domingo, 10 de março de 2013

De volta à Síria, em palavras e imagens



John Kerry, o novo ministro das relações exteriores dos Estados Unidos, lá chamado Secretary of State, passou a semana enrolado com a Síria.
Ele foi à Arábia Saudita visitar o príncipe Saud al-Feisal (ditador aliado, portanto, "bonzinho") a fim de "assegurar apoio saudita" para seu plano de armar os rebeldes "moderados" da Síria.
Rebeldes moderados... Bom, boa sorte para quem conseguir distinguir o joio do trigo no terreno e não armar o rebelde errado.
Como aplaudi a saida da madame Clinton e a nomeação de John Kerry( em vez da primeira escolha de Obama - a embaixadora EUA na ONU Susan Rice ) lamento muito ter de discordar dele tão cedo.
Lamento mesmo.
Primeiro, porque ele afirma estar determinado a impor a Israel a solução dos dois Estados no Oriente Médio - que a boa vontade e o bom senso perdurem!
Segundo, porque ao contrário da madame Clinton - que tinha agenda própria e ignorância internacional proporcional à ambição presidencial que a obceca - Kerry é mais preparado para o cargo e tem boas ideias.
Simplificando, ele é um "good american".
Um pouco menos bitolado do que o célebre Quiet american de Grahan Greene, parece.
Suas posições no Senado indicam pelo menos dinamismo e curiosidade.
Porém, como intenção e gesto raramente se traduzem em sucesso, neste caso sírio, tenho de discordar do plano de Kerry porque até arrepio quando ouço falar em "armar os rebeldes".
Não é que eu queira que Bashar el-Assad se sinta livre para esmagar gente e prédio desenfreadamente até que a Síria seja totalme arrasada. É que há duas coisas que não consigo entender.
A primeira é como esta seleção entre moderado - extremista é possível, hoje, na Síria.
É, na teoria. Mas na prática,é uma miragem.
Por exemplo, por desencargo de consciência, os Estados Unidos podem armar a Free Syrian Army, reforçar seus militantes e ajudá-los a destruir o país mais depressa.
Mas como a transferência militar vai passar, como sempre passa nessa região, pela Arábia Saudita e não dá para confiar de jeito nenhum nessa família real...
Os ditadores sauditas sempre detestaram os Assad - alauitas incontroláveis - e estão sempre prontos a ajudar os Estados Unidos de olhos fechados. Contanto que a Casa Branca não conteste a legitimidade de seu próprio regime autoritário.
Por este prisma, podem garantir sem perigo que as armas, cada vez mais pesadas, continuem a atravessar as fronteiras dos países vizinhos.
Mas quem garante que a família real saudita vai armar a Free Syrian Army e não os para-militares islamitas que se infiltraram para combater Assad? Ora, muitos destes são sunitas Wabbabis ou salafistas - como os responsáveis pelo atentado das Torres Gêmes em Nova Iorque e como os governantes sauditas.
O esporte preferido de grupos salafistas como al-Nusra é perseguir os xiitas.
E como acontece com todo fanático extremista, só suas próprias convicções são admissíveis. Portanto,  depois de acabar com Assad e os alauitas, vão certamente acabar com outros grupos xiitas. Em seguida, com os sunitas moderados da Irmandade Muçulmana. E depois..., bem, depois acabarão com todos os não salafistas. Até chegar à limpeza dentro do próprio clã.
O extremismo não tem nuança e nem limite. (A charge à esquerda critica o "wabbabismo" através das baratas que saem da Arábia Saudita para infestar os demais países árabes).
John Kerry, os EUA, a Grã-Bretanha, a França, enfim, os países ocidentais que estão privilegiando a luta armada - em vez da solução russa de forçar, literalmente, todos a uma reunião civilizada para conversar - estão brincando com fogo.
Aliás, embora não seja neófito em política internacional, Kerry pisou na bola em Ryad.
A uma pergunta se armar os rebeldes não era uma preocupação (a mais), falou sobre a ajuda militar que Assad estaria recebendo da Rússia, do Irã,... e do Hezbollah.
Peraí!
No mês passado os israelenses divulgaram com estardalhaço que haviam capturado um comboio de armas de Assad para o Hezbollah... Quem está armando quem mesmo?
O certo é que ninguém sabe de nada.
Só se sabe que tanto Assad quanto os "rebeldes" bombardeiam hospitais e o que querem.
Muitos grupos "rebeldes" sequestram, estupram e matam indiscriminadamente. Até mais do que as tropas oficiais.
Mas isso não se pode falar porque não é "policamente correto" revelar os tropeços dos "rebeldes".
Circular na Síria a salvo, só com o Exército de Assad e com seus oponentes da Free Syrian Army.
E olha lá!
Nesta guerra civil, se já teve, não tem mais bandido e mocinho.
Armar não é solução para nada. Talvez bloquear os radares de Assad, mas tem de ser em concertação com a Rússia, o Irã e a China.
Se não, aí a jurupoca vai piar.

