motorista e o jovem israelense nesta semana. E os 19 palestinos que já sucumbiram ao bombardeio de represália da IDF até o sábado? E os numerosos feridos? Só aumentam as estatísticas das centenas de vidas perdidas em Gaza no bloqueio ilegal e desumano e neste desequilíbrio bélico surreal.

No artigo do dia primeiro de abril, Goldstone aproveitou para enaltecer os esforços de Israel de investigar reclamações, para criticar a passividade do Hamas e para induzir o leitor a pensar que as investigações da ONU já foram concluídas e que Israel foi absolvido dos crimes imputados.

Entretanto, sua retratação pública é baseada em outro recente relatório da ONU em que o redator admite incapacidade de determinar a qualidade das investigações de Israel e o resultado atual destas, e por isto o dossiê ainda não foi fechado.

Apesar da pressão de Netanyahu junto à ONU e seus aliados, a anulação do relatório Goldstone seria totalmente ilógica e segundo a ONG local de Direitos Humanos B’Tselem, sem base. Isto porque foram justamente as conclusões inconclusivas deste que permitiram a continuidade nas investigações e as descobertas que o levaram a reconsiderar sua posição na sexta-feira passada.

Aliás, Jessica Montell, presidente da B’Tselem usou a mesma tribuna do Washington Post para pôr os pingos nos iis no que Goldstone re-trata.

O que se sabe realmente da situação atual das tais investigações locais de crimes dos quais Israel foi acusado são os fatos que seguem abaixo.

A Justiça abriu 52 processos; dois deles resultaram em vereditos de culpabilidade e não há informação concreta sobre quantos casos foram fechados e quantos finalizados. Dois anos e meio após a Operação Cast Lead, não se conhece ainda os resultados. Goldstone se refere a 400 investigações que são de fato investigações operacionais feitas pelos militares e não são efetivas no processo jurídico. E as investigações correntes focalizam em casos específicos de soldados que cometeram infrações ostensivas (apenas dois foram condenados: um por roubo e outro pelo assassinato de uma família, "por engano"), ignorando totalmente a política determinada pelos superiores hierárquicos que determinaram os alvos, estabeleceram as regras de combate e os meios militares, que são, no fundo, os pontos mais controvertidos do ataque. É verdade que o relatório de Goldstone condenou Israel do pior dos crimes, contra a humanidade, apenas com bases fatuais, mas fez isto porque Israel se recusou a cooperar com os enviados da ONU e não ofereceu provas do contrário. O que então ficou claro.

As ONGs israelenses de Direitos Humanos continuam sem isentar seu país de má-conduta durante a Operação Cast Lead e acham que a única maneira de descobrir a verdade é através de uma comissão de investigação independente que averígue também as questões políticas. Que no final das contas, determinaram o ataque e pesaram na condenação da ONU e da comunidade internacional.

Vou concluir com as palavras do jornalista israelense Uri Avnery que é um patriota que sabe das coisas e tem ética: 'Considerando que toda estratégia militar do Hamas é de aterrorizar comunidades israelenses fronteiriças a fim de persuadir Israel a terminar a ocupação, e no caso de Gaza, o bloqueio, a indignação de Goldstone parece um pouco surpreendente. No final das contas, Goldstone preparou o terreno para mais uma Operação Cast Lead que será muito pior do que a primeira. Espero, porém, que agora ele possa voltar a rezar na sinagoga que quiser.’


Relatório Goldstone, ONU 25/09/2009: http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/12session/A-HRC-12-48.pdf Artigo de

Richard Goldstone, WashingtonPost 01/04/2011: http://www.washingtonpost.com/opinions/reconsidering-the-goldstone-report-on-israel-and-war-crimes/2011/04/01/AFg111JC_story.html

Resposta de Jessica Montell, WP 05/04/2011: http://www.washingtonpost.com/opinions/beyond-goldstone-a-truer-discussion-about-israel-hamas-and-the-gaza-conflict/2011/04/05/AFsP7PlC_story.html

Testemunhos dos atos da IDF em Breaking the Silence: http://www.shovrimshtika.org/index_e.asp

Objetores de consciência - Shministim: http://youtu.be/pNjggLhQo6w

Lowkey: http://youtu.be/4p1CJwTNC9M

Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/ ; http://www.bigcampaign.org/

Ações do BDS Movement - NYC: http://youtu.be/AZulhUV4rQM ; Chicago: http://youtu.be/A-ktPnmhfFA ; Bruxelas: http://youtu.be/QDDCcIt9Zj8 ; Londres: http://youtu.be/PyAX9gkPr6Y ; http://youtu.be/iXy6Y-dnrqI

Nenhum comentário:

Postar um comentário