domingo, 1 de agosto de 2010

Água não-potável : arma de destruição em massa

O que no planeta terra mata mais do que o câncer e do que a guerra?
Água não-potável é a resposta certa.
Uma realidade dramática que os militantes humanitários e os correspondentes de guerra conhecem há décadas de cor e decorado.
É por isto que ontem, em um jantar parisiense regado a bons vinhos e águas minerais mais caras do que a abertura de uma cisterna em terra árida, o assunto inverso veio à tona (graças à campanha “Mensageiros da Água” da Danielle Mitterrand e da garrafa “Folha d’água” criada pelo Philippe Stark – objeto de moda indispensável?) e me perguntaram: O que é água potável?
Se todos conhecessem o Gonzaguinha, teria dito primeiro É a vida e é a vida! Mas em vez de lirismo veio uma frase óbvia seríssima: é uma água que se pode tomar sem risco para a saúde.
Depois desembrulhei que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece normas que fixam os limites das substâncias nocivas que ajam em nosso organismo como age uma erva daninha e que uma água dita potável não é isenta de matérias poluentes, embora nela a concentração destas matérias seja aquém da quantidade de risco.
Uma água potável tem de ser livre de germes patogênicos (bactérias e vírus), de organismos parasitas e tem de limitar certas substâncias químicas tóxicas como nitratos e fosfatos, metais pesados, pesticidas (como no link-vídeo do artigo anterior) para os quais foram definidas quantidades admissíveis. Por outro lado, ela precisa de oligo-elementos indispensáveis ao organismo, tem de ser clara, não ter cheiro e ter um gosto agradável. É por isto que contém um pouquinho de sais minerais (de 0,1 a 0,5 gramas por litro) indispensáveis ao organismo. Concluindo, ela não pode corroer o encanamento a fim de chegar limpa à torneira, que nós privilegiados abrimos várias vezes ao dia sem pensar de onde sai a água e do valor da mesma.
É claro que este esclarecimento exaustivo só se aplica aos países e a regiões que dispõem de recursos hídricos, dos conhecimentos científicos, das técnicas e dos meios necessários ao controle dos riscos sanitários e da análise química. O Brasil tem todas estas vantagens.
Mas no mundo, hoje, 900 milhões de pessoas não têm acesso a água potável e 2.5 bilhões não têm acesso a saneamento básico. E estima-se que a água não-potável cause entre 8 a 3,6 milhões de vítimas, dentre as quais, 3 milhões de menores de 15 anos, e dentre estes, 1,5 milhões de crianças que morrem anualmente de doenças diarréicas.
Portanto a água não-potável é o maior assassino em série e em massa da atualidade. E ao contrário do câncer e da AIDS que necessitam tratamentos pesados, dispendiosos e de pesquisas médicas constantes, o remédio à mortalidade causada pela água insalubre é simples e claro: basta levar ao cidadão água potável, saneamento, e higiene básica: imagine você que há 3 milhões de pessoas que não têm uma única daquelas torneiras que temos em casa...
O objetivo do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU) é reduzir a pobreza mundial à metade até 2015, sobretudo na África. A ajuda pública internacional para a água gira em torno de 6,4 bilhões de dólares, metade em doações e a outra em empréstimos. Contudo necessita-se de 4 bilhões anuais complementares para a meta ser alcançada. Como diz a Danielle Mitterrand, muito fácil de alcançar já que os meios existem: em 2009 só os Estados Unidos gastaram 7,3 bilhões de dólares por mês na ocupação do Iraque.
Parêntese arma: Considerando que o Iraque tem 31.2 milhões de habitantes, excluindo os 112 mil soldados americanos (em baixa?) e os 120 mil mercenários (em alta?) presentes e os 2.7 milhões de refugiados ausentes, hipoteticamente, o prêmio anual da cabeça de um iraquiano é de US$2.81 milhões de dólares.
Parêntese água: Como o pragmatismo da real-política é implacável, 16 países pobres, dentre eles o Burundi e o Tchad, receberam, no mesmo ano, menos de meio dólar por habitante para água e saneamento básico.
Sem comentário.
Só que a urgência da água potável é máxima. Sobretudo devido às mudanças climáticas que vêm afetando recursos hídricos nos quatro cantos do mundo e agravando a marginalidade.
Poderia dar vários exemplos geopolíticos, mas veja só o Quênia, em que em 2009 as chuvas diminuíram em 80% provocando a queda de dois terços das colheitas e a morte de 100 mil cabeças de gado. Este país tem 36 milhões de habitantes. 16,8 milhões não têm acesso a água e 22,6 milhões não dispõem de saneamento básico.
É óbvio que não adianta dar dinheiro sem fornecer educação e sem ensinar a abrir o poço e instalar o encanamento necessário junto com quem vai ser beneficiado – O porco só engorda com o olho do dono, diz o ditado popular. Caso contrário os escassos euros e dólares podem ser desviados para o bolso de mais um traficante de armas – uma praga que avassala esta (como outras regiões da África) por causa da ingovernabilidade da Somália.
Aliás, abro um segundo parêntese armas: Bombardear e ocupar o Afeganistão para assegurar o aprovisionamento de petróleo de aliados de agora, e bombardear e ocupar o Iraque para o controle das águas do Tigre e do Eufrates, são mais importantes (a curto prazo, sempre a miopia do curto prazo) do que tentar resolver os graves problemas de lugares como a Somália, onde grupos rebeldes desarmam os soldados e se armam, praticam a pirataria como quem vai às compras armado, pilham, sequestram, assassinam e causam imensos prejuízos comerciais no Golfo de Aden, no mar da Arábia e no oceano Índico. Sem contar as agressões bélicas crescentes aos vizinhos e os atentados aos postos de saneamento de Mogadíscio, sua própria capital.
E a água potável nesse último parágrafo? Justamente, a água é o princípio e o fim de tudo. Na Somália e alhures, onde, além ou em vez de alimento básico, é usada como arma líquida de tortura e chantagem.
Enquanto isto, nós brasileiros que beneficiamos de um estado de direito em uma democracia pacífica desde 1984, da maior reserva hídrica do planeta, continuamos a tomar banhos demorados, a deixar torneira aberta, a poluir nossa água tão invejada... sabendo que no nosso próprio sertão falta água.
A água é patrimônio universal. Responsabilidade e direito de todos os cidadãos do planeta.
 

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