domingo, 3 de novembro de 2013

Israel vs Palestina: História de um conflito XLIII (06-2004)


No mês de junho de 2004 os palestinos receberiam um novo choque.
Desta vez não seria um crime nem um ataque ao Hamas. Seria um golpe baixo no Fatah. Aliás, considerando a importância da personagem, abalaria a Palestina em toda a sua extensão descontínua.
Antes deste acontecimento marcante da Intifada, no dia 02, soldados da IDF balearam dois palestinos perto do Karni crossing, uma barragem/fronteira comercial entre Israel e a Faixa de Gaza.
O Karni é um dos quatro postos de entrada na Faixa, a partir do território de Israel, abertos em 1994 após os Acordos de Oslo.
Os palestinos só podiam (o verbo está no imperfeito porque o posto foi desativado em 2011) usar esta passagem para importar e exportar produtos.
Este posto de fronteira é localizado no nordeste da Faixa. Uma estrada homônima o ligava à colônia judia Netzarim. Israel nomeou posto e estrada com este nome em homenagem ao negociante judeu Joseph Karni, que construiu um armazém na Faixa perto do terminal logo depois da invasão de 1967.
O nome palestino tinha raízes mais profundas, na terra; Al-Montar, era como chamavam o mesmo lugar por causa da colina vizinha de Ali Montar.
Ao contrário do Erez Crossing, que é administrado pela IDF, embora seja bastante policiado, o Karni era administrado pela Alfândega de Israel por causa de seu caráter comercial. É por ele os caminhões de carga transitavam e dentro deles todos os produtos - de trigo a cimento - transportados à Faixa, e sobretudo, os mantimentos doados pela Cruz Vermelha e as demais ONGs humanitárias.
A IDF estava obcecada com a segurança no Al-Montar porque o ShinBet descobrira que os dois bombas-suicidas que haviam explodido no Porto de Ashdod haviam atravessado por lá.
Só que os dois rapazes de 18 anos, saíram de Jabalya, campo de refugiados em que moravam, escondidos dentro de um caminhão de carga com seus coletes explosivos. Não estavam atravessando o posto publicamente para transportar mercadoria como os dois homens que foram assassinados.
Mas Tarek Subhi Temraz e Hussam Ahmed Hamad, de 22 anos, ao ver dos israelenses, cometeram sim um crime. O de pisar na estrada Karni que os colonos usavam.
Os palestinos são proibidos de circular em estradas usadas por israelenses até hoje, na Cisjordânia.

