domingo, 10 de novembro de 2013

"Arafat foi envenenado." Cadê o culpado?



A manchete internacional da semana passada foi a confirmação do envenenamento de Yasser Arafat. Notícia de primeira página de todos os jornais e sites europeus e minimizada nos do nosso continente americano, inclusive no nosso país ( por que cargas d'água?) era só no que se falava no dia 06 de novembro logo que a Al Jazeera publicou a íntegra do relatório de 108 páginas divulgado pela University Centre of Legal Medicine de Lausannena Suiça.
No documento os cientistas comunicam oficialmente o resultado da autópsia do líder palestino: o organismo de Abu Ammar (Yasser Arafat) continha quantidade de Polonium-210 18 vezes superior à quantidade normal, e isto, 9 anos depois do enterro.
A equipe russa também encarregada da mesma tarefa científico-investigativa, discordou do resultado da equipe franco-suíça em um relatório de 15 páginas.
Ambas equipes de exumação receberam 20 partes do cadáver para serem examinadas. 
A equipe de cientistas franceses e suiços recebeu os vinte e descobriu a alta dose do elemento radioativo no pélvis e costelas. 
A equipe de cientistas russos recebeu apenas quatro das vinte amostras transmitidas para análise - duas do crânio e duas de extremidades ósseas - que examinaram com profissionalismo, porém, parece que sem liberdade desde o início.
Talvez as mãos atadas expliquem a  escolha das partes a serem examinadas, incompreensível para outros cientistas que lidam com efeitos radioativos e para a equipe franco-suíça.
Para o professor François Bochud, que ensina Física Aplicada na Faculdade de Biologia e chefia a equipe franco-suiça, o crânio não é o lugar do corpo no qual se testa substância radioativa, "We thought that [the skull] would not be the best kind of bone sample to measure. It is not as vascularised as other bones and therefore not the bone that would collect the highest quantity of polonium."
O inglês Dave Barclay (ao lado), professor de investigação científica, veterano e respeitado no ramo de investigações desse tipo concorda com o professor François Bochud. E foi mais específico: "The choice of bone fragments that they've [the russians] chosen to use is very odd and the levels they've got appear to be 10 or 20 times less than you'd expect just from anyone else in the worldI think the [russian] results are meaningless.
O relatório russo vazado para a Al Jazeera diz que "only one of the four provided fragments [um ossinho do crânio] was found to have radioactive background". 
Off the record, uma fonte russa (até os russos andam vazando informação! dirse-ia que o mundo está ficando mais moral apesar das pressões aumentarem) disse que além dos cientistas russos terem recebido amostras incompletas e propositalmente selecionadas, teriam sido instruídos pelo Ministro das Relações Exteriores da Rússia sobre como apresentar o relatório final. 
"The laboratory personnel say they received clear instructions from the Foreign Ministry on how the final report should look like. It seemed suspicious to them that they were being asked to fill out a specific table and answer specific questions from the Foreign Ministry. Namely, to conduct an inferior studyRussia's goal was to fulfill the Palestinian Authority's request, not offend Israel by helping the PA, and not create a new hotbed in the Middle EastTherefore, the objective here [in Russia] was to make a conclusion without a conclusion.
Considerando o jeito de Moscou (e outros centros de poder pragmático...) funcionar, entende-se que a conclusão da equipe russa é política e a da equipe independente franco-suiça é científica.
Porém, o professor inglês Nicholas Priest, ex-chefe da unidade de pesquisa biomédica da Atomic Energy Authority  da Inglaterra, declarou por sua vez que embora o envenenamento por polonium “cannot be totally ruled out”, os sintomas manifestados pelo espião russo dissidente Alexander Litvinenko, morto em Londres em 2006 foram diferentes.
Priest participou da investigação da morte do espião russo e por isso emite dúvida, aberta, quanto a cereza a cem por cento. “Key indicators it was not polonium [that killed Arafat] were lack of hair loss in the face, and no damage to his bone marrow, both of which were found extensively in Litvinenko.
Priest não examinou Arafat vivo e nem participou da autópsia. Sua opinião é baseada em fotos, como a de acima.
Para o professor de investigação científica Dave Barclay os resultados apresentados pela equipe franco-suíça não deixam dúvida que o líder palestino foi assassinado. 
Yasser Arafat died of polonium poisoning. We found the smoking gun that caused his death. What we don’t know is who’s holding the gun at the time. The level of polonium in Yasser Arafat’s rib…is about 900 milibecquerels. That is either 18 or 36 times the average, depending on the literature.”

