domingo, 19 de junho de 2011

Um homem e uma Mulher

A Turquia acabou de reeleger Recep Tayyp Erdogan para o cargo de Primeiro Ministro, tirando um suspiro de alívio dos democratas laicos que observam este país que foi o núcleo do Império Otomano e que hoje é o Brasil regional.
Erdogan é o único político que rivaliza com Lula no percurso extraordinário. Como Lula, é respeitado pelas pessoas que apreciam a inteligência bruta em vez da que ofusca e a coragem de opiniões contraditórias com o status quo político.
Erdogan liderou seu partido em três eleições vitoriosas e levou a Turquia à prosperidade e ao destaque internacional. E como Lula, nas ruas dos bairros pobres de Istambul, tais quais Kasimpasa, Kulaksiz, desconhecidos dos turistas, ele é um herói saudado aos gritos. Foi nestes bairros que cresceu vendendo pão e jogando futebol na rua. É neste e em outros bairros da periferia que homens, mulheres e crianças o chamam bizden biri (um de nós) de peito estufado
O AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento) de Erdogan ganhou as últimas eleições parlamentares atestando sua liderança que começou em 1994 quando foi eleito prefeito de Istambul. A capital da Turquia é Ankara, mas é Istambul que dá as cartas.
Quem conhece o país sabe quanto mudou nos últimos 20 anos. O salto de qualidade de vida e de modernização foi gigantesco. Na década de 90, por exemplo, nenhum país árabe trocava um milhão de Liras turcas por sequer um tostão local. Hoje os sauditas trocam 250 de seus Riyals por 100 liras de boa vontade.
Este é só um exemplo entre tantos tão ou mais importantes, como a laicidade que predomina em Istambul e em Ankara. Nestas duas cidades o islamismo não oprime as mulheres tanto quanto no interior e elas andam de cabelo solto e participam ativamente do crescimento econômico em empregos qualificados. Inclusive com aumento de 14% na representação parlamentar, passando de 48 a 78, nas 550 cadeiras do Congresso - na Europa a média é de 19% e o objetivo da Turquia é atingi-la com grandes reformas que corrijam as desigualdades no código penal.
Contudo, as mudanças que foram feitas ainda estão longe de acabar com a discriminação contra as mulheres ativas. Elas desejam que desta vez Erdogan ouse mudanças que realmente lhes assegurem igualdade de direito e de fato.
Mas para isto Erdogan precisa de coragem para em vez de baixar o nível ao dos aliados que precisa para ter maioria parlamentar confortável, eduque melhor a população e “peite” costumes arcaicos de “valores morais” contrários a uma modernização real da sociedade turca. Dizem por lá que medidas concretas a favor das mulheres poriam em risco a carreira que o primeiro ministro tanto preza. Eu digo, Ou não. Pode também propulsá-lo mais alto e assegurar-lhe um lugar na história como o político que conseguiu colocar a Turquia no mapa da Europa porque estava mais preocupado em governar bem do que em se perpetuar no cargo.

Suu Kyi diante da foto do pai, general Aung San

 “Não é o poder que corrompe e sim o medo. Medo de perder o poder corrompe os que o manejam e medo do flagelo do poder corrompe os que se submetem.”



