Em homenagem ao dia 23, da água, resolvi deixar de lado a Líbia, Kadhafi e seus adversários tribais apoiados pelos aviões franceses, ingleses e quataris sob as ordens do Pentágono e dar um pulo nos dois extremos da península árabe.
Primeiro o Yêmen, cujo presidente Ali Abdullah Saleh, no poder por 32 anos, após dois meses de repressão às passeatas, durante os quais permitiu inclusive o assassinato de cinquenta e três pessoas por caçadores de tocaia em telhados e de dezenas de outros por soldados regulares, resolveu recuar e negociar sua retirada.
Os pontos principais são o destino de sua família – seus filhos e sobrinhos chefiam vários setores, inclusive das Forças Armadas – e o momento de retirar-se, já que sua proposta de terminar o mandato foi rejeitada.
Saleh vai sair, é certo, pois quer se livrar de uma bomba que vai explodir na mão do próximo presidente de maneira inexorável. Sanaa é a primeira capital do mundo condenada, em curto prazo, à seca total.
Daqui a 20 anos, no máximo, não terá mais nenhuma gota d’água nas torneiras. Os dois milhões de habitantes terão exaurido todas as camadas freáticas próximas, e a médio e longo prazo, das proximidades. A situação da capital é crítica, mas o ressecamento atinge o país inteiro. A agricultura consome 90% da água, dos quais 37% são usados para a cultura subsidiada de um arbusto chamado khat, cujas folhas, que têm o efeito da anfetamina, são mastigadas diariamente por mais de 90% da população masculina. Esta, mesmo sabendo que a água é mais valiosa do que o petróleo e que sem ela a morte é certa, prefere a droga diária que os entorpece do que a fonte que os revigora.
Quem sabe um governo democrático deixa de financiar o khat, já que não precisará de uma população quimicamente alienada?
Na Síria, a situação do regime autoritário do presidente Bashar al-Assad, 11 anos no “trono” herdado do pai, Hafez al-Assad, que governou o país por 30 anos, também está periclitante, apesar de sua reação rápida desde janeiro para abafar os focos de revolta.
Não há como esconder a depredação inusitada das fotografias de Bashar e de estátuas do pai em Daraa (onde os protestos começaram), Homs, Sanamim, Latakia. As concessões feitas nos últimos dois meses – subsídio de aquecimento, maior acesso à mídia, redução de três meses no serviço militar, libertação de dezenas de presos políticos e o fim do estado de emergência (em vigor desde 1963) – ainda não bastaram para acalmar as ruas. Porém, por mais que Washington queira ter em Damasco um aliado subserviente como o saudita Abdullah é em Ryad, Assad é autoritário, mas não é um Muammar Kadhafi. E o movimento antagonista não é de massa como no Egito e na Tunísia.
Em Damasco houve uma manifestação muito grande em seu favor e grande parte das passeatas nas demais cidades acontecem após o enterro de um dos mortos (27 oficiais, cem a mais, segundo a voz popular) e a palavra de ordem não é abaixo o regime, mas sim, punição aos culpados.
Não é que os sírios não prefiram um regime democrático, mas a intervenção na Líbia arrefeceu o ânimo dos jovens e foi um balde de água fria no fogo de liberdade que se alastrava pelos países árabes.
Aliás, nos países "incendiados" o que se está ouvindo mais é que não querem nenhum estrangeiro na parada; que roupa suja se lava em casa. Minha impressão na Síria é que as mudanças virão, em um ritmo nacional.
E na Palestina a voz do povo também está sendo ouvida, e respeitada.
Sob pressão constante dos jovens na ruas de Ramallah exigindo união política, o líder do Fatah, Mahmoud Abbas, acabou encontrando Aziz Dweik, líder parlamentar do Hamas e concordou em ir a Gaza dialogar.
Será que foi mesmo por isto que Israel voltou a bombardear a Faixa mais amiúde do que seus bombardeios noturnos aos quais se está acostumado? É o que se conjetura por lá, quando deploram os civis mortos e feridos nos ataques.
E para não dizer que não falei na Líbia, vou falar sem falar, ou melhor, por tabela, sucinta, da Arábia Saudita (fornecedora de mão-de-obra e logística às operações estadunidenses no mundo árabe).
Na década de oitenta do século passado, os EUA treinaram um milionário saudita fundamentalista chamado Bin Laden para combater os soviéticos no Afeganistão, e este mais tarde fundou o AL-Qaida.
Em 2001, um piloto saudita treinado nos EUA jogou um Boeing 757 no Pentágono, a serviço do Al-Qaida.
Em 2011, o Pentágono está com um projeto imediato de levar para os EUA dezenas de jovens sauditas para treiná-los a voar, e matar.
Parafraseando Karl Marx, a história primeiro se repete em tragédia. A segunda, em farsa.
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