domingo, 21 de novembro de 2010

A arma da sede na ocupação da Palestina


Desde que comecei este blog não param de perguntar qual é o papel da água no conflito entre Israel e os Territórios palestinos Ocupados. A resposta é simples: a água tem tanta importância quanto a terra.
Já antes da criação de Israel, os sionistas (1) reivindicavam um Estado baseado em critérios religiosos e hídricos: o vale do Litani (no Líbano), o vale do Yarmuk (Jordânia, Síria, Palestina) e toda a margem direita do Jordão.
Em 1947 a ONU entregou ao Estado judeu dois terços da Palestina e recursos hídricos consideráveis, mas aquém do cobiçado. Inconformado, Israel, um ano mais tarde, começou a confiscar e estatizar terras e recursos naturais “liberados” pelos massacres (denunciados até por Einstein) que forçaram os palestinos à diáspora e às centenas de milhares de refugiados. Em seguida atacou o sul do Líbano e no final das disputas acabou ficando com a Galiléia e o Néguev, um deserto que viria a irrigar através de um aqueduto que leva a água de uma à outra área anexada.
Com o passar dos anos as tensões foram aumentando e culminaram na Guerra dos Seis Dias, resultante do bombardeio de instalações hidráulicas sírias no lago Hulé, de cujas águas Israel temia ser destituído. No sétimo dia o exército israelense tirou o Golan da Síria e realizou dois dos sonhos hídricos sionistas: apossou-se da maioria do vale do Yarmuk e de toda a margem direita do Jordão, privando a Cisjordânia da água que lhe cabia.
Assim, a partir de 1967 e da ocupação dos Territórios palestinos, a política de espoliação se estendeu à Cisjordânia e à faixa de Gaza. Em 1993, na assinatura dos acordos de Oslo, 82% das camadas freáticas da Cisjordânia foram parar nas mãos de Israel enquanto o mundo inteiro criticava a “má-vontade” de Yasser Arafat omitindo a armadilha em que havia sido colocado e o sapo com o qual ele engasgava.
A “guerra” hídrica israelense mais recente foi durante a Copa de 2006, quando para apoderar-se da bacia do rio Litani bombardeou o Líbano do sul a Beirute durante 34 dias. Acabou dando com os burros n’água, saindo de mãos vazias e fortalecendo o Hezbollah, cujas bases eram até então movediças.
O choque com o Líbano para em reticências... Passemos ao conflito do dia a dia na Palestina pela água, e mais ainda.
Em 2005, em uma operação mediatizada por Ariel Sharon como um gesto de boa vontade, Israel procedeu à evacuação das instalações militares e das 21 colônias judias em Gaza. Era uma estratégia de guerra (bombardeio e invasão três anos mais tarde) e por terem esgotado o potencial hídrico da Faixa. Na Cisjordânia as colônias israelenses não pararam de se multiplicar e visam, além da ocupação e expansão territorial, os recursos naturais palestinos. Sobretudo a água.
Há duas grandes camadas freáticas em Israel e na Cisjordânia. Esta detém a mais ampla e os dois compartilham três sistemas de água inter-relacionados.
O sistema de subsolo – o Aquífero da Montanha – atravessa a Linha Verde (delimitação da ONU da fronteira entre Israel e a Cisjordânia) e tem 130 quilômetros de comprimento, do monte Carmel ao Negev, e 35 km de largura, do vale do Jordão ao mar Mediterrâneo.
Ele é subdivido em três sub-aquíferos.
O Ocidental, de alta qualidade potável, está quase todo na Cisjordânia, embora Israel se reserve a estocagem completa e o uso de 95% desta água.
O segundo sistema, o Aquífero do Norte, é recarregado e estocado essencialmente na Cisjordânia, mas Israel extrai 70% para uso próprio.
E 37% da água do terceiro sistema, o Aquífero Oriental, inteiro na Cisjordânia, é consumida por Israel, majoritariamente pelos colonos instalados nos Territórios Ocupados.
A média de água que cabe aos palestinos na Cisjordânia é de 70 litros per capita, por dia. Cada colono das 121 colônias israelenses na Cisjordânia desfruta de 1.450 metros cúbicos.
Em apenas 16% das comunidades palestinas (100 de 708), o acesso à água excede 100 litros per capita diários – que é o mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde para evitar epidemias. O preço da água fornecida por tanques privados que vendem aos palestinos a água tirada das fontes desviadas são exorbitantes (2).
Apenas 69 comunidades palestinas possuem rede de água potável. As demais contam com chuva, fontes, poços, e para os que conseguem pagar, com esta água cara. O acesso ao Jordão é negado aos palestinos em toda a sua extensão. Até o Mar Morto.
Em Gaza o problema atinge proporções dramáticas por causa de escassez e insalubridade: a média é de 140 litros diários para 1,5 milhões de habitantes (3).
As camadas freáticas acessíveis estão esgotadas e a única água disponível a grandes profundidades é turva ou salgada (4). Apenas 7% da água em Gaza correspondem aos critérios potáveis da OMS e os casos de cólera, disenteria, hepatite, febre amarela e outras doenças correlacionadas são crescentes, sobretudo entre as crianças, mais vulneráveis. Estima-se que dentro de 15 anos, caso não se tome providências imediatas, Gaza não tenha uma gota de água potável (5).

