Já antes da criação de Israel, os sionistas (1) reivindicavam um Estado baseado em critérios religiosos e hídricos: o vale do Litani (no Líbano), o vale do Yarmuk (Jordânia, Síria, Palestina) e toda a margem direita do Jordão.
Em 1947 a ONU entregou ao Estado judeu dois terços da Palestina e recursos hídricos consideráveis, mas aquém do cobiçado. Inconformado, Israel, um ano mais tarde, começou a confiscar e estatizar terras e recursos naturais “liberados” pelos massacres (denunciados até por Einstein) que forçaram os palestinos à diáspora e às centenas de milhares de refugiados. Em seguida atacou o sul do Líbano e no final das disputas acabou ficando com a Galiléia e o Néguev, um deserto que viria a irrigar através de um aqueduto que leva a água de uma à outra área anexada.
Com o passar dos anos as tensões foram aumentando e culminaram na Guerra dos Seis Dias, resultante do bombardeio de instalações hidráulicas sírias no lago Hulé, de cujas águas Israel temia ser destituído. No sétimo dia o exército israelense tirou o Golan da Síria e realizou dois dos sonhos hídricos sionistas: apossou-se da maioria do vale do Yarmuk e de toda a margem direita do Jordão, privando a Cisjordânia da água que lhe cabia.
Assim, a partir de 1967 e da ocupação dos Territórios palestinos, a política de espoliação se estendeu à Cisjordânia e à faixa de Gaza. Em 1993, na assinatura dos acordos de Oslo, 82% das camadas freáticas da Cisjordânia foram parar nas mãos de Israel enquanto o mundo inteiro criticava a “má-vontade” de Yasser Arafat omitindo a armadilha em que havia sido colocado e o sapo com o qual ele engasgava.
A “guerra” hídrica israelense mais recente foi durante a Copa de 2006, quando para apoderar-se da bacia do rio Litani bombardeou o Líbano do sul a Beirute durante 34 dias. Acabou dando com os burros n’água, saindo de mãos vazias e fortalecendo o Hezbollah, cujas bases eram até então movediças.
O choque com o Líbano para em reticências... Passemos ao conflito do dia a dia na Palestina pela água, e mais ainda.
Em 2005, em uma operação mediatizada por Ariel Sharon como um gesto de boa vontade, Israel procedeu à evacuação das instalações militares e das 21 colônias judias em Gaza. Era uma estratégia de guerra (bombardeio e invasão três anos mais tarde) e por terem esgotado o potencial hídrico da Faixa. Na Cisjordânia as colônias israelenses não pararam de se multiplicar e visam, além da ocupação e expansão territorial, os recursos naturais palestinos. Sobretudo a água.
Há duas grandes camadas freáticas em Israel e na Cisjordânia. Esta detém a mais ampla e os dois compartilham três sistemas de água inter-relacionados.
Há duas grandes camadas freáticas em Israel e na Cisjordânia. Esta detém a mais ampla e os dois compartilham três sistemas de água inter-relacionados.
O sistema de subsolo – o Aquífero da Montanha – atravessa a Linha Verde (delimitação da ONU da fronteira entre Israel e a Cisjordânia) e tem 130 quilômetros de comprimento, do monte Carmel ao Negev, e 35 km de largura, do vale do Jordão ao mar Mediterrâneo.
Ele é subdivido em três sub-aquíferos.
O Ocidental, de alta qualidade potável, está quase todo na Cisjordânia, embora Israel se reserve a estocagem completa e o uso de 95% desta água.
O Ocidental, de alta qualidade potável, está quase todo na Cisjordânia, embora Israel se reserve a estocagem completa e o uso de 95% desta água.
O segundo sistema, o Aquífero do Norte, é recarregado e estocado essencialmente na Cisjordânia, mas Israel extrai 70% para uso próprio.
E 37% da água do terceiro sistema, o Aquífero Oriental, inteiro na Cisjordânia, é consumida por Israel, majoritariamente pelos colonos instalados nos Territórios Ocupados.
A média de água que cabe aos palestinos na Cisjordânia é de 70 litros per capita, por dia. Cada colono das 121 colônias israelenses na Cisjordânia desfruta de 1.450 metros cúbicos.
Em apenas 16% das comunidades palestinas (100 de 708), o acesso à água excede 100 litros per capita diários – que é o mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde para evitar epidemias. O preço da água fornecida por tanques privados que vendem aos palestinos a água tirada das fontes desviadas são exorbitantes (2).
