sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Água de verão



Dizem que no verão ninguém tem vontade de ler coisas sérias porque pensar também dá trabalho. Eu não concordo com esta teoria, mas não deixo de respeitar os que nesta época do ano só querem consumir cultura e informação descartáveis, até um certo ponto.
A matéria de hoje é para lembrar estes e os demais (que precisam de alimento cerebral quotidiano) algo bem simples para fechar o ciclo hídrico.
Podemos comer o que quisermos, podemos ler ou estudar o que conseguirmos, mas o corpo e o cérebro só assimilarão a comida e o conhecimento se dispuserem de água suficiente para transportar uma e outro e fixá-los nas nossas células locomotivas.
Portanto, sem água para irrigar o cérebro, pensar é mesmo cansativo.
Talvez você já saiba que nasceu com 90% de água no corpo e na idade adulta a proporção diminuiu a imperiosos setenta por cento. Sem esta água nada em nós funcionaria já que os olhos são compostos de 95%, o cérebro 75%, o coração 75%, os pulmões 86%, o sangue 83%, os ossos 22%, os rins 82%, o fígado 70%, os músculos 76%, a pele 70%, os tecidos 60% e a gordura 20%. Morremos com apenas cinquenta por cento de água no organismo.
Vamos nos desidratando paulatinamente entre o nascimento e o último suspiro. Daí a maciez da pele das crianças e a aspereza da de um centenário.
A água é o mais importante dos seis nutrientes básicos que necessitamos para que o corpo e o cérebro estejam em harmonia com as exigências do dia a dia. Ela é responsável pelo nosso bem estar em todos os sentidos porque ajuda a digestão e a distribuição de oxigênio, remove as toxinas, transporta os nutrientes e aumenta sua absorção, lubrifica as juntas, regula a temperatura do corpo, gera energia celular e melhora o sistema imunitário.

Segundo os especialistas, quem é disciplinado e pode se dar ao luxo de tomar regularmente nove copos de água (dois litros) diários tem mais energia do que só quem toma a metade. A irrigação física quotidiana também aguça as faculdades mentais e físicas, leva à perda de peso, reduz o estress, a ansiedade, a depressão, dores de cabeça e tonturas, previne infarto e premeia a pessoa disciplinada com menos rugas e uma pele mais macia.
Eles dizem também que mesmo sem uma transpiração visível, quase a metade da perda de água ocorre durante as operações regulares dos pulmões e da pele. Precisamos de um copázio d’água diário só para conseguir respirar, e um corpo bem hidratado facilita o efeito de medicamentos.
Quando o corpo não está hidratado o suficiente, responde levando água para os órgãos vitais e é aí que aparece a sensação de sede. Quem não tem como saciá-la vai perdendo energia e os órgãos vão falhando até perder a vida. O prazo para o coração parar de bater é de três a sete dias.
E para quem tem filho e quer expô-lo ao sol, lembre-se antes que refrigerante diminui o ritmo de absorção da água do estômago. Daí a sensação de que “só água mata a sede”. Guaraná é bom, mas para evitar desidratação é melhor uma latinha de guaraná e muita água.
Outra coisa, pode comprar águas minerais caríssimas se puder e fizer questão de consumi-las, mas saiba que elas não lhe darão nenhum complemento nutricional além dos que saem da torneira. Aliás, se as garrafas forem transportadas debaixo de sol causticante, durante longo tempo e em viagem chacoalhada, a água pode até chocar, já que é constituída de matéria viva.
Procurei saber disto tudo porque eu mesma tenho muita dificuldade em tomar água antes de ficar com sede, embora as repetidas conversas com especialistas já tenham me convencido que é isto que me mantém viva, com vitalidade e capacidade intelectual mínima.
Espero que além de entender que manter um nível de hidratação adequado é essencial para a regulação das suas funções mentais e fisiológicas normais, você tenha a disciplina de no verão aumentar seu consumo de água. Dois copos por dia a mais bastam para regular o organismo. E como a água não contém gordura, proteína nem carboidratos, ela não tem nenhuma caloria.
A água é mesmo uma maravilha. Nela tudo é lucro. Sem desperdício.
Feliz 2011! com saúde, amor, prosperidade e harmonia.


segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Punição natalina

Hoje eu tencionava escrever algo leve, mas como uma parte do mundo continuou a viver em um rítmo defasado da harmonia à que o Natal nos leva, sou obrigada a solidarizar-me com as vítimas e adiar as boas-vindas ao verão que chegou no nosso Brasil pacífico.
O Natal na Palestina é um paradoxo vivo. Enquanto os turistas estrangeiros são bem-vindos a Belém para as cerimônias natalinas, os cristãos locais, ou seja, os milhares de palestinos, são bloqueados nos check points e encurralados em suas cidades limítrofes sitiadas por soldados israelenses devidamente armados e alheios ao espírito de paz natalino.
Além deste estado que perdura há anos (o próprio Yasser Arafat foi impedido por Ariel Sharon de participar da missa natalina), parece que Israel deseja continuar uma outra tradição de comemoração militar do Natal bombardeando Gaza. Uns dizem que é uma vontade dos sionistas integristas de desafiar a América e a Europa e mandar a mensagem de que não estão nem aí para o nascimento do tal Jesus Cristo. Outros dizem que a decisão é política, de fazer com que explosões de túneis que alimentam os gazauís famintos, assassinatos de militantes políticos (que se estivessem na França ocupada pelos nazistas seriam chamados de resistentes em vez de terroristas), e a ameaça de prisão do compatriota Jonathan Pollak passarem em brancas nuvens. Apesar do título e do lead, vou falar mesmo é sobre este rapaz de 28 anos apoiado por muitos e elogiado publicamente pelo compatriota Ayed Morrar – internacionalmente conhecido pelo seu premiado documentário em que relata a vitória desarmada de ativistas israelenses que levou à queda do muro na cidade palestina de Budrus.
Apesar de jovem, Jonathan já é veterano deste tipo de batalha contra barreiras, muros de separação, colonização judaica na Cisjordânia. Há anos que vem protestando junto com os nativos e compartilhando com eles os mesmos riscos físicos nos confrontos com as forças militares israelenses que chegam a usar munição real contra as pedras lançadas pelos jovens palestinos quando a situação se endurece.
Mas não é por esta militância atrás do muro da vergonha que sitia a Cisjordânia e confisca terra e água palestina que ele corre risco de prisão, mas sim por ativismo em seu próprio país democrático e livre e na cidade liberal e viva que é Tel Aviv.
O protesto foi pacífico. Um tipo de passeata, ciclista, com outros trinta companheiros pelas ruas de Tel Aviv contra o bombardeio e o sítio de Gaza em 2008. Este tipo de passeata ciclista é até comum em Tel Aviv contra a poluição motorizada e outras causas ecologistas. Ele foi o único do grupo a ser preso e desde então a questão virou política e foi abraçada pelas ligas de direitos humanos e pelos liberais e democratas de uma forma geral.
Por que Jonathan e não um dos outros trinta? Talvez por ser filho de Yossi, conhecidíssimo por ser um dos maiores boicotadores da colônia de Ariel, na Cisjordânia, e por ser neto de Nimrod Eshel, preso várias vezes por sua liderança na greve dos pescadores na década de 50.
Jonathan “milita” desde bebê, quando desfilou pelas ruas de Tel Aviv nos braços da mãe junto com milhares de compatriotas que condenavam o ataque ao Líbano em 1982. A diferença dele com seus companheiros de passeata poupados foi que, em suas próprias palavras, foi mais longe e transformou as passeatas de protesto em ação.
Para Jonathan, racismo, chauvinismo, sexismo, especismo saem do mesmo lugar de diminuir o outro e todos estes “ismos” o indignam. Seu ‘pedigree’ e sua própria militância que começou aos 15 anos, lhe valeram uma despensa pragmática do exército, e acabou não tendo de ser objetor de consciência como dezenas de jovens israelenses que anualmente recusam o serviço militar e vão parar atrás das grades para forçar a barra de suas consciências.
Foi para a Holanda, dois anos mais tarde foi deportado para Israel justamente durante a Intifada do início do milênio e logo juntou-se ao primeiro protesto ante-barreira em Jayyus, na Cisjordânia.
Em sua defesa de Jonatham, Ayev Morrar diz que o jovem tenta provar duas coisas. A primeira é que quem acredita na ocupação não pode se dizer humanitário ou civilizado. A segunda é que resistir à ocupação não significa ser terrorista ou assassino.
Pois é, Danielle Mitterrand, resistente francesa contra a ocupação nazista, já me alertou em entrevista para o perigo de confundir resistência com terrorismo.
Terrorismo é um ato selvagem e covarde feito para aterrorizar e destruir aleatoriamente gregos e troianos, como os ataques que vimos nesta década a Nova Iorque, Londres, Madri, Roma...
Resistência, é um ato cidadão contra a ocupação física e militar ilegal de uma terra e de um povo que quer e tem o direito de existir, livre.
Em um mundo ideal, a resistência seria pacífica.
Não, em um mundo ideal, em que a ONU representasse seu papel de legislador e árbitro de todos os países de maneira igual e ativa, resistência seria inútil e a paz vigoraria.


