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domingo, 22 de junho de 2014

Iraque espedaçado

Há acordos internacionais assinados por países europeus situados a milhares de quilômetros dos povos interessados que geram problemas temporários, intermitentes e muitas vezes crônicos, poucos ou muitos anos mais tarde da assinatura dos ditos Tratados.
A África foi vítima destas divisões aleatórias e vira e mexe as etnias, mal-colocadas em territórios, lutam dentro de uma Nação fabricada com culturas distintas e até opostas.
O Oriente Médio também é prejudicado por várias divisões entre impérios.
O primeiro Tratado que mudou a geografia dos países árabes foi o chamado Sykes-Picot, que posteriormente permitiria que a Grã-Bretanha implementasse um outro que prejudicaria os palestinos décadas a fio, até agora - o de inicitativa do ministro das relações exteriores Arthur Balfour, em 1917. Este famigerado Tratado prometeu aos judeus uma "homeland" na Palestina contra a expectativa sionista original que pleiteava a Argentina.
Quando o império otomano desmoronou em 1918, foi dividido em dois eixos. O Noroeste e o Sudoeste. Mais ou menos de Mosul no norte do Iraque passando pelo deserto sírio até a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
Mosul, ficou com os franceses. Com a demanda comercial crescente de petróleo a Inglaterra acabou "esquecendo" o Acordo e Mosul foi parar na zona britânica dentro do Estado do Iraque, antiga Mesopotâmia. Londres assegurou assim sua parte de ouro negro.
Nessa época Iraque, Palestina, Transjordânia estavam sob Mandato Britânico; a Síria e o Líbano, sob Mandato francês; a Líbia, italiano, etcétera.
Veio a Segunda Guerra e entre cobranças e alianças, os "Mandatos" europeus se dissolveram e Estados foram formados um pouco como haviam sido ocupados, indiscriminadamente.
Com exceção da Palestina, que em vez de ser regularizada recuperando sua autonomia com a partida dos britânicos, ficou apátrida e ocupada por Israel no território que deveria ser seu Estado.

O tempo passou, o império atravessou o Atlântico e os Estados Unidos saíram fomentando ditaduras na nosso Cone Sul, na Ásia, guerras, e mais tarde aventurou-se pelos países árabes criando divergências e armando indivíduos mal-intencionadas por interesses imediatos. E um dia sombrio surgiu o Al-Qaeda.
Primeiro veio Ossama Ben-Laden, que era a versão "light" criado pelos EUA e logo auto-emancipado. Ben-Laden aplicava a pena do "quem com ferro fere com ferro será ferido", mas respeitava certas fronteiras, como por exemplo, as dos países árabes. Comparado com os "novos terroristas" que polulam no Iraque e na Síria, poder-se-ia dizer que tinha até alguns princípios.
Barack Obama aplicou a vingança o executando o "aposentado" desarmado, ele virou mártir e deixou o campo aberto para mentes mais estreitas ainda. (Há, sempre há pior. Basta dar oportunidade. Talvez daqui a cinquenta anos o pragmatismo irresponsável do império estadunidense comparado com a crueldade do chinês seja até fichinha).
A nova geração que já estava galgando os degraus de comando do Al-Qaeda desabrochou, no Iraque, em uma semi-dissidência extremista chamada Islamic State in Iraq and the Levant, ISIL, ou ISIS - acrônimo confuso que usa grande parte da mídia ocidental. De lá, se exportaram para a Síria com o nome Jabhat an-Nuṣrah li-Ahl ash-Shām - Frente de Suporte para o povo sírio, encurtado para Frente Síria, dita Nusrah, um grupo para-militar que há três anos vem causando terríveis estragos na Síria, da qual vem tenta tomar cidades e regiões inteiras, até o Líbano.
Esta nova gangue ISIL-Nusrah é de arrepiar os cabelos e dar frio na barriga só de vê-los em sua indumentária preta, seus capuzes e seus olhares ameaçantes. O discurso é obtuso e os atos são de uma selvageria planificada.
Terrorismo não é a palavra adequada para essa geração selvagem. São conquistadores bárbaros. Talvez mais bárbaros do que os antagonistas dos romanos à origem deste adjetivo. O ISIL, e suas filiais sírio-libanesas, é composto dos piores salafistas de países variados, unidos só pelo obscurantismo.
Seus "soldados" vão de jovens incautos aliciados através das redes sociais, passando por militares e policiais desempregados até a bandidos, sequestradores, infratores de leis humanas e jurídicas básicas. Reunidos por um homem que decidiu ter um paísão próprio para impor-se em rei: o Islamic State in Iraq and the Levant.

Tudo começou no Iraque caótico pós-invasão/ocupação britânico-estadunidense. George W. Bush e Tony Blair forneceram a mão-de-obra armada quando demitiram todos funcionários públicos do Exército e da Polícia de Saddam Hussein. Da noite pro dia, dezenas de milhares de jovens e pais de família ficaram desempregados e sem nenhuma perspectiva de trabalho. Até aparecer os "benfeitores" do ISIS, que os empregaram já com as armas com as quais haviam ficado.
Tudo começou com atentados esporádicos nas barbas dos soldados estadunidenses cujos oficiais acabaram se cansando e aconselhando seu presidente a lavar as mãos, deixar sua Embaixada imensa continuar a espoliação, contratar empresas de "segurança", ou seja, de mercenários para varrer as cidades, e ir-se para o Afeganistão combater os Talibã - que, diga-se de passagem, são combatentes locais sem ambição de expansão. Só combatem a ocupação.
Hoje o ISIL dispõe, entre a Síria e o Iraque, de cerca de dez mil para-militares treinados, e determinados, a quê, precisamente? Ao que al-Baghdadi mandar.
Através de suas operações militares no Iraque, Síria e Líbano, pleiteiam o tal Estado que desejam modelar no extremo religioso que permita sua união nacional pela obtusidade, por sua interpretação destorcida do Alcorão, nele continuarem a modelar exércitos de um Allah sectário e de lá patrocinarem e protagonizarem um retrocesso geral nos países árabes e depois, só Deus sabe.
Forçaram a barra na Síria e Bashar el-Assad vem aguentando firme com a ajuda direta do Irã (que não quer extremistas à porta de casa) e indireta da Rússia, que não quer perder sua única base militar nos países árabes.
No Iraque encontraram oposição recalcitrante e fraca.

O Iraque estava em frangalhos quando os GIs foram embora deixando em seu lugar uma penca de mercenários estrangeiros e uma geração iraquiana jovem com futuro incerto e cheia de ódio - condimentos propícios a violência e revoltas.
Quando os jihadistas do ISIL resolveram imaginar seu país ideal (recortado de países já estabelecidos) o nome deste virou também sua legenda.
Começaram a conquista do Iraque por Fallujah, em janeiro de 2014. Cidade em que o exército estadunidense cometeu atrocidades que a população talvez não esqueça nunca - al Bagdhadi serviu-se desta memória para recrutar militantes.
O governo fraco que ficou em Bagdá deixou correr, um pouco por inconsciência outro pouco por negligência, pois estavam acostumados a deixar tudo nas mãos dos patrões em Washington.
Aí eles foram para Tikrit, e depois Mosul, a segunda cidade do Iraque em tamanho e importância econômica. De lá para Raqqa foi um pulo que deram até o país vizinho.
Lá na Síria pleiteavam dominar de Homs a Hama até Aleppo. Cidades onde cometeram atrocidades que foram então atribuídas a Assad, a cujo exército resistiram com a violência que os caracteriza por ondem passam.
Depois começaram a atacar os próprios rebeldes sírios bem-intencionados.
Desde o começo da "rebeldia" na Síria eu disse que havia forças extremistas estrangeiras infiltradas e que sua quantidade aumentava a olhos vistos. Falei quase sozinha porque os poucos jornalistas que viam isso temiam ir de encontro ao pensamento único do politicamente correto neste conflito, que era "derrubar o ditador Assad". Dizer a verdade era mal-visto.
Hoje Assad conseguiu resgatar Homs, quebrar o sítio de Aleppo e, bem que mal, segurar Hama para que não caia no precipício. E até os rebeldes sírios já querem mesmo é que ele dê conta do recado e que recupere o país pra eles.
Três anos de destruição, para quê? Para estrangeiros fanáticos tomarem tudo deles. Mas Bashar el-Assad não quer perder nem um alqueire do país que herdou do pai. Nem os "rebeldes" locais, que há meses avisaram seus chefes bem acomodados em Doha e Ankara do perigo dos infiltrados. E estes os mandaram calar-se.

