O mês de junho de 2001 começou com sangue. No dia 1°, um bomba-suicida matou 20 pessoas em Tel Aviv. Foi a operação palestina mais mortífera desde o início da ocupação israelense.
Yasser Arafat foi pego de surpresa, procurou saber quem era responsável e propôs aos grupos de resistência palestinos e a Sharon um cessar-fogo para acalmar os ânimos pelo menos do seu lado.
O Hamas concordou e Arafat começou a mexer os pauzinhos para conseguir dialogar com o adversário.
Então George W. Bush mandou ao Oriente Médio um velho conhecido de Arafat. O chefe da CIA George Tenet que pressionara e chantageara o líder palestino em Campo David e mais tarde.
Tenet estava encarregado de reunir os responsáveis de segurança dos dois lados a fim de mediar uma trégua. Seus argumentos foram convincentes, a curto prazo, e no dia 12 um acordo teórico foi alcançado. As duas partes concordaram em providenciar um cessar-fogo nas próximas 48 horas.
Porém, apesar da declaração oficial ter sido esta e Sharon ter dado uma de bonzinho na saída prometendo à mídia local calar seus fuzis dentro do prazo, os representantes palestinos, pouco dados a acordos de fachada, não mediram as palavras ao descreverem a reunião como um fracasso. Disseram de cara que os israelenses não haviam se comprometido em dar nenhum passo específico em direção da trégua, como por exemplo afrouxar o sítio da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
Prova disto foi que dez dias depois o novo enviado especial de Washington, William Burns, continuava tentando convencer o novo ministro das Relações Exteriores Shimon Peres a concordar com um frágil cessar-fogo.
Enquanto isto, dois adolescentes gazauís foram gravemente feridos durante um dos ataques da IDF e em retaliação dois soldados das forças de ocupação foram mortos em Gaza.
Os ataques prosseguiram como se nem reunião tivesse tido, e Ariel Sharon resolveu não perder tempo com intermediários. Convidou-se à Casa Branca para marcar pontos com George W. Bush em detrimento de Yasser Arafat.
Suas esperanças de conquistar o republicano logo na chegada, com conversa fiada e charme (pois é, Sharon podia ser muito envolvente nas horas vagas, como Golbery do Couto e Silva, Slobodan Milosevic, Benito Mussolini, Adolf Hitler...) foram por água abaixo. Teve um desentendimento público com o novo presidente estadunidense sobre o limite da violência, e a portas fechadas, sobre o congelamento das colônias.
À imprensa, Sharon repetia sem parar que "a violência tinha de cessar completamente" antes de qualquer negociação, desconsiderando as perguntas se estava disposto a parar primeiro e se irritando quando se falava na disparidade de meios de combate da IDF e dos grupos palestinos de resistência. No final do encontro tumultuoso, Bush, que tinha o general Collin Powel do lado, deixou clarou que não compartilhava o ponto de vista israelense do "tudo ou nada".
(Aliás, com raríssimas exceções, os presidentes dos EUA logo que empossados costumam ter uma visão clara do conflito e pressionam Israel para que aja conforme o direito e a justiça. Vão mudando de postura por causa dos acordos feitos com os predecessores e sob pressão do influente e milionário lobby israelense em Washington. A AIPAC é o segundo lobby mais potente dos EUA. Faz presidentes, compra a simpatia de formadores de opinião com corte assídua, presentes, fábulas mirabolantes e desfaz carreiras com acusações de anti-semitismo injustas, ameaças e perseguições.)
Apesar das desavenças na Casa Branca, Ariel Sharon voltou para Tel Aviv como se Bush lhe tivesse dado carta branca para fazer o que quisesse em vez de lhe ter dado um puxão de orelha público.
No dia 09 de julho seus caterpillars voltaram à ação demolindo casas de 14 famílias nas imediações de Jerusalém.
Um das vítimas disse então que estas demolições corriqueiras faziam parte da "política israelense de diminuir o número de palestinos na área."
Três dias depois, dois jornalistas testemunharam dois outros fatos banais nos checkpoints dos Territórios Ocupados. Em um, uma mulher em trabalho de parto foi bloqueada durante duas horas e meia no caminho do hospital e acabou dando a luz no carro - o recém-nascido morreu antes da mãe conseguir chegar ao hospital para receber os cuidados que precisava. Em outro, uma mulher foi baleada quando o táxi em que se encontrava se desviou da rota para evitá-lo - também morreu antes de receber cuidados médicos.
Estes fatos corriqueiros, mas que desta vez foram vistos por um repórter estrangeiro, deram no que falar e chamaram a atenção para os danos que a ocupação causava na vida quotidiana dos palestinos. Atenção curta e poucos jornais lhe deram o espaço necessário à conscientização da opinião pública.
As bombas falavam bem mais alto do que "banais" mortes individuais na calada.
Na semana seguinte, no dia 17, dois helicópteros de combate bombardearam uma fazenda perto de Belém matando quatro pessoas. Dois deles eram os militantes do Hamas Omar Saadeh e Taha Aruj.
Na semana seguinte, no dia 25, a IDF matou outro ativista do Hamas e fechou o mês bombardeando uma oficina na Cisjordânia. Seis mecânicos que estavam trabalhando durante este ataque perderam a vida, no dia 30.
Em Gaza bombardearam a Delegacia de polícia central em pleno expediente, causando feridos leves e graves.
Julho terminou com 539 palestinos enterrados e centenas de feridos.
No dia 04 de agosto Sharon resolveu pegar pesado. Mandou assassinar Marwan Barghuti, líder do Fatah na Cisjordânia. Barghuti escapou por um fio ao míssil que lhe era destinado em Ramallah. Quem contra-atacou não foi o Tanzim, que Barghuti comandava, e sim o Jihad. Mandou um bomba-suicida explodir em Jerusalém Ocidental provocando 18 mortos e ferindo oitenta pessoas.
Sharon resolveu então, além de atacar fisicamente o povo palestino, atacar seu orgulho. Ordenou a tomada da Casa Oriental - sede histórica da OLP em Jerusalém - e uma campanha militar que foi crescendo até o ápice da investida do dia 15. Neste dia, cerca de 70 tanques e tropas ocuparam edifícios públicos, inclusive escritórios da Autoridade Palestina e delegacias nas cidades mais importantes.
A operação durou três horas.
Os caterpillars demoliram tudo o que encontraram no caminho. Quando os assaltantes se retiraram, deixaram um rastro de ruinas, três cadáveres e vários feridos que foram transportados, nos braços ou como dava, aos postos de saúde já sobrecarregados.
