domingo, 28 de agosto de 2011

OTAN nocauteia Trípoli, sem Kaddafi, oito anos após Bagdá


Os desastres da guerra, de Francisco de Goya
Contra a corrente jubilatória que corre, enquanto na Cirenaica celebram a vitória, e os rebeldes na Tripolitana acertam as contas com os inimigos como se estivessem em um jogo de circo da antiguidade, sou obrigada a constatar que mesmo que vitória exista e que o derrotado mais do que mereça ser preso, julgado e condenado à prisão perpétua e trabalho forçado, a vitória é amarga.
Verdade seja dita, sem a ajuda da OTAN, os rebeldes jamais teriam se aproximado de Trípoli e já teriam voltado para casa com o rabo entre as pernas ou estariam mortos e enterrados.
Ao contrário da Tunísia e do Egito, na Líbia, quem empurrou o ditador para fora não foi o povo, mas as Forças Aéreas ocidentais. Isto não muda nada em curto prazo, mas dependendo das decisões imediatas que forem tomadas, pode mudar tudo a médio e longo prazo.
A Líbia é um lindo deserto povoado aqui e acolá de ruínas romanas pouco visitadas, e sem apoio aéreo, ninguém consegue ganhar batalhas válidas. O general britânico Montgomery e o alemão Romel experimentaram esta inospitalidade bélica terrestre na Segunda Guerra Mundial.
Por mais que ache Gaddafi e seus atos abomináveis, continuo refratária a intervenções em litígios nacionais porque o que tenho visto na história remota e recente é que no final os aliados estrangeiros sempre reivindicam direito de pilhagem.
A diferença dos conquistadores de hoje com Gengis Khan e Napoleão Bonaparte é que até o século passado, ou seja, até Adolf Hitler, o saque era paulatino e declarado.

Os poços de petróleo cobiçados
O século XXI, ou a invasão do Iraque, viu surgir outro tipo de furto. O encoberto por contratos devidamente assinados de cooperação militar, de reconstrução do que foi derrubado, e sobretudo de exploração e comércio das riquezas do povo salvo.
Benghazi hoje, como Bagdá em março de 2003, virou um mercado internacional do quem dá mais e do que quem quer o quê.
Desbloqueiem os fundos líbios já! Para que contratos de “reconstrução” sejam assinados, que o petróleo seja logo negociado, que as riquezas líbias sejam pechinchadas ao valor de guerra e não de paz, e que os cidadãos aguentem as consequências da ocupação econômica (se não for de fato) que começou na semana passada.
Seis meses atrás alertei para o perigo da intervenção ocidental, para o problema da divisão dentro do TNC, Comitê Nacional de Transição, e para o problema mais grave da profunda identidade étnica, dita tribal.
Mais de 85% dos cidadãos líbios admitem ligação forte com a tribo dos antepassados e além das etnias dominantes, existem dezenas de menos importância, mas que também participaram do combate contra Gaddafi.