No Iraque a história é outra. O governo é frágil, o exército debilizado, e os meios financeiros precários e usados mais para corrupção do que para reforçar o exército.
Em contrapartida, nos últimos anos a família real saudita vem investindo bilhões de dólares nessas gangues jihadistas que estão tentando conquistar a Síria e que conquistaram cidades importantes do Iraque.
Por incrível que pareça, são os maiores aliados dos Estados Unidos nos países árabes, a Arábia Saudita, uma das ditaduras mais inclemente e um dos maiores patrocinadores dos salafistas, junto com os outros ditadores vizinhos. Mas nada é feito oficialmente. São "doações" "pessoais" anônimas.
Enfim, doação é para obra de caridade, para organizações do bem. Este dinheiro é é patrocínio de terror (im)puro e simples.
E por quê os poderosos de Ryad fariam isso?
Porque os saudistas se consideram a fundação do poder sunita na região e mantiveram o controle da riqueza petroleira no Golfo árabe até a derrubada de Saddam Hussein por ter querido voar com as próprias asas, mudar a moeda de negociação do petróleo, e, consequentemente, provocar a queda mais rápida do império estadunidense.
Depois que foi substituído pela maioria xiita no governo de Bagdá, aliada ao Irã, os sauditas resolveram intervir para mostrar quem manda da maneira brusca que sabem - a mesma que usam contra as mulheres sauditas que ousam querer fazer coisas tão perversas quanto dirigir carro.
(Resta saber se a família real saudita consegue/guirá controlar estes possessos do Isis como controla suas concidadãs.)
Desde a tomada do Iraque que Ryad reina soberana sobre a OPEP em preço e divisa sem oposição nenhuma, já que é o maior bully do Irã, estrangulado pelas sanções de Washington. Sanções impostas por razões político-econômicas em favor da Arábia Saudita e paranóicas de Israel, não por causa de um pseudo-perigo atômico, diga-se de passagem.
Com o colapso do governo de Bagdá, o petróleo de Mosul foi parar nas mãos dos sunitas. Dinheiro para financiar o ISIL não falta, considerando os poços de petróleo já existentes e as vastas reservas inexploradas localizadas no deserto próximo de Bagdá que também se encontra sob controle dos extremistas sunitas e não do governo central.
Além do caminho mais fácil, o da pilhagem. A primeira coisa que o ISIL faz quando conquista uma cidade é esvaziar os bancos e soltar todos os presos, que são logo convertidos em "soldados". Só em Mosul roubaram mais de US$400 milhões. Portanto, dinheiro não falta mesmo. Nem mão de obra criminosa. E já dispõem de alguns tanques.

O pior que pode acontecer nesta história é Obama convencer o Irã, com promessas de amenizar ou acabar com o bloqueio que lhe impõe há anos, a recomeçar uma guerra contra o Iraque. A da década de 80 do século XX levou à morte de 1.5 milhões de xiitas e sunitas armados por estrangeiros.
Lembro que na época as potências ocidentais estavam mais do que satisfeitas com esta guerra entre Teerã e Bagdá. Além de não perderem nem um soldado, os Estados Unidos e seus aliados lucraram milhões em venda de armas, inclusive químicas, que despejaram no Iraque para Saddam Hussein usar à vontade nos iranianos.
E, mais uma vez, por incrível que pareça, na época, Israel foi um dos países que mais venderam armas para o Irã. Negócio é negócio e Tel Aviv regozijava de ver não-judeus se matando e eles enchendo os bolsos com dinheiro sujo de sangue. Mas já estão acostumados a lucrar com desgraça alheia, na Palestina.
O freguês de ante-ontem, inimigo de ontem, com a ameaça do terror verdadeiro (o sem fronteiras que é o ISIL) pode virar o amigo do momento. Pensa Washington. E Obama já apelou para Rohani que também tem horror de extremista.
Pois o fato é que os Estados Unidos e seus aliados desperdiçam adjetivos com partidos e países que antagonizam seu jugo economico-colonialista - "terroristas' para o Hizbollah e o Hamas por defenderem seus territórios legais; "extremista" para o Irã que se dá ao direito de escolher seus próprios valores democráticos - e quando aparecem organizações merecedoras dessas etiquetas, elas estão gastas.
Hoje, há duas formas e frentes de terror no mundo.
O terror implícito, de subjugação através da espoliação, destruição e humilhação diária, constante, que Israel aplica na Palestina na limpeza étnica que tem feito nas últimas décadas em nome do sionismo.
E o terror explícito, de subjugação através da força bruta, sem nuança, selvagem, que o ISIS tem aplicado na última década no Iraque, na Síria, no Líbano.
Terror não é defesa, é ataque. Terror não é reação desesperada e sim ação calculada. Terror é força, é arsenal de peso e não pedrada e estilingada.
O ISIL poderia ter sido contido quando era embrionário se essa fronteira linguística fosse reconhecida e tivesse sido respeitada e os EUA tivessem encarado o problema inerno com seriedadede. E com as devidas armas, quando os Estados Unidos ainda estava presentes oficialmente no Iraque.
(Quanto ao outro terrorismo, o de Israel, basta a intervenção legal e militar da ONU. Como se sabe.)
Uma outra intervenção militar direta doso Estados Unidos no Iraque hoje seria mais um erro crasso. Têm de desfazer o processo no qual investiram por ignorância e preparar os xiitas para defenderem seu Estado dos extremistas.
(Falando em xiita, nunca entendi porquê "xiita" virou no Ocidente adjetivo de extremista. Não deveria. Há xiitas esclarecidos como há sunitas. Hoje, os extremistas são todos sunitas. Acho que talvez "xiita" tenha virado adjetivo pejorativo por causa da propaganda anti-iraniana. Mas é um erro. O regime iraniano é conservador, tradicionalista, mas não é extremista como a Arábia Saudita, cuja família real é sunita.)  
Acontece que tanto no Iraque quanto na Líbia, a paz só era mantida por causa dos ditadores que tinham a mão pesada, infelizmente necessária. Como é na Síria.

