domingo, 16 de dezembro de 2012

Israel vs Palestina: História de um conflito XXV (04 2002 - ODS em Jenin)




Como os generais da IDF consideraram a cobertura mediática da campanha militar em Ramallah prejudicial à sua imagem, o alto comando decidiu proibir a presença da imprensa na operação Defensive Shield - ODS em Jenin e Nablus logo de saída.
Ambas foram consideradas "zonas militares fechadas" e postas em regime de permanente toque de recolher antes e durante a investida das tropas motorizadas.
Estas "zonas militares" permaneceram lacradas até o fim da invasão dez dias mais tarde - repetiriam a façanha na Faixa de Gaza em 2008-09 com os mesmos estragos.
A população foi privada de água e eletricidade durante todo o sítio.
Todas as etapas da ODS de Ariel Sharon foram bárbaros. Mas o que ficaria nos anais como a mais selvagem, desde a Naqba, Sabra e Shatila (até o repeteco duplo na Faixa de Gaza), seria o de Jenin.  O assalto foi vedado à imprensa do início ao fim. Portanto, vou começar com o relato do que se viu a posteriori.     
O que os primeiros estrangeiros testemunharam ao entrar no campo de refugiados.
A "paisagem" era apocalíptica.
Desafiava qualquer possibilidade de descrição apropriada.
Não havia tantos cadáveres espalhados pelo caminho como em Sabra e Shatila. Apenas alguns jaziam no caminho. Todavia, o sangue nas ruas indicava um número elevado de vítimas, já carregadas pelos sobreviventes para onde conseguissem abrigo. Socorro era impossível, pois a assistência médica foi vedada durante o sítio.
A maioria dos mortos não estava à vista. Estavam soterrados, enterrados vivos quando os caterpillars armados destruiram residências ainda ocupadas por algum membro da família.
Parecia que um furacão passara deixando atrás de si desolação e desamparo.
Casas total ou parcialmente demolidas, postes caídos, fios elétricos enroscados, concreto despedaçado, ferro fundido na marra, carros pulverizados. Tudo isto misturado, dava a impressão de uma imensa sucata fétida no ar da qual pairava o cheiro inconfundível de cadáver. 
A cidade-campo de refugiados estava abaixo. Nenhuma infra-estrutura fora poupada.
Uma calamidade.

No meio da área urbana sucateada durante os dez dias de assalto, jazia um terreno "vago" meio retangular. Contando os "espaços abertos" pelos caterpillars armados, em que estas escavadoras transformaram fileiras de casas em estrada, o vácuo era bem maior do que a área do explodido World Trade Center após o ataque do Al-Qaeda.
O núcleo residencial aplainado era o bairro Hauachine que dias antes contava mais de  300 casas.
Cento e cinquenta residências foram reduzidas a poeira, a nada. Outras tantas foram gravemente danificadas pelos caterpillars armados que deixaram 435 famílias totalmente desabrigadas.
No fim das contas, duas mil pessoas ficaram ao Deus dará.
O cálculo imediato foi de 52 mortos palestinos e 23 soldados israelenses. Estes últimos, mortos por fogo amigo e pela resistência, unida e ferrenha.
Em Nablus, a IDF destruiria o patrimônio histórico, deixara a maioria das casas depredadas, paredes derrubadas ou esburacadas, mas ainda com possibilidade da família "acampar" de maneira precária.
Em Jenin, não.
Dir-se-ia que a ordem era de não deixar pedra sobre pedra e atropelar tudo o que movesse, visível ou imaginário.
Os caterpillars D9 demoliram o bairro inteiro antes de rodar sobre o terreno onde mulheres, velhos, crianças, adolescentes, vagavam como almas penadas. Todos em busca dos familiares perdidos nos escombros dos lares que dias antes ali estavam.
Estas almas baqueadas penavam.
Alguns cavavam os destroços com as poucas pás disponíveis e outros, a mãos nuas. Esperavam escavar das ruínas filhos, irmãos, pai, mãe, avós enterrados vivos.
Três jovens que cavam onde fora até há pouco sua casa conseguem arrancar dos detritos o cadáver do pai desfigurado. Mais na frente uma mulher em prantos interpela  Deus "Alah, vingue-nos contra Sharon!", escarafunchando os entulhos do que fora sua casa, à procura de parentes soterrados.
Crianças vagueiam com as feições cobertas de horror e incompreensão e uma jovem diz com voz apagada: "Sharon, com sua louca operação criminosa, fez de todos estes meninos e meninas bombas-suicidas potenciais. É ele, este monstro, que nos empurra a replicar, por todos os meios possíveis de expulsar seu exército e seus colonos de nossa terra".
Sua família conseguira salvar-se escapando de Jenin para Rumaneh no início do assalto. Muitos moradores tiveram a mesma sorte, mas grande parte foi presa na engrenagem do cerco ardiloso, perdeu todos os pertences e pelo menos um parente.
Este foi o resultado da Operação Defensive Shield em Jenin.
Antes de contar o desenrolar da operação, vou abrir parêntese para falar em um rapaz de Jenin que perdeu dois amigos de infância no dia 10 de abril fatídico. Além disso, estava para encabeçar a lista negra da IDF e do Shin Bet, como o "terrorista" local mais procurado.
Ele se chama Zakaria Muhammad 'Abdelrahman Zubeidi.
Em Jenin, Zakaria basta. Na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, Zakaria Zubeidi.
Viraria, e é ainda, lenda-viva no Fatah e em toda a Palestina.
Quando as tropas da IDF invadiram Jenin, foi a voz de Zakaria Zubeidi que os soldados israelenses ouviram no megafone. Fluente em hebraico, o resistente palestino avisou os invasores que se não recuassem, a luta seria árdua, pois os moradores não entregariam sua cidade de resistência ferrenha.
Enquanto as tropas israelenses punham Jenin abaixo, a voz extinta do megafone ainda ressoava em suas cabeças. O medo reinava. Os soldados, em uma mistura de super-poder e temor incubado, passavam de casa em casa semeando o caos enquanto Zakaria, e outro amigo de infância então líder local das Brigadas al-Aqsa, escapava de cômodo em cômodo como gato.
Acabou não sendo capturado.
Ele ainda não era o líder das Brigadas al-Aqsa, dissensão armada do Fatah desde o massacre que originou o nome desta célula militar, mas aos 26 anos, seu nome já era conhecido na Cisjordânia inteira, e na IDF. E no Shin Bet. E no Mossad.
Ele subiria na hierarquia das Brigadas em Jenin com os assassinatos sucessivos dos chefes, inclusive do seu melhor amigo, Ala'a. E passaria a ser a maior autoridade - clandestina - local.
Em 2002, a sua cara de menino grande, de sorriso aberto, ainda não estava marcada pela explosão acidental de uma das bombas que fabricava.
Mesmo sem as marcas escuras registradas em todos os dossiês de Inteligência israelense como suas, já era respeitado como um general da guerrilha urbana contra o que os palestinos chamam de  IOF - Israeli Occupation forces - em vez de IDF - Israeli Defensive Forces que acham pouco adequada à função que realmente exercem.
Aos 13 anos, no jogo de pedras contra soldados israelenses, Zakaria foi baleado - como são dezenas de crianças palestinas durante o ano. A bala que lhe foi dirigida o atingiu na perna. Teve de ser operado quatro vezes. No fim da hospitalização (tardia) de seis meses, voltou para casa com uma deficiência física. A perna ferida ficou mais curta. Ficou manco para toda vida.
Foi detido aos 15 anos durante seis meses e durante este período virou porta-voz dos prisioneiros menores junto ao diretor do presídio.
Foi para trás das grades como um menino a mais que a prisão israelense traumatizaria e saiu de lá como líder. 
Voltou a ser preso por mais tempo, aprendeu hebraico e aderiu ao Fatah.
Foi libertado em 1993 na leva dos Acordos de Oslo. Tinha 17 anos e entrou nas Forças de Segurança da Autoridade Palestina durante um ano. Depois largou por insatisfação com o sistema de favoritismo e viveu de bicos mais ou menos legais até a Intifada al-Aqsa. Ou seja, esta Segunda Intifada.
Zakaria conta que só aderiu à resistência armada no fim de 2001 ao perder um amigo.
Mas o fator determinante no passo em direção da resistência armada pode ter sido a impotência. Frente ao assassinato da mãe no dia 03 de março de 2002 e do irmão Taha.
Quando a IDF entrou em Jenin um mês depois, Zakaria já estava na Brigada dos Mártires da al-Aqsa.
Prosseguiria na luta armada sem jamais ser capturado e sem jamais separar-se do revórver que carregava pra todo lado.