Mas isto não bastava.
No dia seguinte em Hebron, soldados da IDF à paisana executaram com tiros na cabeça, ombro, estômago e pernas Imad Abu Seineh, ativista palestino conhecido.
No dia 23, logo após os lados concordarem em retomar o diálogo outro palestino foi baleado em uma barragem das forças de ocupaçã e quando três concidadãos tentaram socorrê-lo, foram crivados de balas pelos soldados.
Parecia a última cena de Bonnie and Clyde, com a diferença que os três civis estavam desarmados.
Para completar as derrapagens mortíferas de agosto, a IDF assassinou um dos líderes palestinos mais queridos e respeitados. O chefe da Frente de Libertação da Palestina (PFLP), Abu Ali Mustafá, de 64 anos, de maneira espetacular "para servir de exemplo". De quê, não se sabe.
Mustafá atendeu o telefone e quando desligou, dois mísseis lançados de helicópteros atravessaram as janelas o destroçando dentro do escritório. Da caça às bruxas, Mustafá foi até então a presa mais elevada na hierarquia próxima de Arafat. Nasceu na Palestina sob Mandato Britânico em 1938, em Arraba, no norte da Cisjordânia, fora deportado, retornara em 1999 e quando Habash "se aposentou" em 2000, assumira a chefia do PFLP.
Seu enterro no dia 27 foi seguido por cerca de 50 mil pessoas, a ala armada do PFLP foi rebatizada Brigada Abu Ali Mustafá, e Ahmed Saadat assumiu seu lugar.
O assassinato de Mustafá não só não foi dissuasivo como despertou vocações de jovens revoltados. Seu sucessor, Ahmed Saadat era muito mais determinado do que Mustafá. Este foi um dos erros táticos que o ódio cego de Ariel Sharon faria com que todos fossem prejudicados.
Saadat é filho de refugiados vítimas da Naqba. Grupos para-militares judeus apagaram do mapa sua cidade, Dair Tarif, no dia 13 de julho de 1948, matando ou forçando ao êxodo os oito mil habitantes. Ele nasceu em 1953, em 1967 aderiu ao movimento estudantil do FPLP, do qual virou membro em 1969. Quando substituiu Mustafá, Saadat tinha 48 anos, muitos anos de militância, muita experiência de terreno e sede de vingança.
Um reservista da IDF - sargento do Armored Corps, Shovrim Shtika - Breaking the Silence sobre um episódio em Belém. 2001.
"We were in Bethlehem, Nokdim I believe it is called, near Nokdim, Shdema was the name of the base.
A thing I've found out just now, during my reserve service, my company commander told me that before going in they would smoke drugs, he and some other officers.
I saw things that were immoral in my view, I was really shocked. By the irresponsibility. Because these were people some of which I'd taken as responsible, certainly when dealing with human life, and humane."
Did they say why they did drugs?
"No special reason, just for the kick. Before going out on a reconnaisance tour, something that was expected to warm up, they would sometimes smoke drugs. I don't know how often. It's a story he told me.
At the time he told me this he was on drugs as well so I don't know how credible it is, but in any case it is worrisome."
Reservista da IDF, Forças israelenses de ocupação,
"A quarter-century ago I barnstormed around the United States encouraging Americans, particularly students, to press for divestment from South Africa.
Today, regrettably, the time has come for similar action to force an end to Israel's long-standing occupation of Palestinian territory and refusal to extend equal rights to Palestinian citizens who suffer from some 35 discriminatory laws".
Em fevereiro deste ano eu disse que era pouco provável que Israel (com a ajuda dos EUA) atacasse o Irã porque até uma vitória militar provável (devido à desproporção de potência bélica conjunta de dois dos maiores fabricantes de armas do planeta) acarretaria uma derrota insuportável para os israelenses a curto, médio e longo prazo. ( http://mariangelaberquo.blogspot.fr/2012/02/ira-armacao-ou-perigo-embasado.html)
Há pouco os dois homens que controlam o governo e a IDF de mãos dadas e com maquiavelismo interdependente - Binyamin Netanyahu e o general Ehud Barak - voltaram a declarar que atacarão o Irã neste outono (primavera nossa), prometendo um Outono Sanguinário.
Aí voltaram a me perguntar o que acho: Israel vai ou não atacar Teerã e provocar uma guerra regional? cujas consequências seriam lastimáveis, diga-se de passagem.
Israel vai ou não atacar o Irã, vai depender de fatores internos e do apoio dos Estados Unidos.
Porém, o bom entendedor já sabe que Netanyahu, se insistir na agressão gratuita, vai acionar uma batalha que considera a priori perdida.
Por incrível que pareça, o Primeiro Ministro de Israel afirmou publicamente que no fim da "guerra" (os israelenses e os estadunidenses gostam de chamar agressões unilaterais de guerra) "assumirei" toda responsabilidade desta perante o Committee of Inquiry (Comissão de Inquérito)...
É esta declaração tempestuosa de Netanyahu que atesta aos bons entendedores sua insanidade mental. Insano porque não dá para imaginar que um homem são decida jogar seu povo e sua nação em um conflito bélico cuja derrota ele mesmo antecipa.
Para quem conhece a história israelense, a antecipação da derrota está nas entrelinhas. Tal Comissão só exerceu suas prerrogativas em duas campanhas militares que os israelenses se consideraram derrotados: na "guerra" do Yom Kippur em 1974 e nas "guerras" do Líbano de 1982 e de 2006.
Tal Comissão não foi convocada em nenhuma das campanhas militares em que Israel considerou ter obtido vitória. Ou seja, na "guerra de independência" em que os imigrantes judeus ocuparam a Palestina em 1948 declarando o Estado de Israel unilateralmente; na "guerra do Sinai" em 1956 quando Israel invadiu o território egípcio; na "guerra dos Seis Dias" em que com a ajuda da França, Inglaterra e Estados Unidos, a IDF pulverizou os exércitos sub-equipados da Síria, Jordânia, Egito e como "espólio" de guerra, ocupou militarmente a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e começou seu processo de ocupação civil com as invasões de judeus importados.
O jornalista israelense Uri Avnery disse há pouco que "embora a revista TIME, que a cada semana fica mais ridídula (defendendo o governo extremista de Tel Aviv que os prósprios israelenses veem contestando nas ruas) possa coroar Netanyahu 'Rei Bibi' mas Israel não é uma monarquia". E que "Netanyahu se considera um Winston Churchill moderno, mas eu não me lembro de Churchill ter anunciado que assumia responsabilidade de uma futura derrota. Até nas situações desesperadoras ele acreditava na vitória e jamais usou a primeira pessoa do singular em discurso".
