domingo, 26 de junho de 2011

Tem moral em toda história?

Como recebi reclamações por não ter feito nenhuma atualização sobre a Palestina na semana passada, hoje faço meu mea culpa tentando cobrir o atraso com algumas notícias rápidas.

Steve Jobs, o ícone da Apple, era, até há alguns dias, a imagem do sucesso sem mancha no currículo, o protótipo do empreendedor sem “rabo” e com certa moral. Até a semana atrasada. Até atender ao “pedido” de Israel de suprimir do iPhone uma aplicação (app ThirdIntifada) Palestina que anunciava as próximas passeatas de protesto contra a ocupação, acesso a artigos e editoriais e links a material informativo sobre o que está acontecendo na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. O ministro israelense Yuli Edelstein argumentou que a app iPhone era “anti-Israel e anti-sionista” e que “poderia unir muitos em um objetivo que poderia ser desastroso”. Não precisou nem dizer para quem talvez fosse desastroso. A app ThirdIntifada foi banida em seguida.
Moral da estória, a Primavera Árabe é bem-vinda na web, contanto que não inclua a libertação da Palestina.

Facebook não fica atrás. Ou melhor, foi o primeiro a banir os palestinos do espaço cibernético se deixando convencer (com muita facilidade) a suprimir a página ThirdIntifada. Página que já tinha atraído 350 mil fãs em poucas horas, dentro e fora da Palestina. Neste caso, os executivos recusaram em toda a escada hierárquica e Israel teve de ir direto ao fundador para obter a decisão antidemocrática. Mark Zuckerberg deu a ordem de supressão sem saber bem do que se tratava.
Esta Moral da estória fica por conta de quem assistiu a The Social Network de David Fincher. Eu não conheço este indivíduo e não sei se a esperteza é o único atributo do qual é dotado.

É pena, pois os jovens palestinos realmente acreditam, ou acreditavam, que o fim dos 44 anos de ocupação israelense pudesse acabar com um movimento de protesto não-violento e democrático. Estavam apostando em um remake da primeira Intifada, de 1987, caracterizada por uma desobediência civil e passeatas massivas, reprimidas a gás e bala. A geração internacional de hoje só conhece a reputação violenta da segunda Intifada provocada por Ariel Sharon em 2000. O recurso marginal aos bomba-suicidas prejudicou bastante a imagem global dos palestinos, embora estes atentados só tenham durado dois anos, 2003 e 2004, e tenham ocorrido em retaliação aos assassinatos, menos divulgados, de membros do Hamas, inclusive dos dois filhos do líder do partido. Este ordenou o fim dos atentados em dezembro de 2004. Desde então, a única ação armada contra Israel tem sido foguetes artesanais esporádicos lançados de Gaza por um grupo inconformado.
Desde então, além da violência psicológica e física quotidiana, Israel bombardeou o Líbano e Gaza causando centenas de vítimas irrelevantes, na ótica da ideologia predominante.
Moral da estória, o conceito de violência é relativo. Depende do poder de controle da mídia de quem a aplica.

No dia 24 foi o aniversário de 5 anos de cativeiro do soldado israelense Gilad Shalit. Então várias ONGs de Direitos Humanos israelenses, palestinas e internacionais solicitaram, com pertinência, a libertação e bons-tratos do prisioneiro de guerra alegando que “seres humanos não são fichas de câmbio”. No dia seguinte, a Casa Branca apelou para que o Hamas soltasse “imediatamente” o prisioneiro, sem condições.
Zyiad al-Shaloudi, 15 anos, espancado
por tentar proteger sua cunhada dos soldados
Desde a captura em 2006 que o Hamas vem negociando a troca do soldado por umas dezenas das centenas de prisioneiros políticos palestinos que Israel detém atrás das grades. Inclusive 64 parlamentares. E até abril deste ano, só em “prisão administrativa”, termo usado para os detentos sem julgamento e sem acusação formal, havia 216 adultos, 180 menores de 18 anos e 37 menores de 16.
Moral da estória, dependendo da nacionalidade, a vida de um soldado capturado em serviço vale mais do que as de centenas de civis sequestrados.

Nesta semana, na iminência da chegada da Flotilha humanitária nas águas internacionais que avizinham Gaza, Israel “autorizou” a UNRWA (Agência da ONU para refugiados) a reconstruir dezoito escolas e mil e duzentas residências que alojariam algumas das centenas de famílias gazauís cujas casas foram bombardeadas em 2008/09. Por incrível que pareça, este anúncio não virou anedota na mídia e nem causou indignação na maior instância administrativa internacional. Esta saudou a “autorização” como se fosse uma dádiva e a informação foi veiculada nos jornais com naturalidade, como se Israel tivesse autoridade para negar ou autorizar acesso a um território estrangeiro que transformou em gueto nos anos de sítio inexpugnável.
A lista, longa e detalhada, dos produtos que podem passar pelo No man’s land que separa Israel da Faixa é religiosamente respeitada até pelos funcionários da ONU. Esta inclui material hospitalar e de construção. Gêneros perigosos como papel higiênico já podem ser encontrados nas prateleiras de alguns mercados.
Moral da estória, às vezes (muitas) a imprensa falha; e a ONU, tem moral?