domingo, 19 de dezembro de 2010

A Palestina e o Jornalismo 2


Hoje vou ser breve.
Uma simples introdução a outro documentário sobre a Palestina, inspirada pelas festas natalinas e a obrigação cristã de defender os fracos e oprimidos.
Desde 2000, quando Ariel Sharon destruiu o aeroporto que Yasser Arafat havia inaugurado dois anos antes, só existe uma entrada na Faixa de Gaza. É uma No-man’s-land do tipo da que separava Berlin Oriental da Ocidental, só que a guarda é apenas de um dos lados. O espaço árido é ocupado por guaritas e soldados israelenses armados controlando entradas e saídas dos palestinos que querem ir à Cisjordânia a passeio ou por necessidade. Mulheres e crianças esperam autorização de saída horas a fio por simples pirraça, segundo depoimento de reservistas – Breaking the silence http://www.shovrimshtika.org/index_e.asp).
A Faixa é cercada de muro ou arame farpado.
A saída alternativa são os famosos túneis sob o muro fronteiriço entre a Faixa de Gaza e o Egito que os gazauís cavam, Israel explode e os gazauís cavam outros em seguida porque sem essas passagens a população da Faixa não teria água, não teria comida, não teria nada e não sobreviveria aos anos de sítio.
Rue Abu Jamil, a última rua de Rafah que separa Gaza do Egito é francês, de Alexis Monchovet e Stéphane Marchetti.
Abu Jamil Street: In the heart of Gaza tunnels (trailer)
Integral com legenda em francês / en entier avec sous-titre en français:
  http://www.lcpan.fr/Rue-Abu-Jamil-03156.html#