Agora vou responder às perguntas que me fizeram sobre o Islamic State in Iraq and the Levant, ou ISIL.
Primeiro, quem são eles.
São "jihadistas" sunitas chiefiados pelo iraquiano Ibrahim Awwad Ibrahim Ali al-Badri al-Samarrai, vulgo Dr. Ibrahim; vulgo, Abu Bakr al-Baghdadi al-Husseini al-Qurashi; vulgo Abu Du'a; emir de Rawah. É tratado de doutor porque tem um doutorado em Islamismo e embora seja chamado de "emir" (príncipe, em árabe), não descende de nenhuma família real árabe.
Ele nasceu em 1971, em Samarra, cidade "nova" (833 DC) tombada pela UNESCO. Antes era um dos maiores centros urbanos da antiga Mesopotâmia, uma jóia à beira do rio Tigre. Hoje um pouco dilapidada devido à invasão de Inglaterra e Estados Unidos em 2003, aos recentes conflitos inter-religiosos e à proximidade de Bagdá, 125 quilômetros.
Baghdadi, é o "nome de guerra" do chefe do ISIS. Esta palavra não é nome e sim indicação de sua origem "de Bagdá".
Al Baghdadi é um salafista que aderiu ao Al-Qaeda logo após sua criação. Foi um "soldado exemplar" responsável do enquadramento de extremistas para-militares sírios e sauditas no Iraque.
Os estadunidenses o prenderam em 2003 no campo de detenção de Bucca, um dos mais violentos da CIA, e lá ele ficou entre torturas e interrogatórios até 2009.
Foi à sua saída que declarou a criação do ISIS e foi com este que ganhou proeminência.
Dizer que Baghdadi é um produto do tratamento que lhe foi inflingido no campo de detenção estadunidense talvez seja exagero. Ele já tinha tendência malígna. Mas dá para dizer que os "maus-tratos" serviram para aumentar seu ódio e para ensinar-lhe técnicas de tortura que lhe servem bastante em sua carreira de líder terrorista.
O rascunho do que é hoje o ISIL era chefiado pelo jordaniano Abu Mussab al-Zarqaui, executado em uma operação militar dos Estados Unidos no dia 18 de a abril de 2010.
Um mês depois, no dia 17 de maio, chegou às mãos da mídia um comunicado nomeando al Baghdadi  "emir" do movimento e o ISIS começou a tomar forma no terreno.
Sob suas ordens, os ataques aos xiitas e aos cristãos iraquianos proliferaram no Iraque e no dia 31 de outubro de 2010 o bando invadiu a catedral de Bagdá e no fim do sequestro acabou matando dois padres, seis policiais e 46 pessoas que assistiam à missa.
As operações de intimidação e os golpes sanguinários continuaram, se multiplicaram e quando Ossama Ben Laden foi executado em maio de 2011, al Baghdadi foi um dos primeiros a jurar fidelidade a seu auto-proclamado sucessor, o sunita egípcio Ayman al-Zauahiri - bem criado no Cairo, filho de professor universitário, que integrou a Irmandade Muçulmana aos 14 anos, teve uns probleminhas, mas continuou estudando, formou-se em Medicina, especializou-se em cirurgia, e um ano mais tarde, em 1979, integrou o Jihad, foi se radicalizando até parar no Afeganistão (com Ben Laden patrocinado pelos EUA para combater a então União Soviética) e de lá já saiu fiel a Ben Laden e ao Al Qaeda.
A associação de al Baghdadi e al Zauahiri durou quanto tinha de durar. Ou seja, até o aprendiz suplantar o mestre em todos os domínios malígnos.
Os atentados no Iraque e a pressão sobre a população de Monsul e alhures para a formação do tal Estado islâmico se intensificaram já em 2011 e eram preocupantes. Quando os EUA se retiraram de lá, deixaram o problema em andamento e lavaram as mãos como Pilatus.
O ISIL aproveitou a oportunidade do movimento anti-Assad na Síria para ganhar terreno. O que fez a passos largos, sob indiferença ocidental, todos mais preocupados em derrubar Assad do que acreditar no que ele dizia e o que era óbvio quando se via .
Hoje, para combater Baghdadi na Síria e no Iraque o Ocidente tem de encarar a realidade e ser objetivo.
Na Síria, têm de deixar Bashar al-Assad agir contra o Nusrah e talvez até ajudar o Exército sírio.
No Iraque, têm de preparar os xiitas para combaterem o ISIL agora, enquanto os sunitas fanáticos reforçados pelos prisioneiros comuns ainda são minoria (embora organizadíssima - bastou 800 deles para derrotarem milhares de soldados iraquianos despreparados).
Mas sobretudo, nem Estados Unidos nem OTAN deveriam intervir diretamente em nenhum dos dois países.
Na Síria, com apoio militar, Bashar dá conta do recado. Sobretudo se os ex-rebeldes nacionais ajudarem.
No Iraque, têm de devolver ao governo os meios militares que lhe foram tomados quando o país foi invadido e ocupado.
O que não se pode fazer é bobagem ditada pela conhecida miopia estadunidense. Ou seja, libertar extremistas rivais com a esperança que estes resolvam o problema em uma guerra de gangues - como o rei da Jordânia acabou de ser obrigado a fazer soltando um perigoso líder salafista, oponente a Baghdadi, mas próximo do Nusrah que está destruindo a Síria. Na próximas semanas ou meses talvez ele façam o que esperam dele, e depois talvez vire um Ben Laden. Nesses casos o tiro sai sempre pela culatra.
Este problema do ISIL/Nusrah é realmente grave. Já se fala em separação do Iraque como se fosse um fato.
Nada a ver com a emancipação da Crimeia, separação étno-cultural voluntária.
Nada a ver com a luta intestina entre o Sudeste e o Oeste da Ucrânia, em que a diplomacia, se quiser, resolve tudo em uma sentada de representantes ucranianos de ambos os lados, se os EUA deixarem.
Não, no Iraque e na Síria ameaçados pelo ISIL/Nusrah não há vez para diplomacia porque os "conquistadores" salafistas desprezam o diálogo, só conhecem a voz da violência e da crueldade até com parentes.
A despeito de tudo o que disse acima, sou visceralmente contra intervenção estrangeira em todos os conflitos intra-fronteiras.
Porém na realpolítica a não-intervenção estrangeira é uma ironia. Desde a Segunda Guerra Mundial, antes de uma guerra civil há sempre uma incitação externa e as razões são sempre financeiras. É para um estrangeiro lucrar.
Dito isto, alguns acham que a solução é separar o Iraque entre as três comunidades que parecem não se entenderem. Que talvez um Estado xiita, outro sunita, outro kurdo resolvessem o problema a curto, médio e longo prazo.
Eu acho que quem tem de decidir, são os iraquianos. Por enquanto, eles não querem ver seu país dividido nem sequestrado metro a metro pelo ISIL que quer ficar com o petróleo e o país inteiro.
Um governo de união nacional? Que união? Houve eleições e al Bagdadi nem se candidatou ao pleito. Ele quer governar na marra e não em um Estado de direito.
Aliás al Bagdadi e seu ISIL criaram asas que estão cada vez mais fortes e largas. Ao ponto de desafiarem até o Al-Qaeda.
Neste caso, o problema tem de ser resolvido por quem criou. A Inglaterra e os Estados Unidos. Se houvesse justiça para os assassinos em massa que matam com mandato, George W. Bush e Tony Blair deveriam pagar por seus crimes. Como só há justiça para os líderes warmongers de país sub-desenvolvido, quem vai ter de resolver o problema são os Estados Unidos, que chegaram em um país autoritário, mas arrumado, esculhambaram e foram embora deixando tudo bagunçado.
 

"The army is supposed to obey the elected government. This obedience is unconditional.
But the army (including land, sea and air forces) is the only potent armed force in the country. It can carry out a coup d’etat and grab power at any given moment.
In recent months alone, army commanders have carried out coups in Egypt and Thailand, and perhaps in other places, too.
So what prevents army commanders carrying out coups everywhere? Just the democratic values, on which they were raised.
Iin israel, a military coup is unthinkable.
Here is the place to repeat the old Israeli joke: the Chief of Staff assembles his senior commanders and addresses them: “Comrades, tomorrow morning at 0600 hours we take over the government.”
For a moment there is silence. Then the entire audience dissolves into hysterical laughter.
A cynic might interrupt here: “Why should the army bother with a coup? It governs Israel anyhow!”
In civics classes, we learn that Israel is a democracy. Officially: “a Jewish and democratic state”. The government decides, the army follows orders.
But, as the man said: “It ain’t necessarily so.”
... Just now, the army is involved in the annual ritual of the budget fight.
The army says it needs much more than the Finance Ministry says it is able to give. It is a question of national security, nay of national survival. Terrible dangers are mentioned. After a bitter dispute, a compromise is reached. Then, a few months later, the army comes up and demands some billions more. A new danger is looming on the horizon. More money, please.
The Finance people argue that a huge chunk of the military budget is spent on pensions. In order to keep the army young and fresh, officers are pensioned off at the ripe old age of 42 – and for the rest of their lives receive very generous pensions. This applies not only to combat officers, who spend much time in the field and neglect their families, but also to paper shifters, wallahs and technical personnel, whose job is essentially civilian. Timid suggestions to pay less from now on are angrily rejected.
When a general goes home, the army considers it its comradely duty to provide him with a suitable civilian job. The country is swimming with ex-generals and ex-colonels who hold central positions in politics, public administration, government-owned corporations and services etc. Tycoons employ them for huge salaries because of their influential connections. Many of them have founded “security”-related companies and are engaged in the world-wide import and export of arms and military equipment.
Almost every day, these ex’s appear on TV and write in newspapers as experts on political and military affairs, thus exercising enormous influence on public opinion.
Few of them are “leftists” and propagate pro-peace views. The vast majority propound opinions which range from “center-right” to the fascist right.
Why?
The same cynic may put forward a very simple explanation. War is the army's element.
The essence of the military profession is making war and preparing for war. Its entire existence is based on war-making.
It is natural for every professional person to long for an opportunity to show his or her professional proficiency. Peace rarely provides such an opportunity for military officers. War is a huge opportunity. War brings attention, promotion, life-long advancement. In war, a military officer can show his mettle and excel in ways unsuspected in peace.
(Senior officers like to declare that they hate war more than anyone else “because they have seen its ravages”. That is pure nonsense.)
Occupation is also, of course, a kind of war. It is, to quote Clausewitz, a continuation of politics by other means.
...The state of Israel was born in the middle of a long and brutal war. From day 1, its existence depended on the moral and material strength of its army. The army is the center of national life, the darling of its Jewish citizens. It is by far the most popular institution in today’s Israel.
This reminds one of the German Reich of the Kaiser, where it was said that “Der Soldate / ist der beste Mann im Staate” (“the soldier is the best man in the state”). Perhaps it was not an accident that the founder of Zionism, Theodor Herzl, was an ardent admirer of the Kaiser’s Reich.
... Every young Jewish Israeli is supposed to serve in the army. Men serve for three years – the most formative years in the life of the human male, the years of idealism, still unburdened by families, ready to sacrifice.
(In practice, almost 40% do not serve at all – both Arab citizens and Orthodox Jewish citizens are exempted, though for different reasons.)
The army is the melting pot for native-born youngsters, immigrants from Russia, Morocco, Ethiopia and many other countries. During 1100 days and nights, the army forges their common denominator and their common outlook.
They come to the army already prepared. The Israeli education system is a factory for Zionist indoctrination, from kindergarten on. These 15 years, crowned by the three army years, produce a vast majority of narrow-minded, nationalist, ethnic-centered men and women. From there the professional military officer starts his career, however far it may go, taking his ideological baggage with him.
Leaving the army at 42 and starting on a civilian career does not mean shedding these blinkers. On the contrary, army officers remain army officers even when donning civilian garb. One could say that the officers, present and past, constitute the only real party in the country.
... After 57 years of occupation, the army has become brutalized, many officers are settlers, many wear nationalist-religious knitted kippahs. The extreme right-wing religious parties make a deliberate effort to infiltrate the officers corps and succeed on a large scale.
More than 200 years ago, Count Mirabeau, a leader of the French revolution, famously said that Prussia is “not a state that has an army, but an army that has a state”.