O que os uniu já se sabe: o ódio de Gaddafi e dos membros das duas tribos que o apoiaram.
Mas muito mais coisas os separam.
Além de fazer negócios, o TNC vai ter tanto problema interno para resolver que talvez até acolha as bases militares da OTAN em seu solo de bom grado. E mais tarde, quem sabe, os contractors com seus mercenários, para combater os hoje aliados, mas que se os países ocidentais ousarem agir como no Iraque, virarão guerrilheiros nacionalistas antes do próximo carnaval. Sem contar as células do Al-Qaeda que estão sendo ativadas. Gaddafi sabia do que falava. Como na Síria Bashar el-Assad.
Embora tenha quase certeza do contrário, ainda espero que os que bombardearam as milícias de Gaddafi - do alto e fora do alcance de contra-ataque - por razões humanitárias, não cometam o mesmo erro cometido no Iraque de instalar-se como se estivessem em casa, por razões puramente venais, nas terras recém-libertadas. 
Grafiteiros líbios lavam a alma
Quanto ao paradeiro de Muammar Abu Minyar al-Gaddafi, ninguém sabe.
Dizem que carros blindados cruzaram a fronteira com a Argélia.
Dizem que está escondido em um bunker do qual sairá quando a poeira baixar e puder escapar com outra cara.
Rumores não faltam.
A certeza é que enquanto sua cabeça não for asteada, ele continuará a assombrar tripolitanos e cirenaicos como se estivesse no palácio.
Morto ou vivo, diz-se por todos os lados. Mas o prêmio milionário não é por sua captura. Se fosse, a OTAN não teria bombardeado Sirte, cidade natal do fugitivo, quando a vitória já parecia assegurada.
Mahmud Jibril e Mustafá Jalil
E quem vai para o lugar de Gaddafi? me perguntam sem parar.
O Conselho Nacional de Transição estabelecido em Benghazi em fevereiro é chefiado por um homem de ideias, o jurista Mustafá Abdel-Jalil, ex-ministro da justiça de Gaddafi. Mas o homem de ação é Mahmud Jibril, nascido em Benghazi, formado na Universidade do Cairo, pós-graduado na Universidade de Pittisburgh e bem relacionado em várias capitais do mundo árabe. No regime de Gaddafi ele dirigiu o Comitê Econômico de Desenvolvimento.
Jalil e Jibril formam uma boa dupla, inclusive na contenção necessária de brigas intestinas previsíveis entre os grupos rebeldes que os legitimam. Além deles, as duas figuras que se sobressaem na Nova Líbia é o filho do rei Idris (destituído do trono por Gaddafi 42 anos atrás) e o filho de Omar Mukhtar, herói da independência da Itália.
Como no Iraque, há também os paraquedistas exilados que querem sua parte. Têm chance, pois conhecem melhor os vencedores da OTAN do que seus compatriotas e a terra de seus antepassados. O que não significa que o povo esteja disposto a abrir-lhes os braços.
Prefiro esperar mais um pouco antes de fazer prognósticos.
Na Líbia de hoje não se tem certeza de nada. Nem na perda de influência total de Gaddafi.

