sábado, 13 de novembro de 2010

A água que sufoca é a mesma que hidrata?


Soldados estadunidenses em ação no Iraque
Entre os leitores deste blog há dois fãs declarados das 24h que deram ao Kiefer um nome ao sobrenome famoso do grande Donald Sutherland.
Confesso que este seriado “que tem coragem de mostrar os bastidores da espionagem!”, “cujo realismo é de tirar o fôlego!” segundo os fãs citados, atraiu minha curiosidade na primeira temporada, mas me cansei depressa da novidade e nem vi o final. O horror à violência gratuita e à demência institucionalizada me afastou para longe e só voltei à carga na inauguração da sétima temporada. Assisti ao telefilme “Redenção” porque pensei que um ator como Robert Carlysle, frequente em filmes engajados como Carla’s Song do Ken Loach, não emprestasse seu talento a algo sem sentido social. Fiquei na vontade. Ele também deve ter ficado.
As defesas de Jack Bauer chegaram justamente em uma semana que começa com a liberdade da resistente birmanesa Suu Kyi. Por isto e pela campanha da Anistia Internacional, resolvi falar da tortura, prática que uma e outra também condenam e que é uma constante no programa acima mencionado.
A tortura é um crime abominável. Seja ela usada por criminosos reconhecidos ou institucionalizada.

Este crime está na moda desde 2001 e o ataque dos Estados Unidos pelo Al Qaeda. Mas a “guerra contra o terrorismo” não o desculpa em nada, embora nos cinco continentes seja praticado e esteja quase banalizado. Como se as leis internacionais não significassem realmente nada.
Que o fã de 24 não se iluda, a tortura não é usada para extrair informação, mas sim para estabelecer o terror, calar bocas, punir o torturado pela impotência e pela ignorância do que o verdugo quer saber e não sabe.
O torturador não é um herói televisivo, mas um covarde.
Nenhum fim justifica o recurso a este crime que equivale a assassinato e toda violência física e psicológica grave.

Um terrorista que é torturado para dizer onde pôs uma bomba prestes a explodir é um roteiro cinematográfico repetitivo e improvável. Isto nunca aconteceu na realidade e espero que nunca aconteça, pois se acontecesse o mais provável é que a bomba explodisse antes que o segredo fosse revelado. Está provado e comprovado que a violência física e psicológica faz o torturado revelar mais o que ignora do que o que sabe.
A tortura de um verdadeiro terrorista também faz parte da ficção, embora sirva para banalizar e justificar este crime injustificável. Na realidade, as vítimas da tortura são vítimas mesmo; suspeitos, marginais, prisioneiros comuns, oponentes políticos, intelectuais.

A idéia de que a tortura é eficiente para obter informações rápidas e vitais é uma miragem.
A idéia de que a tortura protege o mundo do terrorismo é tão inverossímil quanto Jack Bauer.
A idéia de que a tortura é praticada por verdugos bonzinhos contra terroristas malvados é uma falsidade ideológica lamentável.
O Brasil sabe disso. Durante 20 anos ela foi aplicada em resistentes à ditadura. Nossa presidente foi uma das que resistiu então e seria bom que ela tivesse o poder de fazer tudo para o Brasil sair da lista dos 61 países que recorrem a este vergonhoso exercício.
A lista inclui os Estados Unidos e Israel. Aliás, este último também já tortura desde o século passado. Até meninos. Não seus próprios cidadãos como no Brasil dos militares, mas dos vizinhos do lado.


A Anistia Internacional sempre disse que a tortura é a única forma de violência que um Estado negará exercer sem jamais ousar justificar.

Há algum tempo Eitan Felner, diretor da ONG israelense de direitos humanos B’TSELEM, desmentiu esta premissa declarando indignado e compungido que seu país era o único que admitia a tortura legal e verbalmente http://www.btselem.org/english/torture/interrogation_regime.asp.
Os depoimentos sobre tortura são raros. Bem aquém do quanto é aplicada. Talvez porque os torturadores não façam muita publicidade, porque levem o torturado à morte física, mental e emocional, ou porque o assunto repugne tanto o leitor quanto o jornalista que o trata.

Na Palestina, desde a ocupação em 1967, mais de 650.000 cidadãos foram detidos em Israel e embora os jornais lhes dêem pouco ou nenhum espaço, muitos dos torturados falam. O número de reclamações foi tão alto e as consequências tão graves que em 1999 a Alta Corte Internacional de Justiça foi obrigada a excluir publicamente quatro tipos de torturas usadas contra os palestinos sequestrados: o direito de “sacudir” uma pessoa, de conservá-la na posição de “shabach” (amarrada/algemada em uma cadeira pregada no chão) e de “quambaz” (de sapo) durante horas de interrogatório e privação de sono. São algumas das “técnicas” denunciadas pela B’TSELEM como correntes nos porões nacionais.

Em vez de banidas elas foram aperfeiçoadas e exportadas para os quatro cantos do planeta e continuam a ser usadas contra palestinos de todas as idades. Os relatos/relatórios mais terríveis são de meninos entre 13 e 18 anos, presos por jogarem pedras ou como um de 15 anos que foi detido durante seis meses por porte de “explosivo”, que no caso específico era um traque. Com a etiqueta de terroristas, os meninos sofrem tratamentos psicológicos e físicos desumanos, há denúncias até de estupros, até “confessarem” e serem levados a uma delegacia regular para repetirem a “confissão” e esta ser usada em tribunal.

Como a água é um dos nossos temas chave, heresia das heresias, a fonte de vida que irriga o cérebro do homo sapiens protagoniza uma tortura muito antiga que foi usada à vontade no Camboja pelos Kmers Vermelhos e que voltou à moda em 2005 quando os Estados Unidos passaram a usá-la no Iraque, em Guantánamo e alhures, disseminando a prática.
Está ilustrada acima e se chama water boarding.
Não vale a pena traduzir porque é sempre aplicada na íntegra, em versão original e acompanhada de humilhações verbais.
Embora provoque um estrago inimaginável, o water boarding é barato, só pede um capuz e um pouco d’água. A sensação é de um afogamento que não acaba, ou melhor, acaba quando se afoga, literalmente, em um balde d’água.
Na maioria das vezes a vítima é imobilizada, deitada, encapuzada, amordaçada e recebe água na cara. Mesmo sabendo que não está na água, a sensação de estar imerso e incapaz de subir à tona porque se está preso é nítida e incontrolável http://www.youtube.com/watch?v=4LPubUCJv58. Os torturadores apressados imobilizam a vítima, a encapuzam, amordaçam e jogam água na cara até o torturado pedir arrego ou desmaiar.
Como todas as torturas, suas sequelas são indeléveis. Sobretudo nos meninos e nos adolescentes, pois o objetivo da tortura é roubar a dignidade, destruir a coragem, fabricar covardes, párias da sociedade. Quando não um verdugo a mais.
Os homens têm uma imaginação às vezes fértil demais.
Vide Oppenheimer.
Conseguem transformar tudo em arma.
Até a água. 

 http://www.democracynow.org/2008/7/7/award_winning_palestinian_journalist_mohammed_omer
  

Democracy Now: A Debate on Torture
Legal Architect of CIA Secret Prisons, Renditions vs Human Rights Attorney.
I

II
III

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