The same can be said today about the Only Democracy in the Middle East."
Uri Avnery, 14/06/2014
BBC Hard Talk:  Are young Jews falling out with Israel?
Jovens judeus estão se afastando de Israel?

E neste momento de Copa do Mundo, recomendo o seguinte documentário da Al Jazeera com o nosso grande Sócrates: Football Rebels - Socrates and the Corinthians' Democracy
How Brazil's football legend turned every Corinthians' match into a political meeting for democracy.
http://aje.me/YrnGsZ

domingo, 1 de setembro de 2013

Síria, EUA e a hipocrisia do "morally obscene"

Putin's wall, Obama's fall, manchete do jornal russo "Pravda" do dia 06/09 

O presidente dos Estados Unidos Barack Obama recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2009 por "extraordinary efforts to strengthen international diplomacy and cooperation between people." Na época foi surpresa generalizada e até Obama ficou com vergonha da honra extremamente precipitada, considerando seu governo espião e militarizado. 
Na semana passada o chefe da Comissão das Relações Exteriores da Duma (parlamento russo) Alexei Pushkov sugeriu no dia 30 de agosto que o Presidente dos Estados Unidos fosse destituído de seu Nobel se bombardeasse a Síria.
"If the United States strike Syria without a sanction from the UN, the world community must demand the Nobel committee should deprive Obama of the Peace Prize."
Pois é...

O recuo de Obama era previsível. Por causa da incerteza do responsável do ataque de arma química mas sobretudo por causa de Vladimir Putin. Vladivostok estava tão cheia de jornalistas quanto Washington. Pois o "Tzar" russo era quem realmente detinha a resposta, era ele cujas palavras determinariam se os Estados Unidos teriam ou não coragem de fazer mais uma besteira histórica.
Putin falou, água parou, Obama recuou.
Os damascenos e os sírios que se refugiaram na capital para serem protegidos dos estupros, atques e pilhagens dos "rebeldes" respiraram aliviados. Aliás, se diziam prontos a resistir em defesa da pátria.
Então quem mesmo era que Barack Obama e o Tony Blair da década de dez, presidente da França François Hollande, querem socorrer de Bashar el-Assad?
A resposta na Síria é clara: ninguém quer bombardeio; o problema é nosso e não dos estrangeiros.
Quem quer bombardeio são os que estão fora puxando as rédeas e dando corda.
Quem anda apoiando o bombardeio da Síria baseado em comunicados de imprensa dos Estados Unidos de arma química e ações "moral obscene", está, no mínimo, sendo ingênuo.
Vamos aos fatos. Por etapas.
Os investigadores da ONU não encontraram absolutamente nada que prove o uso do gás "sarin" ou outro do gênero. A análise vai demorar no mínimo duas semanas, com boa vontade e trabalhando sem parar. 
E como o subúrbio cujos casos clínicos foram detetados foi bombardeado concomitantemente, segundo os próprios moradores do local, pelo Exército e por oponentes para-militares, é impossível afimar com certeza quem foi autor do atentado.
(É bem provável que tenham sido os extremistas estrangeiros infiltrados entre os "rebeldes" sírios.)
Só poderiam ter prova cabal do autor se um satélite-espião estivesse passando naquela hora, naquela região, e tivesse fotografado o local exato de lançamento e aterrissagem do foguete que continha o gás. Não é o caso. Se fosse, e se houvesse prova contra Assad, já teriam sido mostradas. Com certeza.
Mas com a tecnologia moderna, até imagens podem ser fabricadas. Para estas, há de se esperar o próximo comunicado dos EUAM, se tiverem coragem de frabricá-las.

Falando em comunicado, entre os vários hiláricos, se a questão não fosse tão grave, houve a tal prova anunciada pelos Estados Unidos de intercepted phone call.
O mundo todo sabe que eles espionam toda gente. Mas daí a acreditar na mesma estória já usada e mentirosa, é subestimar demais a inteligência dos demais ocidentais.
Quem é bem-informado e tem memória deve se lembrar que este foi o mesmo coelho negro que o então Secretary of State Collin Powell tirou da cartola gringa na reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Em 2003, os EUA usaram esta "prova" infame para impor a invasão do Iraque.
"I cannot tell you everything that we know. But what I can share with you, when combined with what all of us have learned over the years, is deeply troubling." Foi a declaração vergonhosa de Powell na época.
O Conselho de Segurança negou, mas os Estados Unidos e a Grã-Bretanha - ou melhor, George W. Bush e Tony Blair - assim mesmo partiram ilegalmente em campanha.
Os dois homens são responsáveis pela morte de dezenas de milhares de iraquianos, de atos bárbaros, e de múltiplos danos e estragos; mas não foram parar na Háguia.
O Tribunal da Háguia julgou Slobodan Milosevic por atos similares - a defesa do ex-Presidente sérvio pelas ordens que deu durante a guerra era que estava defendendo sua pátria dos vizinhos rebeldes.
Os rebeldes que Bush e Blair atacaram nem vizinhos eram.
Os que Barack Obama quer atacar com a cumplicidade do presidente da França François Hollande - que lhe deve um favor com o apoio recebido ao seu recente ataque e invasão do Mali - está a milhares de quilômetros do nosso continente, mas embora não seja vizinho, está pertinho da França. Talvez seja por isso que a maioria dos franceses desaprovam esta ingerência cujas consequências temem.

E quem seriam os culpados por este crime de uso de arma química?
Não em Washington, mas em Damasco, rolam vários boatos sobre os responsáveis potenciais, caso o gás tenha realmente sido jogado.
Do meu lado, olho, ouço e aplico a investigação política que é como a da polícia em vários aspectos. Um deles é tentar responder à pergunta Quem lucra com o crime?

Bashar el-Assad?
Nada. Só perde.
Para desafiar os EUA, como leu-se ali e acolá? Que besteira. Quem tem os problemas internos do tamanho dos de Bashar não se ocupam  de megalomania alheia.
O que lhe tira o sono são os milhares de "rebeldes" extremistas estrangeiros que tem de combater se quiser manter-se e salvar seu país de um futuro negro.
Como disse Vladimir Putin, seria "utter nonsense" para um governo usar tal tática em uma guerra que está vencendo. Pois é um fato inegável: Bashar está para cantar vitória, a calma voltar e os refugiados retornarem os lares despojados dos bens que deixaram.
Além do mais, o gás em questão só atingiu civis e soldados do Exército regular. Nenhum "rebelde" foi afetado.... Por que será? A bom entendedor,...

Os grupos rebeldes oficiais?
Será que os EUA são tão míopes a ponto de fornecer gás a pessoas que poderiam em seguida usá-lo contra Israel? Pouco provável.
Mas não se exclui este ato ignóbil de agentes infiltrados para realizar os atentados e pôr culpa em Assad.
Entregar uma ou duas bombas cheias de gás em vez de munição regular é fácil e indetectável.
http://youtu.be/U10D0-wiJ8A

Os "rebeldes" estrangeiros extremistas?
Não é descartável. Podem contrabandear o gás e usá-lo para desacreditar ainda mais Assad. E como não são sírios, ou os que são estão convencidos de ter razão religiosa absoluta, não têm nenhuma preocupação com a população local.