O fato é que esta maquinação iraniana leva a duvidar da sanidade mental de Binyamin Netanyahu e Edud Barak porque se não estivessem possuídos pelo demônio da megalomania irresponsável, jamais provocariam uma guerra cuja derrota anteveem antes de ordenar o ataque.
Ora, estes dois homens não são ou não podem ser tão imbecis ao ponto de imaginarem que os aiatolás que governam o Irã realmente queiram "riscar Israel do mapa" com uma bomba nuclear, como diz o tagarela Mahmud Ahmadinejad para distrair a atenção de seus concidadãos dos próprios problemas internos que enfrenta.
Os dois braços armados de Israel sabem que Ahmadinejad não tem autoridade para fazer nada grave e que há meses deixou de gozar de estado de graça junto aos aiatolás.
Mesmo que o Irã adquirisse ou adquira a bomba atômica - provável a médio prazo justamente por causa das ameaças constantes de Israel e dos EUA - vai ser uma inconveniência para ambos porque não poderão mais intimidá-lo, mas a ameaça de um "segundo holocausto" é uma manipulação perversa e indecente do imaginário dos sionistas em geral.
Os aiatolás não sofrem da deterioração mental dos dois líderes israelenses e de seus ministros de extrema direita. O líder dos aiatolás Ali Khamenei é da linha dura - foi o braço direito do aiatolá Khomeini - mas dois dos cinco membros do conselho são moderados e todos os cinco são estudados. Não são trogloditas desvairados. Jamais lançariam uma bomba sobre Israel sem serem obrigados. Sabem que Teerã, o país inteiro, viraria um imenso cogumelo de fumaça antes que pudessem cantar uma vitória efêmera, pois em retaliação os Estados Unidos os bombardeariam sem pestanejar.
Além disso, na equação nuclear tem o fator integrante da Palestina.
Jogar uma bomba atômica em Israel ocasionaria, no mínimo, a erradicação colateral da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. E a poluição de Líbano, Síria, Jordânia, Egito...
Trocando em miúdos, que eu saiba, o Irão vê a posse da bomba atômica como um fator de efeito dissuasivo. Quem conhece um pouquinho o Oriente Médio e o Irã entende isso.
Quem duvida tem agenda própria ou sofre de paranóia crônica e tem de ser internado em um hospício antes de provocar uma guerra que poderia virar planetária.
E como diz Uri Avnery, se Barak, Netanyahu, Lieberman, e os demais que compõem a ala extremista que governa Israel, "tivessem realmente medo da bomba atômica iraniana, fariam duas coisas: ou concordariam com a des-nuclearização da região, desistindo de seu próprio armamento nuclear (o que é improvável), ou fariam a paz com os palestinos e o mundo árabe, o que consequentemente desarmaria a hostilidade dos aiatolás. Mas as ações de Netanyahu mostram que para ele, conservar a ocupação da Cisjordânia é muito mais importante do que a bomba iraniana. What better proof do we need of the craziness of this whole scare? Binyamin Netanyahu may be crazy, but he is not mad. Ehud Barak may be mad, but he is not crazy. Ergo: Israel will not attack Iran."
Enquanto os Senhores de Israel tramam sua derrota anunciada, a ONG Gush Shalom mobiliza a sociedade israelense contra a guerra. No dia 23, organizaram passeatas em Tel Aviv, Haifa, na porta da casa de Netanyahu em Jerusalém e depois na de Barak - onde já tem manifestações diárias, e em Hiroshima (sim senhor/a!) onde estava havendo uma conferência internacional de grupos anti-nucleares.
Sem discordar de Uri Avnery, acho que o perigo da pantomina trágica do Primeiro Ministro de Israel é que seus problemas socio-econômicos internos são tantos, que é bem provável que esteja alimentando esta campanha bélica inspirado na prática comum wag the dog de seu padrinho gringo.
Ou seja, distrair a atenção de seus compatriotas mobilizando-os para uma guerra absurda que os reunisse em defesa do país cuja segurança o próprio Netanyahu mina diariamente com a ocupação da Palestina e que eleva a uma potência reativa dramática com a campanha de ataque do Irã.
Qual será o leão invisível no campo de Barak e Netanyhu que trar-lhes-á ou trar-lhes-ia benefício? Tem de ter um. Não é possível que eles tenham realmente enlouquecido.
A operação wag the dog, de Netanyahu, tem alguns motivos. Um deles é o movimento popular chamado em Israel Tentifada, iniciado no ano passado no entusiasmo da Primavera Árabe ( http://mariangelaberquo.blogspot.fr/2011/08/e-bonita-festa-pa.html; http://mariangelaberquo.blogspot.fr/2011/09/israel-na-onda-da-intifada.html).
O movimento retomou impulso no mês de julho forçando o Primeiro Ministro a nomear uma comissão para examinar o custo de vida elevado que desde o ano passado tem gerado onda crescente de protestos até reunir centenas de milhares de pessoas nas ruas principais da capital.
Embora a coalição governamental de extrema-direita não se sinta ameaçada - é o que dizem, o movimento popular tem deixado o governo preocupado porque em vez de diminuir como Netanyahu esperava, fez foi aumentar paulatinamente com novas demandas, tais como de desocupação da Palestina e contra o ataque ao Irã.
A origem dos protestos é a queda nítida do padrão de vida dos israelenses. Estes sentem que as classes B e C estão descendo a escada e saíram às ruas para reivindicar a justiça social da qual o país vem se distanciando nas últimas décadas ao priorizar as despesas militares em sua paranóia securitária.
O movimento que se restringia a Tel Aviv propagou-se a outras cidades, inclusive a Jerusalém onde residem os mais conservadores e sectários. As passeatas têm sido semanais e é por isto que Netanyahu resolveu reagir, com um ano de atraso.
O porta-voz do Primeiro Ministro, Mark Regev, tentou amenizar a rebeldia dizendo que Israel tem longa tradição de passeatas pacíficas e estas não são portanto inusitadas.
Mas quer queira admitir quer não, estas tomaram outras proporções.
O movimento é tão grande que os obriga a ouvir as reclamações da queda brutal do poder de consumo e da qualidade de vida, e quem sabe, parar a máquina de guerra contra o Irã.
Tudo começou com a crise de moradia - uma jovem expulsa de seu apartamento instalou-se em uma tenda na rua principal de Tel Aviv e logo foi cercada de outras famílias.
