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domingo, 16 de junho de 2013

Oriente Médio em notas e imagens



Em abril, o Maariv, um dos cinco jornais mais importantes de Israel, saiu com uma manchete surreal. 
Due to criticism in the world, IDF parts ways with white phosphorus”.
Ou seja, devido às críticas internacionais, a IDF (Forças Armadas israelense) para de usar o fósforo branco, sua arma química predileta. E está à procura de um susbtituto.
Um oficial graduado explicou: “As we learned during Cast Lead, it [white phosphorus] doesn’t photograph well, so we are reducing the supply and we will not purchase beyond what we already have.”
"Não fotografa bem"... Eufemismo deslavado. E além de não fotografar bem,  “burdened Israeli hasbara [propaganda],” publicou o jornal israelense como se fosse uma matéria normal.
Primeiro, o ser humano que tento ser ficou chocado com o palavreado. 
Como banalizar com tamanha desenvoltura uma arma química tão selvagem?!
Depois, a jornalista que sou arrepiou e disse, Peraí! a IDF  "nunca usou" Fósforo branco!
Não era isso que repetiam nas coletivas de imprensa até quando as imagens provavam o contrário, ou seja, o fósforo branco óbvio?!
Como é que se para de usar algo que nunca foi usado?
Armas químicas só são usadas na Síria, pelo vilão Bashar el-Assad!! não é o que os EUA, a França, a Inglaterra repetem sem parar?
Informados por quem mesmo? Por serviços de Inteligência de onde mesmo? Não é mesmo de Israel?
Os Estados Unidos viram as provas das imagens das bombas de fósforo sendo jogadas, as provas irrefutáveis dos efeitos causados, mas reagiu como às provas apresentadas? 
Imagine! Israel nunca usou armas químicas contra os civis palestinos!!
Gaza foi bombardeada com confete e serpentina?
As queimaduras profundas, a cegueira em dezenas de meninos que olhavam cair o pó dos "fogos de artifício", os mortos estirados com marcas claras dos efeitos do fósforo branco... Enfim, as reclamações embasadas das ONGs de Direitos Humanos. O evidente e comprovado não serviram pra nada.
Mas como fotografava mal! 
Voltando o filme, a IDF resolveu admitir postumamente o uso, "mas só em território aberto e não contra gente."...
Depois a confusão aumentou e teve de admitir  o uso em áreas urbanas.
"Apenas" umas duzentas bombas. 
"Mas só para criar um “smoke screen.”  "Sem problema. E se tiver havido algum inconveniente, foi insignificante e sem más-intenções."
Que pena que pessoas tão bem intencionadas tenham sido tão bárbaros.
No mínimo doze gazauís morreram instantaneamente sob o efeito horrível do fósforo branco. Entre eles, três mulheres, seis meninos e uma garotinha de 15 meses.
Dezenas foram queimados com esta arma química "dissuasiva".
Todos os atingidos eram "perigosíssimos" e "mereciam".
Naquela estória dos dois pesos e duas medidas.
Fósforo branco em olhos alheios é colírio...
Os queimados eram tantos - famílias inteiras - que os hospitais que ficaram de pé em Gaza na Operação Cast Lead em 2008/9 não conseguiam atender todo mundo e os médicos estavam perdidos. Pois nenhuma universidade do mundo ensina a tratar este tipo de queimadura. 
Ghada Abu Halima, de 21 anos,
"sobrevivente" do fósforo branco 
Aliás, até o Hospital Al-Quds perdeu dois andares queimados pela arma química. Na época a Humans Rights Watch publicou investigação minuciosa sobre a arma suja que Israel usou em Gaza e seus efeitos devastadores, soldados da IDF prestaram depoimento sobre o uso abundantete de fósforo branco. Inclusive direto em residências.

Neste momento, enquanto alguns presidentes europeus e o Primeiro Ministro de Israel acusam Bashar el-Assad de usar gás sarim contra seus compatriotas (com prova cabal, dizem, embora restrita), nas fábricas israelenses de armamentos Rafael ou Elbit tem engenheiros procurando uma outra arma química que fotografe melhor para jogar nos palestinos sem piorar sua imagem internacionalmente.
Talvez haja até neurologistas na equipe da IDF. Pois precisam mesmo é de uma arma que erradique da cabeça dos palestinos as noções de ocupação, opressão, segurança, cidadania e liberdade.


Síria, Bashar el-Assad sai ou fica?