domingo, 12 de dezembro de 2010

A Palestina e o Jornalismo



Nos últimos vinte anos têm me perguntado amiúde porque “defendo” a espinhosa causa palestina e tenho recebido vários emails com perguntas parecidas.
Na semana passada muitos demonstraram simpatia com a decisão do Brasil de reconhecer o Estado Palestino nas fronteiras anteriores a 1967. Ou seja, a que respeita a linha verde, derruba o muro da vergonha e liberta a Palestina das colônias e do exército israelense de ocupação.
Mais uma vez, tive orgulho de ser brasileira.
É claro que quem não entende a defesa dos palestinos e a decisão brasileira nunca esteve por aquelas terras santificadas e malditas.
Os que já estiveram e em vez de só subir e descer de ônibus nos lugares marcados sem deixar na Cisjordânia uma divisa ou um shekel sequer para os palestinos que cuidam dos sítios cristãos sagrados, jamais perguntaram nada parecido. Estes enxergam o que o Lula viu e que envergonha de Jimmy Carter, Henning Mankell, Desmond Tutu a nós jornalistas, aos militantes de direitos humanos, sobretudo os israelenses, e que embaraça cada dia mais os organismos internacionais que fazem as leis nas quais Israel pisa.
A resposta é simples. Fazer vista grossa e cruzar os braços é a antítese de estender a mão e de dar a outra face. O jornalismo que escolhi já na faculdade não é só o de chegar junto ou de enfocar a pontinha do iceberg, que na nossa profissão corresponde a “editar” press release sem destrinchá-lo.
Minha repulsão à barbárie começou aos 13 anos, na aula de história quando a dona Léa mostrou entre outras coisas os horrores do nazismo, de Hitler e dos campos de concentração em que homossexuais, comunistas, judeus, deficientes mentais e físicos e todos os opositores, eram tratados como lixo e depois gazeados e despejados em covas coletivas. (Com os ciganos nem se davam ao trabalho – eram fuzilados na hora. Isto ela não disse.)
Como foi possível?! Ela culpou a incipiente rede de comunicações, que se fosse como a presente isto jamais teria acontecido. Acho que nem ela acreditava no que dizia.
Até então eu ainda titubeava entre advocacia, psicologia e arqueologia. Foi aí que escolhi juntar as três matérias em uma e ser jornalista. A geopolítica veio com o estudo, o aprendizado das pessoas, dos fatos e a visão em macro da vida e do mundo.
Quanto mais conhecia a situação da Palestina, mais sabia que a questão religiosa era uma cortina de fumaça e que as gerações futuras julgariam a de agora, a nossa, e perguntariam onde estávamos quando os palestinos estavam sendo espoliados, sequestrados, torturados, ocupados, sitiados, concentrados e tratados como animais por um vizinho expansionista - como a nossa geração celebra os Justos e condena os nazistas e seus cúmplices ativos e passivos. No país abençoado por Deus, bonito por natureza e protegido pelo Cristo, tolerar ocupação e limpeza étnica é incabível.
Tenho amigos judeus e israelenses. Não sou pró-Israel e nem pró-Palestina. Sou contra a desinformação que prima e pró-informação cidadã do mundo em que vivo. E no caso da Palestina, são as leis internacionais que ditam o partido da Moral e do Direito, apesar de alguns sionistas integristas discursarem sobre o direito de Israel se proteger a qualquer preço.
Segundo as ONGs israelenses de Direitos Humanos, a melhor defesa de Israel é o respeito destas leis internacionais, o desmantelamento das colônias na Cisjordânia, a retirada do exército de ocupação e o fim dos check points nos quais os palestinos são humilhados e em que o acesso às escolas é bloqueado. Com estas medidas o país obteria a convivência pacífica com que sonha a grande maioria. Esta é a maior vantagem que levarão quando se renderem ao pragmatismo construtivo, dizem os pacifistas.
Eu não tenho mais as mesmas certezas maniqueístas da juventude. Tenho muitas dúvidas. São elas que me conduzem a cavar fundo e largo sem preconceito ou ideia pré-estabelecida e deixar o leitor tomar o seu partido. Neste blog tento informar com uma ótica humanitária e humanista em fase com a ética aprendida no curso de jornalismo, nos livros de filosofia e na convivência com seres humanos que me puxam para cima.
Por isto, antes de resolver traçar-lhes a história de Israel e da Palestina, resolvi presenteá-lo, presenteá-la, com uma pérola de reportagem.
Se puder, compre o DVD que garante remuneração ao imenso trabalho investigativo e tem legenda, que evita mal-entendido.
O documentário vem dos Estados Unidos e é considerado pelos profissionais o melhor que foi feito sobre o assunto. Não é exaustivo e nem abrange os últimos acontecimentos – bombardeio e invasão de Gaza em 2008/09 e ataque da Flotilha humanitária em maio, expansão das colônias e espoliação hídrica desenfreada, mas é o documento visual jornalístico mais completo que existe.
Occupation 101 foi feito por Sufyan Omeish e Abdallah Omeish em 2007. Ganhou vários prêmios internacionais, entre estes, da BBC, de melhor documentário.
A desinformação não é uma sina. Informar-se a fundo é importante antes de tomar partido.
Bom filme.