Do ano passado pra cá a revolta tem se ampliado com jovens casais protestando contra a dificuldade de tratamento dos filhos, médicos fazendo greve contra precárias condições de trabalho, professores contra os contratos de trabalho restritivos, outros contra salários baixos e o aumento constante dos preços de gasolina e de bens de primeira necessidade.
A amplitude do Movimento o tranformou na maior ameaça ao governo de extrema direita cuja popularidade vem caindo proporcionalmente à inflação que empobrece a classe média e marginaliza a classe baixa.
Apesar das ruas cheias de ativistas improvisados o governo mantém que a situação econômica de Israel é boa, "gozamos da taxa mais baixa de desemprego" determinada pelos organismos internacionais", e embora tenham de ouvir as demandas feitas pelos movimentos de protesto, "temos de manter uma política econômica responsável para assegurar o crescimento econômico de Israel". Ao mesmo tempo que justificam o crescimento econômico em sentido único que enriquece uma minoria e empobrece os demais, reconhecem que "os preços são elevados artificialmente sobretudo por causa de uma prática monopolística e de cartéis."
Vale lembrar que o tráfico de influências e a corrupção em Israel é frequente. Vira e mexe tem um dirigente político nas manchetes dos jornais. O último foi o ex-primeiro ministro Ehud Olmert.
Netanyahu promete reformas rápidas, mas as ruas não se esvaziam porque a palavra do Primeiro Ministro não vale pouco ou nada apenas para os dirigentes europeus. Em casa também paira dúvida quanto à sua sinceridade.
Enquanto isto, na Cisjordânia, os palestinos também sairam às ruas de Ramallah para protestar contra a violência policial e o aumento das invasões judias que acarreta crescimento da violência dos colonos e dos soldados da IDF contra a população local.
Só nos últimos meses, mais 15.000 estrangeiros judeus se instalaram em colônias nos Territórios Ocupados. Estima-se o número a 650.000 o número atual de invasores, dentre eles, muitos são violentos e procedem a ataques sistemáticos de propriedades, lavouras, cisternas, moradias, carros, mulheres e crianças palestinas.
Neste clima, há poucos meses Binyamin Netanyahu aproveitou a distração ocidental com a Primavera Árabe para encomendar a um grupo de juristas israelenses um painel de estudos para determinar o estatuto legal da Cisjordânia - como se tivessem alguma autoridade para definir fronteiras internacionais e julgar seus próprios crimes.
A Comissão Levi reuniu-se, discutiu e acabou fazendo "descobertas" e recomendações inacreditáveis e espantosas recentemente divulgadas e passadas em branco na imprensa internacional, embora sejam escandalosas e contrárias até às determinações dos aliados de Israel na Europa e do padrinho estadunidense.
Por incrível que pareça, a Comissão deduziu que não há ocupação de território palestino e que as invasões judias em construção contínua chamada de assentamentos ou colônias - consideradas o maior empecilho aos acordos de paz - são de fato "totalmente legais tanto retroativamente quanto no futuro"...
E como a Comissão Levi justifica esta dedução contrária às leis internacionais e ao bom senso primário?
Estes juristas israelenses determinaram que as invasões "têm de ser consideradas legais", apesar das Resoluções das Nações Unidas e da opinião internacional, "por a ocupação ter sido contínua ao longo de décadas durante todos os governos e portanto ser historicamente única no gênero, e por isto as terras ocupadas terem de ser reconhecidas de fato propriedade de Israel".
Um tipo de Uso Capião que regulariza e legaliza invasão e ocupação estrangeira de terra alheia.
O interessante com o governo israelense é que seu deboche e sua perversão jurídica não têm limites.
O "raciocínio" (destorcido) da Comissão que a Cisjordânia não é um território ocupado e sim parte de Israel contraria o Direito Internacional, a Moral e impõem no mínimo duas perguntas.
Se estes juristas que infringem as leis internacionais e os direitos humanos consideram a Cisjordânia parte de Israel, quem são para eles os milhões de palestinos que vivem na Cisjordânia impedidos de locomover-se livremente, de votar nas eleições israelenses e de reclamar cidadania?
Qual é o estatuto destes milhões de palestinos oprimidos no suposto Estado de Israel do qual seriam (aos olhos desta jurisprudência surreal) residentes de classe abaixo dos Intocáveis da India?
Se esta "descoberta" da Comissão Levi for implementada sem que a comunidade internacional mova um dedo para impedir esta apropriação condenada pela Convenção de Genebra (e perigosa pois segue o mesmo padrão da criação unilateral do Estado de Israel imediatamente reconhecido pelos EUA e em seguida pela ONU em 1948, em detrimento de Estado e dos direitos inalienáveis dos palestinos à cidadania em seu território milenar) Israel estaria formalizando o apartheid - prática desumana que o mundo inteiro condenou na África do Sul e que por pressão internacional e boicotes de toda ordem foi extinta com a queda do sistema montado pelos Afrikaners.
Resta saber se o Conselho de Segurança da ONU vai reagir em tempo hábil ou se o golpe de Netanyahu de escolher justamente o momento em que os olhares estão voltados para a Síria para dar o bote valer-lhe-á mais uma vitória em seu processo de limpeza étnica dos palestinos.
O Brasil poderia reagir e redimir-se do comércio de armas com Israel apresentando uma Resolução ao Conselho de Segurança das Nações Unidas ou em Assembleia Geral para frear esta iniciativa expansionista, ou vamos ficar calados e passivos?
"Edmond Levy took off the robe of a Supreme Court judge – and under it was revealed a shyster, a Likud Party hack providing his client with a highly dubious, made-to-order legal opinion. After 45 years of oppressive military rule former judge Levy discovered that the West Bank is "not an Occupied Territory" and that the settlement enterprise is a pure, lily-white business.
Outside Israel's borders Levi's assertions would be greeted with laughter and derision, if anybody bothers to take notice of them at all. The International Court of Justice, which is the highest interpreter of International Law, ruled unequivocally in 2004 that the West Bank is indeed an Occupied Territory; that Israel may not build settlements or boundary fences inside this territory. The Fourth Geneva Convention, to which Israel is a signatory, specifically states that an OccupyingPower is not entitled to settle its own citizens in the Occupied Territory, regardless whether it is on private land or on state land. Also the Supreme Court of Israel of which was a member, decided that in a territory under military rule it is forbidden to confiscate lands for the purpose of building settlements.
The government may be tempted to use Levy's fabrication in order to undermine the rulings of the Supreme Court - a very transparent fig leaf."
ONG Gush Shalom
The Café, Al Jazeera: The Enemy Within
Na Inglaterra, o Grupo Cooperativo, a quinta rede britânica de supermercados, acabou de estender o boicote dos produtos das colônias judias na Cisjordânia.