Mas se o ataque tivesse sido obra das tropas oficiais, murmura-se off the record, que teria sido de iniciativa de Maher, irmão de Bashar e comandante da potente Quarta Brigada.
(A frase acima está no condicional porque estes rumores são fraquíssimos e sem fundamento. Sem confirmação física nem verbal de nenhum militar. Fala-se em Maher porque todos têm certeza que Bashar jamais minaria seu próprio terreno estando com a vitória assegurada.) 
Maher foi preterido pelo pai na hora da sucessão, apesar de Bashar não ter nem vontade nem vocação militar e Maher ter até demais. O caçula da família foi preterido porque tem péssimo gênio. É um temperamental notório. Seu "estopim curto" sempre deu pano pra manga. Ele e a família da viúva de Hafez e mãe de ambos. Mancomunado com a família da mãe Aniseh, sobretudo com seu primo Rami Maklouf, Maher montou um império de negócios legítimos e menos legítimos na Síria, no Líbano e em Dubai. Razão pela qual a mãe e a irmã, duas mulheres terríveis, abandonaram o navio e se mudaram para Dubai no início de 2013 onde vivem vida de nababas.
Voltando a Maher, é irmão e rival de Bashar. Sua ambição é incomensurável. Não me surpreenderia que estivesse, através da mãe e irmã em Dubai, mexendo os pauzinhos nas costas de Bashar para tomar seu lugar. Como os genros de Saddam Hussein fizeram em Amam com a CIA.
A ironia da História em casos desse tipo é que é Bashar que ficará com a fama de déspota sanguinário.
Com o dinheiro e o poder tentacular de Maher nos países árabes e até ocidentais, vai sair por cima qualquer que seja o desfecho deste capítulo sangrento sírio. Se sobreviver. No ano passado foi alvo de um atentado dos "rebeldes", a mídia o deu por morto, mas estava em Moscou sendo tratado. Voltou à ativa e continua sendo um dos alvos prioritários dos para-militares.

Passemos à hipocrisia do título, das grandes palavras que a Casa Branca gosta de usar - "morally obscene", "red line",  quando quer justificar o injustificável.
Primeiro, quem tem autoridade para traçar "red lines" além do Tribunal da Háguia?
Que eu saiba, ninguém, pois os promotores e os juízes estrangeiros desta guerra civil e do uso criminoso de arma química são os mesmos que são coniiventes com a invasão da Linha Verde que delimita Israel/Palestina e que pisotearam a tal "linha vermelha" em outras circunstâncias, em outros lugares, com estes e outros meios.
Sempre fora de suas fronteiras, é claro. Com vidas que, a seu ver, eram "expendable". Como chamam as vidas que tiram na defesa de suas próprias causas.
Continuo contra a intervenção militar unilateral na Síria porque as consequências serão catastróficas e infinitas.
Vide o Afeganistão, bombardeado por vingança contra Bin-Laden (que é saudita, lembre-se de passagem), para "liberar as mulheres do jugo dos taliban". Foi a desculpa "ética" dada mais tarde.
Resultado para o país "salvo": Guerra interminável e as mulheres em questão não estão nada gratas.
Resultado para os EUA e aliados: Pilhagem de recursos naturais afegãos já aqui citados e controle do conduto de petróleo. 
Vide também a intervenção no Iraque porque Saddam Hussein estava "prestes" a usar armas químicas (contra quem?) que nunca foram encontradas.
Resultado para o país: um povo rasgado e mergulhado no abismo de uma guerra civil sectária interminável.
Resultado para os EUA e os 1% de bilionários que elegem seu presidente, um elefante imóvel estadunidense onipresente - o complexo militaro-diplomático-empresarial de 440.000 km², à beira do rio Tigre (para controlar a água), e para proteger os "negociantes" estrangeiros que pilham o que tem valor no Iraque.

Quanto ao uso "morally obscene" de arma química... Peraí!
Não foram os Estados Unidos que forneceram esta arma terrívela Saddam Hussein para que ele combatesse o Irã do aiatolá Khomeini na década de Oitenta?
Não foram os Estados Unidos que usaram Napalm no Vietnã a torto e a direito impunemente?
Não foram os Estados Unidos que usaram Fósforo branco, arma química terrível, em novembro de 2004 em Fallujah, no Iraque para dominar a cidade?
Não foi Israel, afilhado dos Estados Unidos, que usou a mesma arma química várias vezes no Líbano e na Faixa de Gaza com horríveis resultados em centenas de crianças?
Não é Israel que anda pesquisando uma arma química mais "cosmética" para usar nos palestinos?
Ah! Arma química só é morally obscene quando é usada pelos Estados Unidos, seus aliados e seu afilhado.
Entendo, mas onde é mesmo que está a moral?
E quem usa tem moral para punir outro infrator pelo mesmo ato?
Falando nisso, não há base legal para a punição pela ONU porque a Síria não assinou o tratado de não-uso de arma química. Assinado pelos EUA e Israel que usam sem serem questionados.
O uso de arma química é sim amoral, qualquer que seja o utilizador.

Porém, para o bem da Terra e de nós terrestres, os Estados Unidos não podem mais ser os policiais, promotores e juízes do mundo.
Há de se refutar suas tentativas de justificar intervenções militares com encenações e expressões típicas dos EUA - "morally obscene", "crossed a red line". Que como disse seriam risíveis se não houvesse tantas vidas em jogo em Damasco hoje e sabe-se lá quantos anos ou décadas mais. Vide o estado atual da Líbia e do Iraque pós-intervenção "humanitária".
Humanitária que nada.
Há um ano Kofi Annan apresentou saída diplomática viável que os Estados Unidos recusaram por miopia, picuínha com a Rússia e razões obscuras.
Se Barack Obama estivesse interessado em resolver o problema em vez de agravá-lo como há meses anda fazendo, teria pressionado os grupos "rebeldes" oficiais, sírios, há meses para que se sentassem à mesa com Assad para negociar; como Vladimir Putin propusera após convencer Bashar.
O problema dos Estados Unidos é que quando olham para a Síria não a veem. Veem o Irã.
Quando falam em bombardear Damasco sonham em bombardear Teerã.
Quando se apresentam como defensores do povo sírio exposto ao regime de Bashar el-Assad visam sim a defesa do povo israelense, cujos governantes fazem horrores com os palestinos, do lado.
Quando se esforçam para enganar o mundo com teorias mirabolantes, o fazem por despeito e não por bons sentimentos.
O fato é que o Irã, através do Hezbollah, no Líbano, vem fornecendo apoio moral e militar ao governo de Damasco desde que os "rebeldes" começaram a receber armas pesadas de fornecedores "anônimos".
Hoje, derrotar Bashar el-Assad é, para Tel Aviv e Washington, uma questão distante do humanismo. Uma questão que extrapola a racionalidade. Derrotar o regime sírio é, em seu entender, derrotar a república islâmica iraniana.
Como digo, é totalmente irracional. E o que é irracional e sectário está a anos luz de qualquer moral.
Intervenção pacificadora de soldados da ONU, por que não?
Intervenção militar OTAN-EUA, jamais! É uma lose lose situation. Todos perderão no final porque os extremistas vão nadar de braçada em toda a região até a Europa.
Se o objetivo dos EUA fosse mesmo de ajudar o povo sírio, como poderia pensar na solução unilateral draconiana que vem propagando!?
Esta estória de "cross the red line" para convencer os incautos é bobagem.
A única solução na Síria continua sendo diplomática.
Uma decisão que não incluir a Rússia, a China e o Irã está fadada ao fracasso. Ou algo pior. Uma guerra maior do que qualquer guerra "cirúrgica" que os EUA estão prontos para bancar; a fim de escoar sua enorme produção de armas.
Os EUA são míopes, mas tem gente lá que enxerga o que está na cara e por isso Obama está menos afoito do que parece.
O perigo dos Estados Unidos é que são como os extremistas muçulmanos e sionistas. Acham que a razão está sempre de seu lado, que a fórmula certa é a deles, que seu bem-estar suplanta o alheio.
Mas as pessoas sensatas no mundo não são obrigadas a aderir à cegueira deles.
Até o New York Times pôs on line a vídeo de 2012 mostrando os rebeldes executando friamente sete prisioneiros, identificados como soldados do Exército sírio regular.
Os estadunidenses responsáveis também não querem mais guerras "cirúrgicas", sobretudo quando estas podem virar mundiais.

