domingo, 5 de fevereiro de 2012

Bashar el-Assad e os rancores que submergem a Síria


No dia 02 foi aniversário de 30 anos do massacre na cidade de Hama, na Síria.
Os insurgentes de 2012 resolveram comemorar a data macrabra com protestos em todas as cidades que se opõem sem reservas a Bashar el-Assad.
E a repressão em Homs voltou à atualidade da qual saíra por causa da trégua que, de ambas as partes, parecia mais uma retirada estratégica para atacar com maior ferocidade.
Este massacre faz partes destes atos medonhos que não se esquece mesmo a geração mudando.
Muito pelo contrário. De pai para filho o horror aumenta de intensidade na descrição dos fatos, e os meninos, adolescentes, crescem com ódio arraigado.
Quando comunidades religiosas ou políticas são visadas o problema se agrava e vira uma afronta generalizada que ultrapassa as famílias prejudicadas física e materialmente para atingir todos os membros do partido ou confissão esmagada.
Tudo começou em 1980 com a Irmandade Muçulmana tentando assassinar o presidente Hafez el-Assad.
Ele sobreviveu e sua desforra foi como se tivesse sido assassinado de maneira inimaginável.
Vários imãs são detidos e no dia 02 de fevereiro de 1982, 150 membros da Irmandade Muçulmana conduzem uma semi-revolta à qual o presidente da Síria responde com Forças Especiais do Exército invadindo e bombardeando a quarta cidade do país sem piedade.
Dos 250 mil habitantes sunitas, estima-se entre vinte a quarenta mil o número de mortos. Rifaat al-Assad, irmão caçula de Hafez, vangloriou-se então da cifra de trinta e oito mil.
Além dos mortos, quinze mil pessoas ficam desaparecidas e cem mil são expulsas.
Bashar só tinha 17 anos na época do massacre de Hama, mas a velha-guarda que rodeava o pai continua à sua volta. E não perderam a memória da atrocidade que vários deles protagonizaram de bom grado.
A Irmandade Muçulmana, que embora tivesse sido criada antes, operava na Síria desde 1963, é banida para outras paragens e passa a mexer os pauzinhos fora das fronteiras.
Foi então se expandindo nos países vizinhos. O Hamas em Gaza, no Egito, Tunísia... Dois países onde foi o grande beneficiado com as revoluções pacíficas na quais, como de praxe na política, entrou na hora de colher os louros da vitória dos jovens laicos.
 
Na Tunísia e no Egito a intervenção externa foi mínima porque ambos os ditadores eram cúmplices estadunidenses de longa data e Washington, por pragmatismo responsável, resolveu deixar como estava para ver como ficava antes de tomar o partido que o servisse.
Na Síria a revolta começou popular, com mulheres de cabeça descoberta, jovens imberbes, homens de todos os credos e raças.
Hoje não se vê mais mulher nas passeatas e as que saem de casa só mostram a cara.
Lembro que no dia 03 de junho do ano passado em Hama, os participantes da passeata pedindo reformas democráticas se contavam em milhares. 
Os soldados receberam ordens de controlar a massa e no final do dia, cinquenta cadáveres jaziam no avermelhado centro da cidade.
Um mês mais tarde Hama voltou à carga com a maior marcha de protesto que o país vira e as palavras de ordem continuavam a exigir reformas democráticas.
Bashar poderia ter aproveitado a dica e feito o que desejava ao assumir o governo após a morte do pai, mas não.
Em vez de seguir seu instinto e vontade (dita da boca pra fora) de democratizar o regime ditatorial que herdara, deixou-se levar pela ala dura velhaca que ainda atua e demitiu o governador da província na hora.
Em seguida, tanques de guerra apareceram nas ruas e ao pôr do sol, vinte famílias choravam seus mortos e duas se indignavam com o estupro das filhas.
De Damasco, Bashar procurava uma saída enquanto Homs e outras cidades se rebelavam.
Controlar Hama era fundamental para conseguir acalmar os ânimos e começar transações pacíficas.
Mas Israel deu o grito de alerta, "Assad é amigo do Irã e inimigo de Tel Aviv!"
O embaixador dos Estados Unidos que nos outros países tinha ficado em casa, saiu de Damasco, foi a Hama e declarou apoio aos rebelados indicando que não sairia de lá até segunda ordem.
Dois dias depois, 500 mil pessoas saíram às ruas, as palavras de ordem viraram "Abaixo Assad" em vez de "Queremos reformas democráticas". A cidade ficou incontrolável.  
Daí em diante em Homs e Hama tem sido um vai e vem de mortes e passeatas que não acabam.