Até quem não está no terreno e não segue os eventos vê que a situação na Síria está deteriorando sem parar.
Dizem as ONGs internacionais que mais de 70.000 pessoas já foram mortas nestes dois anos de combate.
É uma estimativa possível. Embora seja impossível contabilizar com certeza.
Quase dois milhões de habitantes foram obrigados a deslocar-se. Dentro e para fora das fronteiras. Os países vizinhos estão cheios de refugiados.
São eles que são entrevistados pelos jornalistas que não têm acesso à Síria ou têm medo de adentrar zonas inóspitas.
E é a versão deles que vai para os jornais e provoca revolta dos estrangeiros de alma sensível ou descendentes de sírios.
Aliás, na semana passada, conversando com uma executiva de uma das maiores ONGs internacionais de Direitos Humanos, a ingerência na Síria voltou à pauta. Por causa destes depoimentos horríveis.
Seu argumento foi uma variação sobre o mesmo tema que alimenta as reuniões mundanas de pessoas "politicamente corretas" nas capitais europeias.
A maioria absoluta destas boas almas sempre foi a favor da ingerência.
Há alguns meses, estas pessoas defendiam apoio, incondicional, aos rebeldes, e um bombardeio puro e simples.
Hoje em dia, argumentam que a OTAM deveria ter agido em 2011 e acabado com Bashar el-Assad no início. (E calam-se quanto aos atentados que a oposição a Assad tem levado a cabo matando muitos civis.)
Os que defendem a medida drástica de intervenção direta, citam como exemplo a Tunísia e o Egito.
Eu, refratária a mudar o mundo em jantares e bares, mantenho minha posição de pé firme.
A ingerência só se justifica e só dá frutos democráticos e pacíficos quando é exercida em um conflito internacional.
Ou seja, entre dois países que se confrontam e um deles corre o risco de ser riscado do mapa - como foi o caso do esfacelamento da ex-Iugoslávia; ou quando um país ocupa outro e procede a uma limpeza étnica - como o que Israel está fazendo há décadas na Palestina.
Aliás, as mesmas pessoas apressadas em intervir na guerra civil na Síria emudecem quando a questão é intervir na Palestina.
(É aquela velha história da "coragem" de opiniões consensuais. Só tomada quando não representa perigo na própria vida social.) 
Voltando à vaca já esquálida da Síria, onde o problema é doméstico, sou contrária à intervenção estrangeira para salvar qualquer que seja o lado.
Transpondo para a geopolítica, roupa suja tem realmente de ser lavada em casa.
Pois um estranho que interfere, intercede para o que parece mais fraco, toma partido sem conhecer o fundo da história que gerou a discórdia. Entra mesmo é de gaiato.
Ora, o visível é quase sempre claro.
O invisível, ninguém, mas ninguém mesmo que está de fora da família, da comunidade, da nação cujos cidadãos beligeram, tem condições de determinar quem é mesmo culpado, se a culpa não é compartilhada e como ajudar a vítima sem aumentar o trauma.
A experiência me levou à humildade.
O visível na Síria, no ano de 2010, que viu o surgimento do que foi chamado Primavera Árabe, era um regime autoritário dirigido por Bashar, herdeiro do golpista Afez el-Assad.
A simpatia dos democratas ocidentais e dos revolucionários de bar estava com o punhado de "rebeldes" da Irmandade Muçulmana que gritava "Abaixo Assad".  Sem entrarem nos meandros do porquê de a Irmandade Muçulmana querer derrubá-lo.
Por que queriam tirar Assad de Damasco?
Não porque Bashar era ditador e ponto final.
Era porque seu pai havia permitido o bombardeio de Hama trinta anos antes a fim de estancar o crescimento da Irmandade Muçulmana, calá-la na marra e empurrar para o exílio suas vozes religiosas exaltadas.
Errou, é claro.
Sua atitude e suas medidas de repressivas foram e são condenadas e condenáveis.
Mas o problema é da Síria e dos sírios.
Aí outros argumentam que não é normal que Assad, um alauíta, isto é, de confissão religiosa minoritária, controle o país onde os sunistas são majoritários.
Pois é, mas as mesmas pessoas que dizem isso calam-se quando o assunto passa para o Bahrein, que vive um caso inverso com consequências iguais ou piores do que na Síria - uma família sunita que governa com violência uma população xiita majoritária. (vídeo abaixo)
Na Síria, se os rebeldes não tivessem sido armados no começo o país não estaria no caos atual.
É certo que a Irmandade Muçulmana estaria em pior situação do que estava, pois Assad talvez não perdoasse a rebeldia (apesar de prometer anistia).
Porém, esta é a história da Síria.
Duvido que um governo novo mude o jeito do "olho por olho" de governar.
Se, se, se, enfim, se não muda nada.
São águas passadas.
O se final é que uma providência tem de ser tomada para que Damasco, Aleppo e todas as antiguidades maravilhosas que estão hoje em pedaços sejam protegidas dos assaltos de "rebeldes" com agenda própria. Eles acham que atacando as igrejas, os sítios arqueológicos romanos, enfim, a riqueza milenar síria, atacam Assad.
Rebeldia seletiva da qual não se pode falar porque cristão que defende sítio cristão é reacionário. Cristão "moderno" só pode condenar vandalismo contra mesquitas e sinagogas.
Na Síria, a população tem de ser protegida. Mas de todos os homens que carregam armas.
E qualquer quer seja o acordo, querendo ou não, tem de incluir Assad e o partido Bath.
Nem que seja para ele proceder a uma democratização à russa, a passos lentos, mas em direção a uma mudança de mentalidade.
Pois até Bashar sabe que tem de democratizar.
Porém, tem de ser à maneira que a Síria pode e conhece.
Enfim, o jeito que o país achar melhor. Não nós.
Continuo com a mesma opinião de 2010. A revolta na Síria não foi popular como na Tunísia e no Egito. Lugares em que a Irmandade Muçulmana acabou aproveitando a deixa para sequestrar o movimento dos estudantes e galgar ao poder nas costas dos revolucionários.
(E o problema foi só adiado).
Se a revolta na Síria tivesse sido popular mesmo, Assad não teria conseguido manter-se no poder nem a pau - literalmente. Os soldados teriam desertado para o lado dos familiares e o governo teria vindo abaixo. Isto é um fato.
Na Síria, nem o general amigo-irmão de Bashar el-Assad, ao desertar e emigrar para a Turquia  - a fim de pleitear o trono que dizia que Bashar vagaria em curto prazo - conseguiu induzir deserção em massa das tropas que comandava.
Nem ele, nem outros oficiais graduados, nem os ministros que abandonaram Damasco.

