domingo, 19 de maio de 2013

Baía de Guantánamo: Rogue prison


No dia 17 de maio, ativistas estadunidenses marcaram o aniversário de 100 dias de greve de fome na prisão de Guantánamo com um ato público em Washington.
Vestidos de macacão laranjado e capuz preto, característicos dos prisioneiros, entregaram à Casa Branca um abaixo-assinado com 370 mil assinaturas pedindo o fechamento do centro de detenção "immoral, illegal, ineffective."
O ato público teve mais peso porque quem entregou o abaixo-assinado foi o coronel Morris Davis, ex-promotor militar em Guantánamo.

Dos 166 prisioneiros detidos na Baía, 102 estão em greve de fome e 30 estão sendo alimentados à força por tubos na Behavioral Health Unit.
A alimentação forçada seguiu o alarde da mídia sobre a greve e a situação periclitante dos grevistas.
Barack Obama viu-se então obrigado a voltar a tapar o sol com a peneira retomando o discurso do fechamento i/mediato do presídio - que é uma (das pedras) em seu sápato desde janeiro de 2009.  
Durante a campanha presidencial de Barack Obama em 2008, uma de suas mais repetidas promessas foi de fechar o centro de detenção, interrogatório e torturas físicas, morais e psicológicas que os Estados Unidos abrira na Guantanamo Bay Naval Base.

Esta baía é um enclave estadunidense desde 1903, quando o primeiro presidente de Cuba, Tomás Estrada Palma, assinou o Cuban-American Treaty com o presidente dos EUA Theodore Roosevelt.
Nesse tratado, Cuba cedia em forma de leasing aos Estados Unidos o usufruto da Baía de Guantánamo e águas adjacentes por um aluguel mensal de US$2.000 em moedas de ouro. O Tratado não estipula prazo e só pode ser quebrado unilateralmente por iniciativa de Whashington.
O contrato foi ligeiramente retificado em 1934, mas foi mantido com os mesmos privilégios que os EUA gozavam.
Após a Revolução de 1959, os Estados Unidos continuaram a mandar os cheques pontualmente e Fidel Castro os engavetou todo mês sistematicamente. Tem uma mesa no Palácio presidencial em Havana cheia.
Cuba tentou todas as instâncias internacionais para desfazer este tratado que interfere em sua soberania territorial - navios cubanos têm de provar que são mercantis para passar - mas o peso dos EUA tem sido mais forte, embora alguns dos argumentos de Fidel sejam válidos.
O argumento mais convincente é o uso deturpado da Base, há anos transformada em centro de detenção que funciona em toda ilegalidade constitucional. Tanto internacional quanto dos EUA.
O Artigo II do Tratado estipula que os Estados Unidos podem "generally to do any and all things necessary to fit the premises for use as coaling or naval stations only, and for no other purpose."
Ou seja, o uso da base como prisão é mais do que discutível, mas mesmo assim Cuba não tem conseguido romper o contrato nos tribunais internacionais.
Nesse ínterim Guantánamo virou símbolo de prisão arbitrária, tortura e espelho das inquidades da Guerra contra o Terrorismo que substituiu a Guerra Fria.


O centro de detenção controvertido data de 2002. 
Foi criado durante a presidência de Gorge W. Bush para" alojar" unlwaful combatants capturados no Afeganistão, no Iraque, e, subsequentemente, em qualquer lugar do mundo em que a Operação Rendition fosse acionada pela CIA. Inclusive em países ocidentais.
Desde então as ONGs de Direitos Humanos não pararam de criticar as condições de detenção, torturas e o desacato quotidiano à Convenção de Genebra que garante o respeito de prisioneiros de guerra.
Guantánamo é o resultado de uma política pós-ataque das Torres Gêmeas de Nova Iorque pelo Al-Qaeda em setembro de 2001.
No dia 17 de setembro, com Manhattan ainda sob emoção da tragédia e com o Pentágono ainda atordoado, George W. Bush, pasmado, sucumbiu aos chefes da CIA e assinou um documento (ainda arquivado classified) no qual autorizava autoridade letal à Agency
No início de janeiro 2002, o diretor de contraterrorismo da CIA, J. Cofer Back pronunciaria a célebre frase "The gloves come off". Ou seja, daí por diante, todos os golpes (baixos) eram permitidos.
Começou então uma campanha de assassinatos que visava inicialmente os membros do Al-qaeda. 
Com os anos e a criação dos drones (aeronaves teleguiadas) armados, a campanha expandiu-se a todos os suspeitos ou personae non gratae aos EUA.
O programa de targeted killings era e é conduzida sem supervisão jurídica nem judiciária, sem consulta pública, e vem sendo combatida por correntes humanistas da sociedade estadunidense. 
Quanto a Guantánamo, foi criada para os "sobreviventes". Isto é, as pessoas que capturavam e queriam interrogar longe do território nacional onde teriam de respeitar os direitos do cidadão a defesa e julgamento.
A política de drones vem sendo criticada pelas mesmas pessoas que há anos criticam Guantánamo e esperavam que esta falha no sistema estadunidense fosse corrigida por Obama.