Um lembrete sobre o Iraque mencionado acima. Só em julho deste ano, 259 pessoas foram vítimas de mortes violentas. Desde 2003, estima-se que a perda de vida de civis iraquianos ultrapasse cento e dez mil. Enquanto que 4.474 (3.529 em combate) soldados estadunidenses perderam a vida
Quanto aos contractors, vão bem, obrigados.

Auto-colante da Gush Shalom, ONG israelense de Direitos Humanos
E do lado da Terra Santa, duas pedras a mais foram postas no caminho do reconhecimento do estado da Palestina.
Uma oficiosa outra ideológico-aftosa.
Ambas vindas do nosso vizinho lá de cima do mapa que se encontra em uma ladeira espantosa.
A ameaça diplomática chegou via Tel Aviv.
A outra via Fox News e o radicalismo.
Vou começar pela segunda, o canal contra-informativo, que como se sabe, é uma gangrena de informação que se diz jornalística.
Glenn Beck, um de seus porta-vozes, acabou tendo de ser demitido por opiniões ainda mais extremas do que as que lhe davam carta branca editorial para destilar seu veneno fascista. Não por ter ultrapassado o limite do possível editorial, mas porque fez perder ao canal estadunidense de extrema direita 400 anunciantes. E atingidos no bolso, os patrões lhe mostraram o caminho da porta.
A evasão publicitária ocorreu após Glenn Beck ter comparado, ao vivo, os jovens noruegueses assassinados no início do mês de agosto pelo militante fascista (com quem se identifica) com a juventude nazista, e o judaísmo liberal com o islamismo radical.
O homem passou da imprensa marrom para o sionismo radical e foi vestindo esta nova casaca que foi a Jerusalém na semana passada fazer um comício. Contra o quê? A criação do estado da Palestina, é claro.
Seus argumentos? Tenho até vergonha de mencionar.
Com amigos como Glenn Beck, Binyamin Netanyahu e seus comparsas não precisam de inimigo para levar o governo abaixo.
A outra estocada foi por vias diplomáticas e imediatamente desmentidas na Casa Branca.
Em encontro com o negociador oficial palestino Saeb Erekat, o embaixador dos EUA em Israel Daniel Rubinstein teria dito, em voz alta, o que se ouve em Washington em vozes cada vez mais levantadas: Se a Autoridade Palestina não retirar a moção de reconhecimento do seu Estado pela ONU, os EUA tomarão medidas punitivas além do veto puro e simples, inclusive econômicas.
E do outro lado do Atlântico, um eminente professor de Direito Internacional em Oxford alertou para o perigo do reconhecimento do Estado acarretar alegações de ilegitimidade da Autoridade Palestina.
Isto porque, em teoria (que nem sempre é respeitada, como não foi com o assento dado ao Sudão do Sul com um governo improvisado) o reconhecimento do Estado envolve um governo democraticamente eleito.
A Autoridade Palestina é a autoridade máxima desde que os candidatos eleitos do Hamas foram impedidos de tomar posse, mas o Hamas e o Fatah, prevendo eventuais dificuldades, já concordaram em convocar eleições executivas e legislativas sem tardar.
Mas aí vem a questão dos palestinos da diáspora. Tanto os emigrados forçados quanto os enxotados que viraram refugiados. Em princípio têm direitos iguais aos cidadãos que vivem em Cisjordânia e Gaza. Inclusive de voto.
Tanto neste caso quanto na garantia legítima das autoridades palestinas da segurança de Israel em contrapartida do fim da invasão militar e retirada das colônias da Cisjordânia, o Hamas e o Fatah terão de estar em fase, assim como suas bases.
Mas primeiro tem-se de reconhecer o Estado da Palestina. Esta é a primeira fase. As outras dependerão da capacidade da ONU impor sua autoridade. Inclusive mandando tropas de paz para ajudar Israel a evacuar as colônias e derrubar o muro da vergonha. Pelo menos onde ele ultrapassa a Linha Verde que marca a fronteira de 1967.
Não custa nada sonhar. Na Palestina não tem petróleo. E se tivesse, além de tirar-lhe a água já tê-la-iam esvaziado na marra. Sem que a expressão “limpeza étnica” fosse em nenhum momento mencionada.


Lista de produtos das colônias a serem boicotados: http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements;
Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/;
Lowkey:http://youtu.be/ET6U54OYxGw;http://youtu.be/kmBnvajSfWU; http://youtu.be/GO5Cay6GUkM;
Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/;
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domingo, 21 de agosto de 2011

David e Golias

Bombardeio de Gaza na noite do atentado perto do Resort israelense do Mar Morto em Eilat, no Vale do Jordão 