Voltando à ODS e a Jenin propriamente dita, ela é a terceira maior cidade palestina.     Sua fonte de renda e subsistência é predominantemente agrícola. Até a Intifada, Jenin era a cidade palestina com maiores ligações culturais e comerciais com Israel.  
Devido à proximidade da Linha Verde (apenas 12 quilômetros), muitos israelenses iam a Jenin fazer compras de legumes e frutas; de boa qualidade e mais baratos do que os do seu lado.
O campo de refugiados foi criado em 1953 junto da cidade a fim de abrigar as vítimas da Naqba originárias das regiões de Carmel e Haifa.  Sua população é de 16.000 habitantes, dentre os quais 40% têm menos de 14 anos.
Não sei se já disse, mas os campos de refugiados palestinos não são constituídos de tendas como os demais campos de refugiados que a ONU monta.
Onde quer que se se refugiem, os palestinos constroem casas e se organizam como um bairro com administração autônoma. Nos países vizinhos em que se refugiaram, instalam-se como um município precário da cidade à qual são agregados. No Líbano, por exemplo, são cidadãos apátridas excluídos da sociedade local. Abordaremos este tema doloroso e crucial para os palestinos em outra oportunidade. 

Em Jenin, as repetidas incursões militares da IDF, que resultavam em detenções aleatórias, execuções sumárias e destruição de propriedades, fizeram deste campo um dos núcleos mais fortes da resistência.
Ariel Sharon sabia do "monstro" que a Naqba e a ocupação fabricara. Por isto ao invadir Jenin na Operação Defensive Shield, acionou as forças de artilharia mais pesadas e sofisticadas para dominar logo de chegada.
O general contava com oposição ao seu intento, mas não tanta quanto a que o esperava. Subestimara a determinação de seus oponentes de defender suas famílias e seu terreno até o último homem, se necessário.
Os resistentes das diversas brigadas armadas do Fatah - Tanzim, Al-Aqsa - receberam os tanques e as escavadoras a balas, a coquetéis molotov, e os meninos, a pedradas e estilingadas.
Muitos chamam esta incursão da IDF em Jenin de guerra. Por causa da resistência militar dos palestinos, que perseveram, defenderam sua cidade contra os "cruéis" e os Apaches com revólveres e algumas Kalachnikov.
A determinação da resistência era grande, mas a disparidade numérica e de recursos bélicos era maior ainda. E esta disparidade de meios somadas à privação de víveres e água, faz lembrar a Batalha de Stalingrado durante a Segunda Guerra.
Em Stalingrado, os russos não baixaram os braços diante da investida das tropas alemãs e resistiram ao sítio do exército de Hitler durante meses. Acabaram exangues, famintos, a cidade em ruínas, mas vitoriosos, graças ao rigor do inverno que forçou os soldados alemães à retirada.
No caso dos resistentes de Jenin, embora também estivessem se defendendo de invasão bárbara, não dispunham da cumplicidade da neve e além disso, os recursos da IDF - alimentados pelos EUA - ao contrário dos da Wehrmacht, eram inesgotáveis.
E foram usados com abundância e sem a piedade mínima que surge, às vezes, de maneira acanhada, quando se lida com seres racionais da mesma espécie.
Não. Os soldados israelenses aprendem desde pequenos que os palestinos são animais, objetos, sem direitos e bárbaros. A piedade não cabe.
Os resistentes passavam de casa em casa evacuada deixando armadilhas atrás de si para os soldados da IDF. Retrocediam lutando e perdendo sangue. 
Sharon só ganhou a partida sangrenta porque, ao perder 23 soldados até o dia 09 de abril, os tanques "cruéis" recuaram e abriram alas para os caterpillars armados. Estes agiram à vontade derrubando todas as casas com apoio aéreo para "que o inimigo ficasse descoberto".
Diante da visão macabra de seus compatriotas indefesos - esposas, mães, filhos, pais - sendo soterrados no processo de a IDF ganhar a batalha, os resistentes depuseram as armas.
Esperavam ainda conseguir, com o gesto de renúncia, salvar os parentes e amigos soterrados.
Gesto vão. Para a maioria, o socorro chegaria tarde.
Militarmente, a IDF venceu, como sempre.
Capturou 34 membros da resistência.
Mas a vitória devastadora custaria caro.
A perda de familiares, o desabrigo forçado pelos caterpillars, o ressentimento, enfim, todos os sentimentos decorrentes da ocupação desmedida, iam facilitar o recrutamento, entre os sobreviventes, de bombas-suicidas prontos a vingar a crueldade.

"I have been in urban environments where house to house fighting has happened: Rwanda, Nicaragua, El Salvador, Colombia, and a city struck by a massive earthquake: Mexico city.
The devastation seen in Jenin camp had the worst elements of both situations.
Houses not just bulldozed or dynamited but reduced almost to dust by the repeated and deliberate coming and goings of bulldozers and tanks.
Houses pierced from wall to wall by tank or helicopter gun ships. Houses cut down the middle as if by giant scissors. Inside, an eerie vision of dining or bedrooms almost intact. No signs whatsoever that that bedroom or dining room or indeed the house had been used by fighters.
Gratuitous, wanton, unnecessary destruction. Children’s prams, toys, beds everywhere.
Where were those children?
I do not know, but I do know where the survivors will be in the future."
Javier Zuniga, diretor regional da Anistia Internacional quando entrou em Jenin no dia 17 de abril de 2002

