domingo, 20 de outubro de 2013

Israel vs Palestina: História de um conflito XLII (05-2004)



O dia 02 de maio de 2004 caiu em um domingo. No Brasil o domingo é dia de oração, de descanso, de churrasco. No Oriente Médio este do dia dois foi como tantos outros domingos, repleto de bombas e acontecimentos.
Ariel Sharon apresentou seu plano de retirada civil da Faixa de Gaza ao seu partido Likud, e o plano foi rejeitado por 59% dos membros (nos dias seguintes, pesquisas mostrariam que dois terços dos israelenses eram favoráveis à evacuação dos colonos da Faixa de Gaza).
A prova da impossibilidade física de manter as colônias chegou no mesmo dia, quando militantes do Jihad Islâmico mataram a família Hatuel - mãe e quatro filhos - perto da colônia de Gush Katif.
Um ato bárbaro injustificável. Porém, ao ver do Jihad, explicável.

Gush Katif era um bloco de 17 colônias de judeus ortodoxos sionistas no sudoeste da Faixa de Gaza. Foi instalada nesse local - entre Rafah ao sudeste, Khan Yunis ao leste, Deir el-Balah ao nordeste, e ao oeste e noroeste o Mar Mediterrâneo e todo o litoral - por estratégia de ocupação.
Era um enclave israelense paradisíaco no litoral da Faixa. Bem protegida dos nativos e servida por duas estradas especiais reservadas ao uso exclusivo dos colonos que viviam na Faixa como se fossem eles os donos das terras e os palestinos fossem as que a usurpavam.
Os gazauís não podiam aproximar-se das colônias (tinham de manter distância "de segurança" grande demais para o tamanho da Faixa) e não podiam usar as estradas nem em caso de emergência. As estradas, como as demais que serviam exclusivamente as 21 colônias israelenses na Faixa, eram patrulhadas noite e dia por soldados da IDF.
A estrada 230 - que subia ao longo do litoral a partir da fronteira com o Egito até a última colônia israelense no norte da Faixa - e a 240 - também paralela ao mar, mas a um quilômetro do litoral, tinham o mesmo propósito de os colonos circularem entre uma e outra colônia sem jamais cruzar nem ver a cara de nenhum gazauí no caminho.
Estas estradas, assim como a perpendicular construída para os colonos cortarem caminho, eram poupadas nos bombardeios e eram novinhas em folha. As estradas dos palestinos eram constantemente danificadas.
Os gazauís, como os cisjordanianos, sentiam-se sufocados em seu território exíguo, em que mais da metade era confiscada para uso israelense - civil e militar.
Desde o início da Intifada al-Aqsa que Gush Katif era a colônia mais visada militarmente pela resistência. Ataques pontuais de foguetes e nas estradas.
Ariel Sharon já fora informado pela IDF da impossibilidade de proteger noite e dia os 8.600 colonos que ocupavam 45% das melhores terras de um espaço pequeno em que nos 55% restantes 1 milhão e 400 mil refugiados e nativos se amontoavam. 
As colônias tinham de ser desmanteladas por uma questão tática.
Mas por enquanto, Sharon "tinha de" revidar o golpe sofrido na Faixa de Gaza.
Decidiu começar a vingança da morte da família Hatuel no mesmo dia, na Cisjordânia.
Quem matara os colonos era um membro do Jihad, mas o míssil da IDF foi atirado no carro de quatro resistentes nabluenses das Brigadas al-Aqsa. Feriu o dobro de pessoas que se encontravam nas proximidades, mas a operação foi considerada bem sucedida. 
Dois dias depois, enquanto montavam uma operação mais ampla, improvisaram uma investida no campo de refugiados de Khan Yunis na Faixa. Mataram duas pessoas, deixaram 22 feridas e demoliram 30 casas.
Nesse ínterim, os hebronitas sofriam com mais uma batida da IDF na cidade.  Nesta os soldados prenderam cerca de vinte pessoas.
No dia 10, os soldados da IDF mataram mais dois palestinos e demoliram mais 30 casas no sul da Faixa de Gaza.
No dia seguinte, a IDF teve outra prova que nem as Forças de ocupação israelense conseguiriam manter-se ilesas na Faixa.  Sofreu baixa em Rafah. Em uma operação conjunta do Jihad e das Brigadas al-Aqsa, do Fatah. Bombardearam um posto militar e seis soldados pereceram no ataque.
No dia 12 o Jihad atacou um veículo militar matando mais cinco soldados. Levaram os corpos, pois sabiam que poderiam trocá-los por palestinos que se encontravam em Israel presos.
No total, em menos de uma semana, a IDF sofreu a perda de 13 soldados nos diversos ataques. A maior baixa desde o começo da segunda Intifada.