Apenas 69 comunidades palestinas possuem rede de água potável. As demais contam com chuva, fontes, poços, e para os que conseguem pagar, com esta água cara. O acesso ao Jordão é negado aos palestinos em toda a sua extensão. Até o Mar Morto.
Em Gaza o problema atinge proporções dramáticas por causa de escassez e insalubridade: a média é de 140 litros diários para 1,5 milhões de habitantes (3).
As camadas freáticas acessíveis estão esgotadas e a única água disponível a grandes profundidades é turva ou salgada (4). Apenas 7% da água em Gaza correspondem aos critérios potáveis da OMS e os casos de cólera, disenteria, hepatite, febre amarela e outras doenças correlacionadas são crescentes, sobretudo entre as crianças, mais vulneráveis. Estima-se que dentro de 15 anos, caso não se tome providências imediatas, Gaza não tenha uma gota de água potável (5).

Se as leis internacionais fossem aplicadas, esta expropriação hídrica seria impedida, sancionada e Israel seria obrigado a compensar a Palestina pelo desvio passado e presente de seus recursos hídricos e de suas perdas agrícolas.
Em vez disto, Israel continua negando aos palestinos o direito de cavar cisternas e confiscou muitas destas para seu uso exclusivo. Para outras, estabeleceu quotas para seus proprietários legítimos.
No verão a companhia israelense Mekorot (que assinou um contrato milionário com o governo português no ano passado para entrar na Europa de fininho achando que assim escapa da campanha de boicote dos cidadãos dos outros países mais bem informados) costuma cortar o fornecimento às cidades palestinas para que a seca não afete seus compatriotas em nada. É comum ver na Cisjordânia casas de colonos com piscinas cheias e com jardins sendo irrigados enquanto do lado famílias nativas não dispõem de água potável para suprir necessidades básicas.
E tem o muro, que é da vergonha mas também da água. Ele devora a Linha Verde, divide lavouras, separa os habitantes de seus recursos hídricos e cerca fontes para extraviar a água palestina para Israel e seus colonos nos Territórios Ocupados.
Algumas das maiores colônias israelenses, como Ariel e Qedumin, foram erguidas no Aquífero das montanhas ocidentais, em plena região agrícola da Cisjordânia – é onde o muro invadiu mais terra para anexar fontes vitais aos nativos.
25 postos hídricos e 35 mil metros de encanamento foram destruídos em sua construção. E ele destruiu ou isolou de seus proprietários cerca de 50 fontes e mais de 200 cisternas e tanques, dos quais mais de 120 mil pessoas dependem para uso doméstico e agrícola.
Este é um caso típico da água como arma de guerra e instrumento de subjugação. Porém as leis internacionais parecem não se aplicar à Palestina, um Estado não reconhecido pela ONU cuja população é apátrida em sua própria terra.
A importância da água é tanta nessa região, que os Acordos de Oslo de 1993 (que terminaram com o célebre aperto de mão entre Yasser Arafat e Itzhak Rabin) nasceram em Zurique em 1990 de uma série de encontros privados entre intelectuais israelenses e executivos da OLP organizados por responsáveis locais, do quê? Da água.
Hoje a situação e o problema estão muito mais graves, as colônias em vez de diminuírem multiplicaram, os palestinos vivem encurralados e o próprio ministro das Relações Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, ocupa uma bela casa na Cisjordânia e é um racista declarado, com forte odor de fascismo, segundo o jornalista e escritor israelense Uri Avnery (8).
Boa sorte aos intermediários.
1- Partidários da teoria confeccionada por Theodor Herzl em livro publicado em 1895 “O Estado Judeu”, no qual prega o Sionismo, que aplicado ao pé da letra exclui a presença dos palestinos, razão pela qual, em 1975, uma moção da ONU estatuou ‘sionismo = racismo’, revista em 1995 por pressões político-sionistas.
2- Drying up Palestine
3- Procurando água em Gaza
4. http://www.youtube.com/watch?v=ug48wn0yhCg;
5- Aquíferos bloqueados para Gaza
7- Relatório do Banco Mundial :
http://siteresources.worldbank.org/INTWESTBANKGAZA/Resources/WaterRestrictionsReport18Apr2009.pdf
http://siteresources.worldbank.org/INTWESTBANKGAZA/Resources/WaterRestrictionsReport18Apr2009.pdf
Muito bom seu texto!!! Como acabar com tudo isso? Você vê solução?
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