Além de não comercializá-los desde 2009, os supermercados da rede vão banir de suas prateleiras todas as marcas que se abastecem nas colônias.
Ao contrário de muitas lojas e supermercados que se dobram pontualmente à pressão dos consumidores, o grupo cooperativo foi mais longe e seguiu um processo rigoroso e minucioso. Para ter certeza de englobar todos os produtos ilegais e não se deixar enganar por intermediários, contratou uma empresa de auditoria que pesquisou minuciosamente a origem de todos os produtos que oferece aos clientes.
Além dos produtos etiquetados "7 29 etc." que indica a proveniência de Israel e das empresas cuja procedência do Vale do Jordão é notória, os auditores descobriram quatro empresas que já são personae non gratae dentro de suas paredes.
"Following an audit of the Group's supply chain, it will no longer do business with four companies, accounting for £350,000 ($560,000) worth of sales, as there is evidence that they source from the Israeli settlements in the Palestinian occupied territories," declarou o porta-voz do grupo que continua a oferecer produtos de 20 empresas israelenses legais, instaladas a Oeste da Linha Verde, concluindo que "The Group will also continue to actively work to increase trade links with Palestinian businesses in the occupied territories."
Nesse ínterim, o governo da África do Sul cancelou a viagem de prefeitos de suas maiores cidades a Israel e seu Ministro das Relações Exteriores Ebrahim Ebrahim em recente entrevista a jornais ingleses afirmou desaconselhar "veementemente" seus compatriotas a viajar para Israel, indicando que esta é a política geral do governo sul-africano.
Por outro lado a África do Sul e a Holanda estão sendo os primeiros a criar dispositivos legais contra a venda dos produtos das colônias judias em suas lojas e mercados de maneira enganosa.
Estes dois países aprovaram lei que obriga os produtos procedentes dos assentamentos/colônias ilegais a serem etiquetados com a menção explícita de sua procedência dos territórios ocupados na Cisjodânia ou Made in Palestine.
Isto facilitará ao consumidor o exercício do boicote cívico, já que todos sabem que a Palestina mal tem direito de produzir para o próprio consumo e quase todas as suas finanças, "graças" aos Acordos de Oslo, passam pelo controle de Tel Aviv.
O governo de Israel está esperneando, mas não pode fazer nada contra países soberanos e devidamente reconhecidos pela ONU.
A "moda" parece que vai pegar.
Outros povos ocidentais estão pressionando seus governos para que tomem a mesma medida para facilitar a identificação dos produtos ilegais. E o Planalto e o Congresso Nacional, quando vão aprovar a mesma lei para abrir os olhos dos consumidores tupiniquins que são pouco ou mal informados?
Enquanto nossos políticos e governantes não tomam as providências necessárias, não se esqueça de conferir o código barra antes de comprar qualquer produto estrangeiro - sobretudo proveniente de Israel.
Inclusive nas lojas Sephora instaladas em capitais brasileiras. Ouvi dizer que no Brasil a Sephora está vendendo produtos da Ahava (boicotados na Europa, Austrália e Estados Unidos), por acreditar que contará com a cumplicidade alienada da mulher brasileira.
Será?!
Falando em Ahava, Abigail Disney, herdeira do império que leva seu sobrenome e principal investidora da Shamrock Holdings Incorporated e do fundo de família Roy E. Disney, anunciou seu desligamento das partes da Shamrock que investem nos laboratórios Ahava do Mar Morto. Ahava é esta marca de cosméticos israelenses cujas fábricas são localizadas no Vale do Jordão e cujos produtos são oriundos da ocupação ilegal do Mar Morto. Como a Shamrock possui apenas 18.5% da Ahava (37% pertence à invasão judia Mitzpe Shalem, 37% à multinacional Hamashbir e 7,5% a outra colônia ilegal Kalia), Abigail não pode fechar a empresa predadodra, mas já está transferindo tudo o que recebe em dividendos a ONGs de Direitos Humanos que defendem a soberania da Palestina.
Para concluir este assunto, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou uma Resolução que prevê uma comissão de investigação - a primeira, em 65 anos de ocupação - das e nas colônias/assentamentos na Cisjordânia.
O objetivo desta é investigar como e quanto estas invasões judias ilegais "podem" estar infringindo os direitos dos palestinos.
Falando nisto, o governo de Israel acabou de "aprovar" mais três invasões da Cisjordânia no dia 20 de agosto.
O Secretário Geral da ONU, Ban Ki-Moon recebeu este anúncio "deeply troubled".
Não traduzi porque é uma expressão diplomática até indecente diante da infração que em outras regiões já teriam valido bombardeios ininterruptos da OTAN até que o país ocupante se retirasse do território alheio invadido.
Contando estas três novas, o número de invasões judias se eleva a 123 e aumentará o número de invasores "oficiais", que é de 342.000 pessoas importadas para o Território palestino às vezes diretamente de seus países de origem. Sem saber falar hebraico e sem nem querer ouvir a língua árabe do país em que se instalam em toda ilegalidade.
E quando se fala da invasão civil na Cisjordânia não se pode deixar de falar também da militar e da cerca de concreto que envergonha todos os seres humanos que lá botam os pés.
Até esta data, Israel já enjaulou os palestinos em 434 quilômetros de muro de oito metros de altura em volta ou dentro de suas cidades e cidadezinhas.
Isto representa 62% do objetivo do governo israelense do total de 530 km² que pretende anexar a seu próprio Estado.
Mudando de assunto só para atualizar a investigação sobre a morte de Yasser Arafat, os cientistas suiços já receberam convite oficial da Autoridade Palestina para ir a Ramallah examinar o corpo do ex-líder palestino recentemente inumado após a suspeita de morte por envenenamento em 2004. (http://mariangelaberquo.blogspot.fr/2012/07/o-que-e-quem-matou-yasser-arafat.html)
O exame que levou a esta conjetura foi realizado no Instituto Suiço de Física Radioativa que detectou alto nível de radioatividade de polonium-210 em pertences de Arafat.
A equipe suiça procederá a exame minucioso e talvez demorado do cadáver do ex-líder da OLP para que a conclusão seja definitiva e irrefutável.
A esposa de Yasser Arafat, Suha, deu queixa também na França e o Tribunal judiciário de Paris concordou em abrir investigação sobre as condições da morte do líder palestino em solo francês.