Portanto, a maioria da população não deu as costas a Assad.
E no final das contas, é sempre a maioria que decide.
Como disse em relação ao Irã, em ditadura, o processo de amadurecimento da população é gradual, progressivo. A emancipação de um povo tem seu próprio ritmo. Ritmo que não pode ser acelerado por vontades e forças alheias ao processo.
Os EUA intervieram no Iraque com resultados dramáticos. E na Líbia, que está caminhando para o caos social a passos largos.
Pensar o contrário, que os "coitados" dos sírios PRECISAM da ajuda ocidental, porque são fracos, é um paternalismo insuportável.
A Espanha e Portugal foram viveram regimes ditatoriais durante décadas. Em plena Europa. O general Francisco Franco e o econismta Antônio de Oliveira Salazar ficaram bem instalados em suas ditaduras represssivíssimas até a morte, natural, em ambos os casos. Sem que nenhum pas europeu pensasse em intervir para salvar os "coitados" dos espanhois e portugueses dos ditadores que se mantiveram tranquilos em seus tronos.
Por quê?
Por que intervir nos países árabes, dar lição aos iranianos, acelerar um processo para o qual o povo não está preparado?
Será que é por paternalismo, misturado de alta dose de imperialismo e cobiça dos 1% de bilionários que querem parasitar os recursos naturais alheios, custe o que custar?  
Repito. A intervenção militar é impraticável.
É por saber disto que Putin - único presidente do mundo dito civilizado que está realmente bem informado sobre o que acontece na Síria -  anda dizendo Basta. A todos os lados.
Ofereceu-se para resolver o problema à sua maneira. Como pode e como sabe.
Como?
Reunindo todos em volta da mesa de diálogo, a fim de concertarem um plano de reconciliação nacional.
Todos são, Assad e os chefes dos grupos rebeldes identificáveis + os países interessados na resolução do problema.
Tanto as potências ocidentais quanto os árabes.
Pois Putin sabe que não adianta nada os Estados Unidos se reunirem só com seus aliados árabes - Arábia Saudita e os vizinhos de regimes igualmente autoritários - para os quais Assad é uma pedrona no sapato.
O único jeito de acabar com esta guerra civil e sectária é reunindo todos os interessados. Inclusive o Irã e o Hezbollah.
Até os Estados Unidos sabem por onde a solução tem de passar.
Contudo, preferem ver a Síria reduzida a migalhas, todas as maravilhas antigas espedaçadas, a história cristã dos primeiros séculos pulverizada, dezenas de milhares de civis virarem efeitos colaterais de uma disputa absurda, caduca, do que concordar em sentar à mesma mesa com um iraniano para dialogar de igual para igual.
Questão de princípio, dizem.
Questão de soberba, dizem, off the record, até alguns aliados.
Os EUA gostam de brigar, mas conversar, acham difícil - sua diplomacia está longe de fazer parte da elite diplomática internacional.
Vitória com drones é fácil e segura. Mas ganhar batalha verbal, aí precisa de discernimento e sabedoria.
A Síria só vai conseguir resgatar-se se Barack Obama baixar a crista, ser magnânimo (é pedir demais?) e deixar Vladimir Putin tomar as rédeas com prumo.
Gostam de dizer que a culpa dos excessos na Síria são de Putin. Que o Kremlin protegeu Assad por interesse próprio, impedindo que a OTAM interviesse como fez na Líbia.
É inegável que a Rússia tem interesse próprio na Síria - o único país no Oriente Médio e países árabes em que tem base militar.
É também inegável que a preocupação dos russos é legítima.
Os Estados Unidos dispõem de 662 bases militares em 38 países estrangeiros. E tem militares baseados em 130 dos 193 países membros das Nações Unidas.
Nos países árabes, suas bases principais são no Bahrein - Bahrain International Airport, Sheikh Isa Air Base; em Oman - Masirah Air Base, Thumrait Air Base; no Qatar - Al Udeid Air Base; na Arábia Saudita - Eskan Village; na Turquia - Incirlik Air Base; nos Emirados Árabes - Dhafra Air Base.
A Rússia só tem uma. Em Tartus, uma bela cidade que é um dos dois maiores portos da Síria. No Mar Mediterrâneo. Uma ilha de tranquilidade no grande campo de batalha que virou a Síria.
Foi por causa de suas bases militares que os EUA protegeram como puderam os regimes autoritários da Arábia Saudita, do Bahrein e do Yêmen dos movimentos revolucionários ferozmente reprimidos pelos dirigentes pró-estadunidenses.
Portanto, seria ingenuidade e até hipocrisia acusar Putin de defender Assad em benefício próprio.
É aquela história dos dois pesos e duas medidas. É esta história antiga, que a ONU foi criada para remediar, que atrapalha o equilíbrio dentro e entre os países do mundo.

Documentário da Al Jazeera: Bahrain, shouting in the Dark 
Post Scriptum: uma lembrancinha de um pedacinho da maravilha arquitetural e histórica que era a Síria até 2010.
O país abriga (abrigava) sítios arqueológicos que datavam de antes e do início do cristianismo. 
ALEPPO
 
  








APAMEA

AL BARA

BOSRA






DAMASCO




HAMA


KRAK DES CHEVALIERS




MALULA




 



 MARQAB


 PALMIRA



 SERGILIA

domingo, 3 de março de 2013

Israel vs Palestina: História de um conflito XXIX (07-08/2002)


