domingo, 23 de outubro de 2011

Banalização de execução sumária

I and the public know; What all shcoolchildren learn; Those to whom evil is done; Do evil in return.
Eu e o público sabemos; O que todos os meninos aprendem; Aqueles que são maltratados; Por seu lado maltratam.
Esta é uma estrofe célebre de Wystan Hugh Auden. Genro de Thoman Mann e um dos maiores intelectuais britânicos do século passado.
WH Auden, cristão confesso, disse também que Todos estamos na Terra para ajudar os outros. O que não entendo é para quê estão os outros.
Na semana passada (como tantas outras) os Todos continuavam Indignados de Singapura a Nova Iorque, mas os Outros levantaram a voz, e às vezes, armas.
A execução de Gaddafi só é surpresa (?) para a ONU.
A cabeça a prêmio não precisava as condições de captura, se algemado ou em imagem, mas a expectativa de execução era quase clara.
O choque das imagens, a Rússia botou a boca no trombone e a ONU resolveu pedir contas do assassinato. Mas com que moral?
Só neste ano, deixou os EUA executarem sumariamente Osama Bin Laden e seu próprio cidadão Anwar al-Awlaki com o filho de 16 anos, sem questionarem nada.
Neste contexto de impunidade do "líder das nações livres", como fazer os rebeldes líbios engolirem lição de moral?
Estas execuções fazem o mundo "civilizado" regredir moralmente à Idade Média, ao obscurantismo.
E as nações árabes que emergem à democracia têm em Washington um péssimo exemplo.
Sem punir os Estados Unidos na Háguia, vai ser quase impossível punir os rebeldes da Líbia por crime semelhante.
A não ser que a OTAN esteja disposta a atolar, cada vez mais, no solo enlameado do país inteiro, o pé esquerdo com que entrou nos ares tripolitanos.
Gaddafi é morto. E agora, Jalil? E agora, África?
A queda do ditador da Líbia causa satisfação na América e na Europa. Os demais ditadores árabes e a África estão tensos, apesar de terem costas quentes.
Ele não era o único déspota do continente, mas era o único que não tinha rabo preso a nenhuma potência estrangeira. Daí a rapidez com que estas “socorreram” os rebeldes, os armaram e depois bombardearam de cima para ter certeza que Gaddafi não se safaria e que os próximos líderes lhes abririam as portas econômico-financeiras.
Os demais ditadores africanos têm costas quentes, mas talvez nem tanto.
Mesmo protegidos militarmente pelos Estados Unidos em nome da “guerra contra o terror”, e pela China e Índia que não deixar ninguém matar a galinha de ovos de ouro fazendo revoluções, a grande maioria do povo não beneficia dos investimentos que entram no país ou já vão direto para contas clandestinas no exterior. Por isto e por viver em um mundo em que as distâncias encurtaram, a insatisfação, cedo ou tarde, vai chegar aos países mais improváveis.
Quem sabe até na Somália.

The Death of Gaddafi: The Big Picture

Quanto ao futuro da Líbia, ouve-se que a paz momentânea pode ser guerra civil proximamente.
Gaddafi foi para Sirte sabendo que não sairia de lá vivo. Queria morrer junto de sua tribo e transformar-se em mártir para os humildes.
Morrer isolado em palácio, é uma coisa.
Morrer rodeado na cidade natal é outra, com sentido. 
Daí a pressa da ONU em prometer investigação sobre os crimes de guerra cometidos por ambos os lados.
Há semanas que os rumores na Líbia são de que estava condenada a continuar a novela negra que começou no Iraque em 2003.
A queda de Gaddafi é um triunfo, mas a execução é uma derrota flagrante.
Mostra o quanto a autoridade do NTC (Conselho Nacional Transitório) junto aos grupos rebeldes é frágil. E quão aleatória será a posição destes homens unidos pelo ódio de Gaddafi e separados, quem sabe, por ambições de poder tribal ou/e pessoal.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Já dizia Camões. Vide a foto acima, do ano passado.
Uma coisa é certa. O conflito armado não terminou com a execução de Gaddafi. É quase certo que rixas entre prós e contras e contras e contras vão soltar faíscas em algumas partes.
Resta torcer para que as faíscas não provoquem incêndio nacional e que o NTC consiga controlar o que hoje parece dificilmente controlável.
Alguém na Líbia disse que eles podem inspirar-se no processo de reconciliação da África do Sul, exportado com sucesso para Ruanda, Libéria e outros países, mas tem um porém... O programa inaugurado pelo bispo Desmond Dutu é fundado na fé cristã da confissão do pecado e do perdão. Não sei se funcionaria calcado em outra religião. Quem viver verá.
A OTAN prometeu terminar a “campanha da Líbia” no dia 31 de outubro, mas não falou quando abandonará o navio nas mãos de tripulação e capitães nativos.