No dia 06, em Israel, o plano de evacuação das colônias ilegais da Faixa de Gaza foi aprovado pelo governo de Ariel Sharon.
No mesmo dia o Judiciário jogou a bomba que deixou os palestinos nocauteados. Condenou Marwan Barghuthi à prisão perpétua multiplicada por cinco (165 anos). As sentenças de prisão consecutivas correspondiam à acusação da morte de cinco isralenses ocorridas em ações militares da resistência.
Marwan nasceu em junho de 1959 em Kafr Kubr, perto de Ramallah, na Samaria bíblica localizada na Cisjordânia. Aderiu ao Fatah com 15 anos e adquiriu proeminência nacional em 1987 como líder da Intifada. Foi eleito deputado em 1996 e apesar de sua intimidade com Yasser Arafat, fez campanha independente contra os abusos e corrupção de funcionários públicos próximos do Presidente.
Nem por isso perdeu a confiança de Abu Ammar. Era o líder do Tanzim, ala armada do Fatah, e por isso foi um dos primeiros alvos da campanha de assassinatos de Ehud Barak e Ariel Sharon.
Em 2001 escapou da morte por um triz e em 2002 a IDF o prendeu com grande estardalhaço.
Já falei sobre Marwan neste blog em várias oportunidades. Porém, tenho de relembrar sua trajetória política e humana porque ele é uma pessoa à parte. Desde a morte de Yasser Arafat é ele a personagem pública mais popular da Palestina. Uma pesquisa de 2012 inclusive revelou que, embora esteja preso, 60% dos palestinos votariam nele para a Presidência, em detrimento de Mahmoud Abbas (Fatah) e de Ismail Haniyeh (Hamas). É o único homem que conseguiria reconciliar o Fatah, o Hamas e criar uma ponte de harmonia entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. É considerado o "Nelson Mandela" palestino. É por isso que continua preso. Tel Aviv o considera um perigo, pois com Marwan na jogada nem o ShinBet conseguiria manter a divisão que vem fomentando nos últimos vinte e cinco anos.
O nome completo deste denominador comum é Marwan Hasib Husayn al-Barghuthi, mas é conhecido como Marwan Barghouti, ou simplesmente Marwan.
Apoiou a fundo o processo de negociações que levariam aos Acordos de Oslo mas logo viu que  só as negociações não bastariam para acabar com a ocupação israelense. Ouvia o discurso ambíguo, as promessas de retirada e a colonização que galopava, e no fim da década de 90 investiu-se no comando do Tanzim e seu braço armado, as Brigadas al-Aqsa.
Marwan nasceu em uma família tradicional da área de Ramallah e politicamente ativa. (O médico Mustafa Barghuti, co-fundador da Palestinian National Initiative (al-Mubadara al-Wataniyya al-Filistiniyya) e famoso ativista pacifista é primo de Marwan).
Aos 15 anos, Marwan co-fundou a ala jovem do Fatah (shabiba) na Cisjordânia. Aos 18 foi preso em Israel por atividade política durante 4 anos. A acusação era por  “membership of a banned organisation”. Aproveitou para aprender hebraico, que fala fluentemente sem sotaque.
Ao ser solto em 1983 entrou na Birzeit University (BZU) de Ramallah, onde se formou em História e Ciências Políticas e obteve em seguida um mestrado em Relações Internacionais.
Durante a faculdade participou ativamente da política universitária no Fatah, foi presidente do Diretório dos Estudantes, e apaixonou-se por uma colega, Fadwa Ibrahim, com quem casou-se. Fadwa formou-se em Direito e virou uma eminente advogada de prisioneiros políticos. O casal tem uma filha, Ruba, e três filhos, Qassam, Sharaf e Arab. O mais velho nasceu em 1986 e o mais novo em 1991.
Marwan foi um dos maiores críticos da centralização do poder em torno de Yasser Arafat e virou líder da corrente reformista do partido. Da prisão, criou um movimento chamado al-Mustaqbal (O Futuro) e pretende candidatar-se à Presidência nas próximas eleições, contra Abbas e Haniyeh.