Agora vamos sair do país que há 65 invade, ocupa, espezinha os vizinhos, e, por ser intocável por causa do peso do padrinho, usa arma química à vontade sobre famílias inteiras à vontade e sem represália.
Vamos passar a uma ditadura vizinha que conta com a proteção pragmática da Rússia, que protege Assad não por convicção político-ideológica e sim por interesses próprios.
Uma guerra civil que segundo a ONU já fez mais de 90 mil mortos. De fato, a contagem é impossível. Só será possível quando o tiroteio parar e a poeira baixar.
Desde que John Kerry substituiu Hillary Clinton que especula-se sobre o futuro da Síria. Será que os EUA dialogando com a Rússia, juntos, podem reunir Bashar el-Assad e os intricados grupos de rebelde em volta de uma mesa para negociar o futuro da Síria?
Ia escrever "futuro pacífico", mas parei antes porque os dois grupos dissidentes mais proeminentes são tão díspares que quando e se tiverem o poder nas mãos vai ser difícil compartilharem-no como o ocidente gostaria.
Embora a única solução seja o diálogo, vai ser difícil persuadir os líderes dos grupos de oposição a conversar com Bashar el-Assad. Nesta altura do campeonato (e há dois anos atrás), não querem salvar o país natal. Querem a destruição total do Presidente alauíta e do partido Baath.
A guerra é pessoal.
O conflito é religioso.
Os motivos são irracionais.
Nos argumentos dos defensores dos dissidentes - milhares de mortos, patrimônio histório arquitetural espedaçado, ameaça de arma química - falta o componente "programa" de união nacional. Sem o qual, a tempestade vai durar anos ou décadas.
Quanto às armas químicas, os russos se mostraram céticos com as provas que os EUA lhes apresentaram. Yuri Ushakov, conselheiro de Vladimir Putin para política internacional, disse ressabiado: "...I will say frankly that what was presented to us by the Americans does not look convincing. It would be hard even to call them facts."
Considerando as prévias e múltiplas manipulações da verdade pela Casa Branca...
Barack Obama voltou a falar em intervenção da OTAN "por causa do uso 'comprovado' do gás sarin, mas é tudo um pouco vago.
Quem usou o gás?
Em quanta gente?
Onde?
Qual a origem da arma química, do estoque de Assad ou de alhures?
Intervir como?
Fornecendo mais armas aos rebeldes? Quais?
Bombardeando Damasco como fizeram com Bagdá?
A queda sangrenta de Assad deixaria nos discursos vagos reticências intermináveis.
O perigo do país encontrar-se ingovernável ou governado pela sharia, pela lei islamita dos extremos, não é elucubração intelectual. É um fato cada vez mais claro até para quem se recusava a encarar o que se passa no terreno.
A Síria está destruída, empobrecida, de joelhos, e os sírios estão divididos como nunca estiveram no passado.
Por incrível que pareça, apesar de todos os pesares que causou e tem causado, Bashar talvez seja salvo e redimido nos países ocidentais pelas mesmas razões que seu pai.
Os sírios querem segurança, ordem e pelo menos uma aparente normalidade.
Foi isso que Hafez lhes deu com as mãos sujas do sangue de seus compatriotas.
É estabilidade que esperam de Bashar antes do fim do ano.
Em abril, na celebração dos 67 anos de independência da França, Bashar fez um discurso em que não falou nem das lágrimas nem do sangue nem do suor derramados nestes últimos dois anos.
Falou sobre guerra. De maneira triunfante. E assegurou aos compatriotas que o apoiam, e aos demais, que sairia dela com vitória.
Suas palavras atingiram o alvo.
O país está em guerra.
Guerra é contra inimigo comum. Estrangeiro.
Nada melhor do que despertar o negro passado colonial para lembrar os sírios do perigo de virarem um Iraque.
O Iraque invadido, Saddam Hussein humilhado e executado junto com o partido Baath, o país derrotado, miserável, em conflito interno permanente, atentados constantes e imprevisíveis, a população em sobressalto.
E tudo começou com uma invasão para "salvar" a população iraquiana e acabar com a "ameaça de armas químicas" que nunca foram encontradas.
Os EUA e seus cúmplices invadiram o Iraque, puseram no lugar de Saddam Hussein um bem-sucedido oponente expatriado, Ahmed Chalabi, e este, em Bagdá, só fez bobagem.
Com todo respeito aos rapazes patriotas quem estão no terreno suando e sangrando por liberdade, os que os dirigem da Turquia, do Qatar, não dão firmeza nem em atos nem em palavras.
E Ghassan Hitto, novo líder  da chamada Coalizão Nacional Síria de Oposição e das Forças Revolucionárias, pode ser conhecido em Washington, mas na Síria...
Hitto nasceu em Damasco em uma família kurda e saiu do país com 17 anos.
Emigrou para os Estados Unidos, naturalizou-se e ficou por lá.
Hoje tem 50 anos e a Síria lhe é tão estranha quanto para Chalabi era o Iraque.
Para os sírios nacionalistas, Hitto feliz uma opção de pátria quando pediu e obteve a nacionalidade gringa.
E é aí que o discurso de Bashar el-Assad acertou no alvo.
Alguém que optou pela nacionalidade estadunidense governaria para quem?
Para o país natal ou para o adotivo?
Bashar pôs a pulga atrás da orelha do país inteiro.
Enquanto isso a população pena, os "rebeldes" se preparam para novas ofensivas, o exército de Assad pega pesado, e o G8 discute o futuro dos sírios.
Qualquer que seja a decisão, a solução tem de ser rápida. O sectarismo aumenta de hora em hora. E cada dia que passa distancia os sírios - alauítas, cristãos, kurdos, sunitas, xiitas - da possibilidade de paz e reconciliação.
Os salafistas contam com isso. É na divisão, no caos, que o terreno é fértil para o extremismo.