Relatório da Anistia Internacional:
Between 11 April when the last group of Palestinian fighters had surrendered and 15 April when, after the High Court hearing, the IDF allowed ambulances to enter under strict IDF supervision, about a tenth of the area of Jenin refugee camp was destroyed. According to Palestinian combatants and the IDF some of the fiercest fighting had taken place in this part of the refugee camp and it was in Hawashin that 13 Israeli soldiers were killed in an ambush. But the evidence strongly suggests that the fighting had already stopped when most of the demolition of houses took place.
Given the density of population in the one square kilometre refugee camp, which had a population of around 14,000 before the events of 3 April 2002, the complete destruction of the Hawashin quarter and the partial destruction of two additional quarters of the camp, have left more than 800 families, totalling some 4000 persons, homeless, living in tents or with relatives. About 169 houses with 374 apartment units have been completely destroyed with additional units partially destroyed.(16) Additionally, widespread IDF vandalism and property damage to the interior of homes was visible in a number of areas of the camp, especially in the al-Damaj quarter.
Under the Fourth Geneva Convention destruction of property can be justified only if there is an absolute military necessity. Amnesty International delegates who entered Jenin refugee camp on 17 April, the day the IDF withdrew, saw that the IDF had used bulldozers not just to destroy the houses but to drive backwards and forwards over them, impacting the rubble and rendering it very difficult for residents to dig in search of their possessions, valuables, or missing family members.
The IDF told Amnesty International delegates that fighting had continued after 11 April 2002 and Palestinian snipers remained in buildings. They also argued that the destruction of property, in the wake of hostilities, was necessary because of the proliferation of booby trap bombs and unexploded ordinance.(17) However, today the work of clearing Israeli unexploded bombs and Palestinian booby traps under the crushed rubble is continuing; military specialists have stressed to Amnesty International that buried ordnance under crushed rubble is far harder to clear than if left in undemolished houses.
Palestinian and foreign eyewitnesses inside and outside Jenin refugee camp state that fighting had essentially ceased after 10 April. The aerial photos of the destruction of the Israeli Ministry of Foreign Affairs, dated 11 and 13 April, show that the bulk of destruction took place then. In the opinion of an Amnesty International delegate, Major David Holley:
"There were events post 11 April that were neither militarily justifiable nor had any military necessity: the IDF levelled the final battlefield completely after the cessation of hostilities." He added: "It is surmised that the complete destruction of the ruins of battle, therefore, is punishment for its inhabitants."
Jenin city was also extensively damaged during Operation Defensive Shield. According to official records over 1200 residential properties have been damaged. Forty homes have been completely demolished. Other homes were either partially damaged, burned, had interior damage or damage to exterior walls or water tanks. Nine schools in the Jenin city area were damaged as was the Department of Education.(18) In Jenin’s old city and the market district of al-Sibat, a number of homes and businesses were destroyed or partially damaged including the Jenin Municipality Public Library.
Destruction of property and civil infrastructure
This was the sight that greeted Amnesty International delegates who entered Jenin refugee camp when the IDF lifted their blockade on 17 April 2002.
The IDF demolished Palestinian homes in Jenin refugee camp from the beginning of their offensive though, as testimonies and aerial photos show, the razing of the Hawashin quarter took place mostly after 11 April. But the IDF demolition of homes in the Jenin refugee camp was already the subject of a petition to the High Court filed on 8 April 2002. The petitioners argued that by failing to provide adequate warnings to allow the residents to be heard and to give adequate time to escape before demolishing houses, the State was failing in both its own domestic obligations under Israeli Basic Law: Human Dignity and Liberty, as well as international humanitarian law under the Fourth Geneva Convention.
Access to essential supplies
Residents of Jenin town and refugee camp reported to Amnesty International delegates their increasing fear as stocks of food and water diminished. The delegates in the town between 15 and 17 April witnessed the trauma of families who had spent the previous two weeks confined to their houses, with water and electricity cut off for most of the period.
The electricity supply was cut in the city on 3 April 2002; in most places service was restored within four to 10 days but, according to UNRWA, it was not until 25 April that even a partial electricity supply was restored to the lower part of the refugee camp. In an interview with Amnesty International, the head of electricity services for the Jenin City Municipality provided a detailed log of service interruptions as well as a report of damage assessment by engineers. Several of the main feeders had been, in his view, targeted and repair crews had been subjected to IDF gunfire when they attempted to repair damaged cables.
Water supplies were also cut by the IDF and, in addition, many of the water storage tanks on the tops of houses were damaged by IDF fire; in some places the water supply was not restored for 20 days. The Director of the Water Sector for Jenin city told Amnesty International delegates that in one pumping station supplying Jenin city and the western villages the pumps were inoperable; damage to the network was extensive and "mainlines from the reservoirs or pumping stations were cut intentionally by bulldozers or indirectly through heavy tank traffic. Seven of 11 booster pumps [which help water reach high areas] were hit or destroyed by heavy machine gun fire or tanks. Damage to the network inside the refugee camp was beyond repair." On 5 April the IDF occupied one pumping station and dismissed the operator for four days. Camp residents and those living in the upper areas of the town remained without water for up to three weeks; UNRWA reports that water points to the camp were not restored until 28 April.
The IDF Head of Plans and Policy Directorate told Amnesty International delegates that there was no policy to cut either electricity or water and said that Palestinians used water pipes to make bombs. However, between March and May 2002 Amnesty International’s delegates inspected damaged electric feeders and water pipes in many Palestinian towns and refugee camps. They concluded that damage to electricity cables and water pipes was deliberate and widespread.
The prolonged curfew made it impossible for those in Jenin city or the refugee camp to obtain alternative water supplies, except during the period in which curfews were lifted. Humanitarian relief services were unable to provide water, medical or food supplies until 17 April 2002. Most houses had reserves of food; residents had suffered previous incursions and periods of curfew and laid in supplies of rice, lentils, beans, as well as storing water in bottles or buckets within their homes. Fresh milk and water and fresh food were unavailable. Hospitals reported six cases within Jenin refugee camp of children with complications resulting from drinking wastewater. Hospitals had their own generators but services were affected by water and food shortages; for days Jenin City Hospital patients and staff lived mainly on biscuits.
Blocking medical and humanitarian relief
Medical relief services were denied access to Jenin refugee camp for nearly 11 days, from 12 noon on 4 April until 15 April 2002. In addition the IDF shot at ambulances(10) or fired warning shots around them. Ambulance drivers were harassed or arrested. Meanwhile the dead in Jenin refugee camp remained in the street or in houses for days. The wounded lay for hours untended or were treated at home. In several cases people are reported to have died in circumstances where lack of access medical care may have caused or hastened their death. Many testimonies show families desperately telephoning for help in vain and compelled to stay alone with dying or dead relatives. Many cases of Palestinians killed by the IDF show the difficulty or impossibility of obtaining medical care or an ambulance to remove the dead.
On 15 April, during two hours the IDF allowed Palestinian and international medical and humanitarian teams to distribute some food, water and milk into the camp. On 16 April the IDF allowed ICRC and UNRWA personnel to enter the camp; the ICRC reported, in its daily summary: "Part of the camp looks as if it had been hit by an earthquake ... Civilians in the camp are under shock and report urgent need for medicine, water and food.
Compelling Palestinians to participate in military operations and to act as "human shields"
The IDF systematically compelled Palestinians to take part in military operations. Several Palestinians interviewed by Amnesty International in relation to other subjects said that they had been compelled to take part in military operations and as "human shields". These practices violate international humanitarian law. Although the IDF announced through the State Attorney on 24 May 2002 that it would not use civilians in military operations, Amnesty International has continued to receive reports of cases in which Palestinians were used by members of the IDF during military operations, including as "human shields" (see, for example, the description of the case resulting in the killing of Fares al-Sa’adi above).
The large number of cases of Palestinians used as "human shields" in IDF military operations reveal a clear pattern. Typically the IDF would compel an adult male(6) in their military operation to search property in each area of the refugee camp. A Palestinian would be held by the IDF for a certain period, sometimes for days. These Palestinians were placed at serious risk, in some cases resulting in injury, as the following case illustrates.
Depoimento de um soldado à ONG B'Tselem: "Before searching a house, we go to a neighbor, take him out of his house, and tell him to call for the person we want. If it works, great. If not, we blow down the door or hammer it open. The neighbor goes in first. If somebody is planning something, he is the one who gets it. Our instructions are to send him inside and have him go up to all the floors and get everyone out of the house. The neighbor can't refuse; he doens't have that option. The neighbor shouts, knocks on the door, says that the army is here. If nobody answers, we tell him that we'll kill him if nobody comes out, and that he should shout that out to the people in the house. The basic procedure was the same no matter who gave the briefing. Maybe the "We'll kill him" came from the platoon, but the rest came from the brigada level or higher."
Torture and cruel, inhuman or degrading treatment of detainees:
During their operations in Jenin refugee camp between March and June 2002, the IDF ill-treated and sometimes tortured hundreds of detained men mostly between the ages of 16 and 55.(7) The IDF announced that 685 Palestinians had been arrested in Jenin by 11 April. It appears that the only requirement for detention was gender, nationality, and age.(8) Men were separated from women, children and men over 55. They were stripped to their underwear, blindfolded and their hands were bound with plastic cuffs. Reports of ill-treatment were frequent and some said they were beaten; one detainee died as a result of these beatings.
Those detained were removed from the refugee camp and taken first to Bir Sa’adeh where they were held for between two and five days. During this period they were ill-treated: former detainees interviewed said they were forced to squat, with their heads lowered, for protracted periods of time; their hands were still bound behind their back with plastic cuffs and they were blindfolded. For the first 24 hours no food was reportedly supplied and water distribution was not systematic (some report receiving some water, others none at all). Most said that no blankets were furnished despite the cool temperatures at night and there was limited or no access (or access permitted in difficult or degrading circumstances) to toilet facilities. From Bir Sa’adeh detainees were transferred to Salem detention centre.
At the end of their detention, detainees were interrogated for periods ranging from 15 to 60 minutes.
Detainees were released several kilometres from one of three villages around Salem, usually Rumaneh village. They were made to walk to the town; they were frequently still without clothing and most without shoes. They were told to remain in the village. Amnesty International interviewed several detainees upon their release. They were being housed in temporary accommodation in public buildings (in Rumaneh village, a school was converted into a temporary shelter); families took others in. As the blockade was still continuing most had no idea of what had happened to their families, who had remained in the camp, or their property. They returned to Jenin only after 17 April 2002, following the temporary IDF withdrawal from the refugee camp.
B'TSELEM
As detenções durante a Operação Defensive Shield foram majoritariamente coletivas. A IDF ordenou que todos os homens acima de 14 anos fossem detidos indiscriminadamente por um mínimo de 18 dias.
Durante a ODS, cerca de 7.000 palestinos foram presos simplesmente por serem de sexo masculino. Sem permissão de tomar banho nem trocar de roupa. 5.600 foram soltos após processos de familiares e de ONGs de Direitos Humanos. Foram postos em liberdade longe de casa, sem nenhum "certificado de prisão" e sem carteira de identidade - que é considerado pelas Forças de ocupação um delito que leva à prisão. Isto os deixava à mercê de nova detenção, o que aconteceu em muitos casos também aleatórios.
http://www.btselem.org/sites/default/files2/publication/200207_defensive_shield_eng.pdf

Documentário Journeyman: Activists who became Human Shields
Depoimento de um resistente palestino:
"It is difficult to assess how many fighters there were because fighters were split into two groups: one to lay bombs, the other to fight with rifles; maybe there were around 400 in all; approximately 60 from the refugee camps. There was good cooperation between the resistance groups; it was decided to use bombs only in the beginning of the attack against the Israeli tanks. Once the tanks had broken into the city and were on the outskirts of the old city, this took the IDF three days, it was decided to resist with small-arms fire.
Once the IDF surrounded the old city there were five days of fighting concentrating in two parts of the old city: the Qasbah and al-Yasmina. The Israeli soldiers had good street maps and aerial photos of the town, they seemed to know where to go and what houses to enter and search. The fighting was very difficult because we did not have good communications and the Israeli snipers were so accurate: movement in the alleys and streets was virtually impossible because of the snipers and attacks from helicopters using missiles.
There was no order from Ramallah to resist, we decided to do it ourselves once we saw pictures of the fighting from Ramallah. Groups were concentrated in their own area of houses each with their own leader but communication between groups was primitive and difficult. During the first three days of the fight there was no shooting from our fighters just the use of bombs against the Israeli tanks. Some fighters tried to supply food and water to those who had run out but these were easy targets for the snipers: I was shocked at their accuracy. I also thought that they would never enter the old city but they did, I don’t think we were prepared for this."