A resposta de Ariel Sharon não se fez esperar.
Mobilizou 100 tanques, veículos armados e milhares de soldados para levar a cabo a Operação Arco-íris (מבצע קשת בענן). Nome idílico mas que indicava a amplitude da manobra que mobilizou aviões, helicópteros, cruéis (como os veículos militares israelenses são chamados "carinhosamente" pelos soldados) e caterpillars armados.
A partir da sexta-feira e durante nove dias, os Apaches sobrevoaram a Faixa atirando mísseis esporádicos em alvos mais ou menos determinados.
A operação lembrava a Defensive Shield de 2002 na Cisjordânia, quando Jenin e Nablus foram arrasadas.
Primeiro a IDF isolou Rafah do resto da Faixa, impôs toque de recolher, estado de sítio, privou a população de energia e água. Como sempre faz cada vez que ataca uma cidade.
A população ficaria isolada e sob fogo cerrado durante nove dias. 
Como em Jenin e Nablus, em vez de visar os resistentes que haviam infligido à IDF a perda militar, Ariel Sharon autorizou o ataque de Rafah sem nenhuma preocupação em poupar mulheres, idosos e crianças.
Só no primeiro dia mataram doze pessoas e feriram dezenas.
Yasser Arafat pediu intervenção internacional para aplacar a ira do Primeiro Ministro General, mas em vez de ajuda os gazauís receberam chumbo e mais onze perderam a vida.
Em vez de calar as armas de Ariel Sharon, Collin Powell encontrou Ahmed Qorei para insistir para que ele usasse a oportunidade do plano israelense de desengajamento civil da Faixa para segurar a resistência armada do Fatah e do Hamas.
Era surreal, para não dizer indecente. A Faixa de Gaza sendo martelada de mísseis, moradias sendo demolidas como se não fossem lares de famílias, vidas sendo exterminadas, e o Secretary of State dos Estados Unidos ousava, na mesma hora, forçar o Primeiro Ministro palestino a calar as armas da resistência e sofrer a ocupação passivamente.
Em Rafah, os Apaches e os caterpillars não paravam. Era uma orgia de demolições de residências e a IDF não economizava nem mísseis nem balas.
No domingo, após curta trégua nos ataques e nas demolições, os caterpillars voltaram a esmagar filas inteiras de moradias no bairro mais pobre de Rafah.
No mesmo dia a Corte Suprema de Israel rejeitou a petição de proibição das demolições que há meses os habitantes de Rafah lhes haviam enviado.

Na quarta-feira, os moradores de Rafah saíram às ruas em uma marcha pacífica de protesto e foram recebidos com uma chuva de bala. Dez pessoas morreram na hora e os feridos eram carregados para todo lado.
No dia seguinte, dia 20 de maio, Rafah continuava em estado de sítio, com toque de recolher, sob fogo de tanques e helicópteros, com dificuldade para tratar dos inúmeros feridos e impossibilitada de enterrar os mortos que se acumulavam.
Israel respondia às reprimendas internacionais com o argumento que estava bombardeando os túneis cavados entre a Faixa e o Egito para contrabandear gêneros de todo tipo, inclusive de primeira necessidade.
Entretanto, o argumento de visar os túneis era absurdo. O bairro mais visado nos três primeiros dias foi o Tel es-Sultan, longe da fronteira e de onde não sai nenhum túnel. Só depois é que os mísseis e os veículos armados visaram o Brazil (pois é, tem um bairro em Rafah que homenageia nossa pátria). A caminho do bairro, destruíram o Jardim Zoológico da cidade. Por que será? 
Nos dias 22 e 23 uma Reunião de Cúpula dos países árabes não deu em nada.
No dia 25, depois de arrasar com o Brazil e outros setores do campo de refugiados, a IDF começou a retirada das tropas de Rafah terminando a Operação Rainbow em câmara lenta.
Mas mataria gente até o dia 30. Neste dia, em Gaza, matou Wa'iI Nassarin, chefe das Brigadas al-Qassan, junto com Muhammad Sarsur, outro membro do Hamas.