Quem quebrou a trégua entre Israel e a Palestina?
Quando na Cisjordânia invasores extremistas de colônias como Yitshar fazem operações terroristas contra a população palestina, Israel, como um todo, é responsabilizado? 
Não que eu saiba.
Enterro de um soldado da IDF
Velório de uma criança palestina bombardeada 
Quando um corpúsculo extremista (sem nenhuma ligação com o Hamas) atravessa o deserto do Sinai -sob as barbas da IDF - para uma operação de captura de mais um refém militar (para reforçar o poder de barganha com Israel) e a operação termina na morte de sete deles mais oito israelenses – civis e militares, é normal que o Hamas seja tido como responsável e que todos os gazauís paguem o pato?
Vira e mexe faço esta pergunta. Vira e mexe o governo de Netanyahu usa um subterfúgio qualquer para tentar destruir o moral e a vida em Gaza.
Apesar do Hamas e da Brigada Qassam (sua Força Armada) terem logo negado qualquer participação na operação que ignoravam, a IDF (exército de Israel), mesmo sabendo que o responsável foi o grupo independente Popular Resistence Comitte – PRC (Comitê de Resistência Popular, que é uma pedra no sapato do próprio Hamas) e resolveu vingar-se, como sempre, na população inteira de Gaza com bombardeios ininterruptos da Faixa.
Agentes israelenses limpando um foguete em Ashdod
Um dos prédios destruídos em Gaza,
nos últimos três dias
 As brigadas Qassam responderam com o foguetório habitual ferindo quatro israelenses, e a IDF, só nas primeiras 24 horas já tinha ferido mais de 30 civis e matado 14. Seis militantes do PRC e oito civis, dentre estes, três meninos, um deles de 5 anos. Sem contar os danos materiais.
Como eu disse na semana passada, Netanyahu estava louco para encontrar uma desculpa para voltar a bombardear Gaza e distrair a atenção do movimento social interno que estava assumindo proporções incontroláveis. Pronto. Agora tem o escudo da retaliação para a escalada de violência e de distração nacional, e além disso, não para de gritar, bem alto, para a Comunidade Internacional só ouvir o seu lado.
E no mundo todo o atentado do Mar Morto é legitimamente condenado.
Só que até agora a comunidade internacional irreleva a morte dos civis em Gaza e o fato de Israel ter quebrado a trégua sem pestanejar.
E por seu lado, indignado com as perdas humanas, o Hamas confirma que a trégua, após a violência do ataque inesperado, virou história.
Aí me põem a pulga atrás da orelha e eu faço a pergunta básica dos criminologistas: Com a próxima votação da ONU do reconhecimento do Estado da Palestina, quem ganha com o crime?
O jornalista israelense Uri Avnevy aliás lembra que em 1982, o então ministro da defesa de Israel Ariel Sharon tinha decidido atacar os palestinos refugiados na Síria e no Líbano. E por isto foi a Washington pedir a bênção que foi condicionada a uma “provocação credível”. Alguns dias depois, como por milagre, o grupo liderado por Abu Nidal, inimigo mortal de Yasser Arafat, cometeu um atentado frustrado contra o embaixador israelense em Londres e esta ação foi interpretada como a “provocação credível” que valeu a Sharon o apoio estadunidense à agressão que ficou conhecida como a primeira guerra do Líbano. E à carnificina nos campos de refugiado de Sabra e Shatila.
Na quinta-feira, Netanyahu foi salvo pelo gongo militar em uma hora em que parecia que os protestos internos fossem empurrá-lo à demissão, como aconteceu com Golda Meir e como a coalição entre Netanyahu e Ehud Barak (antes de virar casaca) teve de ser quebrada anos atrás.
O ministro de extrema-direita Avigdor Lieberman (invasor de carteirinha, residente de uma colônia na Cisjordânia) passou a semana apavorando os compatriotas com o “banho de sangue” que os palestinos estão preparando para o dia 20. Dia da votação na ONU e em que várias passeatas multi-nacionais de celebração pacífica estão previstas na Cisjordânia e nas fronteiras com o Líbano e a Síria. O objetivo de Lieberman é que os jovens deixem as tendas plantadas na alameda Rothschild (que incomodam o governo todo dia), parem as reivindicações e empunhem fusis e canhões.
É a estória do inimigo comum que se fabrica a fim de promover uma reunião doméstica furtiva. Recurso que já gerou, mundo afora, tantos conflitos para acobertar erros políticos.

À esquerda, no resort israelense de Eilat, perto de onde aconteceu o atentado, a juventude dourada passeia devidamente policiada. À direita, um menino gazauí limpa o quintal de bomba recém-jogada. Por pouco a família inteira teria sido dizimada, como outras tantas em bombardeios noturnos passados.  

Netanyahu fez declarações tonitruantes em Beer Sheva, inclusive de reforço da proteção da fronteira no deserto de Sinai, admitindo a falha(?) da IDF em controlar a área, enquanto no sul, ao lado, o Egito está em polvorosa por causa do assassinato “acidental” de seus soldados.
Os egípcios voltaram às ruas e desta vez foi para gritar contra o vizinho. O embaixador foi retirado de Tel Aviv em seguida.
O Egito, que se debate entre a era Mubarak da cumplicidade criminosa com o governo de extrema direita israelense e a da solidariedade com a Palestina não quer e não pode ser dar ao luxo de complicar a situação interna.
Quanto a Netanyahu e seus cúmplices de extrema-direita, estão todos regozijantes com a desculpa esfarrapada que encontraram para fazer o que mais gostam: expandir suas invasões na Cisjordânia e bombardear a Faixa de Gaza.