Como já disse em blogs anteriores, o conflito está cada vez mais sectário e armado de um lado e de outro. 
Os Assad são alauítas, como se sabe; e como eles, outros 12% de sírios.
Para incriminar outras tendências político-religiosas na repressão atual, além dos druzos (3%), Assad susbstituiu dois homens em postos chave - Ministério da Defesa e chefia das Forças Armadas - por um general cristão (10% da população), Dawoud Rajiha, e por um sunita (74%) originário dos arredores de Hama, Fahd al-Rarij.
Rajiha ocupa um cargo de fachada. O encarregado do trabalho sujo é Rarij. Mas é claro que nem um nem outro tem palavra final em nada. Mas ambos estão lá para bloquear o poder de alguém que os irmãos Assad (Bashar e Maher - comandante de um batalhão especial) consideram desde sempre traíra. Asef Chawak, o cunhado próximo dos EUA e de Israel, responsável suposto (junto com o Mossad) pelo assassinato em 2005 do ex-primeiro ministro sunita do Líbano, Rafic Hariri.
Desde então os irmãos Assad tentam controlar Chawak como podem dando-lhe cargos com títulos pomposos, mas que o deixem longe dos quartéis e de simpatizantes militares.
Talvez seja daí que venha a queda do império Assad. De dentro. Uma mordida da cobra que alimentam por causa dos laços familiares e da ameaça da irmã Bushra, que por querer virar primeira dama no lugar de Asma (esposa de Basha) ameaça divulgar os podres da família cada vez que os irmãos tentam afastar o marido de Damasco.
Como vêem, no final das contas, as tragi-comédias familiares dos poderosos são as mesmas nossas.
Quem tem mais de 40 anos no Brasil conheceu a da família Collor...

Não param de me perguntar algo que vou tentar responder agora. Não dá para dizer que está havendo intervenção estrangeira direta na Síria. Mas indireta é mais do que provável.
Como aconteceu nas "Revoluções das cores" nos ex-satélites da União soviética em que a CIA infiltrou as universidades montando centros estudantis para fazer propaganda anti-russa.
Lá distribuíam panfletos-guia de oposição estranhamente semelhantes na Georgia (Revolução Rosa), Ucrânia (Laranja), Kirguistão (Tulipas); além de muita grana, é claro.
Isto também não faltou na Líbia em que a colheita em petróleo seria farta e o lucro cobriria os gastos.
Nem serviço de informação, satélites e zepelins monitorando as áreas-chave.
Nestes conflitos internos em que os Estados Unidos têm interesse econômico (petróleo, água...) e político (proteger Israel), é como se fosse uma Feira de Atacados em que tudo fica varejado e até o porteiro é corrompido para o caixeiro-viajante gringo entrar à vontade.

Desde a Guerra Fria que os interesses ocidentais têm sido focados em estabilidade, com Israel provocando instabilidade com a qual seus aliados têm sido obrigados a lidar e arcar com o ônus do apoio cego e ilimitado.
A tal ponto que, por incrível que pareça, em Washington há quem diga que a "Guerra do Iraque" foi um sucesso porque atingiu seu objetivo...
Qual era mesmo?
"Livrar Israel da ameaça do inimigo Saddam Hussein."
Esta pessoa esqueceu de mencionar os contratos faraônicos de Segurança que Israel garantiu por anos (décadas, séculos?) em todos estes países "perigosos" que os EUA invadem, ocupam até exaurir os fundos e a paciência dos cidadãos estadunidenses, e depois deixam bases perenes que lembram a população: "Cuidado com o Big Brother!" Do George Orwell, é claro.

A retirada do Iraque de fachada deixou o país reduzido a uma bagunça sectária em que ninguém se entende.
Bagunça controlada.
Através do imenso complexo econômico-militar que os EUA chamam de Embaixada - complexo de 9 alqueires (cerca de 45.000m²-http://www.nytimes.com/slideshow/2012/02/07/world/middleeast/20120208-BAGHDAD-5.html). Na beira do rio Tigre.  
Mas intervenções como as do Iraque e do Afeganistão são mais raras do que as inúmeras intervenções à distância, às vezes mais eficazes do que as ocupações de fato.
A invasão do Líbano na década de 1980 é a prova cabal.
Israel patrocinou os falangistas em todos os sentidos até conseguir desfigurar o país, expulsar a OLP e monitorar o massacre de Sabra e Chatila.
O analista israelense Oded Yanon, descreveu em sua "Estratégia para Israel nos anos 1980" - expressa no mesmo ano de 1982 em que ocorreram os massacres de Hama e de Sabra e Chatila - a tática do seu país e dos EUA.
"A dissolução total do Líbano em cinco províncias serve de precedente para todo o Mundo Árabe, incluindo Egito, Síria, Iraque e Península Árabe, e já está seguindo seu caminho. A dissolução posterior da Síria e do Iraque em áreas únicas étnicas e religiosas, como o Líbano, é o alvo principal de Israel na Frente Oriental a longo prazo. Enquanto que a dissolução militar da potência militar destes Estados constitue o alvo a curto prazo.
Every kind of inter-Arab confrontation will assist us in the short run and will shorten the way to the more important aim of breaking up Iraq into denominations as in Syria and in Lebanon. In Iraq, a division into provinces along ethnic/religious lines as in Syria during Ottoman times is possible. So, three (or more) states will exist around the three major cities: Basra, Baghdad and Mosul, and Shi'ite areas in the south will separate from the Sunni and Kurdish north."
A atualidade do documento de três décadas atrás é ou não é de arrepiar?
Mostra que a teoria do complô nem sempre é vaga...