A Anistia Internacional fez um relato minucioso da espoliação progressiva (6) e até o Banco Mundial já comprovou e denunciou a injustiça. Mas ficou por isso (7).
Se as leis internacionais fossem aplicadas, esta expropriação hídrica seria impedida, sancionada e Israel seria obrigado a compensar a Palestina pelo desvio passado e presente de seus recursos hídricos e de suas perdas agrícolas.
Em vez disto, Israel continua negando aos palestinos o direito de cavar cisternas e confiscou muitas destas para seu uso exclusivo. Para outras, estabeleceu quotas para seus proprietários legítimos.
No verão a companhia israelense Mekorot (que assinou um contrato milionário com o governo português no ano passado para entrar na Europa de fininho achando que assim escapa da campanha de boicote dos cidadãos dos outros países mais bem informados) costuma cortar o fornecimento às cidades palestinas para que a seca não afete seus compatriotas em nada. É comum ver na Cisjordânia casas de colonos com piscinas cheias e com jardins sendo irrigados enquanto do lado famílias nativas não dispõem de água potável para suprir necessidades básicas.
E tem o muro, que é da vergonha mas também da água. Ele devora a Linha Verde, divide lavouras, separa os habitantes de seus recursos hídricos e cerca fontes para extraviar a água palestina para Israel e seus colonos nos Territórios Ocupados.
Algumas das maiores colônias israelenses, como Ariel e Qedumin, foram erguidas no Aquífero das montanhas ocidentais, em plena região agrícola da Cisjordânia – é onde o muro invadiu mais terra para anexar fontes vitais aos nativos.
25 postos hídricos e 35 mil metros de encanamento foram destruídos em sua construção. E ele destruiu ou isolou de seus proprietários cerca de 50 fontes e mais de 200 cisternas e tanques, dos quais mais de 120 mil pessoas dependem para uso doméstico e agrícola.
Este é um caso típico da água como arma de guerra e instrumento de subjugação. Porém as leis internacionais parecem não se aplicar à Palestina, um Estado não reconhecido pela ONU cuja população é apátrida em sua própria terra.
A importância da água é tanta nessa região, que os Acordos de Oslo de 1993 (que terminaram com o célebre aperto de mão entre Yasser Arafat e Itzhak Rabin) nasceram em Zurique em 1990 de uma série de encontros privados entre intelectuais israelenses e executivos da OLP organizados por responsáveis locais, do quê? Da água.
Hoje a situação e o problema estão muito mais graves, as colônias em vez de diminuírem multiplicaram, os palestinos vivem encurralados e o próprio ministro das Relações Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, ocupa uma bela casa na Cisjordânia e é um racista declarado, com forte odor de fascismo, segundo o jornalista e escritor israelense Uri Avnery (8).
Boa sorte aos intermediários.

1- Partidários da teoria confeccionada por Theodor Herzl em livro publicado em 1895 “O Estado Judeu”, no qual prega o Sionismo, que aplicado ao pé da letra exclui a presença dos palestinos, razão pela qual, em 1975, uma moção da ONU estatuou ‘sionismo = racismo’, revista em 1995 por pressões político-sionistas.

2- Drying up Palestine

3- Procurando água em Gaza


4. http://www.youtube.com/watch?v=ug48wn0yhCg;

5- Aquíferos bloqueados para Gaza

6- Anistia Internacional: Ocupação hídrica  http://bit.ly/1rNuiN


2 comentários:

  1. Como pode um blog tão bom como esse permanecer sem comentários?
    Parabéns. É reconfortante ouvir alguém falar a verdade tão destemidamente. Que Deus te abençoe.

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  2. Muito bom seu texto!!! Como acabar com tudo isso? Você vê solução?

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