segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Punição natalina

Hoje eu tencionava escrever algo leve, mas como uma parte do mundo continuou a viver em um rítmo defasado da harmonia à que o Natal nos leva, sou obrigada a solidarizar-me com as vítimas e adiar as boas-vindas ao verão que chegou no nosso Brasil pacífico.
O Natal na Palestina é um paradoxo vivo. Enquanto os turistas estrangeiros são bem-vindos a Belém para as cerimônias natalinas, os cristãos locais, ou seja, os milhares de palestinos, são bloqueados nos check points e encurralados em suas cidades limítrofes sitiadas por soldados israelenses devidamente armados e alheios ao espírito de paz natalino.
Além deste estado que perdura há anos (o próprio Yasser Arafat foi impedido por Ariel Sharon de participar da missa natalina), parece que Israel deseja continuar uma outra tradição de comemoração militar do Natal bombardeando Gaza. Uns dizem que é uma vontade dos sionistas integristas de desafiar a América e a Europa e mandar a mensagem de que não estão nem aí para o nascimento do tal Jesus Cristo. Outros dizem que a decisão é política, de fazer com que explosões de túneis que alimentam os gazauís famintos, assassinatos de militantes políticos (que se estivessem na França ocupada pelos nazistas seriam chamados de resistentes em vez de terroristas), e a ameaça de prisão do compatriota Jonathan Pollak passarem em brancas nuvens. Apesar do título e do lead, vou falar mesmo é sobre este rapaz de 28 anos apoiado por muitos e elogiado publicamente pelo compatriota Ayed Morrar – internacionalmente conhecido pelo seu premiado documentário em que relata a vitória desarmada de ativistas israelenses que levou à queda do muro na cidade palestina de Budrus.
Apesar de jovem, Jonathan já é veterano deste tipo de batalha contra barreiras, muros de separação, colonização judaica na Cisjordânia. Há anos que vem protestando junto com os nativos e compartilhando com eles os mesmos riscos físicos nos confrontos com as forças militares israelenses que chegam a usar munição real contra as pedras lançadas pelos jovens palestinos quando a situação se endurece.
Mas não é por esta militância atrás do muro da vergonha que sitia a Cisjordânia e confisca terra e água palestina que ele corre risco de prisão, mas sim por ativismo em seu próprio país democrático e livre e na cidade liberal e viva que é Tel Aviv.
O protesto foi pacífico. Um tipo de passeata, ciclista, com outros trinta companheiros pelas ruas de Tel Aviv contra o bombardeio e o sítio de Gaza em 2008. Este tipo de passeata ciclista é até comum em Tel Aviv contra a poluição motorizada e outras causas ecologistas. Ele foi o único do grupo a ser preso e desde então a questão virou política e foi abraçada pelas ligas de direitos humanos e pelos liberais e democratas de uma forma geral.
Por que Jonathan e não um dos outros trinta? Talvez por ser filho de Yossi, conhecidíssimo por ser um dos maiores boicotadores da colônia de Ariel, na Cisjordânia, e por ser neto de Nimrod Eshel, preso várias vezes por sua liderança na greve dos pescadores na década de 50.
Jonathan “milita” desde bebê, quando desfilou pelas ruas de Tel Aviv nos braços da mãe junto com milhares de compatriotas que condenavam o ataque ao Líbano em 1982. A diferença dele com seus companheiros de passeata poupados foi que, em suas próprias palavras, foi mais longe e transformou as passeatas de protesto em ação.
Para Jonathan, racismo, chauvinismo, sexismo, especismo saem do mesmo lugar de diminuir o outro e todos estes “ismos” o indignam. Seu ‘pedigree’ e sua própria militância que começou aos 15 anos, lhe valeram uma despensa pragmática do exército, e acabou não tendo de ser objetor de consciência como dezenas de jovens israelenses que anualmente recusam o serviço militar e vão parar atrás das grades para forçar a barra de suas consciências.
Foi para a Holanda, dois anos mais tarde foi deportado para Israel justamente durante a Intifada do início do milênio e logo juntou-se ao primeiro protesto ante-barreira em Jayyus, na Cisjordânia.
Em sua defesa de Jonatham, Ayev Morrar diz que o jovem tenta provar duas coisas. A primeira é que quem acredita na ocupação não pode se dizer humanitário ou civilizado. A segunda é que resistir à ocupação não significa ser terrorista ou assassino.
Pois é, Danielle Mitterrand, resistente francesa contra a ocupação nazista, já me alertou em entrevista para o perigo de confundir resistência com terrorismo.
Terrorismo é um ato selvagem e covarde feito para aterrorizar e destruir aleatoriamente gregos e troianos, como os ataques que vimos nesta década a Nova Iorque, Londres, Madri, Roma...
Resistência, é um ato cidadão contra a ocupação física e militar ilegal de uma terra e de um povo que quer e tem o direito de existir, livre.
Em um mundo ideal, a resistência seria pacífica.
Não, em um mundo ideal, em que a ONU representasse seu papel de legislador e árbitro de todos os países de maneira igual e ativa, resistência seria inútil e a paz vigoraria.


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