Finalizo este assunto com um suspiro de agradecimento pela existência de Vladimir Putin que assegura um equilíbrio que a ONU deveria.
E transcrevo o que ele disse em Vladivostok sobre o tema sírio, "...I am convinced that [o ataque químico] is nothing more than a provocation by those who want to drag other countries into the Syrian conflict, and who want to win the support of powerful members of the international arena, especially the United States."
Ele sim, desafiou os EUA. Pediu que apresentassem sua proposta para uma intervenção militar ao Conselho de Segurança da ONU (em vez de tomar atitudes hollywoodianas). E como seu colega da Duma (Câmara parlamentar russa), sugeriu que Barack Obama faça juz a seu Prêmio Nobel pensando nas vítimas de uma intervenção de forças estrangeiras na Síria.
"US threats to use military force against Syria are unacceptable and Washington would be violating international law if it acted without the approval of the UN security council."
E disse o óbvio, que a crise na Síria tem de ser discutida democraticamente no G20 em São Petersburgo na próxima semana. "This (a reunião de cúpula do G20) is a good platform to discuss the problem. Why not use it?"
O Presidente dos Estados Unidos recebeu a mensagem. Se há alguém que a Casa Branca e o Pentágono temem é Putin. Aliás, não só eles.
Porém, off the record, fala-se em Amman e em Washington que "The first Syrian rebels to be trained by a CIA programme in Jordan are sneaking into the warzone and ready to strike back at the Assad regime."
É a Operação Condor "CIA-USA" nos países árabes. Para os EUA, eles representam o perigo que nós latino-americanos representávamos há 50 anos.
Parafraseando livremente Camões, Mudam-se os tempos, mudam-se os lugares, os EUA manteem o jugo de suas vontades imediatas para proteger o American Way of Life.

Documentário do jornalista John Pielger:
The War You Don't See (2010 - 1h36m)

"Poor Obama.
Right at the start of his meeting with history, he [Barack Obama] made The Speech in Cairo. A great speech. An uplifting speech. An edifying speech. 
He talked to the educated youth of the Egyptian capital. He spoke about the virtues of democracy, the bright future awaiting a liberal, moderate Muslim world.
Hosni Mubarak was not invited. The hint was that he was an obstacle to the bright new world.
Perhaps the hint was taken. Perhaps the speech sowed the seed of the Arab spring.
Probably Obama was not aware of the possibility that democracy, virtuous democracy, would lead to Islamist rule. He tried to reach out tentatively, tenderly, to the Muslim Brothers after they won the election. But probably at the same time, the CIA was already plotting the military takeover.
So now we are exactly where we were the day before The Speech: ruthless military dictatorship.
Poor Obama.
NOW WE have a similar problem in Syria.
The Arab Spring begat a civil war. More than a hundred thousand people have been killed already, and the number grows with every passing day.
The world stood by, looking on passively. For Jews, it was a reminder of the holocaust, when, according to the lesson every boy and girl learns at school here, “the world looked on and kept silent.”
Until a few days ago. Something has happened. A red line has been crossed. Poison gas has been used. Civilized mankind demands action. From whom? From the President of the United States, of course.
Poor Obama.
SOME TIME ago Obama made a speech, another one of Those Speeches, in which he drew a red line: no arms of mass destruction, no poison gas.
Now it seems that this red line has been crossed. Poison gas has been employed.
Who would do such a terrible thing? That bloody tyrant, of course. Bashar al-Assad. Who else?
American public opinion, indeed public opinion throughout the West, demandeds action. Obama has spoken, so Obama must act. Otherwise he would confirm the image he has in many places. The image of a wimp, a weakling, a coward, a talker who is not a doer.
This would hurt his ability to achieve anything even in matters far removed from Damascus – the economy, health care, the climate.
The man has indeed talked himself into a corner. The need to act has become paramount. A politician’s nightmare.
Poor Obama.
HOWEVER, SEVERAL questions raise their heads.
First of all, who says that Assad released the gas?
Pure logic seems to advise against this conclusion. When it happened, a group of UN experts, no nincompoops they, were about to investigate the suspicions of chemical warfare on the ground. Why would a dictator in his right mind provide them with proof of his malfeasance? Even if he thought that the evidence could be eradicated in time, he could not be sure. Sophisticated equipment could tell.
Secondly, what could chemical weapons achieve that ordinary weapons could not? What strategic or even tactical advantage do they offer, that could not be provided by other means?
The argument to disprove this logic is that Assad is not logical, not normal, just a crazy despot living in a world of his own. But is he? Until now, his behavior has shown him to be tyrannical, cruel, devoid of scuples. But not mad. Rather calculating, cold. And he is surrounded by a group of politicians and generals who have everything to lose, and who seem a singularly cold-blooded lot.
Also, lately the regime seems to winning. Why take a risk?
Yet Obama must decide to attack them on what seems to be very inconclusive evidence. The same Obama who saw through the mendacious evidence produced by George Bush jr. to justify the attack on Iraq, an attack which Obama, to his great credit, objected to right from the beginning. Now he is on the other side.
Poor Obama.
AND WHY poison gas? What’s so special, so red-lining about it?
If I am going to be killed, I don’t really care whether it is by bombs, shells, machine guns or gas.
True, there is something sinister about gas. The human mind recoils from something that poisons the air we breathe. Breathing is the most elementary human necessity.
But poison gas is no weapon of mass destruction. It kills like any other weapon. One cannot equate it to the atomic bombs used by America ion Hiroshima and Nagasaki.
Also, it is not a decisive weapon. It did not change the course of World War I, when it was extensively used. Even the Nazis did not see any use for it in World War II – and not only because Adolf Hitler was gassed (and temporarily blinded) by poison gas in World War I.
But, having drawn the line in the Syrian sand for poison gas, Obama could not ignore it.
Poor Obama.
BUT THE main reason for Obama’s long hesitation is of quite a different order: he is compelled to act against the real interests of the United States.
Assad may be a terrible son-of-a-bitch, but he serves the US, nevertheless.
For many years the Assad family has supported the status quo in the region. Israel’s Syrian border is the quietest border Israel has ever had, in spite of the fact that Israel has annexed territory that indisputably belongs to Syria. True, Assad used Hizbullah to provoke Israel from time to time, but that was not a real threat.
Unlike Mubarak, Assad belongs to a minority sect. Unlike Mubarak, he has behind him a strong and well-organized political party, with an authentic ideology. The nationalist pan-Arabist Ba’ath (“resurrection”) party was founded by the Christian Michel Aflaq and his colleagues mainly as a bulwark against the Islamist ideology.
Like the fall of Mubarak, the fall of Assad would most likely lead to an Islamist regime, more radical than the Egyptian Muslim Brotherhood. The Syrian sister-party of the brothers was always more radical and more violent than the Egyptian mother-movement, (perhaps because the Syrian people are by nature of a far more aggressive disposition.)
Moreover, it is in the nature of a civil war that the most extreme elements take over, because their fighters are more determined and more self-sacrificing. No amount of foreign aid will prop up the moderate, secular section of the Syrian rebels strongly enough to enable them to take over after Assad. If the Syrian state remains intact, it will be a radical Islamist state. Especially if there are free, democratic elections, as there were in Egypt.
As seen from Washington DC, this would be a disaster. So we have here the curious picture of Obama driven by his own rhetoric to attack Assad, while all his own intelligence agencies work overtime to prevent a victory of the rebels.
As somebody recently wrote: it is in the American interest that the civil war go on forever, without any side winning. To which practically all Israeli political and military leaders would say: Amen.
So, from the US strategic viewpoint, any attack on Assad must be minimal, a mere pinprick that would not endanger the Syrian regime.
As has been noted, love and politics create strange bedfellows. At the moment, a very strange assortment of powers are interested in the survival of the Assad regime: the US, Russia, Iran, Hizbullah and Israel. Yet Obama is being pushed to attack him.
Poor Obama.
TRYING TO understand the mindset of the CIA, I would say that from their point of view, the Egyptian solution is also the best for Syria: topple the dictator and put another dictator in his place. Military dictatorship for everybody in the Arab region.
Not the solution Barack Obama would have liked to be identified with in the history books.
Poor, poor Obama.
Uri Avnery, jornalista ativista israelense.
Israel using white phosphorus on Gaza
Israel usando fósforo branco
And the "great deceiver" Mark Regev denies the impossible 
Afterwards, the same Mark Regev denies his denial
Human Righst Watch: Rain of fire