Segundo a ONU, até o fim oficial da Operação Defensive Shield em maio, os israelenses contavam 441 mortos civis e militares, e os palestinos 1.539.
Os feridos eram tantos na Cisjordânia e em Gaza, que só os 1.539 em estado grave - esburacados, desmembrados - tinham lugar nos hospitais. Os demais eram "tratados" em casa por familiares, amigos e nem chegaram a ser recenceados.
Os palestinos viviam sob regime de estado de sítio. Proibidos de reunir-se e submetidos a toque de recolher diário. A economia estava paralisada, mais de 630 mil pessoas estavam privadas de abastecimento de alimento, água, remédio e cuidados médicos. Cerca de 3.700 residências estavam destroçadas, mais de 17.000 pessoas de todas as idades se encontravam desabrigadas e mal-nutridas. Outros tantos viviam em casas semi-demolidas.
Na educação os dados também eram alarmantes. Entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, os israelenses aniquilaram mil salas de aula, cinquenta escolas, vandalizaram mais nove, confiscaram quinze outras menos danificadas para uso militar próprio e mais quinze para servirem de centro de detenção das centenas de prisioneiros espremidos dentro das salas e pátios, ao Deus dará. O acesso a banheiro era restrito e negociado.
Os danos materiais eram de centenas de milhões de dólares.
As famílias viviam sobressaltadas. Temendo que os lares fossem invadidos de dia, de madrugada, e seu espaço ser ocupado pelos soldados que deixariam atrás de si, após dias de baderna, tudo bagunçado. Quando não carregavam algo.

Do outro lado da Linha Verde, Ariel Sharon e seus partidários continuavam determinados a no mínimo, desmoralizar os ocupados, e no máximo, esvaziar o Território Palestino de seus legítimos proprietários.
A artilharia pesada israelense continuava a martelar a Cisjordânia e a Faixa de Gaza quando lhe aprazia, aumentando paulatinamente o número de feridos leves e graves.
Apesar disso, o que americanos, europeus, asiáticos viam nas telinhas em suas salas mais ou menos confortáveis, era sangue escorrendo de civis em Tel Aviv, atingidos pelos bomba-suicidas.
As imagens não diferiam nem na França. Embora este país tivesse sofrido com a ocupação nazista e conhecesse bem os poucos meios acessíveis à Resistência contra a força bruta do ocupante inimigo. Lá também alguns abusavam da palavra terrorismo quando se referiam ao ataque-defesa da resistência palestina, outros mediam as palavras em relação a Israel - quando queriam mesmo era chamá-lo de Estado terrorista - e só um punhado de pessoas, que ousavam rasgar o verbo, eram logo taxados, pelos lobistas sionistas, de anti-semitas.
O temor da difamação dissuadia até repórteres com princípios. O processo contra Charles Enderlin ainda era notícia e servia de aviso. Ele continuava a sofrer ameaças por ter mostrado ao mundo as imagens da execução de Mohammed al-Dura, de 12 anos, no início desta Intifada, em setembro de 2000 (blog de 08/07/2012). E ninguém queria passar pela mesmo calvário que ele passava.
No Brasil não devia ser melhor. Talvez tenha sido até pior, pois não sei quantas vezes ouvi brasileiros dizerem que os "palestinos deveriam parar com os bomba-suicidas e fazerem como Mahatma (Grande Espírito) Ghandi fez na India". Como se a luta pacífica de Ghandi contra o colonizador inglês tivesse sido por causa de limpeza étnica sistemática dos indianos, e não contra o imposto excessivo do sal, e mais tarde, para a saída dos britânicos.
Quem questionava a "boa vontade" dos palestinos desconhecia a famosa frase do Mahatma Ghandi - “Palestine belongs to the Arabs in the same sense that England belongs to the English or France to the French. It is wrong and inhuman to impose the Jews on the Arabs... Surely it would be a crime against humanity to reduce the proud Arabs so that Palestine can be restored to the Jews partly or wholly as their national home”.
Mas a culpa não era de quem ignorava a realidade. A culpa era de quem contra-informava com conhecimento de causa.
Nem o ogro Ariel Sharon, cujas ações no terreno despertavam antipatia ( mas que podia ser adorável quando queria, assim como o "nosso" Golbery do Couto e Silva), levava a imprensa estrangeira a criar coragem para dizer a verdade. Na lei do menor esforço, era mais fácil publicar os comunicados de imprensa do Ministério das Comunicações de Tel Aviv.
Com ajuda da mídia, dentro de Israel a informação continuava dirigida. E fora, a simpatia pelas coitadas das vítimas israelenses atravessava fronteiras com facilidade e cegava até os estrangeiros progressistas.
A impressão era que a única verdade era a versão apresentada do lado ocidental da Linha Verde. A única imagem que arrancava suspiros e lágrimas era a de israelenses em ônibus e bares sendo socorridos, sangue escorrendo por todo lado.
As imagens eram mesmo horríveis. E o ataque de civis tem de ser condenado e evitado. Entretanto, a sangueira do lado oriental da Linha Verde, que poucos viam, era pior ainda. Insustentável. Duravam horas por causa da impossibilidade das ambulâncias chegarem aos locais bombardeados. Isto as televisões locais neem as estrangeiras não mostravam.
Imagino que os telespectadores achassem que as bombas largadas friamente pelos Apaches da IDF eram de brinquedo. Sem danos físicos nem materiais.
Só os bomba-suicidas palestinos causavam penas e estragos.
Era lamentável.

No dia primeiro de julho de 2002, tanques israelenses atiraram contra civis no bairro Namwasi, no sudeste do visado campo de refugiados Khan Younis no sul da Faixa de Gaza.
Dentre os feridos, tinha duas irmãs de 5 e 12 anos que ficaram em estado crítico.
Uma banalidade que não mereceu nem manchete nem nota em jornal.
E esta opinião pública que só via um lado facilitou o trabalho dos EUA e seus aliados. Pressionaram tanto Yasser Arafat, que para não voltar a ser enclausurado na Mukata'a, ele voltou-se contra seus próprios companheiros do Fatah.
No dia 02 de julho, começou um limpa nos serviços de segurança palestinos. As primeiras vítimas das pressões externas foram o general Ghazi Habali, chefe da polícia, e Mahmoud Abu Marzouk, chefe da Defesa civil.
Mas não bastavam.
Insatisfeito com as demissões "limitadas", Israel acusou o general Toufic Tiraoui de estar implicado nos atentados. O chefe dos Serviços de Informação palestino negou e por sua vez acusou Tel Aviv de tentar desacreditar a Autoridade Palestina com mentiras.
Tiraoui foi mantido no cargo, mas Sharon contra-atacou reconvocando milhares de reservistas para reocupar o máximo de terreno possível na Cisjordânia.
No mesmo dia, a UNRWA, agência da ONU responsável por refugiados, fez um apelo para que os países membros doassem 55.7 milhões de dólares para atender, pelo menos, às primeiras necessidades dos palestinos desabrigados.