Nos Estados Unidos, França, Inglaterra,... as empresas que ainda não estão com caixeiros viajantes postados há meses em Benghazi, para abocanhar os espólios milionários da guerra que seus países patrocinaram, estão sendo incitadas vivamente a voarem já! A fim de participarem da festa econômica e deixarem os empresários locais a ver navios, como em Bagdá oito anos atrás.
Boa sorte para a Líbia e para os líbios! Com votos de que o país não protagonize o Cine-catástrofe-realidade: Iraque Bis.

RT: Que direito a OTAN tem de executar Gaddafi?

Duas “revoluções” com duas caras, poderia ter sido o título de um artigo comparativo entre o processo de “libertação” da Líbia e da Tunísia.
Porém, como nos últimos meses já falei bastante sobre o caminho errado tomado desde o início na Líbia, prefiro dar uma palavrinha sobre o país em que o povo venceu na mais perfeita paz.
Na sexta-feira almocei com Jamel, um tunisiano que faz parte da elite pensante e ativa que reside fora.
A falangeta de seu polegar estava curiosamente manchada de tinta preta e ele disse, com orgulho da conquista de um direito universal nascente, que tinha acabado de votar no Consulado para a escolha do Conselho que comporá a iminente Assembléia Constituinte.
ESclareceu que a tinta preta é para evitar fraude. As eleições no exterior duram dois dias e a tinta é impossível de ser apagada em menos de três. O sistema é infalível.
É a primeira vez que ele votava (tem 39 anos).
Não que o deposto Zine El Abidine Ben Ali tenha presidido o país de 1987 a 2011 sem organizar sufrágios, é que era eleito com mais de 90% de votos, fraudados. Os funcionários públicos, por exemplo, recebiam o envelope com a cédula, única, que depositavam na urna e iam ruminando a frustração de volta ao lar, seguro, graças à cumplicidade a que eram obrigados.
Dez meses após a queda de Ben Ali, tunisianos bem sucedidos em outras paragens retornaram ao país para participar do processo de democratização e oitenta partidos foram criados.
Jamel, como os tunisianos bem pensantes e laicos, votou na lista de personalidades que propõem um esboço de constituição que será submetida ao escrutínio público na internet para ser melhorada conforme a expectativa popular.
Dentro do país, os cidadãos que tomaram seu destino em mãos votam neste domingo.
Revolução popular é isto. É o povo unido contra um sistema apodrecido e que deixa a Justiça punir os criminosos, de colarinho branco e sem colarinho.

Após a primeira leva de troca de prisioneiros no dia 18, negociada entre Israel e o Hamas, e a acolhida de herói que tiveram alguns militantes do Hamas responsáveis por crimes de sangue, me perguntaram se acho isto moral e se não há risco que estes voltem aos atentados.
Começando pela segunda pergunta, as estatísticas que Israel mantém desde que procede a estas trocas de prisioneiros mostram que apenas 15% dos libertados retomaram atividades militares.
O risco hoje é menor ainda, pois na visão destes militantes (muitos eram civis presos por nada), eles cometeram estes atos repreensíveis em situação de guerra e agiram como soldados lutando por justa causa, com comando e ações hierarquicamente determinadas e ditadas por uma vontade política clara.
A vontade explícita do Hamas, desde 2005, é de conciliação e paz, não é mais de atentado.