Para bom entendedor da evolução dos interesses (imutáveis) de Israel e dos Estados Unidos no Oriente Árabe, a bola da vez agora é a Síria, que querem transformar em Iraque: elites destruídas, conflitos étnicos e religiosos intestinos insolúveis, força militar nacional exangue ou extinta para que o Estado perca toda e qualquer voz ativa.
E o plano maquiavélico está em marcha.
Assad foi posto de joelhos e com a espada de Dâmocles pendendo sobre sua cabeça.
As "forças rebeldes" são díspares e algumas estão cada vez mais destrutivas.
Certos habitantes de Damasco e Alepo dizem estar sofrendo mais com ataques dos insurgentes do que com dos soldados.
Oficiais já debandaram, é certo. Mas isto na Síria não é novidade, considerando as origens religiosas e étnicas diversas dos menos graduados.
Quando um general mudar de lado, aí sim, significará algo.

É claro que a insatisfação civil é palpável e justificada.
Prova disto é a agressão do chargista Ali Ferzat - que vem cutucando o regime desde o século passado - para calar sua pena.
É claro que sem que a oposição se manifeste em alto e bom som o ditador dará de ombros e tudo continuará como está.
É claro que o regime da Síria tem de mudar.
Contudo, talvez por enxergar o mundo em macro, continuo achando que derrubar Bashar el-Assad deste jeito só vai piorar a situação de todos.
Lá e alhures.
Derrubar a cúpula do governo que o segura no alto da escada, isto sim, mudaria tudo.
Mas quem ficaria no lugar?
Se fosse síria, em vez de exigir a demissão de Bashar para vingar-me do que fez o pai ou de atos dos quais foi cúmplice, mais por fraqueza do que por vontade, estaria exigindo que demitisse a velha-guarda que o puxa para baixo e explora seus piores instintos, dar-lhe-ia seis meses para pôr a casa em ordem, convocar Assembleia Constituinte, marcar eleições diretas para que o povo escolhesse quem quisesse pôr no seu lugar e ponto e vírgula.
Assim ficaria com a sensação de estar salvando a pátria de desintegração, quiçá, irremediável.
Mas sou só observadora. Estou de fora, ninguém me dá dinheiro, armas; ninguém me promete postos no governo nem vingança "assegurada".
Muitos dos que estão nas ruas comandando os gritos "Abaixo Assad" acham que têm agenda própria, político-pessoal-religiosa, sem saber que é manipulado por forças insuspeitáveis.

A instabilidade na Síria vem sendo usada e fomentada por Israel e Estados Unidos, mas também pela Arábia Saudita - que é o "primo" árabe.
O coro dos três contra Assad tem objetivos reacionários e não progressistas. E todos são em próprio benefício.
O que não significa que o regime ditatorial tenha de ser mantido por causa disto ou de outros motivos paralelos expressivos.
Entretanto, quem, fora e dentro da Síria, emitir oposição a Assad, tem de estar ciente do que isto implica.
Querendo ou não, Hafez Assad estabilizou a Síria, transformou-a no país mais influente da região e o único indomável pelos EUA e seus aliados regionais.
Nas últimas décadas ela está no comando do que se chama Frente Rejeicionista que se confronta aos EUA e a  Israel sem complexo e sem sucumbir às propostas de planos de "paz" que não incluam um Acordo compreensível e justo do conflito Israel-Palestina.