Interpretação da lenda de David e Golias em
pintura de 1914 de Albert Weisgerber

Na verdade, este conflito dos séculos XX e XXI na Palestina, hoje, me lembra a ocupação deste território há cerca de três mil anos quando os israelitas chegaram à “Terra Prometida”.
A história dos vencedores pinta Golias como um mastodonte contra um David corajoso e miúdo – e a ficção começa neste ponto.
Estudados, viajados e vividos sabem que naquela região, gigantes são pura fantasia.
E sabe-se bem que para preservar seus compatriotas dos invasores fugitivos do Egito, Golias propôs uma luta entre os dois líderes.
Litografia David e Golias, de Osmar Schindler
Uma luta limpa que resolvesse a disputa sem guerra e sem perda palestina material e humana.
Todos conhecem mais ou menos o desfecho bíblico e a lenda de David e Golias, em que o primeiro foi sacralizado e o segundo ficou na história como um Hulk morenado.
Toda aquela parte espertinha, em que Golias espera que David se levante para começar a luta e é surpreendido com a esperteza de David, que em vez de orar estava arquitetando o plano de jogar-lhe areia nos olhos para derrubá-lo com uma estilingada e matá-lo traiçoeiramente deitado, parece irrelevante para os que usam David como exemplo de vitória do mais fraco contra o mais forte que o ameaça ou oprime.
Já Gustave Doré preferiu retratar David
com o troféu da vitória: a cabeça de Golias 
Estes desconsideram que nesta história, o "mocinho" e o "bandido" não são forçosamente os que diz a lenda.
Já que no final do combate desleal, David não cumpriu a palavra e saqueou a Palestina, forçando a população a refugiar-se onde?
Isto mesmo.
Na Faixa de Gaza.
Onde os Filistinos ficaram conhecidos sob o nome latino de Filisteus. Que, diga-se de passagem, no Aurélio e em todos os dicionários do mundo influenciado pelos vencedores, virou um insulto – “burguês de espírito vulgar e estreito”...
Com a derrubada do templo de Jerusalém pelos romanos no fim do Século I, a fuga das autoridades israelitas e o abandono das terras tiradas de Golias, os filistinos foram saindo de Gaza e voltando a expandir-se.
E dezoito séculos mais tarde... David voltou pelas mãos da ONU. 
E no século XXI, o governo israelense de extrema direita é o David contemporâneo, espertinho, espoliador, expansionista.
E a Palestina é Golias, mas não o brutamonte que se imagina. O Golias de dimensão humana que não é reconhecida.



Lista de produtos das colônias a serem boicotados: http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements;
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domingo, 14 de agosto de 2011

Prende-se artistas, depois queima-se livros, em seguida...



Fila no
 teatro de Jenin

Representação da Flauta Mágica, de Mozart,
no Teatro da Liberdade de Jenin
Se não bastassem as bombas, Israel resolveu atacar a Palestina  na frente que ela mais preza, depois da liberdade. Querem destruir também o que lhes resta de atividade cultural que lhes é cara.


Após o assassinato misterioso de Juliano Mer-Khamis (filho de uma israelense e de um palestino), carismático criador do JFT, Teatro da Liberdade de Jenin (Jenin Freedom Theatre) , a campanha de intimidação de seus membros corre solta.
As prisões arbitrárias começaram dentro do próprio teatro, quando duas semanas atrás tropas de soldados da IDF (exército israelense) invadiram o local e prenderam Adnan Naghnaghiye e Bilal Saadi, dois de seus elementos mais engajados nos projetos atuais.
No domingo passado foi a vez do ator Rami Hwayel que estava para estrear em Esperando Godot, peça de Samuel Beckett que será, ou seria, dedicada ao colega cujo assassino continua em liberdade e cuja origem continua ignorada.
Rami foi detido ao passar por um checkpoint na Cisjordânia de carro com amigos. Ia visitar a família. Os amigos ficaram estupefatos e família e advogados não conseguem obter nenhuma explicação das autoridades israelenses para a sua detenção.
O britânico Jacob Gough, diretor artístico do teatro, está preocupado com o fato de virarem alvo. Sobretudo porque o objetivo das prisões ostensivas parece ser mesmo destruir os projetos artísticos e culturais pioneiros do teatro que tem ganhado muitos simpatizantes tanto na Palestina quanto em Tel Aviv.
Músico israelo-sueco Dror Feiler em um dos barcos
da Flotilha da Liberdade - Stay Human bloqueados na Grécia