Nelson Mandela, um “terrorista” anos mais tarde, em vida, popularmente canonisado, durante seus primeiros quinze anos de prisão, costumava cantar a célebre balada popular irlandesa (1) composta em homenagem a Kevin Barry, dando ênfase à frase “Fuzilem-me como um soldado irlandês, não me enforquem como um cão, pois lutei pela liberdade da Irlanda”.
Kevin Barry tinha 18 anos quando foi enforcado junto com nove companheiros do IRA, enterrados no pátio da prisão em 1920. Na libertação da Irlanda em 1934, os túmulos dos dez homens foram identificados. Em 2001 uma missa foi rezada na Catedral de Nossa Senhora e os corpos foram devidamente enterrados no cemitério de Glasnevin, em Dublin, onde um monumento foi edificado aos heróis do passado que permitiram que o presente seja desfrutado com liberdade.
Quem já esteve em Israel e, como eu, observa tudo, deve ter reparado que tem muitas ruas e praças chamadas Shlomo Ben Yosef.
O que valeu tanta homenagem a este membro do controvertido partido sionista revisionista Irgun?
Em 1938, um ano depois de ter emigrado para a Palestina, ele fuzilou um ônibus cheio de nativos com a intenção de matar todos os palestinos que conseguisse.
Ben Yosef foi julgado pelas autoridades britânicas, que então ocupavam a região, e foi condenado a morte pelo crime premeditado.
Para a  grande maioria dos israelenses, este homem movido pelo ódio racista é louvável.

Em 1948, Albert Einstein junto com a filósofa Hannah Arendt e outros intelectuais judeus da época, enviaram ao New York Times uma carta aberta (2) condenando a visita aos Estados Unidos de Menachem Begin. Este era líder do Tnuat Haherut, partido cuja organização, métodos, filosofia política e social se assemelhavam à dos fascistas, segundo os assinantes da missiva.
Esta mostra a clarividência destes intelectuais encabeçados por Einstein a Arendt. Viram nesta visita a vontade política estadunidense de apoiar este partido na Nação recém-criada, contra as ideais de Ben Gurion, mais abertas.
A carta mostrou também que a comunidade judia estava dividida, mas não evitou a ascensão meteórica de Begin.
Embora tivesse participado e dirigido vários massacres de palestinos que resultaram na Naqba (blog do 15/05/11), - inclusive do vilarejo vizinho de Jerusalém, Deir Yassin, em que o genocídio dos palestinos deixou traumatizados os soldados ingleses que chegavam sempre após o fato consumado (algumas raras fotos, como as de acima, atestam a história) - co-ganhou o Prêmio Nobel com Anwar al-Sadat em 1979 por assinarem o Tratato de Paz que seguiu a Guerra dos Seis dias.
Assinatura que não impediu Menachen Begin, entre outros atos, de bombardear uma "usina nuclear" no Iraque em 1982; de invadir o Líbano, dando início à “guerra” que culminou com o massacre dos palestinos nos campos de refugiados de Sabrah e Shatila; e de começar o processo de colonização em Cisjordânia e em Gaza.
Em 1983 retirou-se da vida pública e em 2005 foi eleito por seus compatriotas uma das cinco figuras mais importantes de Israel de todos os tempos.
O que prova a teoria do próprio Einstein. Da relatividade.