Os dois anos de processo de Marwan Barghuti foram um verdadeiro circo pseudo-jurídico. Longe de um julgamento sério e fiável. Nas oportunidades em que pôde exprimir-se, Marwan, então com 45 anos,  aproveitou para pôr pingos nos iis.
"We have been suffering under your sinister military occupation for over 36 years during which you killed us, tortured us, destroyed our homes and usurped our land. You made our life an enduring hell. We have an inherent moral and legal right to resist your occupation of our country. If you were in our shoes, you most certainly would do the same as we are doing. You would resist.
Palestinians are now experiencing. Like President Arafat, I have become a scapegoat – my trial simply a public relations event by a morally bankrupt and visionless Israeli leadership desperate to cover up its own inadequacies. And I pity the Israeli people, lied to and misled by a Prime Minister promising peace and security and who has failed miserably in delivering either.
My show trial says more about the sorry state of Israeli morality than it does about me. I pity the state of Israel – the Middle East’s “only democracy” stooping to fabricating charges in a show trial aimed not at truth and justice but rather to appease the Israeli masses who refuse to see any connection between their own brutal policies and the cycle of violence Israelis and  I categorically reject the authority of this criminal court of occupation and I will not dignify the ludicrous claims against me by responding to them. If my trial were truly a search for truth and justice, it would be Sharon and the Israeli army behind bars – it would be the criminals of occupation who have perpetrated war crimes against the men, women and children of Palestine over decades, who continue to violate UN Resolutions and the 4th Geneva Convention with impunity."
O julgamento foi tão cinematográfico que, apesar de não deixar de demonstrar solidariedade ao sofrimento dos israelenses com os atentados e deixar de salientar o direito de defesa dos ocupados, a comunidade internacional não teve como levar a sério a farsa jurídica que testemunhara.
"The Israeli authorities are right to point out that their country is up against blind terrorism posing serious security problems that they have to address. This report is not the right place to discuss the origins of this terrorism, or ways of putting an end to it, but it does illustrate that the methods chosen to deal with it have been inconsistent with the rule of law, and sight has been lost of such equally essential principles as the absolute priority that must under all circumstances be given to respect for the physical integrity of prisoners.
The numerous breaches of international law recalled in this report make it impossible to conclude that Mr. Barghouti was given a fair trial.Most of the persons contacted are convinced that Mr. Barghouti will receive a severe sentence, but all are equally convinced that the verdict will have no legitimacy because it will have been dictated far more by intense media pressure and political interests than by any rigorous application of procedures respecting the integrity of the defendant and his right of defence.The Barghouti case has very clearly demonstrated that, far from bringing security, the breaches of international law have, above all, undermined the authority of Israeli justice by casting discredit on its conduct of investigations and the procedures used." Escreveu Simon Foreman em seu relatório para a Inter-Paliamentary Union em 2004, The trial of Mr. Marwan Barghouti.
Acontece que naquela estória dos dois pesos e duas medidas, dois terços do povo israelense odiava Marwan Barghouti quase tanto ou mais do que Yasser Arafat. Pois raros eram os que viam que se assassinos houvessem, eram de ambos os lados. "Guerra é guerra," disse então um "observador ocidental" off the record. "Ocupar um país desarmado, aterrorizar uma população todo dia/noite e dia fora e dentro de casa, matar com metralhadoras e mísseis, tudo isso é terrorismo maior do que umas bombas aqui e acolá."
Pois é, mas on the record, ninguém ousava, ousa, repetir esta frase. Nenhum funcionário internacional ousa declarar publicamente que Israel é um Estado terrorista intocável, enquanto os Estados Unidos e os lobbies sionistas cantarem de galo nas capitais ocidentais.

Tão intocável e tão marginal que no dia 07 de junho mataram mais dois palestinos e feriram mais cinco em lugares diferentes dos territórios ocupados. Quatro menores de 17 anos.
No dia 14 a IDF disparou um míssil no carro de Khalil Marshud, chefe das Brigadas al-Aqsa no campo de refugiados de Balata o matando junto com outro ocupante do veículo.
No dia 16 foi a vez de outro resistente das Brigadas al-Aqsa, Majid al-Sa'di e um passante serem aniquilados.
No dia 23 foram mais três gazauís que não tinham nenhuma ligação com a resistência na Faixa. Na mesma agressão da IDF, três outros foram hospitalizadas no hospital Al-Shifa de Gaza.
No dia seguinte a IDF voltou ao ataque em Nablus e Hebron espalhando pânico e invadindo casas.
No dia 26 a IDF matou mais oito resistentes das Brigadas al-Aqsa, inclusive o chefe militar do Fatah em Nablus Hayif Abu Sharq. O chefe do Jihad na Cisjordânia Fadi alBahati também perdeu a vida nesse dia junto com o chefe local do Hamas Ja'fat al-Masri e Nisal Wawi do Fatah.
No dia 28 o Hamas lançou uns foguetes em Israel. Mataram duas pessoas (surpreendendo até quem jogou) e um grupo da resistência explodiu um posto militar da IDF na Faixa causando a morte de um soldado israelense.
Foi a primeira vez que foguetes Qassan lançados da Faixa atingiram gente com sérias consequências. Foi um choque até para os gazauís e sabiam que a vingança da IDF seria iminente e inclemente.
Foi. No mesmo dia três gazauís jaziam sem vida e dois outros estavam em estado crítico em Khan Yunis. Mas não eram suficiente. A vida de um israelense vale no mínimo dez vezes mais do que a de um palestino.
O mês terminou com 47 mortes palestinas e 5 israelenses.

Entrevista com o professor do M.I.T. Noam Chomsky
Part I (7')
Part II (8')


Documentário da israelo-marroquino-francesa Simone Bitton, 2004
MUR
Parte III - legendas em português, (10')


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