Vala comum em Jaffa

No dia 29 de maio, em um processo de renovação, os operários encontraram uma mass grave, ou seja, uma Vala Comum, em Jaffa.
Jaffa, até 1948, era uma cidade palestina conhecida pelo cultivo de laranjas.
A Vala Comum parecia as que foram encontradas nos campos de concentração no fim da Segunda Guerra. Aquelas, estavam cheias de judeus gazeados pelos nazistas.
Esta, está cheia de palestinos amontoados. As fotos abaixo mostram os massacres e os efeitos da Naqba.

Aquelas cavas, suscitaram comoção universal indignada e justificada, manchetes em jornais, acusações contra os nazistas bárbaros, história obrigatória nas escolas ocidentais com horror implícito: Nunca Mais!
Nunca Mais?
Estas cavas, suscitaram comoção apenas localizada, matérias curtas em páginas internas, suspiros de resignação com a impunidade.
Valas comuns cheias de esqueletos palestinos de todos os sexos e idades, Quantas Mais?
Atar Zeinab, um sobrevivente hoje com 80 anos, estava lá para contar a história.
Faz parte dos adolescentes palestinos que carregaram os corpos dos compatriotas - conhecidos, amigos, familiares - para jogá-los na vala comum, mais ou menos do tamanho das dos nazistas e cavadas com pressa para "limpar" Jaffa para os grupos para-militares do recém-auto-proclamado Estado de Israel. 
O pescador Atar lembra-se de ter carregado 60 corpos em um período de três meses.
A Vala cavada no cemitério era enchida de cadáveres que jaziam nas ruas.
O perigo era onipresente, pois os para-militares israelenses jogavam granada onde viam gente e os snipers - atiradores furtivos - atiravam em tudo o que tinha forma de gente.
Como os sérvios fariam em Sarajevo durante a Guerra que dividiu a Iugoslávia.
"We carried them early in the morning or in the night," disse Atar ao colega da AFP. "We put women, children, and men in the same place… nobody prayed for these people."
Esta vala comum é uma lembrança da Naqba.
Atualmente, Jaffa faz parte do município de Tel Aviv. Incorporação feita em 1950, após a diáspora palestina forçada e os que haviam sobrevivido aos massacres estavam em campos de refugiados na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e nos países árabes vizinhos.
A Jaffa de hoje é mista. Com sobreviventes árabes cristãos e muçulmanos e com descendentes dos judeus que lá moravam e de muitos imigrados.
Os palestinos não sabem o número exato de seus mortos durante a Catástrofe de 1948. Mas os sobreviventes contam histórias de arrepiar. Comprovadas com a descoberta desta vala comum em Jaffa.
Quanto aos vivos, estima-se que há 65 anos o êxodo tenha sido de cerca de oitocentos mil.
O que se sabe também, e que vale lembrar para o Nunca Mais!, é que os israelenses "esvaziaram" e riscaram do mapa cerca de 500 cidades palestinas.
O número de refugiados espalhados mundo afora é de 4 milhões e setecentos mil palestinos à espera de voltar para casa.
É por isso que passam a chave de casa de pai para filho.
A esperança é a última que morre.
É por isso que os iranianos compareceram às urnas em peso para escolher o sucessor de Ahmadinejad. Mas os iranianos, por pior que seja o regime, vivem uma situação interna que cedo ou tarde solucionarão com maturidade. É por isso que um religioso moderado, Hassan Rouhani, ganhou as eleições de sábado - falarei sobre as perspectivas do Irã em breve.
Insisto na questão palestina porque a considero responsabilidade de todos os cidadãos do mundo que acham que a justiça internacional tem de agir contra limpeza étnica e expansão territorial. Qualquer que seja o país que cometa o crime.
A nível institucional, é claro que é responsabilidade das Nações Unidas e sobretudo dos países que criaram o problema e não fazem nada para solucioná-lo. Mas como cidadãos humanos, temos o recurso do protesto e do boicote.