Documentário de Mohammed Bakri: Jenin Jenin


Documentário de Charles Annenberg Weingarten: No child is born a "terrorist"
Extrato de entrevista com Zakaria Zubeidi em 2004
Is there a difference between terror attacks in the territories and attacks in Israel?
Zakaria: “In the beginning, we decided to carry out attacks only in the West Bank, against settlers and soldiers. But the technology of the times changed everything. The Israeli gets on a helicopter, flies from Tel Aviv to Jenin and fires a rocket. Right? We don’t have any rockets or helicopters or tanks. Right? We have a different technology. A person, like a rocket, comes out of the camp and goes to Israel (to become a suicide-bomber)."
“Israeli technology is more accurate than ours. One time it falls in a bus, another time on the road, another time in a cafe. Why? Because we’re being killed every day and we have to respond. They’re killing us from inside tanks and they’re killing us with Apache helicopters. Do we have the weapons to take down the Apache? Do we have anti-tank weapons? The F-16 is the world’s top fighter jet and the Apache is the best helicopter, and we have nothing. We have M-16s and Kalashnikovs. So we’re defending ourselves with what we have. And we’re not the ones starting it. After they kill us, we kill. There was a cease-fire and you killed Raed Karmi, and there were other cases like that and now you just tried to kill Rantisi. Who’s to blame for the civilians that have been killed in Israel? The Israeli government that kills our civilians every day.”
Do you have any red lines when it comes to killing people?
“I’m not a murderous person and I don’t like killing. But what happened in my house and what I saw in the camp brought me to these things. I was one of the best students in the school and I never thought that I’d want to kill anyone or to be a criminal. But the Israelis dragged me into these things. I have a lot of friends in Israel, very many friends….”
And if they got hurt?
“That’s not my problem and it’s not Hamas’ problem. It’s the Israeli government’s problem.”
  
Reservistas da IDF, Forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence







Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/


domingo, 9 de dezembro de 2012

Oscar Niemeyer: vai-se o homem, fica a obra




Em homenagem a Oscar Niemeyer, hoje salto os temas geopolíticos do blog para publicar a entrevista, inédita, que ele me concedeu em seu escritório em Copacabana.
Quem não o conhece e quem não ouviu falar neste ser humano?
Catedral de Brasília
Só para lembrar os que estão em países longínquos, não o conhecem e não ouviram nada sobre esta grande figura tupiniquim, Niemeyer é um dos patrimônios brasileiros mais valiosos. Ele se foi deixando a marca indelével de seu talento em Brasília, no Rio, em São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia e quantas ouras cidades dentro e fora de nossas fronteiras.
Desenhista inspirado, escultor engajado, arquiteto do concreto armado, de curvas e de convicções comunistas arraigadas que se refletem em sua longa carreira prolixa e rica em projetos arrojados e utilitários, Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares se formou em Belas Artes na Universidade do Rio de Janeiro e, no desenho, começou sua carreira de arquiteto, na qual privilegiou obras públicas e culturais ao alcance de todo cidadão e que contribuam ao engrandecimento humano.
Ele me recebeu para um programa de entrevistas que estou preparando para a televisão brasileira. Ser Humano. Oscar, como insistiu em ser chamado alegando que Senhor estava no alto, recebeu nossa equipe de filmagem com uma delicadeza, boa vontade e simplicidade admiráveis. Tive uma longa conversa com ele em seu escritório povoado de lembranças de seu percurso profissional e humano. Conversa franca, informal e calorosa durante a qual revelou suas obras, sua história e sua alma solidária.
Eis algumas passagens.