De onde vêm as armas que os insurgentes carregam e usam contra os soldados?
Algumas são troféus de guerra, outras chegam com desertores, mas e as demais?
Por ondem chegam? Quanto custarão em "favores" no futuro?  
O FSA (Free Syrian Army) tem atacado subúrbios da capital, mas ainda não representa perigo para o Exército Nacional.
Ouvi dizer que os oponentes estranhos à Síria e inimigos de Assad estão esperando que seu arsenal se exaura.

Para a OTAN atacar a Síria precisa da unanimidade que a China e a Rússia negaram ao Conselho de Segurança das Nações Unidas até para uma Resolução menos grave.
Mas o assunto vai ficar na pauta e conforme for, os EUA vão fazer o que fizeram no Iraque: dar as costas à ONU e bombardear tendo em solo algum aliado acidental.
Mas aí a vaca torce o rabo.
Putin não vai deixar a Síria escapar de mão beijada.
Desde 2009 que a Rússia vem renovando e fortalecendo sua base naval em Tartus. Inclusive para apoiar operações ante-pirataria.
A base é estratégica e os soldados russos que a protegem estão bem armados e segundo colegas do jornal moscovita Pravda, o porta-aviões Almirante Kuznetsov está no eixo do Mar Mediterrâneo.
Atacar a Síria sem consentimento do Kremlin é declarar guerra além do Oriente Médio.
Será que interesses econômicos e a pseudo-segurança de Israel são mais importantes do que a segurança de todo o Ocidente?
E quem conhece o arsenal sírio, o maior e mais sofisticado do mundo árabe, sabe que seu sistema ante-mísseis é de alta qualidade e Assad não deixaria caças inimigos penetrarem seu espaço aéreo com a mesma facilidade que invadiram o espaço líbio no ano passado.
Por isto os EUA ainda estão pensando antes de se deixarem convencer pelos empurrões de seu afilhado guloso que lhe dá tanto trabalho no Oriente Médio.
A calma se impõe, em ano de eleição.
Obama reiterou seu apoio incondicional a Israel em seu último discurso de campanha e a propaganda pró-israelense nos EUA continua a correr solta. Mas o Irã, o Iraque (!), e o Líbano (!!), já deixaram claro que não participarão de sansões contra a Síria, quem dirá de intervenção.
Portanto, não é amanhã que Assad ficará à míngua e ilhado.

E qualquer que seja o presidente dos Estados Unidos, na Casa Branca sabem que a guerra que dá cartaz é aquela em que atacam de longe, esmagam sem serem tocados, bombardeiam de posições inacessíveis, e deixam marca indelével no solo ocupado.
Os estadunidenses aceitam tudo de errado para preservar seu way of life.
Menos ver caixões sendo repatriados cobertos com a bandeira nacional.
Na Síria, vai ser difícil matar sem correr perigo.
A não ser que Putin autorize o ataque.
Aliás, em vez de criticar Putin por impedir a intervenção na Síria, a ONU deveria era pedir que ele intervenha pessoalmente junto a Assad para evitar mais derramamento de sangue.
Se Bashar ouvir alguém, ou melhor, se a velha-guarda de Hafez respeitar alguém fora de Damasco, este alguém não é Mahmud Ahmadinejad (como alguns desinformam). É Vladimir Putin.
Mas deixar os russos resolverem este problema antes que a guerra civil fique incontrolável seria um ato desinteressado do qual os EUA ainda não se mostrou capaz.
Obama precisa de dinheiro para a campanha, cara, que está começando, e muito dele vem das fortunas que estão sucateando a Líbia, sucatearam o Iraque, e estão de olho no patrimônio Sírio. Quando não das sacro-santas empresas de segurança de Tel Aviv.
Digam o que disserem, queiram o que quiserem, visem o que visarem as potências ocidentais e seus dois afilhados regionais, eles sabem, sem querer aceitar, que o futuro imediato de conciliação, mesmo que precária, na Síria, não depende deles e nem de suas vontades.
Se dependesse ou depender de vontade e influência alheias, são do Kremlin. De ninguém mais.
Mas depende mesmo é do querer dos irmãos Assad.

Só para dar uma ideia de como as coisas chegaram ao ponto em que chegaram na Síria, aproveito a deixa acima para voltar o relógio do tempo para que os acontecimentos atuais fiquem um pouquinho mais claros.
Para que a compreensão fosse perfeita, acho que teria de voltar bem longe, à época da conquista Otomana e da dominação deste Império até o início do século XX, quando na Primeira Guerra Mundial os turcos se aliaram à Alemanha, em cuja derrota também se destruiriam.
Mas este artigo já está muito comprido...
Vou atalhar a história e chegar logo à época em que um outro império, desta vez o Britânico, prometeu aos países árabes, como aos palestinos, independência às nações que os apoiassem na Campanha Militar que extrapolara as fronteiras da Europa.