Site oficial de Occupation 101: http://www.occupation101.com/about.html
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domingo, 5 de dezembro de 2010

Desenvolvimento é compatível com biodiversidade?

Faz alguns meses que não vou à África Negra, mas a distância física não me fez esquecer o Okavango, o rio que jamais encontra o mar e que paradoxalmente foi protegido por uma guerra civil interminável em Angola, onde nasce perto de Nova Lisboa e atravessa correndo centenas de quilômetros de terreno minado para regar uma faixa da Namíbia até chegar ao Botsuana e se jogar em um delta raro, cujo ecossistema foi pouquissimamente tocado.
Vistos do alto, os igarapés trançados com ilhotas entremeadas parecem uma figueira carregada de frutos de verde a maduro de tamanhos variados. Por baixo também a beleza é de tirar o fôlego até de um citadino inveterado para quem uma arrebatadora paisagem biodiversa não representa nada.
O Okavango desemboca no deserto de Kalahari, que antes de absorver-lhe a água o deixa irrigar quinze mil metros quadrados de seu solo árido. É espetacular. Mas como valorizo mais a vida que a natureza alimenta e cria em vez do espetáculo, embora dez por cento do PIB do Botsuana venha desta atração turística* , o maior valor dessas águas é o de ser sua única fonte hídrica, assim como da Namíbia.
Politicamente, estes dois países são relativamente estáveis, mas a miséria de ambos é altíssima, além de um nível quase pandêmico de AIDS. A Namíbia tem 15% da população infectada e no Botsuana a média de vida nos últimos anos baixou de 65 a 35 anos.
Faz tempo que o Botsuana vem se desertificando. As chuvas esparsas que caem durante o ano só conseguem regar 5% do território e 75% da população dependem de aquíferos subterrâneos acanhados. Mas graças à sua estabilidade política regional rara, beneficia de fundos internacionais assíduos, com a condição sine qua non de preservar o ecossistema da foz do Okavango.
Sem estes incentivos o Botsuana já teria danificado o sítio tão defendido como a Namíbia, que com 50% da população na miséria, trabalho infantil banalizado e recordista mundial de tráfico de crianças, só pensa em construir açudes que melhorem suas condições de vida.
Apesar disto, logo após a independência da África do Sul em 1990, a Namíbia criou a OKAKOM (1), uma comissão permanente conjunta para a água (com o Botsuana para tratar da administração bilateral do rio. Quatro anos mais tarde a Angola, mãe da nascente e que detém 80% da água, passou a integrá-la.
A comissão tripartite gerencia a crescente demanda dos benefícios da bacia e toca projetos sustentáveis. Ela funciona até bem apesar dos bate-bocas esporádicos, e entre os dois primeiros, da disputa da ilha Kasikili/Sedudu (que quer mesmo é autonomia).
É aí, no apaziguamento e na busca de soluções viáveis, que entra a Cruz Verde Internacional(2), uma ONG presidida por Mikhail Gorbatchev desde 1993. Pouco conhecida, mas ativa na busca de soluções humanistas para conflitos potenciais ou declarados que envolvem ecologia e no “tratamento” do ecossistema planetário.
Este rio quase prístino que corre por um terreno extremamente subdesenvolvido e árido é um exemplo típico da escolha difícil que os países africanos têm de fazer entre desenvolvimento e preservação de sua biodiversidade.
A Cruz Verde nasceu da urgência ocidental de salvar o que for solvável, já que o patrimônio ecológico “excedível” dos europeus e dos norte-americanos foi dilapidado no processo de desenvolvimento em uma época em que Ecologia era uma palavra que só existia no dicionário.
O BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China), elite reduzida das potências emergentes da qual o nosso faz parte, abusa de água e vem mostrando as garras na corrida desenfreada para alcançá-los e ultrapassá-los. Com armas mais ou menos morais, conforme a letra e o caso.
Do outro lado os países atolados no subdesenvolvimento se encontram em um impasse complicado. Proteger a natureza ou explorá-la?