Suspeita-se que a perseguição tenha ficado mais acintosa por causa do co-fundador do teatro Dror Feiler ter sido preso e deportado junto com dezenas de pessoas que tentaram furar o bloqueio naval de Gaza no mês passado.
Curso de Fotografia no JFT
 
Multimídia para
os meninos no JFT


Tratamento de trauma
pós-prisão, tortura e agrassões
 através da arte no JFT
Qualquer que seja a razão obscura da perseguição, este centro cultural é vital à Cisjordânia.
Projeta filmes, promove atividades multimídia, tem cursos de todas as expressões artísticas, de fotografia a teatro, promove encontros e debates culturais entre jovens, terapia através da arte dramática, e veicula valores liberais de maneira geral e em particular de igualdade entre os homens e as mulheres, desafiando inclusive os religiosos radicais locais.
O Teatro da Liberdade de Jenin é um dos poucos lugares na Palestina em que se respira alegria, esperança e entusiasmo.
Deve ser por isto que está no olho do furacão da ocupação israelense da Palestina.

Enquanto fala em negociação para evitar o reconhecimento do Estado da Palestina na ONU, nesta semana o governo de Israel aprovou a construção de 1.600 apartamentos/invasões em Jerusalém Oriental. Na Cisjordânia. E daqui a poucos dias vai aprovar mais 2.700 na mesma área.
São os tais anunciados durante a embaraçosa visita do vice-presidente dos Estados Unidos John Biden a Tel Aviv.
Em vez de resolver os problemas, causam mais ainda, demonstrando aos seguimentos democráticos da população que não está nem aí para a harmonia social e para a paz.

Passeatas continuaram ontem em
Haifa, Afula, Eilat, Tel Aviv 

E as tendas de protesto contra a exorbitância do custo de vida
aumentaram em Tel Aviv 
Falando em paz, ONGs de Direitos Humanos de Israel temem que com o aquecimento político interno causado pelas passeatas que não param, o governo de Netanyahu fique tentado a atacar os vizinhos para convocar os reservistas e fabricar-lhes um inimigo comum que os ocupe e cale suas reivindicações econômicas.

Soldado da IDF - Breaking the silence


Teatro da Liberdade de Jenin: http://www.thefreedomtheatre.org/;
Lista de produtos das colônias a serem boicotados:
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domingo, 7 de agosto de 2011

É bonita a festa, pá


Após o Sabat, milhares de isarelenses saíram às ruas ontem para protestar contra
as consequências do neoliberalismo que estrangula a classe média do país
No domingo passado começou uma onda de protestos em Israel que foi escalando como nos países vizinhos e culminou em uma passeata imensa que ontem mobilizou cerca de 300 mil vozes revoltadas com o aumento do custo de vida. 
Tendas em Tel Aviv
para protestar contra o custo de vida

O levante cívico começou no dia 14 de julho no mesmo estilo da Primavera Árabe. Através do Facebook, quando Daphne Liff, de 25 anos, escreveu sobre seu despejo e a impossibilidade de encontrar apartamento abordável em Tel Aviv. Razão pela qual tinha se mudado para uma tenda.
Primeira passeata em Tel Aviv no domingo passado

De repente a indignação sacudiu o país inteiro. A classe média não se conforma com a perda de poder de compra e do acúmulo de riqueza nas mãos de um punhado de privilegiados. Protegidos pela política do governo atual de extrema direita.
Israel foi alicerçado no modelo social da esquerda européia, mas de uns anos para cá, Biniamyn Netanyahu decidiu pôr em prática a doutrina do choque de Milton Friedman e aconteceu o previsível. Ou seja, o resultado foi o mesmo dos outros lugares em que esta linha econômica é aplicada provocando um empobrecimento da maioria da população e o enriquecimento desmesurado de um punhado.
Mas os 150 mil manifestantes do dia 31 que duplicaram uma semana mais tarde e tendem a crescer nos próximos dias com participantes de todas origens e idades, demonstraram que apesar de todas as medidas anti-democráticas que o governo de extrema direita vem tomando, cedo, melhor do que tarde, vai ter de escutá-los:
Neoliberalismo, não, obrigado.