Aí vem outro porém.
Em 1916, o Reino Unido fez um acordo secreto com a França (Sykes-Picot) no qual dividiram entre si as terras árabes.
Este foi seguido de outro Acordo assinado na Downing Street de Londres, em que dividiam o território compreendido entre o Oceano Índico e os Mares Cáspio, Vermelho, Negro e Mediterrâneo.
Portanto, em 1918, um exército mixto de britânicos e árabes conquistou Damasco e no ano seguinte, em vez da independência prometida, os ingleses passaram as rédeas da Síria (e do Líbano) aos franceses, cumprindo o Acordo que os árabes ignoravam até a hora fatídica.

Em 1927, Hachem Bey Khaled al-Atassi, um aristocrata de Homs que durante o Império Otomano fora sucessivamente governador das províncias de Homs, Hama, Baalbeck e Jaffa, criou o Bloco Nacional que seria o porta-estandarte da luta independentista nos próximos trinta anos.  
No ano seguinte presidiu a Assembleia Constituinte da primeira Constituição síria - dissolvida em 1930 pelo Alto Comissariado francês, que além disso, o deteve.
Mas deu a volta por cima e entre altos e baixos foi eleito presidente três vezes. Sua aura independentista lhe garantiria lugar de destaque até o fim da vida.
Em 1940 chega Vichy, o presidente francês que colaborou com Hitler, e a Resistência militar expulsa o general Dentz junto com os ingleses e declaram a independência da Síria.
Entretanto, estes soldados esquecem de voltar para casa e o general de Gaulle, recém-empossado no comando da França após ter lutado (de Londres) para libertar seu país da ocupação nazista., bombardeia Damasco para reprimir o movimento nacional independentista.
É aquela estória de liberdade é bom para mim, mas para você, meu domínio...
Voltando à história, os britânicos discordaram desta Operação equívoca e os franceses acabaram se retirando da Síria (e do Líbano) em 1946.
A ONU reconheceu ambos no mesmo ano.
A Síria já elegera um presidente em 1943, Shukri al-Quwatli e uma emenda à Constituição permite sua reeleição em 1948. Sua alegria dura pouco.
A derrota na Guerra de 1948 contra Israel (aquela em que a Palestina dançou no macabro da Naqba) o enfraquece e a insatisfação popular permite um Golpe de Estado liderado pelo coronel Husni al-Zaim em março de 1949.
Dizem as más línguas que o Golpe foi para impedir que Kuwati continuasse a investigar um grande esquema de corrupção nas Forças Armadas, questão de desvio de dinheiro e coisas deste nível baixo.
Este Golpe de Estado é o primeiro que aconteceu no Mundo Árabe.

Mas já então, o golpista recebeu discreta ajuda dos EUA, que já começava a dar as cartas (após ser o salvador da pátria ocidental na Segunda Guerra) com a miopia internacional pragmática que o caracteriza até esta data.
A razão deste ato anti-democrático estadunidense logo nessa hora é óbvia.
A contrapartida solicitada ou exigida foi que al-Zaim assinasse de imediato um Acordo de Paz com Israel e além deste, um contrato de construção de uma canalização com uma empresa estadunidense.  
O maior crime de Al-Zaim (e de quem apoiou o Golpe) foi abrir um precedente que viraria moeda corrente até 1970.
Al-Zaim faz parte da minoria kurda e é apoiado pelo Partido Social Nacionalista Sírio.
Este partido prega a laicidade e tem ramificações no Líbano, onde tem por líder o cristão Antoun Saadé.
Saadé denuncia o plano de divisão da Palestina e prega um Líbano secular, irritando tanto o primeiro ministro Riyad es-Solh quanto os falangistas que o levam a exilar-se em Damasco.
Al-Zaim lhe promete asilo, mas sua veia oportunista o leva a entregar Saadé ao Líbano, onde é fuzilado por um pelotão de execução em julho de 1949.
O resultado disto é que irrita compatriotas influentes que o derrubam logo.
O Golpe de estado é comandado pelo coronel Sami  al-Hinnawi que executa todos os membros do governo responsáveis pela morte de Saade.
Zaim e seu primeiro ministro abriram a parada lúgubre.
Al-Hinnawi se auto-elege chefe da junta militar que emerge, mas o homem forte do regime é Adib Shichakli, um kurdo de Hama.
Justamente onde vamos chegar daqui a pouco para entender um dos motores do ódio contra os Assad. 
Shichakli é militar experiente e em dezembro dá novo Golpe e prende Hinnawi "para livrar a Síria da dominação Hachemita - dinastia do rei Abdallah II da Jordânia.
A fim de diminuir a influência Hachemita, nomeia para o ministério da Defesa seu braço direito Fawzi Selu, e após fazer um limpa dos ministros pró-iraquianos, Selu acumula todas as pastas decisórias civis e militares.
O "presidente" resiste à pressão dos Estados Unidos para que acolha refugiados vítimas da Naqba e lhes dê cidadania síria. Washington achava, ou melhor, esperava que com esta manobra os palestinos criassem raízes em outra terra e deixassem as suas aos israelitas. Shichakli manterá sua posição até o fim, recusando a derrota contra os israelenses e sem querer ouvir falar em assinar tratado de paz com Israel.