No dia 05 de julho, dando sequência à "limpeza" exigida para preservar-se e poupar novas represálias, Arafat, sob protesto dos oficiais, substituiu o chefe da Segurança Preventiva, Jibril Rajoub pelo general Zouheir Manasra.
(Jibril foi próximo de Arafat desde o exílio e é membro do Fatah desde que foi preso pelo Shin Bet em 1968, com 15 anos, durante quatro meses, por suspeita de ajudar oficiais egípcios. Foi preso de novo aos 17 anos, de 1970 a 1985 e deportado para o Líbano em 1988. Retornou à Palestina após assinatura dos Acordos de Oslo. Em 2001 escapou de um atentado israelense, em que sua casa foi bombardeada. Como Arafat, sempre foi contrário aos ataques da resistência fora dos Territórios Palestinos ocupados, assim como à "religionização" do conflito pela ala radical do Hamas. Continua muito popular na Palestina e muito influente no Fatah. Dirige a Confederação de Futebol e o Comitê Olímpico).
No dia 07, Arafat decidiu não ir a Durban, na África do Sul, para a reunião de cúpula dos países africanos à qual fora convidado. Temia, com razão, que na volta do lançamento da União Africana Sharon o impedisse de voltar para Ramallah.
Nesse dia, a Lei Fundamental Palestina entrou em vigor. Promulgada no fim de maio, ela deveria servir de Constituição até o estabelecimento do Estado.
O primeiro artigo estabelecia Al-Quds (Jerusalém) como capital e o árabe a língua oficial. E "um poder democrático, fundado no pluralismo, uma justiça independente, um Parlamento eleito com um papel legislativo, eleições presidenciais e um papel de controle do Conselho Legislativo sobre o Governo."
Esta pré-constituição fez os palestinos sonharem com uma futura autonomia, mas o sonho só durou dois dias.
No dia 09 de julho, a polícia israelense invadiu a Universidade Al-Quds (acima), em Jerusalém Oriental para mostrar que pensar também era proibido. Atirou aleatoriamente em pessoas que se encontravam na entrada - matando um senhor de 70 anos e ferindo vários estudantes. No fim do assalto, os escritórios administrativos foram fechados.
O comunicado de imprensa que justificava a operação militar  dizia que "havia uma representação civil palestina no coração de Jerusalém cujo objetivo é de questionar a soberania de Jerusalém."
Esta fora a mesma desculpa dada para o fechamento da Casa do Oriente - o casarão antigo que sediava encontros culturais palestinos, em Jerusalém Oriental.
Esta segunda instituição intelectual palestina foi desativada também sem reação internacional. Como se fosse normal uma das duas principais universidades da Cisjordânia ficar acéfala e os universitários privados de aula.

Em Gaza, No dia 15 de julho, centenas de desempregrados compulsórios foram à porta da representação da ONU demonstrar. Os pais de família ficaram horas clamando o fim das barragens e checkpoints israelenses que os impediam de ir ao trabalho e de alimentar os flhos, que também não podiam ir à escola.
Os funcionários presentes não responderam nada e na sede em Nova Iorque os responsáveis também ficaram calados.
No dia seguinte, oito israelenses foram mortos e dezoito feridos, na embuscada de um ônibus que transportava colonos judeus na Cisjordânia, perto da invasão Emmanuel. No mesmo lugar em que a resistência palestina realizara um ataque similar em dezembro de 2001.
O braço direito de Yasser Arafat, Abu Mazem, que ficaria conhecido internacionalmente como Mahmoud Abbas, lançou um comunicado lamentando o ataque: "Sou contra tais operações, pois elas não obtêm nenhum resultado e não servem a causa".
Porém, sabia-se que as operações internas eram quase sempre de organizações de resistência ligadas ao Fatah. O partido de Arafat, como seu líder, condenava os atentados em Israel, mas tolerava os realizados em seu próprio território. Estes eram considerados "defesa legítima contra o invasor que nos rouba terra, água, liberdade, cidadania, e tira nossas perspectivas."

Enquanto isso, em Nova Iorque, atendendo à demanda de Ariel Sharon, os Estados Unidos continuavam a luta para afastar Yasser Arafat. George W. Bush convocara uma reunião do Quarteto (entidades mediadoras do conflito no Oriente Médio - Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Nações Unidas -  constituído em abril de 2002, em Madri) para tentar convencer as três outras partes a derrubar o líder palestino.
O presidente dos Estados Unidos foi eloquente em sua demanda, mas voltou a ser derrotado.
Arafat ganhou uns meses mais.
No final da reunião de cúpula, o Quarteto comprometeu-se a promover daí a três anos um Estado Palestino.
Este compromisso foi assumido no dia 16 de julho de 2002. A sede (foto) foi montada em Jerusalém, porém, do Estado Palestino, nem sinal.