Ora, como disse acima, na campanha para o primeiro mandato, Barack Obama repetia a quem perguntasse que fechar a prisão de Guantánamo fazia parte de suas prioridades, junto com retirada do Iraque e do Afeganistão.
"I have said repeatedly that I intend to close Guantanamo, and I will follow through on that," disse em 2008.
Ao ser eleito, assinou uma Ordem Executiva que estipulou o prazo de um ano para que a prisão fosse fechada. 
"The detention facilities at Guantanamo for individuals covered by this order shall be closed as soon as practicable, and no later than one year from the date of this order,"  dizia na declaração assinada em janeiro de 2009.
No mesmo ano o comitê de seleção do Prêmio Nobel deixou influenciar-se por sua cor, por suas palavras, por seu entusiasmo ou por algum lobby com agenda própria, e deu ao Presidente dos Estados Unidos o Prêmio da Paz surpreendendo (e constrangindo) até o premiado.
Os Estados Unidos continuavam atolados no Iraque e no Afeganistão, Guantánamo continuava na ativa, Rendition seguia de vento em popa, o programa dos drones espiões e assassinos estava se expandindo,  Obama voltara atrás na decisão de convencer Israel de para a colonização e a limpeza étnica da Palestina, enfim, como aceitar um Prêmio Nobel da Paz quando se está até o pescoço na areia movediça belicista?
Ele foi a Estocolmo, visivelmente de "saia justa", e resolver enaltecer seu país em vez de si mesmo. Entre outras coisas, ousou proclamar que os EUA eram "a standard bearer in the conduct of war"... e era isto   "what makes us different from those whom we fight..." "That is why I prohibited torture. That is why I ordered the prison at Guantanamo Bay closed."
Sem falar nas outras não-verdades sobre o padrão ético da CIA e do Exército US, nas campanhas de execução, inclusive de Ossama Ben Laden que correspondeu exatamente aos padrãos do criador do Al-Qaeda, faz mais de quatro anos que este discurso foi pronunciado e mais de três que a tal Ordem Executiva de fechamento de Guantánamo foi assinada.
E até hoje a prisão continua lá, operando com as mesmas funções de antes.

Democracy Now: Inside Guantánamo

Desde que Obama assumiu o governo, 48 prisioneiros foram designados para detenção indefinida sem julgamento, segundo o inglês Andy Worthington, autor do livro The Guantanamo Files: The Stories of the 774 Detainees in America's Illegal Prison.
Andy, que é o jornalista mais bem informado sobre este tipo de infração político-penitenciária aos Direitos Humanos, diz que desde 2004, quando o Comitê Internacional da Cruz Vermelha exprimiu preocupação com os efeitos sobre a saúde mental no tipo de detenção aplica em Guantánamo, tudo continua do mesmo jeito.
"That hasn't changed," diz Andy. "If they were worried bout their mental health eight years ago, what state are they in now?"
Quanto aos grevistas de fome, Andy afirma que eles vêm sendo submetidos a alimentação forçada e mandou um recado para Obama: "Don't pretend you are not a vile regime that puts people away forever. Adnan Latif , a Yemeni with mental health issues, died there recently. He'd been approved for transfer over and over and over again, yet at the cost of $700,000 per year, the US has been holding a man for eight years, and eventually he died. How would the American people feel if an American was captured by a foreign power and then told he would be released, then wasn't, and eventually died? It's not going to go down well, is it?"