Israel using whitephosphorus in Lebanese civilians (2006)
E no Líbano 

domingo, 10 de março de 2013

De volta à Síria, em palavras e imagens



John Kerry, o novo ministro das relações exteriores dos Estados Unidos, lá chamado Secretary of State, passou a semana enrolado com a Síria.
Ele foi à Arábia Saudita visitar o príncipe Saud al-Feisal (ditador aliado, portanto, "bonzinho") a fim de "assegurar apoio saudita" para seu plano de armar os rebeldes "moderados" da Síria.
Rebeldes moderados... Bom, boa sorte para quem conseguir distinguir o joio do trigo no terreno e não armar o rebelde errado.
Como aplaudi a saida da madame Clinton e a nomeação de John Kerry( em vez da primeira escolha de Obama - a embaixadora EUA na ONU Susan Rice ) lamento muito ter de discordar dele tão cedo.
Lamento mesmo.
Primeiro, porque ele afirma estar determinado a impor a Israel a solução dos dois Estados no Oriente Médio - que a boa vontade e o bom senso perdurem!
Segundo, porque ao contrário da madame Clinton - que tinha agenda própria e ignorância internacional proporcional à ambição presidencial que a obceca - Kerry é mais preparado para o cargo e tem boas ideias.
Simplificando, ele é um "good american".
Um pouco menos bitolado do que o célebre Quiet american de Grahan Greene, parece.
Suas posições no Senado indicam pelo menos dinamismo e curiosidade.
Porém, como intenção e gesto raramente se traduzem em sucesso, neste caso sírio, tenho de discordar do plano de Kerry porque até arrepio quando ouço falar em "armar os rebeldes".
Não é que eu queira que Bashar el-Assad se sinta livre para esmagar gente e prédio desenfreadamente até que a Síria seja totalme arrasada. É que há duas coisas que não consigo entender.
A primeira é como esta seleção entre moderado - extremista é possível, hoje, na Síria.
É, na teoria. Mas na prática,é uma miragem.
Por exemplo, por desencargo de consciência, os Estados Unidos podem armar a Free Syrian Army, reforçar seus militantes e ajudá-los a destruir o país mais depressa.
Mas como a transferência militar vai passar, como sempre passa nessa região, pela Arábia Saudita e não dá para confiar de jeito nenhum nessa família real...
Os ditadores sauditas sempre detestaram os Assad - alauitas incontroláveis - e estão sempre prontos a ajudar os Estados Unidos de olhos fechados. Contanto que a Casa Branca não conteste a legitimidade de seu próprio regime autoritário.
Por este prisma, podem garantir sem perigo que as armas, cada vez mais pesadas, continuem a atravessar as fronteiras dos países vizinhos.
Mas quem garante que a família real saudita vai armar a Free Syrian Army e não os para-militares islamitas que se infiltraram para combater Assad? Ora, muitos destes são sunitas Wabbabis ou salafistas - como os responsáveis pelo atentado das Torres Gêmes em Nova Iorque e como os governantes sauditas.
O esporte preferido de grupos salafistas como al-Nusra é perseguir os xiitas.
E como acontece com todo fanático extremista, só suas próprias convicções são admissíveis. Portanto,  depois de acabar com Assad e os alauitas, vão certamente acabar com outros grupos xiitas. Em seguida, com os sunitas moderados da Irmandade Muçulmana. E depois..., bem, depois acabarão com todos os não salafistas. Até chegar à limpeza dentro do próprio clã.
O extremismo não tem nuança e nem limite. (A charge à esquerda critica o "wabbabismo" através das baratas que saem da Arábia Saudita para infestar os demais países árabes).
John Kerry, os EUA, a Grã-Bretanha, a França, enfim, os países ocidentais que estão privilegiando a luta armada - em vez da solução russa de forçar, literalmente, todos a uma reunião civilizada para conversar - estão brincando com fogo.
Aliás, embora não seja neófito em política internacional, Kerry pisou na bola em Ryad.
A uma pergunta se armar os rebeldes não era uma preocupação (a mais), falou sobre a ajuda militar que Assad estaria recebendo da Rússia, do Irã,... e do Hezbollah.
Peraí!
No mês passado os israelenses divulgaram com estardalhaço que haviam capturado um comboio de armas de Assad para o Hezbollah... Quem está armando quem mesmo?
O certo é que ninguém sabe de nada.
Só se sabe que tanto Assad quanto os "rebeldes" bombardeiam hospitais e o que querem.
Muitos grupos "rebeldes" sequestram, estupram e matam indiscriminadamente. Até mais do que as tropas oficiais.
Mas isso não se pode falar porque não é "policamente correto" revelar os tropeços dos "rebeldes".
Circular na Síria a salvo, só com o Exército de Assad e com seus oponentes da Free Syrian Army.
E olha lá!
Nesta guerra civil, se já teve, não tem mais bandido e mocinho.
Armar não é solução para nada. Talvez bloquear os radares de Assad, mas tem de ser em concertação com a Rússia, o Irã e a China.
Se não, aí a jurupoca vai piar.

Até quem não está no terreno e não segue os eventos vê que a situação na Síria está deteriorando sem parar.
Dizem as ONGs internacionais que mais de 70.000 pessoas já foram mortas nestes dois anos de combate.
É uma estimativa possível. Embora seja impossível contabilizar com certeza.
Quase dois milhões de habitantes foram obrigados a deslocar-se. Dentro e para fora das fronteiras. Os países vizinhos estão cheios de refugiados.
São eles que são entrevistados pelos jornalistas que não têm acesso à Síria ou têm medo de adentrar zonas inóspitas.
E é a versão deles que vai para os jornais e provoca revolta dos estrangeiros de alma sensível ou descendentes de sírios.
Aliás, na semana passada, conversando com uma executiva de uma das maiores ONGs internacionais de Direitos Humanos, a ingerência na Síria voltou à pauta. Por causa destes depoimentos horríveis.
Seu argumento foi uma variação sobre o mesmo tema que alimenta as reuniões mundanas de pessoas "politicamente corretas" nas capitais europeias.
A maioria absoluta destas boas almas sempre foi a favor da ingerência.
Há alguns meses, estas pessoas defendiam apoio, incondicional, aos rebeldes, e um bombardeio puro e simples.
Hoje em dia, argumentam que a OTAM deveria ter agido em 2011 e acabado com Bashar el-Assad no início. (E calam-se quanto aos atentados que a oposição a Assad tem levado a cabo matando muitos civis.)
Os que defendem a medida drástica de intervenção direta, citam como exemplo a Tunísia e o Egito.
Eu, refratária a mudar o mundo em jantares e bares, mantenho minha posição de pé firme.
A ingerência só se justifica e só dá frutos democráticos e pacíficos quando é exercida em um conflito internacional.
Ou seja, entre dois países que se confrontam e um deles corre o risco de ser riscado do mapa - como foi o caso do esfacelamento da ex-Iugoslávia; ou quando um país ocupa outro e procede a uma limpeza étnica - como o que Israel está fazendo há décadas na Palestina.
Aliás, as mesmas pessoas apressadas em intervir na guerra civil na Síria emudecem quando a questão é intervir na Palestina.
(É aquela velha história da "coragem" de opiniões consensuais. Só tomada quando não representa perigo na própria vida social.) 
Voltando à vaca já esquálida da Síria, onde o problema é doméstico, sou contrária à intervenção estrangeira para salvar qualquer que seja o lado.
Transpondo para a geopolítica, roupa suja tem realmente de ser lavada em casa.
Pois um estranho que interfere, intercede para o que parece mais fraco, toma partido sem conhecer o fundo da história que gerou a discórdia. Entra mesmo é de gaiato.
Ora, o visível é quase sempre claro.
O invisível, ninguém, mas ninguém mesmo que está de fora da família, da comunidade, da nação cujos cidadãos beligeram, tem condições de determinar quem é mesmo culpado, se a culpa não é compartilhada e como ajudar a vítima sem aumentar o trauma.
A experiência me levou à humildade.
O visível na Síria, no ano de 2010, que viu o surgimento do que foi chamado Primavera Árabe, era um regime autoritário dirigido por Bashar, herdeiro do golpista Afez el-Assad.
A simpatia dos democratas ocidentais e dos revolucionários de bar estava com o punhado de "rebeldes" da Irmandade Muçulmana que gritava "Abaixo Assad".  Sem entrarem nos meandros do porquê de a Irmandade Muçulmana querer derrubá-lo.
Por que queriam tirar Assad de Damasco?
Não porque Bashar era ditador e ponto final.
Era porque seu pai havia permitido o bombardeio de Hama trinta anos antes a fim de estancar o crescimento da Irmandade Muçulmana, calá-la na marra e empurrar para o exílio suas vozes religiosas exaltadas.
Errou, é claro.
Sua atitude e suas medidas de repressivas foram e são condenadas e condenáveis.
Mas o problema é da Síria e dos sírios.
Aí outros argumentam que não é normal que Assad, um alauíta, isto é, de confissão religiosa minoritária, controle o país onde os sunistas são majoritários.
Pois é, mas as mesmas pessoas que dizem isso calam-se quando o assunto passa para o Bahrein, que vive um caso inverso com consequências iguais ou piores do que na Síria - uma família sunita que governa com violência uma população xiita majoritária. (vídeo abaixo)
Na Síria, se os rebeldes não tivessem sido armados no começo o país não estaria no caos atual.
É certo que a Irmandade Muçulmana estaria em pior situação do que estava, pois Assad talvez não perdoasse a rebeldia (apesar de prometer anistia).
Porém, esta é a história da Síria.
Duvido que um governo novo mude o jeito do "olho por olho" de governar.
Se, se, se, enfim, se não muda nada.
São águas passadas.
O se final é que uma providência tem de ser tomada para que Damasco, Aleppo e todas as antiguidades maravilhosas que estão hoje em pedaços sejam protegidas dos assaltos de "rebeldes" com agenda própria. Eles acham que atacando as igrejas, os sítios arqueológicos romanos, enfim, a riqueza milenar síria, atacam Assad.
Rebeldia seletiva da qual não se pode falar porque cristão que defende sítio cristão é reacionário. Cristão "moderno" só pode condenar vandalismo contra mesquitas e sinagogas.
Na Síria, a população tem de ser protegida. Mas de todos os homens que carregam armas.
E qualquer quer seja o acordo, querendo ou não, tem de incluir Assad e o partido Bath.
Nem que seja para ele proceder a uma democratização à russa, a passos lentos, mas em direção a uma mudança de mentalidade.
Pois até Bashar sabe que tem de democratizar.
Porém, tem de ser à maneira que a Síria pode e conhece.
Enfim, o jeito que o país achar melhor. Não nós.
Continuo com a mesma opinião de 2010. A revolta na Síria não foi popular como na Tunísia e no Egito. Lugares em que a Irmandade Muçulmana acabou aproveitando a deixa para sequestrar o movimento dos estudantes e galgar ao poder nas costas dos revolucionários.
(E o problema foi só adiado).
Se a revolta na Síria tivesse sido popular mesmo, Assad não teria conseguido manter-se no poder nem a pau - literalmente. Os soldados teriam desertado para o lado dos familiares e o governo teria vindo abaixo. Isto é um fato.
Na Síria, nem o general amigo-irmão de Bashar el-Assad, ao desertar e emigrar para a Turquia  - a fim de pleitear o trono que dizia que Bashar vagaria em curto prazo - conseguiu induzir deserção em massa das tropas que comandava.
Nem ele, nem outros oficiais graduados, nem os ministros que abandonaram Damasco.