Telão no Cairo
para assistir ao processo do ex-ditador Hosni Mubarak
Enquanto isto, a Primavera Árabe, que começou seis meses atrás pelas mesmas razões, em um movimento revolucionário espontâneo que se alastrou da Tunísia ao Egito e a outros países da região, voltou a esquentar em Verão.
Meses atrás, em Tunis e no Cairo resultou no impeachment dos dois ditadores que há décadas reinavam, mas as mudanças estão sendo mais lentas do que as populações destes dois países esperavam.
É por isto que seis meses depois, os tunisianos e os egípcios voltaram a ocupar as ruas das principais cidades para lembrar aos substitutos provisórios que a traição que está acontecendo é inadmissível e que as promessas de mudança política e econômica têm de se cumpridas.
Foram repelidos a gás lacrimogênio e a cassetada como se nem o direito de manifestar tivessem conquistado.
Exigem, além da fome ser saciada, as prometidas eleições democráticas. Estas deveriam acontecer neste outono, o mais tardar em novembro, mas foram adiadas sem data fixa.
Os jovens que reocuparam a praça Tahrir, no Cairo, por exemplo, caíram na real e acusam o SCAF (Conselho Supremo das Forças Armadas) que assumiu o poder pós-Mubarak de proteger aliados deste que estão obstaculando uma mudança real do regime. 
O ex-ditador egípcio Hosni Mubarak atrás das grades
Eu duvidava que a promessa feita sob pressão popular era vã ou vaga. Mas como gosto de ser otimista, esperava que a moral prevalescesse, que o general Mohsen El-Fangari e o primeiro-ministro interino Essam Sharaf tivessem palavra e que o povo conseguisse a vitória desejada na data marcada.
Que nada. Vai demorar, mas depois de todo esforço para chegar onde chegaram, os jovens não estão dispostos a esperar sentados. Além das eleições, querem uma condenação formal de Mubarak no Tribunal.

Protestos na Síria reprimidos a gás, cassetada e bala 
Como se sabe, os outros países atingidos pela onda de anseio democrático e de revolta contra o custo e/ou as condições de vida foram Jordânia, Bahein, Yêmen, Síria e Líbia. Alhures (Arábia Saudita, Argélia), o poder de “persuasão” funcionou antes das ruas virarem realmente públicas.
Em que pé estão os países cujos ditadores ou governos não foram destituídos?
Recente protesto no Yêmen.
O único lugar em que as mulheres estão invisíveis,
 mas ativas.

Bahrein, desertado pela mídia.
Por que os revoltados são xiitas?
Na Síria e no Yêmen os respectivos ditadores estão botando pra quebrar cada vez que o povo sai às ruas para recusar as magras mudanças propostas.
No Bahrein não se fala, mas na Síria já se contam dezenove mortos, no Yêmen sete, e dezenas de feridos mais ou menos grave.
Contudo, o povo continua determinado a conquistar melhores condições de vida e liberdade.
Na Jordânia, vira e mexe Amman volta a inflamar-se contra a corrupção e pró-reformas econômicas rápidas. O rei Abdullah ainda matem sua popularidade e pôs vários curativos nas feridas sociais, mas a cura é árdua e mais demorada do que o povo está disposto a aceitar.
A situação dos revoltosos se complica na Síria, Yêmen e Líbia porque estes são regimes em que a rede de milícias são muito bem organizadas, armadas e financiadas.
Nestes países os mercenários, soldados e oficiais gozam de privilégios infinitamente inferiores aos das famílias que dão as cartas, mas querem mantê-los custe o que custar. Sabem quão grandes são os riscos que correm caso não os sirvam mais.
As milícias são bastante doutrinadas, como os GIs. E são leais a Assad, a Saleh e a Kadhafi. Estão dispostos a todos os atos e sacrifícios para manter suas mordomias. 
Um dos grupos rebeldes na Líbia