MB: Oscar, eu gostaria de fazer uma retrospectiva de sua vida, desde a infância até agora, pegando os pontos cruciais da formação do seu ser humano.
Oscar Niemeyer: Meu nome devia ser Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares. Eu vivi e nasci na casa do meu avô Ribeiro de Almeida e fiquei lá até me casar. De modo que o nome Niemeyer surgiu por ser um nome estrangeiro, meu nome devia ser Oscar Ribeiro de Almeida.
MB: E por que pegou Niemeyer e não um dos sobrenomes brasileiros?
ON: É natural, o nome estrangeiro marca mais, né? Mas foi o meu avô Ribeiro de Almeida que me influenciou mais. Tenho muitas boas lembranças dele e dos meus tempos de infância, de colégio, nós morávamos juntos em Laranjeiras, era uma casa grande, ele tinha feito a casa para filha dele, a minha mãe. Nós morávamos no andar de cima e ele e a minha avó e os filhos moravam embaixo. Foi um período muito bom, meu avô foi ministro do Supremo Tribunal durante muitos anos, pelo que eu me lembro bem dele, era um sujeito bom, mas ele morreu pobre. Quando ele morreu, deixou a casa hipotecada e nós tivemos de nos dividir, porque a vida ficou difícil pro meu pai. De modo que é uma lembrança boa nesse mundo de roubalheira, de falta de caráter, lembro dele com muitas boas lembranças pra mim.
MB: E a formação que ele lhe deu?
ON: Família tradicional, católica, com retrato do Papa na parede, com missa em casa, porque a sala de visitas era grande, tinha umas cinco janelas, uma delas virava oratório aos domingos. A vizinhança toda ia e a missa era na minha casa.
MB: Significa princípios cristãos próximos de um lado do senhor?
ON: Era uma gente muito boa. Eu me lembro que quando eu saí pelo mundo, o mundo pareceu tão injusto que eu reagi. E na luta política eu pensei a vida inteira.
MB: E quando ela começou?
ON: Eu ajudava o Socorro Vermelho quando era rapazinho, arranjava camisa, roupa usada e pegava para dar para os mais pobres. Depois entrei para o Partido Comunista. Quando entrei para o partido conheci as melhores pessoas. Pessoas que não tinham nada na cabeça a não ser, ser úteis, ajudar e defender os mais pobres. De modo que o Partido foi uma escola muito importante para mim.
MB: E o senhor já era arquiteto?
ON: Não, eu era estudante.
MB: Era estudante ainda quando o senhor entrou para o Partido?
ON: Quando entrei para o Partido, sim, eu era arquiteto. Mas já frequentava o Partido, já ia aos comícios, já estava circulando em volta do Partido.
MB: E como era o Partido Comunista nessa época no Brasil?
ON: Havia esperança. Havia esperança e deve continuar havendo entre nós. Nós queremos pouca coisa, a gente quer um mundo igual para todos.
MB: Valores humanistas, na verdade?
ON: É lógico. Eu sempre pensei nisso. Eu tive amigos bons. Foi um período muito bom. Entendi que era preciso ler. Tem de ler desde o Diogo do Couto, que era amigo de Camões até os escritores de hoje. Isso ajudou muito, tanto que hoje, a campanha que nós fazemos é para mudar o caminho dos jovens, fazer eles lerem um pouco mais. Então, nós achamos que o ensino superior precisa mudar. Ao mesmo tempo em que o jovem aprende uma profissão, para qual se dirigiu com entusiasmo, é preciso que ele aprenda que o mundo é difícil, o mundo é perverso, tem miséria. Tem de lutar contra isso. Isso é o que salva o jovem brasileiro, então ele se forma como especialista, ele sai para a vida conhecendo bem a profissão, mas sem ter essa compreensão do mundo, essa injustiça universal que é preciso se organizar para lutar contra isso, de modo que ele esteja preparado para a vida.
MB: Mas isso, Oscar, é uma linha comum no mundo inteiro, não?
ON: Pois é, mas a gente não pode ficar só achando que é preciso isso. Por exemplo, aqui no escritório tem um colega meu que é muito humilde, ele não queria ser arquiteto, eu pago universidade para ele, ano que vem ele vai ser arquiteto, mas a obrigação que ele tem comigo ele tem de ler um livro de três em três meses. Então ele vai saber quem foi Eça de Queiroz, quem foi Machado de Assis, quem foi Sartre, ele, hoje, já tem uma formação melhor, de modo que na  passagem do estudo para a vida profissional o sujeito se informar, ler, ler qualquer coisa, depois, ele vai procurar o assunto predileto, ele vai vivenciar o escritor, como ele vivia, se ele representava as mesmas coisas que ele falava, então, um mundo novo se abre para ele. Acho importante ler, não é ser um intelectual, é saber as coisas importantes da vida. Aqui no escritório, por exemplo, há cinco anos veio um professor falar com a gente sobre o cosmos e sobre filosofia, há cinco anos, toda terça a noite; hoje ele vem, hoje ele vem aqui dar uma aula sobre filosofia, conversar sobre filosofia, falar do cosmos, dos problemas que existem, do planeta que está aquecendo, que sem as árvores o mar vai crescer, essa coisa toda. Então a gente teve uma idéia melhor, a gente sentiu que é tão pequenino, que o homem não tem significância. Você começa a sentir com eu sinto que nada é importante, o importante é a vida, é ser um sujeito cordial, é ter prazer em ajudar os outros. De modo que essa é a nossa maneira de ver, e lutar por um mundo melhor. O sujeito vê e fala: “Ah! Tem miséria, tem...”, então vamos mudar a sociedade. O Bush e o império norte-americano têm de ser combatidos de toda maneira.
MB: E o senhor coloca luz, é interessante isso porque...
ON: Não é o sujeito ficar pessimista demais, tem de ser pessimista. O ser humano não tem perspectiva, então, ser mais simpático, mais ligado aos outros, mais cordial, é isso que nós buscamos. O sujeito pensar que é importante é tão ridículo. O sujeito que está na rua protestando faz trabalho mais importante que o meu. O resto tudo passa.
MB: Falando um pouco na importância das pessoas e tudo o mais, eu tenho uma sensação de luz, de luminosidade muito grande quando entro na catedral de Brasília. Eu senti e sinto essa mesma luminosidade na Hagia Sofia, em Istambul. E é interessante porque... milhares de anos separam as duas obras.
ON: Talvez porque ali eu me preocupei em criar um momento de entrada diferente. Procurei uma entrada mais escura e quando chega na nave tem o contraste da luz. O resto é a técnica do concreto armado, aquelas colunas todas foram feitas no chão, pré-fabricadas, e depois, com o jogo de armar, nós criamos aquela forma em ascensão.
MB: Pensando na perenidade das pessoas, vejo a Hagia Sofia, encomendada por Justiniano, que foi um grande Imperador, e o arquiteto, Rufinos e hoje em dia ninguém nem lembra do arquiteto Rufinos ou de Justiniano, mas a Hagia Sofia está lá, e as obras estão lá. E o que o senhor acha disso? De pensar que Brasília vai ficar, a catedral vai ficar e talvez o senhor passe ao esquecimento?
ON: Eu não acredito nessa coisa de pensar que vai ser importante, se vai ficar na história, a gente faz o momento que a gente vive. Se eu faço um prédio bonito, diferente, arquitetura, quero surpreender. Porque na arquitetura, o importante é a surpresa, você chegar e inventar uma coisa nova. Então, os mais pobres, por exemplo, chegam em um prédio moderno, diante da catedral ou em outro prédio qualquer, se ele é bonito, se ele é diferente, ele não vai participar de nada daquilo, mas ele tem um momento de emoção, de espanto, é uma coisa diferente. Essa é a mensagem da arquitetura, que a arquitetura mal distribuiu. Nós trabalhamos para os ricos, para os governos que querem uma arquitetura diferente.
MB: Mas o senhor pensa muito, eu vejo as suas obras, muitas obras universitárias - a UNB (Universidade Nacional de Brasília), a Universidade de Raifa, a Universidade de Alger, a de Constantine, que é maravilhosa também, e os alunos da escola de arquitetura de Alger são orgulhosíssimos dela, e sempre falam, e mostram, e mandam...
ON: Eu gosto de Constantine.
MB: Constantine?
ON: A Universidade de Constantine é tão diferente de todas as outras.
MB: Eu também acho.
ON: Eu acho que não existe no mundo uma universidade que tem esse espírito da Universidade de Constantine, eu chamei Darcy Ribeiro, que estava no exílio Chile, e ele foi para lá, a preocupação dele era que houvesse mais intercâmbio entre os alunos, que eles tivessem mais contato. Então invés de fazer uma universidade em que cada escola é um edifício, eu fiz só dois grandes edifícios monumentais, um de letras, onde tem várias salas de aula, anfiteatros, e o outro de ciências. E esses dois edifícios servem para os alunos de todas as escolas. Então, a idéia, como eu disse, era levar para lá a idéia do Darcy, do contato, e que no fundo era nossa preocupação de lutar contra o homem especialista, que só sabe da sua profissão, então, ele não conhece o mundo, ele vai atuar mal no mundo em que ele tem de viver. Então a idéia do ensino superior, haver aulas paralelas, de filosofia, de história, de tudo, não para criar o intelectual, mas um homem que sente o mundo em que vive, que se faz solidário, que sente que tem que ser simples e se ele entrou pro lado das aulas sobre o cosmos também, como nós ficamos insignificantes dentro desse universo imenso que nos cerca e nós pensamos que é nosso, mas não é nada, nem o nosso planeta nos pertence, é um planeta modesto está lá no fim da galáxia, longe de tudo.