Falando em mulher, falemos na Mulher que disse a frase acima. Daquelas mulheres que orgulham o gênero feminino em todas as nuances de sua particularidade. Feminidade, inteligência, sensibilidade, força e coragem. A Mulher por excelência em quem falo é a birmanesa Aung San Suu Kyi.
O início do nome de Suu Kyi indica que é filha do general Aung San, herói da independência da Birmânia, assassinado quando ela tinha dois anos de idade.
Suu Kyi ficou conhecida fora das fronteiras birmanesas em 1995 graças ao filme do inglês John Booman Beyond Rangoon, em que uma turista estadunidense (interpretada por Patrícia Arquette) que está em Rangun no momento da insurreição popular contra a ditadura em 1988 e acaba participando de passeatas estudantis pro-democracia em companhia da personagem que retratava Suu Kyi. O filme foi o sucesso do festival de Cannes, o público prestigiou a coragem de John Boorman enchendo os cinemas e alguns chegaram a compará-lo com o grande clássico Paisa, em que Roberto Rossellini em 1946 retratou a ocupação de Nápoles. 
Eu prefiro não comparar o incomparável e só constatar que Beyond Rangoon entrou na curta lista de obras cinematográficas corajosas que influenciaram a história. Algumas semanas após o lançamento na Europa, a junta militar da Birmânia libertou a verdadeira heroína do filme, que embora já tivesse tido o Prêmio Nobel da Paz em 1991 era uma ilustre desconhecida. Aliás, Suu Kyi agradeceu John Boorman publicamente quando foi libertada, em entrevista concedida à BBC. Ficou em prisão domiciliar durante alguns anos e em seguida voltou às masmorras até voltar a ser confinada em casa. 
Suu Kyi é o Nelson Mandela de saias. Ou melhor, Suu Kyi é uma mulher, de verdade. A Amélia era o exemplo do qual as mulheres do mundo inteiro e da Turquia de hoje, querem distanciar-se. Suu Kyi, na Birmânia, é simplesmente chamada A Senhora, como se fosse a única que contasse. Daw Suu é como a chama quem tem o privilégio de encontrá-la.
Suu Kyi é a mulher que faz o mundo avançar e a vida valer a pena ser vivida com responsabilidade do respeito do outro e dos sonhos que valem a pena ser realizados. Suu Kyi é a prova que o verdadeiro idealismo é uma realidade. Que o ideal das causas justas se reforça com o tempo e a adversidade, e não o contrário.
A Senhora nasceu em 1945, no ano em que os nazistas foram derrotados. Estudou Ciências Políticas na Universidade de NewDelhi e em 1964 (...) foi estudar Política, Economia e Filosofia em Oxford. Voltou para a Birmânia em 1988 e mostrou que era filha do pai. Entrou de cara no movimento democrático e acabou encabeçando a Liga Nacional pela Democracia pela qual correu o país discursando por reformas e pela paz. Sua campanha terminou com a eleição de 392 deputados dos 485 que compunham o Congresso e para ela, prisão domiciliar ou Fora! Isto foi em 1989. Desde então ela tem vivido presa, em casa ou em celas oficiais. Atualmente está em prisão domiciliar disfarçada.
Casa da família Aung San Suu Kyi
Sua casa é constantemente vigiada, as visitas selecionadas, os emails e telefone grampeados e censurados. Quem passa na rua ouve o som do piano que ela toca todos os dias e quem tem sorte consegue trocar algumas palavras com ela na antiga residência familiar.
Por que estou falando nela hoje e não em novembro do ano passado quando foi libertada?
Porque foi agora que o seu padrinho, Paul Hewson, vulgo Bono, conseguiu recuperar o filme sobre ela que havia encomendado e que finalmente foi "contrabandeado" para fora da Birmânia a fim de ser apresentado no telão durante a turnê mundial do U2. Depois desta, até o velho e o jovem mais alienados vão saber quem ela é.
Se você tiver oportunidade de assistir ao show, esqueça o Bono, o Edge, o Adam, o Larry, e encare Daw Suu quando tocarem Walk On, a música composta em sua homenagem.
É ela a moral da história dos quatro irlandeses engajados em causas humanitárias. Diga-se de passagem, graças à força moral do discreto percussionista Larry Mullen, cabeça e consciência do grupo – a ética que brilha através da eminência parda.


50 anos de Anistia Internacional: http://youtu.be/xUzq43-eZFo;
Suu Kyi: http://youtu.be/iG9LizSi4zc;
U2 Wal On: http://youtu.be/8R5oBosyO-s; http://youtu.be/aKeD1_puAPg;
Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/;
Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/; http://youtu.be/rzqgGnAS8OQ;
http://www.bigcampaign.org/;

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