A lista de “terroristas” convertidos em “heróis” é longa. 
Uns têm glória merecida. Outros menos.
Mas é raríssimo que as pessoas em nome de quem o atos de violência são cometidos questionem o mérito destes indivíduos.
Eu sou e serei sempre contra a solução armada, pois sangue deixa mancha muitas vezes indeléveis e outras marcas dificílimas de tirar com meios brandos.
Quanto à questão moral que alguns leitores colocaram...
A primeira moral da estória é que a história não tem moral.
A segunda é que a vida mostra que pessoas intrinsecamente morais em toda e qualquer circunstância de estres, pressão, dor física ou psicológica extremas, são espécie rara.
A terceira é que sendo cristã - dos três primeiros séculos em que o cristianismo era calcado na tolerância e engajado em princípios irrepreensíveis - acho que todo mundo merece uma segunda chance.
Eu, prefiro dar a outra face e levar mais uma bofetada encarando o meu agressor do que revidar ou pôr o rabo entre as pernas e seguir adiante, de cabeça baixa, com medo da sombra.
E como todos os israelenses ativistas de Direitos Humanos aprovam a troca de prisioneiros (blog anterior) e querem que os outros seis mil palestinos sejam libertados o quanto antes, quem sou eu para emitir opinião sobre um drama do qual sou espectadora e não participante?
Além disso, o risco é relativamente proporcional à vontade de provocação de Binyamin Netanyahu e de seus planos.

Wag the dog é uma expressão anglófona imortalizada no filme homônimo de Barry Levinson, com Robert de Niro e Dustin Hoffman.
Significa dar predominância de algo irrelevante sobre um acontecimento de grande importância.
Barack Obama, coitado, na semana passada, sem solução para o movimento incontrolável de Occupy Wall Street, resolveu wag the dog para ver se as coisas acalmam.
Primeiro forneceu ao público um inimigo comum. Um complô irano-mexicano para matar o embaixador estadunidense na Arábia Saudita em solo estadunidense.
Depois foi a lenga-lenga do papel catalisador do Irã nos conflitos árabes.
E por último, mas não menos importante, declarou que os Estados Unidos retirará do Iraque seus últimos 39.000 soldados até o dia 31 de dezembro deste ano.
Desde 2003, mais de 4.400 cidadãos dos EUA morreram na ocupação do Iraque.
Segundo uma agência de pesquisa britânica, cerca de um milhão de iraquianos morreram no mesmo período em consequência da guerra e da ocupação.


No Yêmen, os protestos não arrefecem e a repressão prossegue.
Ali Abdullah Saleh quer garantias,
antes de abdicar ao absolutismo de seus 33 anos de presidência  



 
Na Síria,
a palavra de ordem não muda: Assad, reforma, ou fora!
A despeito das  passeatas de simpatizantes do presidente em Aleppo e Damasco.


A título de informação, o Brasil finalmente aderiu, oficialmente, à ocupação injusta da Palestina abrindo uma representação nacional do Movimento Brasileiro BDS (Boycott, Disinvestiment, Sanctions) contra Israel. O evento aconteceu na USP na semana passada.
Agora os nossos compatriotas que quiserem, poderão participar do Movimento e pressionar o governo da Dilma para que não permita que Israel use MADE IN BRAZIL para produzir e exportar seus produtos que vêm sendo boicotados no mundo inteiro.
Temos de ficar atentos para que o lobby sionista não transforme São Paulo em Nova Iorque e Brasília em Washington.
Nós somos brasileiros, defensores dos fracos e dos oprimidos; ou isto é ideal ultrapassado nas novas gerações?
"Palestine is the cement that holds the Arab world together, or it is the explosive that blows it apart."
Yasser Arafat
Israel: Estado Militar

1. Balada Kevin Barry: http://youtu.be/ehWfKQRFwWQ; letra: http://celtic-lyrics.com/forum/index.php?autocom=tclc&code=lyrics&id=283.
2. Carta de Einstein enviada ao NY Times: http://www.physics.harvard.edu/~wilson/NYTimes1948.html
Lista de produtos das colônias a serem boicotados: http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements;
Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/;

Um comentário:

  1. Tou profundamente chocado pela leitura do seu blog. Fica evidente que você so enxerga em Israel o que combina com as suas opçoes. A sua ignorância da cultura judaica é tamanha. Porque tantas coisas sobre Israel num blog que pretende falar sobre recursos naturais ??? Tou muito chocado.

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