Portanto, a maioria da população não deu as costas a Assad.
E no final das contas, é sempre a maioria que decide.
Como disse em relação ao Irã, em ditadura, o processo de amadurecimento da população é gradual, progressivo. A emancipação de um povo tem seu próprio ritmo. Ritmo que não pode ser acelerado por vontades e forças alheias ao processo.
Os EUA intervieram no Iraque com resultados dramáticos. E na Líbia, que está caminhando para o caos social a passos largos.
Pensar o contrário, que os "coitados" dos sírios PRECISAM da ajuda ocidental, porque são fracos, é um paternalismo insuportável.
A Espanha e Portugal foram viveram regimes ditatoriais durante décadas. Em plena Europa. O general Francisco Franco e o econismta Antônio de Oliveira Salazar ficaram bem instalados em suas ditaduras represssivíssimas até a morte, natural, em ambos os casos. Sem que nenhum pas europeu pensasse em intervir para salvar os "coitados" dos espanhois e portugueses dos ditadores que se mantiveram tranquilos em seus tronos.
Por quê?
Por que intervir nos países árabes, dar lição aos iranianos, acelerar um processo para o qual o povo não está preparado?
Será que é por paternalismo, misturado de alta dose de imperialismo e cobiça dos 1% de bilionários que querem parasitar os recursos naturais alheios, custe o que custar?  
Repito. A intervenção militar é impraticável.
É por saber disto que Putin - único presidente do mundo dito civilizado que está realmente bem informado sobre o que acontece na Síria -  anda dizendo Basta. A todos os lados.
Ofereceu-se para resolver o problema à sua maneira. Como pode e como sabe.
Como?
Reunindo todos em volta da mesa de diálogo, a fim de concertarem um plano de reconciliação nacional.
Todos são, Assad e os chefes dos grupos rebeldes identificáveis + os países interessados na resolução do problema.
Tanto as potências ocidentais quanto os árabes.
Pois Putin sabe que não adianta nada os Estados Unidos se reunirem só com seus aliados árabes - Arábia Saudita e os vizinhos de regimes igualmente autoritários - para os quais Assad é uma pedrona no sapato.
O único jeito de acabar com esta guerra civil e sectária é reunindo todos os interessados. Inclusive o Irã e o Hezbollah.
Até os Estados Unidos sabem por onde a solução tem de passar.
Contudo, preferem ver a Síria reduzida a migalhas, todas as maravilhas antigas espedaçadas, a história cristã dos primeiros séculos pulverizada, dezenas de milhares de civis virarem efeitos colaterais de uma disputa absurda, caduca, do que concordar em sentar à mesma mesa com um iraniano para dialogar de igual para igual.
Questão de princípio, dizem.
Questão de soberba, dizem, off the record, até alguns aliados.
Os EUA gostam de brigar, mas conversar, acham difícil - sua diplomacia está longe de fazer parte da elite diplomática internacional.
Vitória com drones é fácil e segura. Mas ganhar batalha verbal, aí precisa de discernimento e sabedoria.
A Síria só vai conseguir resgatar-se se Barack Obama baixar a crista, ser magnânimo (é pedir demais?) e deixar Vladimir Putin tomar as rédeas com prumo.
Gostam de dizer que a culpa dos excessos na Síria são de Putin. Que o Kremlin protegeu Assad por interesse próprio, impedindo que a OTAM interviesse como fez na Líbia.
É inegável que a Rússia tem interesse próprio na Síria - o único país no Oriente Médio e países árabes em que tem base militar.
É também inegável que a preocupação dos russos é legítima.
Os Estados Unidos dispõem de 662 bases militares em 38 países estrangeiros. E tem militares baseados em 130 dos 193 países membros das Nações Unidas.
Nos países árabes, suas bases principais são no Bahrein - Bahrain International Airport, Sheikh Isa Air Base; em Oman - Masirah Air Base, Thumrait Air Base; no Qatar - Al Udeid Air Base; na Arábia Saudita - Eskan Village; na Turquia - Incirlik Air Base; nos Emirados Árabes - Dhafra Air Base.
A Rússia só tem uma. Em Tartus, uma bela cidade que é um dos dois maiores portos da Síria. No Mar Mediterrâneo. Uma ilha de tranquilidade no grande campo de batalha que virou a Síria.
Foi por causa de suas bases militares que os EUA protegeram como puderam os regimes autoritários da Arábia Saudita, do Bahrein e do Yêmen dos movimentos revolucionários ferozmente reprimidos pelos dirigentes pró-estadunidenses.
Portanto, seria ingenuidade e até hipocrisia acusar Putin de defender Assad em benefício próprio.
É aquela história dos dois pesos e duas medidas. É esta história antiga, que a ONU foi criada para remediar, que atrapalha o equilíbrio dentro e entre os países do mundo.

Documentário da Al Jazeera: Bahrain, shouting in the Dark 
Post Scriptum: uma lembrancinha de um pedacinho da maravilha arquitetural e histórica que era a Síria até 2010.
O país abriga (abrigava) sítios arqueológicos que datavam de antes e do início do cristianismo. 
ALEPPO
 
  








APAMEA

AL BARA

BOSRA






DAMASCO




HAMA


KRAK DES CHEVALIERS




MALULA




 



 MARQAB


 PALMIRA



 SERGILIA