Alguns têm meios de não depredá-la, como é o caso de Angola com seus recursos naturais, suas minas de diamante e o petróleo que jorra e parece não acabar. Porém, na África a riqueza natural serve mais a senhores de guerra e a quem está nas rédeas do Estado e seus agregados do que ao crescimento nacional. (Talvez alguém saiba como sair deste círculo vicioso. Eu não sei de nada.)
Outros países têm clima desigual, recursos limitados, mas são banhados por rios que podem fornecer energia e irrigar culturas agrícolas, como é o caso dos membros da bacia do Nilo. Mas para isto precisam de barragens, hidrelétricas, irrigação, e na maioria das vezes o desenvolvimento que a população espera chega a um custo mais alto do que pode pagar.
No último vagão estão os desprovidos de riquezas naturais capitalizáveis, maltratados por uma seca interminável, com a população que morre jovem mas não para de aumentar, e que para sobreviver com fundos internacionais assinam tratados com órgãos como o Ramsar(3) – convenção que controla as terras úmidas do planeta desde 1971, com 160 países membros, 1899 sítios designados que cobrem uma área de 186 milhões 549 mil 794 hectares. Protege o planeta, mas de certa forma estagna nações como estas da África Austral.
Outro dia um amigo insistiu comigo que o patrimônio ecológico universal tem de ser protegido a qualquer preço. Eu também acho... quando estou em cidades em que abro a torneira e sai água potável e em países que beneficiam daquela chuvinha chata, mas que o agricultor agradece porque é a que realmente irriga o solo e garante uma colheita farta. Porém, quando vejo terras que o sol racha todos os dias de manhã e de tarde queimando a vida de homens, mulheres e crianças que definham por falta de água, perco minhas certezas ocidentais bem alimentadas e hidratadas à vontade, com água potável.
Parafraseando livremente o escultor Alberto Giacometti, entre salvar um homem e uma árvore, acho que salvaria o meu semelhante. Digo isto sem saber muito bem onde, em certos casos, está a moral. O que sei é que a Cruz Verde e os demais organismos internacionais têm de encontrar um equilíbrio entre o tudo ou nada que permita a estes países um desenvolvimento sustentável que os salve.
Por enquanto, por onde ando, só vejo um caminho imediato viável. O da cooperação em forma do sistema de troca que levou o Homo de Habilis, a Erectus a Sapiens. Eu não tenho frutas exóticas, matas, animais, acabei com a minha biodiversidade, mas tenho água ou a tecnologia de dessalinizá-la e saneá-la. Você me dá o que você tem e eu lhe dou água potável.
A equação é elementar.
O Brasil é privilegiado pela natureza e por sua maior riqueza – a herança tupiniquim da cordialidade e de outras qualidades humanas que valem à nação um capital de simpatia sem rival. O Pré-sal perto desta dádiva não é nada.
Sabe-se de projetos que o governo e ONGs nacionais vêm desenvolvendo no sertão há alguns anos. Esta tecnologia poderia ser exportada, a preço abordável, com a mensagem implícita que o Brasil quer chegar ao topo da escada sem esmagar ninguém na subida dos degraus.
Doze por cento da água do planeta circulam no nosso país. Além de protegê-la, podemos ajudar os que estão em falta sem perder nada e ainda obtendo algo. Assim tomaremos a frente do BRIC, para começar, no plano moral.
Os EUA já pagaram e vão pagar, até quando não se sabe, o preço de uma hegemonia adquirida com exploração e inimizade. A China, que sem o Tibete – dos “mil montes e dez mil fontes” – fica acuada, se exaure e para, está seguindo seus passos.
O Brasil tem outra história, uma índole solidária e recursos suficientes para manter a alma intacta. Com o reconhecimento do Estado Palestino já deu uma lição de lucidez e humanidade. Não há porquê manchá-la.
Ramsar
Biodiversidade
Okavango
2. Cruz Verde http://www.gci.ch/
3. Ramsar http://www.ramsar.org/cda/es/ramsar-ramsar-movie/main/ramsar
GCI Brasil: http://www.greencrossbrasil.org.br/