Abusos cometidos por soldados israelenses na Palestina
divulgados no youtube e no Facebook
Israeli youths lynch a Palestinian boy in broad daylight. At the same time, the Foreign Minister Avigdor Lieberman calls for the deposition of Palestinian President Abbas for not accepting an Israeli diktat.
Publicado no jornal israelense “Haaretz”, 24/08/2012
Quando Ariel Sharon assumiu o poder houve uma esperança que desta vez os Estados Unidos se sentissem à vontade para usar a prerrogativa de árbitro justo em vez de partidário à qual se comprazia desde a Naqba.
Pois ao contrário do general Ehud Barak que tinha um verniz democrata devido aos laços que o ligavam a Yitzhak Rabin, Sharon provocava horripilância unânime na Palestina, no Israel pensante, na Europa inteira e até na meia dúzia de republicanos em volta de George W. Bush (que nunca pisara fora dos EUA e desconhecia o mapa mundi, mas não tinha a presunção oca de Bill Clinton) em Washington que conheciam um pouco do Oriente Médio.
A imprensa estava dividida entre os que cumpriam o ofício de informar do terreno, com conhecimento histórico, fontes fidedignas, e os que se contentavam em divulgar comunicados oficiais dos assessores de imprensa de Tel Aviv e Washington. Mas até estes últimos estavam de orelha em pé devido às alcunhas (bulldozer, carniceiro, etc.) que precediam o nome do novo primeiro ministro até na boca de vários compatriotas - Bulldozer ou Caterpillar, o instrumento da destruição selvagem ou a marca famigerada.
Porém, as grandes agências de notícia - UPI, Reuters, etc. - que informam a maioria dos jornais do mundo que compram seus artigos, continuavam e continuariam a dar tratamento diferenciado aos ataques israelenses.
Quando um israelense era vítima da resistência militar palestina, as imagens do sofrimento dos familiares eram repetidas sem parar e os responsáveis pelo "linchamento" "atrocidade" eram chamados de "terroristas, monstros desalmados" e outros adjetivos pejorativos discrepantes da realidade.
Quando as vítimas eram palestinas a perda era sempre minimizada "mortos durantes os confrontos" e os responsáveis pelo crime não eram invasores expansionistas e sim soldados no cumprimento do dever militar.
A parlamentar palestina Hanan Ashrawi, cristã, emancipada e pacifista convicta, disse na época que a "paz dos bravos" que o mundo incitava os palestinos a aceitar sem contrapartida válida, poderia facilmente virar "paz das covas" se seu povo ficasse de braços cruzados enquanto era exterminado. Não somos a favor de suicídios em massa, mas queremos o direito de resistir à ocupação e à injustiça.
Direito que até a mídia negava aos palestinos. Como se fossem eles os agressores e não os agredidos.
A ótica da imprensa europeia e até israelense começou a mudar durante esta Segunda Intifada.
Os ingleses que foram cobri-la e se hospedaram no hotel King Davig, em Jerusalém Ocidental, ficaram de queixo caído quando, por recomendação de colegas e por curiosidade jornalística, assistiram à vídeo histórica do hotel que ficava à disposição dos hóspedes.
Esta contava uma versão no mínimo surpreendente do atentado organizado pelo imigrante russo Menachen Begin (então líder do grupo para-militar sionista Haganah) no dia 26 de julho de 1946 contra os britânicos no local que então abrigava a sede da administração britânica na Palestina ainda palestina.
Na vídeo uma voz exultante se vangloria do King David ser o único hotel do mundo bombardeado por um futuro primeiro ministro (!) e enaltece os "ativistas" que participaram do atentado por dedicação à causa sionista.
Para refrescar a memória, 91 pessoas morreram no local (dentre elas 41 palestinos e 28 britânicos) e 46 sofreram ferimentos mais ou menos graves, dentro ou nas imediações do prédio.
Nos 64 anos de ocupação israelense, nenhum atentado da resistência palestina contra o ocupante fez nem metade de vítimas deste ato sangrento de coerção aos ingleses para que deixassem a Palestina à mercê dos imigrantes judeus que queriam tomá-la dos nativos.
Entretanto, enquanto a violência dos para-militares judeus era sistematicamente amenizada na mídia, todo e qualquer palestino ativo ou passivo na resistência à ocupação israelense recebiam todos os insultos repertoriados nos dicionários ocidentais - terroristas, pagãos, selvagens, animais - mas nenhum jornalista na época ousava usar a palavra "ativista" própria a quem reage contra injustiças manifestas.
"Resistentes" então, só pessoas de alta padrão como Danielle Miterrand, Nelson Mandela, Desmond Tutu, Dalai Lama,... enfim, os que experimentaram a iniquidade na pele e a enxergam, ousavam então usar o qualificativo adequado aos ativistas palestinos.
A lei dos dois pesos e duas medidas nunca foi tão bem aplicada na geopolítica quanto no conflito Israel vs Palestina. O espaço e o tipo de informação transmitida pelos jornais e televisões "imparciais" do Ocidente representavam sempre a ótica da assessoria de imprensa do primeiro ministro israelense, da IOF (Forças de Ocupação Israelense), do Knesset e da Casa Branca. Na Europa, porque os jornalistas do velho continente (sobretudo os franceses por causa da história da colaboração com os nazistas na Segunda Guerra) morrem de medo de serem chamados de anti-semitas; nos EUA, por influência do lobby israelense ou por sectarismo; na América Latina, talvez por receber a notícia por tabela, por comodidade ou simples partidarismo cego ou míope.
Contudo, a chegada de Ariel Sharon "tinha de mudar" a percepção do conflito, dizia-se. Sua chefia não deixava dúvida do que a maioria dos israelenses queria. Suas intenções anti-pacifistas eram mais do que públicas e não se via como a AIPAC - lobby israelense ativo desde 1951 em Washington - conseguiria convencer Bush a apoiar um homem cujos objetivos, no mínimo, racistas, eram explícitos.
Porém, a primeira frase que Bush pronunciou após a eleição de Sharon foi que não tinha nenhuma responsabilidade sobre as propostas apresentadas por Clinton, que diga-se de passagem só tinha tomado uma decisão positiva - incumbir o irlando-estadunidense George Mitchell de investigar a Intifada.
Bush e o general Colin Powell, substituto de Madeleine Albright, começariam do zero. O que não era tão má ideia considerando os a priori de Clinton, contanto que ouvissem o parecer de Mitchell.
Ariel Sharon por seu lado recusou imediatamente um encontro com Yasser Arafat, por quem alimentava ódio pessoal insaciável.