Após constatar o delito há de se descobrir o culpado. E como todas as investigações, o primeiro suspeito é quem ganha com o crime...
A título de lembrança, a saúde de Arafat deteriorou-se rapidamente em outubro de 2004 após dois anos e meio de confinamento compulsório na Muqata'a de Ramallah junto com 270 funcionários públicos - A Muqata'a é um centro administrativo que reúne a sede do governo, ministérios e delegacia de polícia.
Tropas e tanques israelenses sitiavam esta prisão domiciliar de Arafat e eram inflexíveis no controle de água, comida, produtos e pessoas que entravam e saíam.
Nada, nadinha, entrava na Muqata'a sem investigação e autorização de Israel.
Na época da morte súbita inexplicável, não faltou quem lembrasse das ameaças e da frase sibilina pronunciada por Ehud Olmert no ano anterior sobre o fim que pretendiam dar ao líder palestino: "Expulsion is certainly one of the options. Killing is also one of the options."
O envenamento era uma saída "segura" porque os muçulmanos não autorizam autópsia, e por isto não foi feita na época, apesar de suspeitas não faltarem.

Por enquanto, Suha, a viúva de Abu Ammar, recebeu cópia do relatório em Paris no dia 05 antes da Al Jazeera divulgá-lo em seu site e disse pesarosa que "Quando chegaram com os resultados eu voltei ao luto. É como se tiveseem acabado de anunciar sua morte."
Por enquanto ela está de luto e não aponta para nenhum culpado em particular. Mas pode usar da prerrogativa de acionar a Justiça francesa para que esta abra inquérito detalhado, pois além de Arafat ter morrido em hospital parisiense para onde foi levado já em estado crítico, Suha tem nacionalidade francesa. Pois, como se sabe, os palestinos são apátridas.
Por outro lado, Wasel Abu Yusef, um dos dirigentes da OLP (Organização de Libertação da Palestina que ainda funciona com vários partidos palestinos com dominação política do Fatah e sob a presidência de Abu Mazen - Mahmmud Abbas) fez uma demanda formal de queixa, que foi estudada por um Conselho e aprovada.
Os palestinos solicitam a formação de uma comissão de inquérito internacional nos moldes da que investigou o assassinato do primeiro ministro libanês Rafiq Hariri.