MB: E mesmo na arquitetura quando penso em todas as suas obras...
ON: É tudo invenção. Eu, por exemplo, quando fiz o Museu de Brasília e vi as plantas, já tudo pronto para começar, eu senti que já era diferente, porque a cúpula tem 80 metros. Na renascença, os grandes mestres da renascença, os arquitetos, eles não chegavam a mais de 40 metros na extensão da cúpula, e como eles deviam ter vontade de fazer uma maior, e fazer uma que eu fiz agora, tem 80 metros. E nela tem pendurado rampas e mezaninos, e tudo. Então, nesse Museu de Brasília quem entra é uma demonstração do que o concreto armado permite fazer, uma porção de recortes. Mas não basta isso, eu queria que fosse diferente, aí eu pensei em fazer uma espécie de ruazinha suspensa no ar, que sai de um andar, passa por cima da cidade e entra no outro andar. Então é uma coisa nova, quem vai ao museu de Brasília vê sem compreender o porquê daquela passagem aérea, aí o pessoal quer fazer aquele passeio, entra num prédio, passar pela cidade, entrar em outro prédio. É num caso desses que o arquiteto tem a idéia na arquitetura. Não fazia parte do programa, essa ruazinha não constava no programa do museu, mas eu inventei, ficou lá e todo mundo gosta desse passeio. Mas quando é um caso assim, que o arquiteto foge do programa e adiciona qualquer coisa diferente é que ele intervem na arquitetura.
MB: Como na Praça do Havre (na França).
ON: A praça do Havre eu me lembro que foi engraçado, porque eu estava com o prefeito Rufenacht eu disse para ele que a praça, e a proximidade com o mar, o frio que havia, os ventos. Precisava fazer a praça abaixo de 4 metros. É uma posição assim que ele olhou para mim que ele pediu até para parar a conversa, abaixar uma praça 4 metros é complicado, mas ele aceitou.
MB: É, pelo ~menos, inusitado.
ON: É a primeira praça que se fez até hoje em que se preocupou em proteger, em fazer mais baixo do chão. Tanto que eu me lembro que um especialista em arquitetura da Itália, que falava, muitas vezes, severo da nossa arquitetura, ele disse que essa praça ele classificava entre as 10 melhores obras da arquitetura contemporânea, porque é diferente, a arquitetura tem que causar espanto, ser diferente, se não, é uma repetição.
MB: E é econômica. É um prazer andar na praça, porque o fato dela ser mais baixa corta o vento e a gente se sente bem ao passear nela.
ON: Eu tinha razão. Falei com tanta convicção, e ele, que é um homem inteligente, entendeu, podia seguir.
MB: É interessante. E eu vejo também, por exemplo, meu prédio preferido em Brasília é o Itamarati, mas quando vi a Editora Mondadori pela primeira vez foi uma surpresa porque não sabia que era do senhor. E ao vê-la reconheci que era sua.
ON: Eu repeti as colunas do Itamarati, destaquei, fiz diferente. Fiz as colunas, mas queria fazer diferente, então eu fiz um espaço entre as colunas diferente. Ficou longe, 15 metros de espaço, depois ficou 8, ficou 9, vai variando assim, parece um pouco musical, e é bonito. Eu me lembro que cheguei com o projeto, ele ficou espantado, aí o meu calculista...
MB: Quem lhe pediu o projeto? Foi o Mondadori mesmo?
ON: Não, o engenheiro dele. Mas o Mondadori gostou logo. Era tão simpático, entusiasmado no que fazia. O importante é isso, a gente ter prazer em fazer as coisas. Ficar feliz com uma obra de arte, é o momento em que ela cria emoção e surpresa.
MB: Ao ver a Editora Mondadori, tive uma sensação muito estranha, enfim, estranha e bonita ao mesmo tempo. Vi que tinha a sua marca e ao mesmo tempo, tinha uma diferença, aquela diferença do gênio, que me lembra um pouco, por exemplo, as variações Goldberg de Bach, ou as Diabelli do Beethoven. Isto é, a nota que se repete, mas que nunca se repetia, parece que se repete, mas não se repete... sua arquitetura me dá essa sensação.
ON: Eu faço as coisas que ajudam a arquitetura. Eu tenho uma ideia, se ela é diferente eu toco pra frente, faço o projeto. Projeto pronto, eu escrevo o texto explicativo, aí o texto influi na margem de aprovação do projeto e o próprio projeto. E planta ninguém conhece, é fantasia, a pessoa mais sensível pode compreender, mas um texto bem feito, contando como é a praça, como as pessoas andam, quase relatando o dia em que passou na praça, como se já estivesse pronta. É aí que dá a idéia do projeto e como é que ele vai atuar.
MB: E de onde vem a inspiração?
ON: Mas eu digo sempre, a arquitetura. Tudo é voltado para a arquitetura, trabalho o dia inteiro na arquitetura. O dia inteiro não, porque a gente tem amigos e conversa de coisas mais importantes, mas o mais importante é a vida, não a arquitetura. O importante é o bom relacionamento, é você estar dando uma colaboração qualquer. Se eu não gostasse de leitura, se eu não tivesse feito o que eu proponho com meu colega do escritório, eu estaria apenas sonhando. A gente está procurando atuar. Nós estamos fazendo agora em Niterói, ao lado do museu, o prédio está quase pronto, já pus o dinheiro para construir, nós vamos construir um instituto. São só dois anos de aula, se o sujeito entra, vai se modificar, se ele não sabe nada, se ele é um especialista, se ele não compreende o mundo, se ele não especula, pelo menos, por que nós estamos aqui, como viemos parar aqui e o que temos pela frente. Ele fica preso ao problema dele. É uma merda. Então, a gente precisa fazer as pessoas terem curiosidade. Leia qualquer coisa, vá aprender, vá se interessar, vá se preocupar com o mundo, saber que existe miséria. Então, ele vai ter uma atuação simples, rápida, um sopro, mas vai ser mais útil, pelo menos.
MB: E o senhor tem uma preocupação muito grande com o utilitarismo, não? E aí, lembra também a história do Nietzsche, o utilitarismo dele só...
ON: Nós queremos uma sociedade mais simples. Os palacetes vão desaparecer, ainda restarão alguns, mas os grandes empreendimentos humanos, os estádios, os teatros, serão mais imponentes ainda. São todos que vão participar deles. De modo que queremos que o sujeito seja acessível, que sabe que está de passagem, que amanhã vai embora, que não tem importância nenhuma. O mundo é esse.
MB: É a vida. É a vida que...
ON: Um dia alguém me perguntou do Pasquim. Pasquim é um jornal mais livre, faz brincadeiras...
MB: Daqui do Rio de Janeiro?
ON: São meus amigos, me perguntaram “Oscar e a vida?”. A vida, a vida, é a mulher do lado e seja o que Deus quiser. Era uma resposta um pouco animal, mas é importante, é a mulher do lado e seja o que Deus quiser. Porque a vida nos leva pra onde ela quer, nós não podemos fazer um programa se o destino não colabora com a gente. É uma coisa sem terror, então por quê? A gente tem que defender determinados princípios. Eu sou comunista, não tem outra conversa comigo, eu posso aceitar um movimento que procura ajudar, às vezes é até aquilo mesmo, uma unidade formada de pessoas iguais, que estão de braços dados, vivendo. A gente procura se informar sobre a ciência, essas coisas, a gente sabe que...  Shopenhauer que dizia, ele era até reacionário, mas o apelo que ele tinha contra uma posição de idealista, ele foi importante, depois veio o Sartre, ele foi importante na vida dos franceses, em determinado período ele tinha a juventude com ele. Era inteligente demais.
MB: Vocês protestaram juntos? Vocês participaram de passeatas em Paris?
ON: Uma vez ele me chamou para um encontro público assim, o pessoal partiu, eu mandei uma carta para ele,... mas eu li, por exemplo, é engraçado, tinha um escritor francês que eu gostava muito de ler, era o Simenon. Escrevia contos policiais, mas escrevia muito bem. O pessoal do escritório brigava comigo porque eu sempre estava lendo o Simenon.
Mas um dia eu li um livro do Sartre com a Simone de Beauvoir, L’être et le néant (O ser e o nada) em que ele dizia “Hoje eu li três livros de Simenon”. Se o Sartre lê três livros de Simenon em um dia, eu posso continuar lendo.
MB: E Georges Simenon foi um autor muito prolixo, como o senhor na arquitetura.
ON: Escrevia bem. Mais realista do que os escritores que fazem isso. Mas era fantástico.
MB: E seus traços comuns com franceses não pára aí. O senhor compartilha com Charles Baudelaire e  André Malraux  o interesse pela surpresa.
ON: André Malraux quando eu o conheci, eu tinha lido... como é mesmo o nome do livro?
MB: La Condition Humaine?...
ON: Foi um dos primeiros livros que eu li dele. Começa o livro um apunhalando o outro, mas ele era um escritor fantástico, e foi uma figura importante. Ele conseguiu, na França, que eu trabalhasse como arquiteto. Foi tão simpático. Eu estive em apuros, por onde andei, não sei se a França precisava de protesto, mas estava em todo lugar, na Itália, no Mandadori, Argélia. Foi sempre muito boa minha passagem pela Europa, apesar de preocupado com o Brasil, com o que estava acontecendo no Brasil. Foram 20 anos de agressão, de porrada, essas coisas.
MB: O senhor estava onde na época do golpe?
ON: Eu estava em Lisboa. 