Foi ao Muro das Lamentações agradecer a Deus mais esta oportunidade de cometer atrocidades em toda (i)legalidade e em seguida foi buscar o apoio do Knesset para fazer ao que viera. Afinal de contas, o apoio dos parlamentares era merecido após a vitória nítida que demonstrava o desejo irrefutável - 62,5 contra 37,4% - de seus compatriotas de lhe darem as rédeas do país e da IOF.
Dito e feito. Recebeu carta branca e ordenou que suas Forças Secretas e Armadas continuassem a caça às bruxas, ou seja, a série de assassinatos de dirigentes palestinos que Ehud Barak iniciara.
No dia 13 o alvo foi Massud Ayyad, de 54 anos, da Segurança de Elite de Yasser Arafat. Seu carro foi bombardeado na saída do campo de refugiados de Jebalyia. O míssil o matou no ato e feriu quatro passantes.
A suspeita de que Sharon queria deixar Arafat desprotegido para atacá-lo diretamente foi aumentando cada vez mais entre os próximos do líder palestino.
A Anistia Internacional aproveitou este crime para denunciar esta "política de assassinatos de Estado", pedir que os Estados Unidos revisassem "toda transferência de armas" para Israel e exigir garantias que as armas não fossem usadas na violação de Direitos Humanos.
Nem Tel Aviv nem Washington lhe deu ouvidos e em consequência, no dia seguinte, um palestino lançou um ônibus contra passantes em Tel Aviv matando oito pessoas.
Em represália da represália, Sharon impôs bloqueio total dos Territórios Ocupados com a repressão que o sítio acarretava.
Mas nem todos os israelenses aprovavam a campanha militar sanguinária. No dia 15 de março o jornal local Maariv revelou que 600 reservistas tinham sido presos em outubro por recusarem voltar à ativa na ocupação da Palestina, e desde então os objetores de consciência aumentavam. Do lado palestino, Yasser Arafat não desistia de tentar parar a carnificina dentro da legalidade. No dia seguinte ao artigo do Maariv, ele voltou a apelar para o Conselho de Segurança das Nações Unidas para que interviesse o mais depressa possível. Suplicou, através de seu representante Nasser Al-Kidwa, que a ONU enviasse Forças de Segurança para o seu lado da Linha Verde apesar das objeções de Israel e dos EUA, ainda com esperanças que o juízo das Nações Unidas prevalecesse sobre a vontade da Casa Branca.
Proposta semelhante fora vetada pelos Estado Unidos em dezembro, mas Al-Kidwa argumentou que nesse ínterim a situação se deteriorara e que o Conselho (transitório) ao qual apelava tinha cinco membros novos que podiam fazer a balança pender para a legalidade.
Embora tais votos também não significassem nada a médio prazo, já que os EUA, como um dos cinco membros permanentes, tem direito de veto e o tem utilizado sistematicamente em todos os casos que Israel é posto em causa, a Autoridade Palestina esperava conseguir pelo menos uma trégua para enterrar os mortos, tratar dos feridos e abrir espaço nos hospitais.
No dia 19 um colono foi morto perto de Belém e Sharon ordenou o sítio da cidade, que foi bombardeada com o cuidado de não atingir a Igreja da Natividade. Não era hora de indispor-se com os dois bilhões de cristãos ocidentais, dentre os quais o evangélico que ocupava a Casa Branca e não o perdoaria jamais. No dia 21 a Comissão de Direitos Humanos da ONU preconizou o envio de observadores internacionais a fim de proteger os palestinos, Arafat voltou a suplicar que a ONU enviasse uma Força de Paz, mas em vez de solidariedade recebeu repreensão.
Bush usou pela primeira vez o direito de veto como todos seus predecessores e os Estados Unidos impediram que os capacetes azuis fossem apaziguar os ânimos e com sua presença dissuadir as represálias mútuas e invasões territoriais.
Uma semana depois outro oficial palestino, um rapaz de 21 anos, foi assassinado por um míssil lançado sobre a Guarda Especial de Yasser Arafat. Outra meia dúzia de pessoas foram feridas neste atentado, mas não bastava. No dia 28 a IDF enviou seus Apaches bombardear os quarteis-generais da Força 17, a Guarda de Elite de Yasser Arafat em Ramallah e na Faixa de Gaza.
Cinco navios de combate lançaram mísseis sobre a Força 17 em Dei al-Balah no sul da Faixa na área da Muka'ata (sede local da Autoridade Palestina). A fim de os danos serem menos graves aos olhos internacionais, os prédios públicos que foram bombardeados nesse dia receberam aviso para serem evacuados. Mas os danos materiais foram graves e inviabilizavam o funcionamento administrativo dos palestinos, já que os funcionários ficaram sem escritórios para trabalhar.
No dia 1° de abril Sharon foi mais longe. Seu exército invadiu uma zona autônoma palestina pertinho de Ramallah para capturar um dos guardas pessoais de Arafat e no dia 20 a IOF voltou às portas de Belém, outra cidade autônoma, e enquanto uns rezavam de terço na mão, militantes do Tanzim resistiam à invasão protegendo a cidade a bala.
Enquanto isto, em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, um míssil matava Mohammed Abdallah, um ativista do Hamas de 29 anos que militava no Jihad. Cerca de duas mil pessoas seguiram o enterro relâmpago (ele estava em pedaços) aos gritos de "vingança" "vingança", que infelizmente viria, mas mais tarde.
No dia 10 a IOF continuou o bombardeio da Faixa matando um médico, ferindo gravemente vinte pessoas e mostrando que Ariel Sharon nem se importava mais em manter as aparências e decidira bombardear os edifícios administrativos para matar.
Este foi o primeiro ataque diurno a uma repartição pública. Foi considerado crime horrendo por visar prédio e funcionários. "A única coisa que diferenciava os atentados suicidas palestinos aleatórios deste bombardeio foram os meios. Ou melhor, não só. Foi sem perigo algum para a IOF que além de ser o agressor, bombardeava de longe, sossegada", disse um ativista de Direitos Humanos.
Gaza padecia, Tel Aviv não dormia, e em Jerusalém Ariel Sharon declarava que estava implementando um plano detalhado que visava restaurar a sensação de segurança para o povo israelense.
"O que sua mente maquiavelo-bélica está tramando?" Conjeturou então um diplomata que apesar de recriminar Sharon off the record, on the record engolia o sapo.
O que quer que fosse, as autoridades palestinas e os pacifistas israelenses perderam o sono só de imaginar o que ainda estava por vir, já que os danos que o general Bulldozer causava não lhe bastavam.