Foi nesta hora que a IDF escolheu para cantar mais uma vitória. Desta vez, resolveu declarar a Operação Defensive Shield um "grande sucesso". Como prova, citou a diminuição dos ataques palestinos e nenhuma perda de vida israelense.
A provocação surtiu efeito. Nem bem a mídia divulgou esta notícia, a resistência respondeu presente com dois ataques que provavam o quanto Sharon se iludia com sua violência "preventiva".
O primeiro ataque foi no caminho da colônia de Emmanuel, perto de Qalqilya, maltratadíssima durante a ODS.
A estrada em questão corta a Cisjordânia, mas é de uso exclusivo de israelenses.
Na tarde do dia 16 de julho, três homens disfarçados de soldados da IDF puseram uma bomba a duzentos metros da entrada da invasão judia. Fizeram o necessário para que o ônibus 189 parasse e ficasse imobilizado até a explosão fatal. Nove pessoas morreram e vinte sofreram ferimentos de gravidade variada.
O segundo atentado seria em Tel Aviv. Duas explosões concomitantes na rua Neve Shaanan. Uma via comercial movimentada.
As televisões do mundo inteiro mostraram o resultado e não faltaram condenações dos "terroristas" e lamentações das vítimas inocentes.
No dia 17, acreditando estar fora de perigo, Arafat declarou sua candidatura à eleição presidencial previstas para janeiro do ano seguinte.
Enquanto isso, a IDF vasculhava toda a Cisjordânia pondo casas e mais casas de cabeça para baixo à caça dos organizadores dos recente atentados.
No dia seguinte, os ministros das Relações Exteriores da Jordânia, Egito e Arábia Saudita apresentaram ao presidente dos Estados Unidos o projeto detalhado do "novo governo palestino, com Constituição escrita, Parlamento a ser eleito por voto democrático e um Primeiro Ministro." E o Estado que poderia ser reconhecido já em janeiro de 2003". Conforme a Lei Fundamental apresentada em Ramallah.
Nesse ínterim, a Autoridade Palestina e Yasser Arafat continuariam onde e como estavam.

No dia 19, na caça às bruxas, a IDF, incapaz de encontrar os responsáveis pelo atentado, apelou para a ignorância abrindo mais um precedente em seu rol de medidas arbitrárias. Deteve irmãos e pais dos numerosos suspeitos como se fossem eles os procurados.
Esta foi a primeira vez que Israel se deu ao direito de sequestrar pessoas que o Shin Bet sabia serem totalmente alheias ao movimento de resistência ativa. Só para vingar-se dos ativistas afastando e punindo os familiares. Determinou que estas pessoas de todas as idades fossem deportadas para a Faixa de Gaza para que lá amargassem exílio - alimentando ressentimento contra os responsáveis pela solidão forçada.
Além de ordenar a deportação ilegal de dezenas de pessoas alheias à luta armada, o Primeiro Ministro de Israel ordenou a demolição das casas das famílias de todos os suspeitos da lista e de outros mais.
O conselheiro jurídico do governo, Elyakim Rubinstein, deu parecer contrário à "expulsão sem prova" das famílias dos supostos participantes do atentado.Porém, aprovou a demolição das moradias dos familiares.
(Já vimos anteriormente quão nefastas tais demolições punitivas são para as crianças. Crescem com a mágoa do desabrigo, da humilhação, da precariedade forçada e vão engrossar as fileiras dos grupos de resistência armada.)
 As famílias apelaram para o Supremo Tribunal de Tel Aviv, com ajuda de advogados liberais, e o processo "foi fondo, fondo" sem previsão de desenrascar os condenados à deportação da armadilha emocional que Sharon armara para os homens que procurava.

No dia 22, após negociações exaustivas com o reitor da Universidade al-Quds, Sari Nousseibeh, em Jerusalém, Israel autorizou a reabertura condicional dos escritórios administrativos.
Enquanto a atenção dos cisjordanianos estava voltada para esta pequena vitória,  Ariel Sharon preparava um enorme atentado.
Insaciável, Sharon autorizou um ataque noturno em Gaza que daria no que falar dentro e fora dos territórios ocupados.
Na hora em que as famílias se reunem à noite no aconchego do lar, um F16 da  IDF jogou uma bomba de uma tonelada na casa de Salah Shehade. Então chefe militar do Hamas.
A casa foi pulverizada. Shehade morreu com 49 anos.
Com ele, morreram sua mulher Laila de 41 anos, a filha Salah de 14 anos, Zaher Saleh Nassar, de 37 anos, também visado, dois outros homens de 42 e 67 anos; mais seis membros da família Matar - a mãe de 27 anos e os cinco filhos, um bebê e os outros de 2, 4, 5 e 11 anos; e três membros da família Huti - a mãe de 22 anos e os dois filhos de três e cinco anos.
Além dos 15 mortos e da casa de Shahade, mais oitenta residências vizinhas foram dizimadas. Nove foram parcialmente destruídas e 20 foram atingidas, mas continuaram com algumas paredes. O número de feridos, cujo estado ia de leve a fatal, foi de mais de 150 homens, mulheres e crianças.
O ataque foi condenado em todas as capitais ocidentais enquanto Ariel Sharon se vangloriava de "um dos nossos maiores sucessos."
Mais tarde voltaria atrás e diria ao jornal Yediot Ahronot, "Se eu soubesse das consequências teria adiado os assassinatos".
De fato o atentado foi condenado até em Israel.
Um jornalista do Haaretz, chegou a escrever que se tratava do "primeiro atentado terrorista que Israel perpetrava após muitos anos".
"Uma decisão deliberada e consciente do Primeiro Ministro de jogar uma bomba de uma tonelada em um bairro residencial".
Para assassinar um homem - que deixou uma fila de substitutos preparados para ocupar o cargo.
Como dizia Zakaria Zubeidi.
"Cada vez que Israel mata um líder da resistência, outro ocupa o lugar vago. Mais experiente ainda e mais determinado.
Cada vez que Israel mata um pai, os filhos se transformam em resistentes.
Cada vez que Israel demole uma residência, aumenta o ressentimento de mais uma família e de dezenas de amigos e parentes.
Toda violência praticada pelo ocupante contra o ocupado tem o efeito de bumerangue que vai atingi-lo cedo ou tarde, com força multiplicada.
A ocupação, a opressão, a humilhação sempre têm consequências (in)esperadas," diz um funcionário das Nações Unidas, off the record. Todos sabem, mas ninguém faz nada. 
Nem quando um general da IDF dá motivo de mãos beijadas. Como foi o caso de Dan Haloutz, comandante da aviação israelense, admitir, on the record, em junho do ano seguinte, sem remorso, terem jogado a bomba sabendo que a família de Shehade estava em casa e que morava no bairro mais populado da cidade.
Para bom entendedor: a bomba de uma tonelada foi jogada com a intenção de assassinar Shehade e o máximo de gazauís que ela alcançasse.
(Em setembro do mesmo ano de 2002, Akram al Zahtma, um palestino de 22 anos, seria acusado e confessaria ter colaborado na operação que levou ao assassinato de Shehade. Zahtma fora transformado em informante do mesmo jeito que vários jovens foram e são aliciados pelo Shin Bet - serviço israelense de informação interna. Ele foi comprado com a perspectiva de um passaporte para poder fazer faculdade no Canadá. Outros jovens sucumbiram à mesma tentação, sem nunca saber a quê a informação que davam serviria. Adultos também viram informantes para salvar a vida de irmãos, pais, ou simplesmente para pôr comida na boca dos filhos.
(A colaboração forçada com o inimigo é uma gangrena na sociedade palestina - exatamente como foi na Irlanda sob domínio britânico - o filme recente Shadow Dancer, trailer abaixo, mostra bem esta prática do MI5 que o Shin Bet usa e abusa na Palestina. 
Todos as operações bem sucedidas israelenses tiveram a cumplicidade de um informante palestino. É graças a sujeição e chantagem que o Shin Bet e o Mossad mantêm a fama de eficiência da qual gozam entre os israelenses e seus aliados. Sem esta ruína moral que causam no seio de centenas de famílias, jamais obteriam resultado.)