Quando os egípcios se revoltam no fim de 1951 contra o jugo britânico, Shichakli toma o partido do ocupante de quem quer a simpatia e reprime militarmente as passeatas de apoio aos independentistas egípcios, dissolve o Parlamento e proíbe os Partidos Nacional e do Povo.
Os Partidos Comunista, Baas e Socialista Árabe escapam da repressão no início, mas em abril do ano seguinte todos os partidos são proibidos.
Em dezembro Shichakli cria um partido pro-governamental, o Movimento de Libertação Árabe, e pela primeira vez o país vive a experiência de partido único.
Durante todo o seu "governo", Shichakli teve um oponente realmente perigoso por ser intocável.
Hachem al-Atassi, inconformado com o regime inconstitucional que dominava o Estado.
Al-Atassi se alia ao sultão al-Atrach, que também goza de grande popularidade por ter liderado a revolução síria de 1925-1927 e pelo combate ferrenho contra os ocupantes europeus.
Os insurgentes contavam com o apoio dos hachemitas, portanto, da Jordânia, e de vários dissidentes do exército, de profissão religiosa e política oposta ao ditador.
A população vai sendo conquistada e a rebeldia de uns vira revolta popular que culmina com o Golpe militar do general Mustafá Hamdoun, chefe do Batalhão de Alepo, em fevereiro de 1954.
Adib Shichakli foge para o Líbano e depois para o Brasil, de onde trama novo golpe em 1958.
O fiasco lhe vale condenação à morte. A execução da sentença aconteceu em nosso solo, em 1964, por um matador druzo. A mando de Hafez al-Assad, por vingança.
A morte de Adib não aplacou a gana de desforra de Assad. Ordenou o extermínio de todos os homens da família Shichakli no mundo inteiro. Só dois escaparam do assassínio.

Al-Atassi e Nasser
O temor de guerra civil leva os golpistas a libertar os presos políticos e a mandar os militares de volta para o quartel.
Formam um governo pluri-partidário no qual incluem o partido comunista, dirigentes druzos e do partido Bass, reconvocam a Assembleia de 1949, constituem novo governo e eleições diretas que garantam adesão popular ao Golpe.
Al-Atassi governa durante um ano e depois Shukri al-Quwatli é reeleito à presidência.
Em fevereiro de 1958 assina a união com o Egito de Nasser criando a efêmera República Árabe Unida que se desfaz em 1961 e os conservadores retomam o poder até o novo Golpe, em 1963.
Daí em diante o partido Baas dominaria a cena política síria sem rival, pois se adaptaria à evolução política e social em luta interna entre suas várias alas.

Al-Hawrani e Michel Aflak
Baas significa "ressurreição" em árabe.
Por incrível que pareça, o partido foi inspirado em dois livros do filósofo sírio-Cristão Michel Aflak: "No caminho da ressurreição" e "A Batalha para Um destino".
Nestes livros que inspiraram o partido Arab Ba'ath, Flaq teoriza sobre sociedade, economia e política. Teoria que ficou conhecida como Ba'athismo.
Para Flak o Mundo Árabe precisa unificar-se em uma Nação Árabe a fim de conseguir atingir um alto nível de desenvolvimento. Tinha uma visão crítica da visão do materialismo dialético de Karl Marx como a única verdade a seguir e enfatizava  um socialismo árabe com características próprias. Acreditava na separação de Estado e Religião, pregava a secularização, mas era contra o ateísmo.
As ideias, como as de Marx, eram para o bem comum.
Mas como Marx, Aflak esqueceu um detalhinho: a interpretação dos homens que as colocariam em prática. 
Baas era o partido de Saddam Houssein e é o partido que dirige a Síria desde 1963 em "estado de emergência" decretado logo após o Golpe que o levaria ao poder até os nossos dias.
O partido continua mandando, mas as cabeças dos governos mal tinham tempo de acomodar-se e eram derrubadas por facções rivais -  moderadas, extremistas, comunistas - que iam e vinham.
Até o golpe final de Hafez al-Assad em 1970.
Apesar das execuções à moda das Revoluções francesa e soviética, tudo começou com boas intenções.
O primeiro governo Baas foi, para os padrões dos que o antecederam, relativamente moderado. 
O "presidente" Amin al-Hafez promulgou uma Constituição temporária que previa um Conselho Nacional da Revolução composto de trabalhadores, camponeses e sindicalistas. Al-Hafez aproximou-se da União Soviética e realizou reformas sociais importantes.
Até em 1966, na era soviética de Leonid Bejnev, ser derrubado por Salah Jedid. Regionalista e apoiado pelas comunidades muçulmanas heterodóxas druzas e alauítas.
(O "islamismo" destas duas religiões já foram contestados, embora seu livro santo seja o Alcorão. Ambas têm a particularidade de rejeitar a charia e as obrigações culturais do Islã, tais como a peregrinação. E como os cristãos, celebram a visita dos reis magos a Jesus no dia 06 de janeiro e o Natal.)