Eu tinha saído e o Darcy Ribeiro disse para mim 'Oscar, estamos no poder.'. Era o tempo do Jango, ele estava completamente enganado, eu, meses depois, estava em Lisboa e ouvi o recado pelo telefone.
MB: E o senhor ficou? Voltou para o Brasil?
ON: Aí eu fiquei por lá, tinha trabalho para fazer, na França, na Itália, mas quando eu voltei, já no fim da ditadura, no fim da ditadura não, mas quando já estava mais amena, já não batia em ninguém. Se discutisse só era levado pela polícia. Mas quando ela começou, foram nos escritórios, quebravam o escritório, mas passou, 20 anos. Hoje os militares são necessários, hoje nós damos muita importância a eles, quando eles estão no nosso caminho, eles são quem têm as armas. Quando tiver em uma situação feita a da Venezuela, aparece o Chaves lá, eles tiveram o país deles dentro do peito o tempo todo, eles estão prontos para brigar e eles que levam a coisa pro caminho que a gente quer.
MB: O senhor estava falando sobre a imprevisibilidade da vida e me lembrou que em 1946 o senhor teve o visto negado para os Estados Unidos, não é mesmo, quando foi convidado para dar um curso na Universidade de Yale. E no ano seguinte acabou enrando, com todas as honras, já que foi participar do projeto de consrução do prédio das Nações Unidas.
ON: Quanto aos Estados Unidos, a gente é contra o regime. Todo povo tem gente boa, protestando....
MB: E a ONU, foi importante para o senhor participar desse projeto?
ON: Foi porque eles escolheram o meu projeto. Eles me reuniram, todos foram para uma sala, foi uma festa. Depois o Corbusier pediu para eu fazer uma modificação no projeto, aí eu fiz a pior coisa, eu aceitei, eu trouxe a assembléia que estava no canto do terreno e atendi a ele e botei no meio do terreno, porque ele queria a assembléia lá, e aí ficou como está.
MB: Ah, porque a Assembléia era no canto?
ON: Era, tinha a praça das Nações Unidas. Mas eu era jovem, eu vi que ele tava aflito, ele estava muito joão-mandado, por não ter o projeto escolhido, e eu cedi. Mas naquele dia eles esculhambaram meu projeto. O projeto que eles têm lá hoje não tem interesse nenhum. É o prédio um do lado do outro. Um dia, passado uns tempos, eu estive com ele, ele ficou me olhando e disse, 'você é generoso.' e eu me lembrei que ele estava recordando daquele dia das Nações Unidas que eu aceitei mudar a posição do prédio.
Eu fiquei por último porque o Corbusier pediu para eu ficar trabalhando com ele, e eu fiquei ao lado dele. Um dia, todo mundo tinha dado o projeto, só faltava eu, e o Alisson pediu para fazer o projeto, e eu falei com o Corbusier isso você não faz não, vai criar confusão.'. E criei.....
MB: Aliás, Corbusier dizia que suas curvas vinham das montanhas do Rio, da arquitetura natural.
ON: Ele era um grande arquiteto, mas pensava só na arquitetura.
MB: E pensando na arquitetura, por exemplo, vejo que o senhor teve essa preocupação com monumentos também bastante políticos, não? Como o Memorial da América Latina, cuja mão sangrando me lembra As Veias Abertas da América Latina, do Eduardo Galeano. Toda coincidência é coincidência ou o senhor pensou nisso?
ON: Não pensei nisso.
MB: Uma coincidência.
 ON: Eu o conheci depois, mas não sabia disso. Pensei em sangue correndo da América Latina na opressão americana.
MB: É, porque é um livro muito importante para a América Latina, do Eduardo Galeano.
ON: É ótimo.
MB: E depois o memorial também aqui no Rio contra-tortura do Doi Code e Simão Bolívar, na Venezuela. Um projeto muito interessante.
ON: Eu fiz um projeto Memorial de Simão Bolívar e mandei pro Chaves, mas era um presente, não vai fazer não. É porque nós conversamos muito sobre Simão Bolívar, no dia seguinte me deu a ideia de fazer alguma coisa e mandei para ele de presente.
MB: E ele gostou. Eu também gostei. Muito bonito. E pro Fidel o senhor fez algum projeto para Cuba?
ON: Pro Fidel eu fiz uma figura grande lá para Cuba. É um monstro, mostra o americano atacando um cubano, o cubano se defendendo com uma bandeira, tem 15 metros. Está sendo construído lá, daqui a um mês deve estar suspenso. Fidel é solidário, ele esteve aqui comigo, nós fizemos uma reunião para ele aqui, é uma figura fantástica. Está certo sempre, sabe definir as coisas. E teve coragem no momento de tomar atitude e livrar Cuba da mão dos americanos. É isso.
MB: E o senhor tem uma ideia de como será Cuba pós-Fidel?
ON: Fidel que salvou Cuba.
MB: Dá para imaginar Cuba sem Fidel?
ON: Eu acho que o povo está...O Fidel é o presidente eleito pelo povo, o povo o adora. Meu neto foi agora à Cuba não viu ninguém na rua pedindo esmola, não viu nada, viu um país tranquilo, todo mundo satisfeito, cantando, contentes, abraçados com Fidel, certos de que ele vai voltar outra vez, se não voltar a ideia dele está no coração, feliz para sempre.. Cuba é fantástico, é um exemplo para a América Latina. Nós devíamos ter feito isso há muito tempo.
MB: Mas quando o senhor construiu Brasília tinha uma idéia igualitária, não? Porque os prédios, a impressão que se tem é que não se conhece a classe social. Estou falando Brasília, depois a cidade satélite...
ON: Era um regime capitalista, o que a gente podia fazer? Brasília não é bom exemplo não porque ao lado do Plano Piloto tem uma favela com mais gente que no Plano Piloto...
MB: Hoje. Mas quando o senhor fez...
ON: (Eu devia ter cogitado a favela), ter deixado crescer. Eu não construí Brasília. Quem construiu Brasília foram os operários, vindos de toda parte do mundo. Eu me lembro que ia para a estrada de automóvel para Brasília e cruzava com os caminhões que vinham de todo canto do Brasil, eles vinham animados para ajudar a construir Brasília, como se a terra da promissão os convocasse, era um entusiasmo danado. Agora, lógico, que isso não impede que o Juscelino tenha a parte dele que foi mais importante de imaginar Brasília e querer fazer, era o sonho predileto dele. Eu me lembro quando nós fizemos Pampulha.
Eu me lembro que ele me chamou, e disse 'Oscar, vamos fazer Pampulha.'. É um grupo de prédios, vai ficar muito bonito, e quando acabei a conversa com ele, ele me disse 'Olha, eu preciso do projeto pronto para amanhã.'. Eu era jovem, fui para o hotel, trabalhei a noite inteira no dia seguinte entreguei. Então, esse negócio de "Preciso do projeto para amanhã", ele me falou o tempo todo de Brasília, era tudo para amanhã.
MB: Já nessa época?
ON: É. E nós corremos, cinco anos de luta, de desespero, de esperança, e a cidade foi feita. De modo que, as peças, assim, não pode querer que esteja tudo no lugar certo, Brasília, como qualquer cidade, tem problemas, problemas de circulação, tem outros problemas também, áreas vazias que foram ocupadas, mas está feita. Foi um grande entusiasmo, foi um momento de otimismo do povo brasileiro. Agora, ao lado de Brasília, a miséria continua, a mesma merda, a mesma falta de comida, de teto, tem um movimento mais importante de todos, que é a reforma agrária, que a pessoa não tem terra, não tem pão, não tem teto, está se transformando em um movimento político, são muito ligados ao... agora esqueci o nome dele. É o líder desse movimento, a pessoa formidável.
MB: Líder do MST?
ON: É. De modo que, é um movimento que existe no Brasil hoje que apoiamos com maior emprenho é o movimento da reforma agrária. Ele está ampliando, é um movimento de protesto, que tem que ser feito, apesar do Lula não ser um revolucionário, ele é um operário, mesmo que ele não queira, ele está voltado para a classe operária. Mas falta ânimo nele para decidir a coisa com a urgência que nós achamos necessária. E se abraçar com todos, e juntos levantar a América Latina dessa pressão norte americana. São nossos amigos, não sei porquê, estão mais próximos.
MB: Outra coisa que acho interessante em seu trabalho é o sincretismo religioso. Apesar de ser ateu..., construiu igrejas no Brasil, mesquitas fora...
ON: Estão querendo fazer um missa na praça da Apoteose de apelo contra a violência. Eu disse que não era comigo, a violência você resolve fazendo uma vida melhor, dando comida aos que têm fome, dando teto para os que não têm casa, mas eu não posso ser contra os católicos, são milhares no Brasil inteiro, eu faço o apelo que eles querem. Eu não sou contra religião. Eu não acredito em nada, mas o próprio Stalin um dia disse que não descartava a ideia de que houvesse uma força qualquer misteriosa... Pode haver qualquer coisa, só que no momento eu não acredito em nada.
MB: Mas...
ON: Eu estou com o coração aberto para acreditar, se surgir. Por isso que a gente quer saber como que a coisa começou, como é que o homem começou, como é que evoluiu, como é que as coisas acontecem, o universo expandindo, e como é que vai acontecer tudo isso, a Terra doente, tudo envelhece, a gente tem que ter pelo menos um pouco de curiosidade para essas coisas, que podem levar a outras soluções, outras idéias, nada é fixo.
MB: Pois é, mas o senhor é o ateu mais espiritualista que eu conheço. Porque tanto as mesquitas quanto às igrejas, dá essa dimensão...
ON: Eles estão felizes pensando naquilo. Para nós eles estão errados. E é inclusive a religião que cresce demais, perigoso...