Para Andy, Guantánamo não passa de uma instituição de tortura e detenção indefinida.
De fato, em sua recente campanha à reeleição, Obama não disse uma palavra sobre Guantánamo e outras prisões estadunidenses semelhantes espalhadas por países cúmplices - só na semana passada lembrou-se da promessa, sem mencioná-la, e retomou o discurso do fechamento.
David Nevin, um dos advogados de um dos prisioneiros, diz que a prisão não dá sinais de estar sendo fechada. "It's currently being expanded. They've just spent $730,000 on a new soccer field for the detainees, millions are to be spent on upgrading the internet, there is new home construction everywhere. You go down there and walk around and you don't get any impression that this place is going to close anytime soon. It looks for all the world like a prison that will go on indefinitely."
Segundo advogados e pesquisadores da história de Guantánamo, desde 2002 a prisão deteve 779 prisioneiros de nacionalidades diversas, inclusive europeias.
Durante o governo de George W. Bush, 532 foram soltos. 
Advogados, oficiais de carreira, especialistas do governo, consideram que 86 dos 166 homens detidos em Guantánamo são inocentes.
Durante o governo de Barack Obama, até agora, apenas 70 recuperaram a liberdade.
(A disparidade nos números acima é devida a mortes sob tortura e suicídio.)

Como se Guantánamo não bastasse, ou para tirá-la da luz dos holofotes mediáticos, ou para facilitar transporte e anonimato, Barack Obama inaugurou em 2009 um outro centro de detenção do mesmo gênero.
Desta vez no Afeganistão, na Base militar dos EUA na cidade de Bagram. 
O Parwan Detention Facility começou com George W. Bush mas foi completado no governo de Obama. 
Aliás, a prisão de Bagram já existia e era conhecida pelos jornalistas, sobretudo após a morte de dois detentos sob tortura em dezembro de 2002.
A prisão, inclusive esta versão modernizada - na estrutura, mas não nas práticas medievais de tortura - é vedada a representantes de ONGs de Direitos Humanos e a jornalistas.
A Cruz Vermelha tem acesso esporádico e seus inspetores ressaltaram em 2009 que os detentos não tinham direito a conselho jurídico.
Vários oficiais e soldados interrogados após a morte dos dois detentos que chamaram um pouquinho da atenção da mídia, disseram que de maneira geral os prisioneiros eram bem tardados. Porém, admitiram que alguns interrogadores constumavam aplicar maus tratamentos. Tais como surras, privação de sono, humilhação sexual, ameaças com cachorros, sacudir o teto (de grade, aberto), etc.
Enfim, os mesmos tipos de tortura praticadas em Guantánamo e em outros lugares.
Em 2005, havia 450 detentos na antiga prisão de Bagram.
A festa da tortura corria solta até que um dos prisioneiros conseguiu escapar e botou a boca no trombone. Suas denúncias das torturas de toda índole chegaram aos ouvidos da ONU, interessaram a mídia ocidental, e foi aí que a construção vetusta foi abandonada e a Nova Parwan Detention Facility foi erguida em Bagram. Com todas as medidas de segurança que a teconologia possibilita e com o mesmo princípio de privacidade e tolerância reduzidas ao mínimo. 
Em 2011, mais de 3 mil afegãos e estrangeiros suspeitos de terrorismo estavam detidos em Bagram.
Dezoito vezes mais do que em Guantánamo.
O número de prisioneiros, em vez de diminuir, quintuplicou desde que Barack Obama assumiu a presidência em 2009.
Dentro do Afeganistão, o escândalo da prisão estadunidense de Bagram era tão grande e foi atingindo tamanha proporção entre a população, inclusive os que não apoiam os Talibã, que o presidente Hamid Karzai teve de tomar uma providência.
Solicitou que os EUA transferissem a administração (oficial) da prisão à ANSF (Forças Afegãs de Segurança).
A cerimônia de transferência ocorreu em setembro de 2012. Porém, em março de 2013 ainda havia prisioneiros que os Estados Unidos relutavam em deixar nas mãos dos afegãos.
Concluindo, cedo a palavra a um militante de Direitos Humanos que sugeriu que os EUA levassem para lá todos os "terroristas" que se encontram em centros de detenção como Guantánamo, Bagram, e os demais espalhados pelos países cúmplices do programa de Renditon.
"E lá, no "país da liberdade", os EUA deixarem o sistema do qual tanto se orgulham funcionar também para seus adversários. Não é que muitos dos presos não mereçam estar presos. Merecem. Mas outros não. O sistema judiciário foi criado justamente para que um juiz/júri separe o joio do trigo sem preconceitos. E a tortura, qualquer que seja, é inadmissível em um mundo que se diz civilizado. Qualquer que seja o crime. É a aplicação do sistema de justiça que nos diferencia dos extremistas."

Andy Worthington em ação em Langley, na frente da CIA 

Trailer do filme do cineasta sul-africano Gavin Hood: Rendition

Filme do cineasta inglês Michael Winterbotton: The Road to Guantanamo

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