A Líbia virou uma guerra de propaganda, com jornalistas que seguem os rebeldes, outros localizados em Trípoli e os patrões da mídia divulgando as notícias de seu próprio interesse. Hoje nenhuma informação que filtra pode ser lida como verídica. O fato é que quem está sofrendo é a população civil que tem sido alvo fácil para as milícias de Khadafi, dos rebeldes e da OTAN. Sem contar as mulheres que têm sido estupradas por ambos os lados. "Arma de guerra” comum por causa da humilhação em curto, médio e longo prazo que este ato acarreta.

Em Jaffa, protesto conjunto de israelenses e palestinos
 contra demolição de casas
Enquanto as ruas de Tel Aviv se lotam de jovens e menos jovens indignados, Binyamin Netanyagu, o alvo do desagravo, atacou uma outra frente mais preocupante (?).
Em uma última tentativa de bloquear a moção de reconhecimento da Palestina na ONU em setembro, ele disse que se a Autoridade Palestina concordar em retirá-la, ele concorda em retomar as negociações.
Porém, como se sabe que Netanyahu é contrário ao reconhecimento das fronteiras de 1967, condição sine qua non para o Estado palestino ser viabilizado, a pergunta que corre é esta: O que ele pretende negociar, se não for a retirada dos colonos, a retirada das tropas e dos check points, a derrubada do muro que invade a Linha Verde, a devolução do vale do Jordão e o fim do bloqueio e do bombardeio constante de Gaza?
As ONGs de direitos humanos vêem esta nova investida como uma manobra de Netanyahu e Obama para bloquear o reconhecimento da Palestina na ONU.
Porém a artimanha dos dois países foi recebida em Ramallah com um ceticismo de gato escaldado: Se ouvirmos da boca de Netanyahu que Israel aceita os dois Estados com a fronteira de 1967 e o gelo das colônias, aí sim voltamos a negociar”.
Se não, vai ficar mesmo nas mãos da ONU.
Mas o que Netanyahu teme mesmo é que a revolta interna dos jovens israelenses contra a Doutrina do Choque que ele aplica em casa entre em fase com a dos palestinos para a criação de seu Estado.
É no dia 20 de setembro que a ONU deverá votar o reconhecimento do Estado da Palestina e há uns dias começou uma campanha em toda a Cisjordânia para uma passeata massiva nessa data fatídica.
A campanha está sendo chamada “Palestina 194” devido à esperança do povo de tornar-se o 194° membro das Nações Unidas.
Se isto acontecer no voto da Assembléia (superior a dois terços) e os Estados Unidos bloquearem a efetivação do Estado, Israel ficará ainda mais isolado e o governo com problemas internos e externos mais graves.
IDF abre fogo contra refugiados palestinos nas fronteiras
 no dia da Naqba
Conforme a situação no dia 20, as passeatas poderiam transformar-se em um levante, puro e simples. Tanto do lado de cá e do lado de lá do muro da vergonha quanto nas fronteiras do Líbano e da Síria, onde os refugiados palestinos já foram contidos pelos soldados da IDF (exército israelense) com gás e bala no dia da Naqba. Enterrados os mortos e medicados os feridos, eles estão prontos para voltar à carga (ou tentar voltar para casa) no dia 20 de setembro.
Teme-se o pior, devido à força crescente da extrema-direita no Knesset e a clara divisão da sociedade israelense entre sionistas radicais e democratas liberais.
E tudo isto poderia ter sido evitado pela própria ONU, se em 1948 tivesse reconhecido não apenas um, mais os dois Estados, nas terras que eram palestinas.





Lista de produtos das colônias a serem boicotados: http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements;
Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/;
Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/
Ação do BDS contra o Carrefour na França e na Bélgica: youtu.be/dWFlRDfcxYQ;http://youtu.be/ZRBZ2dopQfk;
http://www.bigcampaign.org/