MB: Fundamentalista? Enfim, com exceção do cristão de fato. Pier Paulo Pasolini se dizia um cristão dos três primeiros séculos, O CRISTIANISMO DE JESUS. Nem nesse o senhor se reconhece? É ateu mesmo?
ON: No momento, não acredito em nada. Mas estou aberto, enquanto eu estiver vivendo as coisas estão acontecendo, a verdade está surgindo, a gente vai penetrando pouco a pouco nos mistérios da vida, do cosmos, quem sabe se um dia chega.
Eu acredito é na solidariedade que é preciso ter. Não ter pobre nem rico, nem branco nem preto, todos iguais.
MB: O que o senhor acha que as pessoas poderiam fazer individualmente ou coletivamente para uma evolução pessoal e uma contribuição na evolução da humanidade.
ON: Por exemplo, meu caso, que é um caso íntimo, não tem a menor importância. Eu ajudo gente a estudar, eu pago a universidade do amigo do colega meu, se ele não pode pagar, o que eu peço em troca, ele lê um livro, todo mês ele lê seu livrinho. Isso aí a gente pode fazer.
MB: Cada um põe a sua pedra.
ON: Lógico. E brigar e dizer, quando perguntar alguma coisa você, claro que pensa. Quando o sujeito me telefonou para falar da missa, eu disse “Estou fora”, meu pensamento é outro, é mudar a vida. Mas, não vou ....., a gente tem que respeitar o sentimento dos outros.
MB: Se for para o bem?
ON: É. É um mistério danado. Às vezes vejo, quando converso com esse meu professor, é tanta coisa que, é uma imagem, uma idéia ainda vaga, eu não sei com certeza, parece que vai servir, foi assim.
MB: E o senhor acha que o estado do mundo atual, em relação a tudo que o senhor viveu nesses cem anos de vida, o senhor vê a história como uma repetição, o senhor acha que a história se repete?
ON: Acho a humanidade fantástica, o progresso da ciência, o progresso de tudo, acho fantástico. O ser humano é humilhado, nasce mau feito um bicho, não tem condições de fazer nada, mas ele é importante. Pensando no povo, que cresce e forma, a luta e tudo, A história é fantástica. Começa lá com os gregos, depois vêm os romanos, depois vem religião, depois vêm os do norte, É uma história fantástica. Uma vez o Sartre me disse que ele lia um almanaque, uma enciclopédia, ele lia uma enciclopédia como um bom romance, e é a mesma história dos homens gregos, ele ficou admirado, ficou espantado, passou a querer descobrir as coisas, porque ele era assim. A ciência é fantástica, pensado pelo tempo, é fantástica.
MB: E também pensando no mundo como um todo e na evolução da humanidade, o senhor acha que teve alguma evolução no tocante ao ser humano, ao humanismo? As pessoas desenvolveram mais o lado humanista ou houve uma degeneração, deterioração disso?
ON: Já mistura, deixa eu te contar o correto. Você vê o Prestes. Era um soldado, ele pediu demissão do exército e entrou na briga. Ele correu o Brasil, sentindo a miséria do Brasil. Ele tinha um objetivo, mas não tinha nada para a felicidade, para a vida dele pessoal, era para a vida dos outros que ele olhava. Ele nem era comunista e pensava como a gente, queria o Brasil no caminho certo. Eu me lembro que na história dele, da Coluna, tem um ponto que ele pára em um lugar e vem a moça do casebre, lá para pedir um remédio. E ele disse, você está sozinha? E ela disse não, só temos um vestido. Quer dizer, miséria total.
É uma luta pessoal, que eu acho todos se unindo. Um dia eles vencem, mas figuras importantes surgindo compreendendo a vida, levando uma vida melhor, lutando, não pensando neles mesmos. Eu acho que a gente tem de ser simples, hoje em dia mesmo, hoje. É tão ridículo pensar que é importante, pensar que vai fazer coisa importante. São coisas que acabam. Tem um certo sentido assim, mas não é nada.
MB: O resultado do que se faz talvez tenha importância para algumas pessoas.
ON: A importância é lutar por uma vida mais justa, por teto, comida, coração aberto para os outros, solidários. O importante é ajudar aos outros. Não por obrigação, mas porque gosta.
MB: O senhor falou no mundo, na evolução e tudo, falou nos gregos e tudo. Quando nós pensamos na evolução histórica, do mundo, os gregos que trouxeram a humanidade, que deram à humanidade os filósofos, a filosofia, os teatros...
ON: Organizaram a sociedade.
MB: Pois é, e os romanos, que construíram, construíram por onde passavam. Napoleão que conquistou o que conquistou...
ON: O mundo é cheio de misérias e grandezas. Você vê sujeitos horríveis, mas tem outros que não, outros crescem, debatem, escutam, eles mostram que não são bichos.
MB: Em relação à vida de uma forma geral, vi sua escultura longilínea, maravilhosa, aquela que está ali. Me faz lembrar Giacometti. Alberto Giacometti.
ON: Você sabe, eu nunca tinha visto uma escultura dele. Achava a figura fantástica, aquelas figuras fininhas, fantástico. Mas um dia entrei em um banco, na Suíça, e tinha no meio do salão uma escultura dele, tão bonita. É uma certa tendência a gostar das pessoas. É normal o sujeito olhar o outro, sem conhecer, começar a procurar defeitos.
MB: O pré-conceito.
ON: Você tem que achar que todo mundo tem uma qualidade, que pode se modificar.O Lenin dizia que dez por cento de qualidade já era o bastante. É ter simpatia pelos outros, não achar que é ruim não, que faz besteira. Todo mundo faz besteira. Quanta besteira eu já fiz.
MB: O que a palavra “humano” lhe evoca, Oscar?
ON: Lembro que ela representa o ser humano. Cheio de problemas, sentindo a realidade, lutando contra o impossível. Eu me lembro que meu amigo João Saldanha dizia assim ‘que a gente não pode fazer um plano, a vida nos leva aonde ela bem quer’, e é verdade. A gente tem sorte às vezes, quando as coisas correm bem, mas tem sempre aquela ideia da morte. O sujeito acha que nasce condenado. Eu me lembro do meu irmão que era médico, ele dizia 'o pior não é morrer não, é não saber do que vai morrer'. Então, eu, por exemplo, tinha seis irmãos, nós éramos seis. Eu sou o único agora. Quer dizer que foi duro, eu assisti cada um por sua vez indo embora. Fora os amigos também, são irmãos. Quanto amigo morreu, quantos irmãos. O tempo é complicado, o tempo é ruim, é maldoso. A gente tem momentos de prazer, fantásticos, mas o fim é sempre o mesmo. A gente vive um pouco a vida dos que estão mais próximos, a gente sente como eles. Não tem saída.
MB: E compartilha o sofrimento e a alegria.
ON: É lógico. Tem que viver, como eu disse mulher do lado e seja o que Deus quiser.
MB: E a palavra “desumano”. O que lhe parece mais desumano? Se você tivesse de pensar em um horror absoluto, o que seria?
ON: É o que dizem, o horror está por aí. O horror já existe, é só a gente procurar saber, se informar, que a gente se assusta. O horror é muito pior do que a gente pensa, tem gente que não tem comida, não tem o que comer, é o povo aí do interior do Brasil, em certas áreas, completamente sem apoio.
Hoje eu dou muita importância aos militares, eles que no fim resolvem as coisas, ficam todos do nosso lado, do lado do bem. Eles têm o Brasil dentro do peito. Foram criados para isso.
MB: Para defender o povo. E o país.
ON: A orientação, às vezes, é que não é boa.
Eu já fui chamado para receber uma medalha dos bombeiros. Eu disse 'dos bombeiros... o que eu posso merecer dos bombeiros?', mas fui. Era um campo, feito um campo de futebol, estava cheio de bombeiros fazendo cantos e faixas e tudo. O time cantou tanto! Um espanto meu, fiquei emocionado, são importantes.
MB: Você é patriota?
ON: Sou, lógico. Nasci aqui. É lógico que a gente é solidário com todos os homens, mas quando a briga cresce cada um tem que cuidar de si em primeiro lugar. Pensando sempre em estar com os que pensam igual, que querem mudar as coisas, agora a América Latina, não tem discussão, é lutar contra o império norte-americano.
MB: E falando em América Latina, o que você acha dessa união? Você disse há pouco que o mais importante para conseguir uma evolução e um progresso dentro da América Latina é a união.
ON: O Brasil é importante, é o maior, não deve falhar.
MB: E para concluir no seu universo íntimo. Se você pensasse na sua vida toda pregressa, qual foi sua obra  mais importante? 
ON: A mais importante foi entrar para o Partido.
Foi uma lição de civismo, de patriotismo, de pensar bem. Fazer uma escolha um pouco diferente, achando que ela não era responsável, em parte, pelo andamento da liberdade, dos Direitos Humanos.
MB: O que foi mais importante na sua vida?
ON: Talvez o meu avô, morrendo pobre, tendo sido ministro tantos anos, com a casa hipotecada, isso foi importante.
MB: Digno.
ON: Digno, lógico.
MB: Digno como você.
ON: Eu procuro ter minha conduta bem clara. Respeitar tudo que eu penso que é básico para o ser humano. Dignidade, posição correta, de bom senso, de solidariedade principalmente.
MB: E como você gostaria de ser lembrado, Oscar?
ON: Ninguém é lembrado, isso é fantasia. Se examinar o universo, tudo no mundo é fantasia. Todos nós viemos, contamos a nossa historinha e vamos embora. A minha não tem importância como a maioria, mas também não me deixa nenhuma vergonha.


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