No dia 23 de julho, o Movimento israelense "There is a limit" divulgou que o número de objetores de consciência que se recusavam a servir a IDF já se elevava a mil. Revelou também que 140 soldados estavam presos por recusar servir nos territórios ocupados ou na proteção das invasões judias na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.
No dia seguinte, quatro colonos judeus extremistas foram embuscados por resistentes perto de Yatta, uma cidadezinha a 20 quilômetros de Hebron - cidade onde a ocupação e os colonos judeus agem de maneira abominável. 
No dia 30, a IDF prendeu Hussein Abu Kuweik, um dos líderes do Hamas em Ramallah. O Shin Bet já tentara matá-lo meses antes atirando em seu carro, mas falhara. Isto é, em vez dele, matara sua mulher e os três filhos do casal.
A prisão de Abu Kuweik não adiantou nada. No mesmo dia o Hamas respondeu à bomba da IDF em Gaza com um atentado em Jerusalém. Na lanchonete da Universidade hebraica Monte Scopus. Sete pessoas morreram e setenta ficaram feridas.
Mas mais mortes seguiriam nesse dia. Um nabluense penetrou na invasão judia de Itamar, apunhalou um colono e foi abatido em seguida.
No último dia do mês de julho, o jornal Ha'aretz publicou que a deportação para Gaza dos familiares dos suspeitos de resistência fora efetivada. 
  
A retaliação da resistência chegou no dia 04 de agosto com seis ataques. Neste, quatro palestinos  e dez israelenses perderam a vida e setenta israelenses foram feridos.
Nesse dia a contabilidade era de 2.415 mortos desde o início da Intifada. 1.776 palestinos e 596 civis e militares israelenses.
No dia 8, Shlomo Ben Ami, ex-Ministro das Relações Exteriores e então deputado, abandonou seu mandato no Knesset para protestar contra a permanência do Partido Trabalhista no governo de Ariel Sharon. Mas foi um grito no vazio.
Shimon Peres já estava tirando a máscara de pacifista liberal que lhe valera um Nobel puxado por Yitzhak Rabin.
E Ehud Barak..., bom, Ehud Barak era e continuou a ser Ehud Barak. Um general sionista bitolado. Viciado em guerra e obcecado segurança nacional.
No dia 10, enquanto a delegação estadunidense mediava briga em que representantes israelenses e palestinos trocavam acusações de crueldade, um homem que estava parado na porta de casa em Tulkarm, na Cisjordânia, foi assassinado por soldados da IDF.  Um a mais.
No dia 17, Zalman Shoval, conselheiro diplomático de Sharon, declarou que "uma mudança de regime no Iraque é essencial, pois enfraquecerá as forças radicais no campo palestino que beneficiam de apoio do presidente Saddam Hussein".
Argumento de peso para incentivar os Estados Unidos à invasão que aconteceria no ano seguinte. Mas na época, poucos relevaram a importância do que Shoval dizia. Aquela história do leão invisível...
No dia 19, os mediadores estadunidenses conseguiram que Israel e Palestina selassem um acordo "de cavalheiros".
Os palestinos poriam fim aos atentados e os israelenses se retirariam, parcialmente, dos setores reocupados nos  territórios autônomos. Começando por Belém e a Faixa de Gaza.
As promessas foram magras e a "retirada parcial" foi pouco clara. Os dirigentes do Hamas, que conhecem os israelenses melhor do que o Fatah, já que já conviveram com eles em "boa vizinhança" em Gaza, rejeitaram o acordo categoricamente e disseram que continuariam os atentados até a ocupação acabar de fato.

Tinham razão quanto à palavra de Sharon. Nem bem os tanques da IDF se retiraram de Belém, outros cem, com tropa de mil homens apoiados por helicópteros de combate, atacaram Tulkarm no norte da Cisjordânia. Aterrorizando os habitantes e matando.
O objetivo da operação, segundo a IDF, era procurar "terroristas". Para isto, os soldados foram de casa em casa forçando passagem. Na calada da noite. De madrugada. Como sempre, ameaçando com os fusis, amontoando a família recém-acordada em um cômodo, pondo a casa de cabeça para baixo, vandalizando e deixando sua marca.
"Nada de novo no reino da Dinamarca", diria William Shakespeare em um Hamlet atualizado.