A Operação Arco-íris terminaria oficialmente no dia 01 de junho. Até o dia 29 a IDF matou gente na Faixa. E também na Cisjordânia.
Segundo a UNRWA (Serviço da ONU para Refugiados), nos nove dias de ataque a IDF destruiu totalmente 155 imóveis e demoliu centenas de casas deixando 1.960 pessoas desabrigadas.
Segundo fontes locais, 62 pessoas foram mortas. Um terço de menos de 18 anos. Duzentos feridos graves foram atendidos nos postos médicos. 220 casas nos bairros de Brazil, Salam e Sultan foram pulverizadas ou derrubadas ao ponto de ficarem inabitáveis. 641 famílias, cerca de 4000 pessoas, ficaram desabrigadas. Cerca de 700 lavouras foram destroçadas assim como 48 lojas, 56 imóveis , uma mesquita e cemitérios.

Apesar dos escombros aos quais Rafah foi transformada, o Ministro da Defesa de Israel Shaul Mofaz justificou-se culpando o Hamas pelo desastre. "Innocent people were hurt because the terrorists chose to operate in a dense population center."
Pronto. A culpa é do ocupado que luta para defender seu território e não do ocupante que mata mulheres e crianças dentro de casa.
A Operação Rainbow foi um horror bastante celebrado no governo israelense. Causaram os estragos desejados e da ONU tinha quem cuidasse. Da opinião pública internacional também, pois aos olhos da grande mídia quem era mesmo o culpado? O Hamas, é claro. 
No fim do mês de maio Israel enterrara 19 mortos.
Os palestinos 112, e rezavam pela sobrevivência de muitos feridos graves.

Documentário Journeymand: The Heartland of Hamas


Documentário sobre a colônia Gush Katif antes da evacuação

Reservistas da IDF, forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence 
Can any combatant shoot?
Yes, from his personal weapon... And if by mistake I hit him in the back or kill him, and that happened to us… two-three times just in the last service term.
Soldiers killed kids.
Killed kids by mistake. Aimed at the legs, shot them in the back and killed them.
How do you know afterwards if they killed them?
Reports from the DCO (District Coordination Office), the Palestinians report, there is cooperation in that sense. So kids get killed.
Is there a trial? Any serious inquiry about this thing?
No. I’m sure it doesn't go beyond the battalion commander...
...Someone comes to the alert squad and says: “Let's go guys, there's a ‘disturbance procedure’”.  “Why, what happened?”  “There's an attempt to transfer weapons in Balata”. What do we do? We go around Balata and we can use the crowd dispersal equipment, two stun grenades…
Is there any restriction on using this equipment?
There’s no restriction on anything.  You can have four stun grenades on you. We have a box of equipment inside the vehicle and you can use as much as you want. How many rounds of gas does the launcher shoot? As many as he wants. No restrictions.
In every vehicle there's one commander… He says where to shoot…
No. He sits with the driver up front, we sit in the back. “Listen, there are some kids here, I’m throwing at them.” “Sure, chief to 2A, stun grenades ok.” “Check, roger”. You throw stun grenades, gas. No authorization, no nothing. “I’m throwing gas.” And it gets to a point where people are acting like little kids: “Let me throw gas, let me throw gas”.
Do you say anything about it?
Yes. I’m pretty much in a minority in the company. In a platoon of nine people, we were three against behaving like dumb kids every time you enter the city and throw stun grenades like…
What do you mean by “dumb kids”?
It's when they throw stones at you when you're in an armored vehicle, you know nothing will happen to you, so there's no need to throw stun grenades at them, making them deaf for a month.
The orders are to throw stun grenades at them?
There aren't any defined orders. If there are defined orders, then nobody knows them. Using crowd dispersal equipment – no one ever told us anything about it. Inside the city, inside Nablus.
Inside Nablus, you go in – you can do whatever you want? With rubber [-coated metal bullets]?
Rubber, yes.
Anything.
Yes, anything. Maybe you have to report on the two-way radio about shooting rubber. I never heard anyone say “no”. No matter what. Four soldiers in the back, the commander up front, he has no idea what's going on.
Depoimento de um sargento da Unidade Paratrooper

Documentário da israelo-marroquino-francesa Simone Bitton, 2004
MUR
Parte II - legendas em português, (10')

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