Saddam Houssein, Hafez al-Assad, 
Abdelaziz Bouteflika
A guerra dos Seis Dias perdida e a tentativa vã da Síria no conflito jordano-palestino do Setembro Negro eenfraqueceram o governo do presidente Noureddine al-Atassi, empossado por Jedid. No rebote, no dia 13 de novembro de 1970, seu ministro da defesa dá outro Golpe.
O ministro em questão era Hafez al-Wahch.
Wahch significa "selvagem" em árabe. Razão pela qual Hafez mudou o sobrenome para al-Assad.
Assad significa "leão", mais presidenciável.
Assad pai foi educado em Academia militar soviética. De volta à Síria, sua ascensão no Exército foi rápida e com 40 anos já era general, ministro da Defesa e com sede de comando.
Quando Jedid se deu conta da ameaça era tarde demais. O Golpe foi fulminante e Atassi, Jedid e seus partidários se viram encarcerados antes de acordarem.
Durante quatro meses Hafez deixou Ahmed al-Khatib ocupar a presidência. Depois resolveu pôr a cara e sentar no trono definitivamente. 
Herdou um regime ditatorial e em vez de abrandá-lo, endureceu-o mais ainda.
Trancou com cadeado todas as instituições públicas e militares, pôs alauítas nos postos chave, e em 1973 a Constituição explicitou que o partido Baas dominaria 2/3 da Assembleia que indica o presidente cujo nome é submetido a aprovação popular por referendum.
O presidente eleito por sete anos, além da prerrogativa de nomear ministros, funcionários e militares, tem poder de declarar guerra, estado de emergência, promulgar leis, condenar, anistiar e modificar a Constituição.
Estes poderes são garantidos pelo estado de emergência em que o país desde então está atolado.
A Constituição de 1973 estabeleceu que o presidente tem de ser muçulmano. Isto foi uma exigência nacionalista para se proteger da ingerência externa já experimentada antes da independência.
Hafez governou a Síria com mãos de ferro, aço, enfim, literalmente, com facão e martelo.
No plano interno esmagou toda oposição à sua autoridade.
No externo, fez do Líbano um inimigo, ocupando parte deste até 2005.
Para os libaneses, Assad = diabo.
Sua relação com os Estados Unidos foi de mal a pior.
Com a Rússia, foi e é forte, histórica. Com o Irã é pragmática e "convivial"; de igual para igual, e não da submissão propagada.

Família Assad completa: Anisa e Hafez
Maher, Bashar, Bassel, Majid, e Bushra - a problemática 
Hafez morreu no ano 2000 deixando o governo para o filho Bashar, que, diga-se de passagem, caiu de paraquedas em Damasco.
Quem foi criado como futuro presidente foi o irmão mais velho, Bassel. Este era a menina dos olhos do pai e gozou da mesma propaganda de culto da personalidade.
Bassel foi chefe da guarda presidencial, representava o pai em funções oficiais uniformizado e os sírios já o tratavam como príncipe herdeiro e consorte.
Quando morreu em acidente de carro em 1994 com 33 anos, Hafez quase morreu atrás. Em vez disso, chamou Bashar que estava tranquilo estudando medicina em Londres e o coitado veio para a Academia Militar.