No dia 21 foi a vez do sul da Faixa de Gaza.
A IDF voltou a botar pra quebrar.
Lá, além de revistarem  as casas, demoliram várias e ao se retirarem, um dos tanques atirou indiscriminadamente em quem estava nas paragens. Feriu cinco pessoas e matou um homem.
Em 24 horas, os caterpillars armados da IDF demoliram 21 casas em Khan Younis e Rafah, no sul da Faixa.
450 pessoas ficaram sem teto, com a roupa do corpo, sem nenhum pertence - que nunca têm tempo de tirar. Em questão de horas. Em uma única operação militar.
No dia 24, tropas da IDF, com apoio dos tanques "crueis", voltaram a atacar Jenin e os campos de refugiados adjacentes.
Em Jenin, prenderam o sheikh Jamal Abu al-Haija, um proeminente membro do Hamas.
Cantaram vitória à noite, mas no dia seguinte a IDF virou jacota.
Um tanque virou de cabeça para baixo perto da invasão judia Betar, no sul de Belém. Vários soldados ficaram feridos e um morreu no acidente.
A perda de vidas não é engraçada, mas mostra o despreparo dos recrutas que mal sabem o que fazem.
Tanto este acidente quanto os de mortos e feridos por "friendly fire", por incrível que pareça, também são computados em perdas israelenses durante a Intifada.
Mas o sangue não parou de jorrar nem no último dia de agosto. A IDF fechou o mês com uma operação corriqueira de assassinato.
No dia 31, um apache torpedeou o carro de Anwar Daraghmeh, um resistente da cidadezinha de Tubas. Anwar foi reduzido a cinzas junto com dois adolescentes que se encontravam nas paragens.
Mais adiante, o mesmo helicóptero atirou em uma casa matando duas crianças de cinco e dez anos. Meras vítimas anônimas da brincadeira de tiro ao alvo.



Depoimento de Dor Sandak, reservista da IDF
 Shovrim Shtika - Breaking the Silence (27/01/2013)
"I was a young soldier, stationed in the Road 60, Hebron-bound, in the localities of Al Aroub and Beit Ummar.
It was late 2001, ... We were assigned to secure a section of the road near the Jewish settlement of Karmei Tzur. We were told that the road must be “clean” in the mornings and afternoons when the Jewish settlers from Karmei Tzur drive to and from Jerusalem for work. “Clean,” meaning devoid of Palestinians.
So, what’s the problem? The problem is that 15,000 Palestinians live in the nearby refugee camp of Al Aroub and the village of Beit Ummar. At the time, Palestinians were not permitted to travel on Road 60, except for taxis and vehicles with special permits. But they still had to go about their everyday lives, getting from home to school, to work and to the hospital, which they did by walking along the side of the road. Life, you know.
So how does one keep the road “clean”? Gunfire.
And that’s how it was. At the same time every morning, several forces – either on jeeps or on foot – would set about carrying out this “cleaning” mission. Every group of soldiers had one weapon suited for firing rubber bullets (filled with steel pellets) and a good number of teargas canisters and stun grenades. We would spot people walking along the roadside and throw a grenade at them as we drove past. We’d continue driving, reach some high spot overlooking the road, and stop.
“Sandak, shoot at that taxi over there.”
The first few times I would ask myself, “How come?” “Why?”, but I would still shoot, because it didn’t feel right not to. After all, the He-Man platoon commander or sergeant ordered it, so we did it. Again and again. Every day, twice a day. Drive, throw a grenade here, a grenade there, some rubber bullets into someone’s ass, so they’d learn not to be there when they shouldn’t be.
You need to understand, shooting rubber bullets is clumsy, slow and uncomfortable. So soon enough we proceeded to shoot live ammunition in the air. For example, on a foot patrol we would enter villages and shoot at window panes or solar panels, so they’d learn not to mess with us. And those rude kids would begin throwing stones after a while. Okay, now at least we had some action, some concrete target to aim at.
Shooting live fire became a daily habit. We’d go for a morning round, fire whole magazines, go crazy, throw teargas canisters (at times the wind punished us as the gas blew back in our faces). And if at first we only shot in the air at a 60-degree trajectory, after a while we were aiming directly at walls near people.
Sure enough, within two weeks two Palestinians were killed – one during a funeral procession and another during one of our “street cleanings.” The inquiries that followed were shallow. One soldier was sent to “chill out” on kitchen patrol and then returned to normal activity. The other soldier got nothing.
I describe here in scant passages a period of half a year. There were dozens of cases in which Palestinians were wounded by our rubber ammunition, and hundreds inhaled teargas on a daily basis. We would enter villages every day, chase children and youths in the hope of catching some flailing “prize” as we fired at windows and solar panels. The Wild West. Not once in that whole time were we targeted by gunfire. On one single occasion a Molotov cocktail was thrown at us and didn’t hit anyone.
In the past three weeks, at least six Palestinians have been killed by Israeli army fire. These were not terrorists. Last week it was a 21 year-old female student. But that does not matter – this is simply how it works. These are too many instances of soldiers who are quick on the trigger. I suppose that just like myself back then, today too, soldiers shoot because that is what their sergeant ordered them to do: to teach a lesson, to remain in charge."
27 de janeiro de 2013
Reservista da IDF, Forças israelenses de ocupação
Shovrim Shtika - Breaking the Silence

Documentário de Yoav Shamir: Checkpoint, feito entre 2001 e 2003 na Palestina

Trailer do filme da BBC Shadow Dancer, de James Marsh
Com Andrea Riseborough, Clive Owen, Aidan Gillen, Gillian Anderson