No dia 18 Colin Powell "desaconselhou" Ariel Sharon de confiscar mais terreno na Faixa de Gaza e no dia seguinte o general israelense resolveu demonstrar que era ele quem mandava pondo em prática a primeira fase do seu plano de "dar sensação de segurança" a seus compatriotas.
Tanques e caterpillars penetraram na Faixa de Gaza inaugurando um novo tipo de operação militar em uma área próxima da fronteira com o Egito. A operação de intimidação durou "apenas" 45 minutos e deixou atrás de si casas e uma delegacia em ruínas.
O mês de abril terminou com mais 37 palestinos enterrados e George Mitchell apresentando no dia 30 à União Europeia suas conclusões das investigações internacionais sobre a causa da Segunda Intifada.
O Ministério das Comunicações de Israel divulgara poucos dias antes uma versão surreal dos fatos. Segundo o comunicado oficial de Tel Aviv o catalisador imediato da violência fora o desacordo de Campo David no dia 25 de julho de 2000 e o "julgamento da comunidade internacional que os palestinos foram responsáveis pelo impasse... neste ponto de vista, a violência palestina foi planejada pelos líderes da Autoridade Palestina e visava provocar perdas como um meio de retomar a iniciativa diplomática."
A ocupação, as invasões judias e a excursão de Ariel Sharon na Esplanada da mesquita Al-Aqsa nem foi mencionada.
George Mitchell pôs os pingos nos is: "... a visita de Sharon não causou a Intifada Al-Aqsa, mas foi pessimamente agendada e seu efeito provocativo deveria ter sido previsto; na verdade, foi prevista pelos que instaram que fosse proibida. Os acontecimentos seguintes foram mais significantes: A decisão da polícia israelense no dia 29 de setembro de recorrer a meios letais na passeata dos estudantes palestinos.... Conformemente, não temos nenhuma base para concluir que houve um plano deliberado da Autoridade Palestina de começar uma campanha de violência na primeira oportunidade."
Quanto aos doze árabes-israelenses mortos na passeata de outubro em Israel, o relator estadunidense criticou a polícia israelense "pelo despreparo para as passeatas e uso excessivo de força."
A Comissão Mitchell aconselhou o gelo da colonização e o fim das violências. Israel rejeitou as críticas da colonização enquanto que os palestinos aceitaram o documento como base para resolver a crise; iludidos que Sharon os deixaria respirar enquanto os Estados Unidos digeriam o veredito de Mitchell e agiam em função de seu veredito.
Não chegou nem negociador nem nenhuma trégua foi respeitada.
No dia 07 de maio a IOF bombardeou um campo de refugiados ferindo 24 pessoas, dentre elas dez crianças e matando um bebê de 4 meses.
Como o fato foi levado a público, Ariel Sharon declarou que a IOF não tencionava machucar crianças, o caso foi encerrado sem punição dos soldados e cidadãos palestinos indignados apedrejaram dois colonos da invasão de Teqoa que viviam os azucrinando.
Os dois morreram e em represália Sharon ordenou o bombardeio de Gaza e a invasão de mais duas cidades cisjordanianas mantendo a política de aterrorizar os habitantes (à qual os reservistas da IDF se referem sempre Breaking the Silence).
Estas operações criadas por Sharon deixavam autonomia completa aos comandantes das tropas para fazerem o que quisessem sem autorização preliminar do comando central e sem se preocuparem se o que estavam fazendo era conforme à Convenção de Genebra.
Um jeito de fazer de conta que não sabiam das atrocidades cometidas por seus soldados no terreno e as considerarem atos de auto-defesa, caso viessem à tona.
Em uma das operações um professor foi assassinado, um jornalista que fazia seu trabalho divulgou a história, que não fez alarde mas chegou aos ouvidos de Colin Powell, e o general estadunidense criticou estas incursões indignas de um exército que se prezasse.
Ariel Sharon deu de ombros e continuou suas operações "securitárias".
No dia 14 cinco policiais palestinos foram assassinados em um checkpoint na Cisjordânia e helicópteros da IOF bombardearam Gaza destruindo dez veículos militares. Em Beituniya, uma cidadezinha na Faixa, dois policiais que se recusaram a entregar sua delegacia foram metralhados e depois os soldados puseram abaixo o local que os palestinos protegiam.
Nesse ínterim na Cisjordânia a mesma operação de demolição era posta em prática. Os caterpillars derrubaram vários edifícios públicos para amputar os meios administrativos de Yasser Arafat.
No dia 18 em uma operação de contra-ataque um bomba-suicida matou sete pessoas em Netanya, no norte de Tel Aviv.
A retaliação à retaliação foi brutal e inaugurou uma escalada nos meios da IOF.
Pela primeira vez Sharon pôs seus caças F16 para bombardear em alta escala.
Mataram doze palestinos e deixaram um rio de feridos graves.
Os jornais ocidentais ficaram lamentando os coitados dos israelenses "trucidados pelos terroristas desalmados", desconsideraram os assassinatos da IOF e no dia 21 George Mitchell apresentou o relatório oficial de sua investigação esperando que servisse para algo.
Colin Powell agradeceu seus serviços e engavetou o documento.
O general estadunidense preferiu contratar outra pessoa, alguém mais na linha Bush, para realizar o mesmo trabalho. Foi assim que William Burns virou o novo mediador oficial dos EUA. Este diplomata de carreira foi então transferido da Jordânia, onde era embaixador desde 1998, e ocuparia o cargo de Secretário assistente para o Oriente Médio até 2005 quando foi nomeado embaixador na Rússia.
Enquanto Burns se instalava, a Autoridade Palestina sofria um baque.
No dia 31 de maio, Faisal Husseini, amigo e parente de Yasser Arafat e protagonista de peso no processo de negociação pacífica, morreu de infarto aos 60 anos.
Arafat recebeu a notícia na Bélgica, lamentou a perda "do amigo defensor da paz" e deve ter sentido que sua solidão aumentava proporcionalmente às suas responsabilidades.
Em sete meses de Intifada, os palestinos contavam 447 mortos. No fim de maio, mais 55 foram enterrados. Os israelenses haviam perdido sessenta e cinco vidas no total.
Documentário Journeyman: Gaza's Human Shields
"All who want to see an end to bloodshed in the Middle East must ensure that
any settlement does not contain the seeds of future conflict. Justice requires
that the first step towards a settlement must be an Israeli withdrawal from all
the territories occupied in June, 1967. A new world campaign is needed to help
bring justice to the long-suffering people of the Middle East." Bertand Russel, 1970
Reservista da IDF, forças israelenses de ocupação, Shovrim Shtika - Breaking the Silence 1