A herança de Bashar era pesada.
Não apenas porque o balanço dos trinta anos de reinado do pai puseram a Síria no mapa dos países incontornáveis no Mundo Árabe e ele tinha de manter seu país no alto.
Também por causa do aparelho autoritário-repressivo eficaz que o pai montara e que sem a autoridade hereditária de Bassel junto aos alauítas e os membros do partido Baas que o apoiavam, era difícil desmontar.
Como já disse antes, Bashar al-Assad não é Muammar al-Ghadafi.
Não é um monstro. É, ou era, fraco.
Sem a vantagem da hereditariedade, jamais teria tomado as rédeas de um país politicamente tão complicado.
Assumiu o governo com 34 anos, tentou liberalizar o regime libertando presos políticos e autorizou que intelectuais organizassem fóruns de debates.
Mas o que ficou conhecido como "Primavera de Damasco" foi tão efêmera quanto a estação.
A ala dura do regime, representada por Abdel Khaddam (comandante do massacre de Hama em 1982), puxou a corda que soltara e por fraqueza e instinto de auto-preservação, Bashar abriu mão de suas boas intenções, engrossou a voz, fechou o punho e começou a impor e reprimir em vez de conversar e democratizar a ditadura em que aterrizara.
Com o tempo acomodou-se, o poder absoluto lhe subiu à cabeça, foi endurecendo a fala, brandindo a espada, e julgou-se fora do alcance dos "súditos".
Daí a deixar espaço para uma rebelião legítima e fomentada foi um pulo.
E a insurgência, fomentada ou não, já sacode a Síria, suas bases e maltrata seus concidadãos desde o ano passado. É muito tempo.
Não há dúvida que ele amadureceu muito nestes meses difíceis. Está ocupando espaço e embora esteja emagrecendo, está ganhando o peso que faltava.
O ideal seria que caísse na real, marcasse eleições diretas e passasse o governo a um Conselho com representantes das principais facções políticas e religiosas para estabelecerem calma.
Depois tem uma fila de exilados, até em Beirute, pertinho de Damasco. Inclusive filhos de ex-presidentes e ditadores depostos, esperando para voltar e ocupar a vaga nem tão iminente, acho.
Se os sírios tiverem sorte, vai ser um dos esclarecidos. Há muitos. A síria tem tradição culta.
Se for um jogado de para-quedas como no Iraque..., Deus os livre.

Mas ainda não chegamos no ponto de conjeturar sobre o substituto.
Observando bem e de maneira lúcida tanto por fora quanto por dentro, a oposição a Assad (ainda) não é unânime nem tão majoritária.
De fora, tem apoio de vários, dentre eles da Rússia, do Irã, e até da Turquia - que joga duplo.
De dentro, Damasco e Aleppo, os dois esteios urbanos da Síria, ainda estão quase incondicionalmente do seu lado.
Portanto, por mais que Hillary Clinton o demonize e queira jogá-lo na sarjeta o mais cedo possível, Bashar el-Assad não parece pertinho de ser destronado.
A Síria não é a Líbia. Damasco não é Trípoli. Aleppo não é Benghazi, Homs e Hama estão longe de ter a importância dada pela mídia e são sectárias demais para que os caixeiros viajantes das multinacionais ocidentais as sediem com a facilidade que lhes foi dada pelo Conselho líbio.
Ruim com Assad, sem ele, do jeito que está a Síria, olhe lá! pois o conflito interno tem uma cara terrivelmente sectária. E tem estrangeiro do mal nas paragens.

RT: Entrevista com Bashar el-Assad

Livros do escritor sírio Rafik Schami.
Literatura de primeira qualidade e além disso,
retrata particularidades político-culturais da Síria.
A Hand Full of Stars; 
Damascus Nights;
The Calligrapher's Secret; 
The Dark side of love 
Documentário Al Jazeera: Syria, The Reckoning
I
II

"The entire Arabian peninsula is a natural candidate for dissolution due to internal and external pressures...
 It should be clear, under any future political situation or military constellation, that the solution of the problem of the indigenous Arabs (NA: palestinians) will come only when they recognize the existence of Israel in secure borders up to the Jordan river and beyond it...
... any movement of revolt will be "punished" either by mass humiliation as in the West Bank and Gaza Strip, or by bombardment and obliteration of cities, as in Lebanon now (June 1982), or by both. In order to ensure this, the plan, as explained orally, calls for the establishment of Israeli garrisons in focal places between the mini states, equipped with the necessary mobile destructive forces. In fact, we have seen something like this in Haddadland and we will almost certainly soon see the first example of this system functioning either in South Lebanon or in all Lebanon."
Oded Yinon, em A Strategy for Israel in the Nineteen Eighties.
Publicado pela Association of Arab-American University Graduates, Inc. Belmont, Massachusetts, 1982

Soldados israelenses abusam de palestinos presos
BBC censura a palavra "Palestina"
Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/;
Produtos das colônias a serem boicotados:

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