Temendo não conseguir que seu lobby impeça o reconhecimento do Estado da Palestina em setembro pelas Nações Unidas (EUA à parte), e sob pressão dos habitantes da cidade de Bil’in e das ONGs humanitárias israelenses e internacionais que resistem à construção de um novo muro de apartheid, o governo israelense declarou a suspensão de um pedacinho que cerca uma cidade continuando a construção em outras paragens menos midiatizadas.
Vale lembrar que no dia 9 de julho de 2009, a Corte Internacional de Justiça declarou a ilegalidade de toda a extensão da barreira israelense e ordenou seu desmantelamento conforme a Assembléia Geral da ONU.
Vale lembrar também que a barreira, ou muro, ou cerca cimentada, além de encurralar os autótones, já engole 413 dos seis mil km² de terras que compõem a Cisjordânia.
Moral da estória, esta estória não tem nenhuma moral.

Resolução 181 da ONU
O governo de Israel argumenta que os palestinos não podem reivindicar um Estado porque esta reivindicação é unilateral e os EUA concordam.
Dizem também que os palestinos estão recorrendo a golpe baixo indo à ONU solicitar o reconhecimento de um estado sem consultá-los.
Enquanto isto, na Tel Aviv que pensa, reage e resiste ao pragmatismo irresponsável de seus dirigentes expansionistas, questiona-se por outro lado:
Mas o Estado de Israel não foi proclamado por David Ben-Gurion e seus colegas unilateralmente no dia 14 de maio de 1948?
Mas o Estado de Israel não foi proclamado em uma resolução adotada pela Assembléia Geral da ONU sem consultar quem já lá morava?
A resolução em questão é a 181 do dia 29 de novembro de 1947 que dividia a Palestina em dois estados.
Um foi formalizado e o outro foi deixado de lado.
A resolução 181 que serviu à declaração de Ben-Gurion no ano seguinte é a mesma na qual os palestinos se apóiam para oficializar seu Estado.
Trocando em miúdos, como diz o jornalista Uri Avnery, os palestinos têm de ser condenados pelo esforço impertinente de recorrer à ação “unilateral”.
É o que diz Binyamin Netanyahu. É o que diz Barack Obama. É o que diz Hillay Clinton. É o que diz Angela Merkel (por razões diversas).
Moral da estória, qualquer que seja a frase, encarreada, vira mantra. Que como se sabe, em sânscrito significa “arma ou utensílio do espírito” que deveria ser usado para o bem-estar físico e espiritual. O mantra é baseado no poder do som. Pela sua vibração e ressonância ele teria a capacidade de transformar o ambiente e quem o recita. O mantra é repetido a fim de produzir um efeito determinado.
Neste mantra acima, de “punamos os palestinos pela impertinência de recorrer à ONU para legalizar seu Estado”, o efeito desejado é influenciar a opinião pública internacional para quando os EUA vetarem a decisão dos demais Estados, poderem dizer: Tomou papudo! sem chocar demais.


Acabei de ser informada do "aviso" do governo de Israel que os jornalistas a bordo da Flotilha humanitária que está se dirigindo a Gaza terão todo material confiscado e serão banidos pessoal e profissionalmente do país por 10 anos.
Gato escaldado que cobre o Oriente Médio sabe do perigo que corre de não poder trabalhar e fica de fora, consternado.
Em solidariedade aos que estão nos navios, tanto os ativistas quanto os que vão fazer o trabalho vetado aos especialistas - que paradoxalmente são obrigados a entrar pelo aeroporto Ben-Gurion e esperar na praia - aí vão algumas palavras para lembrar do que se trata.
No ano passado nove ativistas turcos foram assassinados e as dez toneladas de mantimentos que os navios carregavam foram confiscadas, além dos pertences dos passageiros dos barcos.
Este ano a Freedom Flotilla - Stay Human está a caminho para a Faixa com nove navios de passageiros e dois cargueiros que levam ainda mais mantimentos e cerca de mil ativistas de vinte países.
Alguns membros das ONGs humanitárias levam
câmeras cujas imagens irão ao ar na chegada, se a
Internet não for bloqueada.

Bons ventos tragam todos a porto seguro,
sãos e salvos.

O jornalista italiano Vittorio Arrigoni (à direita),
na flotilha do ano passado.
A deste ano foi batizada Stay Human
em sua homenagem





Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/;
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