No dia 08, em entrevista coletiva em Ramallah, membros da comissão de investigação declararam aceitar como definitiva a conclusão da equipe suiça.
E Tawfiq Tirawi, chefe da comissão, acrescentou: "We say that Israel is the one and only suspect in the case of Yasser Arafat's assassination, and we will continue to carry out a thorough investigation to find out and confirm all the details and all elements of the case. This is the crime of the 21st century. The fundamental (goal) is to find out who is behind the liquidation of Yasser Arafat."
Enquanto isso Yigal Palmor, porta-voz de Avigdor Lieberman (o sionista-extremista que é ministro das relações exteriores de Israel e que acabou de ser "absolvido" em um processo vergonhoso em Tel Aviv) declarou: "I will state this as simply and clearly as I can: Israel did not kill Arafat. Period. And that's all there is to it."
Será? 
O corpo de Yasser Arafat foi exumado em novembro de 2012. Oito anos após sua morte, graças a meses de trabalho de jornalistas investigativos da Al Jazeera. Cavaram, cavaram, até terem acesso a objetos pessoais do líder palestino, nos quais cientistas suiços encontraram altos níveis de polonium nas manchas de sangue e urina de suas roupas. Guardadas pela viúva, Suha.
Wasel Abu Yusef lembrou na semana passada que "The [test] results proved Arafat was poisoned by polonium, and this substance is owned by states, not people, meaning that the crime was committed by a state." 
Qais Abd al Karim, outro membro do comitê executivo da OLP, disse por sua vez que "Only Israelis have the means and the motives in order to commit this crime. This is a scandal and a crime that makes the Israeli's responsible for such atrocities and I think that it is necessary that they should be responsible in front of international justice and they should pay for their crime."
Yigal Palmor, por sua vez, na guerra de palavras, disse irritado que "The Palestinians should stop this nonsense and stop raising these baseless accusations without any shadow of proof."
Ao que Tawfiq Tirawi argumenta até bastante calmo: "It is not important that I say here that he [Abu Ammar] was killed by polonium. But I say, with all the details available about Yasser Arafat's death, that he was killed, and that Israel killed him. Israel is first, fundamental and only suspect in the assassination of Yasser Arafat".
Mas a contra-informação já está funcionando a cem por hora. "Alguém" já lançou inclusive o boato que Abu Ammar teria sido assassinado por ordem de Bashar el-Assad! Aquela estória de matar dois coelhos com uma única cajadada. O problema é que a Síria não faz parte do clube nuclear restrito que possui este tipo de arma química.
Quaisquer que sejam as vontades e as palavras trocadas, a investigação solicitada pela Autoridade Palestina, se for como a de Rafiq Hariri, durará meses ou anos. E posso estar enganada, mas no final o resultado oficial será vão. Quando e SE conseguirem provar que houve assassinato e que Israel está implicado, o governo israelense dará de ombros e ficará impune como sempre.
Resta saber como o povo palestino reagirá a curto e médio prazo. Será que esta descoberta acarretará uma terceira intifada?
O futuro próximo dirá, e talvez este dependa de como Marwan Barghuti, da prisão, reagirá.

"18 years after the muder of [Yitzak] Rabin, radioactive polonium was found on the remains of Arafat - the other signer of Oslo [Accords], who was able to bring about full peace.
Whoever poisoned him tried to leave no traces."
Publicado no jornal israelense Haaretz, 8-11-2013  

 "He [Arafat] made so many concessions to Israel – because he was growing old and wanted to go to “Palestine” before he died – that his political descendants are still paying for them. Arafat had never seen a Jewish colony on occupied land when he accepted the Oslo agreement. He trusted the Americans. He trusted the Israelis. He trusted anyone who appeared to say the right things. And it must have been exhausting to start his career as a super-“terrorist” in Beirut and then be greeted on the White House lawn as a super- “statesman” and then re-created by Israel as a super-“terrorist” again...
...I’m sceptical. Edward Said told me tha Arafat said to him in 1985 that “if there’s one thing I don’t want to be, it’s to be like Haj Amin. He was always right, and he got nothing and died in exile.” Hunted by the British, Haj Amin, the Grand Mufti of Jerusalem, went to Berlin during the Second World War in the hope that Hitler would help the Palestinians. It was the greatest blunder any Palestinian has made. Arafat followed that blunder by going to Baghdad and embracing Saddam Hussein after his invasion of Kuwait, believing Saddam would “liberate” the land he called Palestine. Arafat wanted to believe Saddam. Like he wanted to believe the Americans. And the Israelis. And his legacy of vain trust has destroyed any hope of a Palestinian state. That is the poison we should be studying.
Robert Fisk, no jornal inglês The Independent



PS Faixa de Gaza: O Hamas tem um novo porta-voz desde a semana passada: Isra al-Modallal, uma jovem de 23 anos.
Isra fala inglês (britânico) fluente e elegantemente. Foi criada em Gaza, foi à escola durante cinco anos na Inglaterra quando o pai estava expatriado, voltou para sua terra natal e formou-se em jornalismo na Universidade Islâmica de Gaza.
(A Universidade chama Islâmica, mas funciona como as PUCs brasileiras; ou seja, é antes de tudo, uma universidade).
Isra não é do Hamas, é divorciada, tem uma filhinha de 4 anos, não tem foto de Ismail Haniyeh (líder do Hamas na Faixa), e refere-se a "Israel" e não na "Zionist entity," como é de praxe no Hamas.
Ela conhece a História ocidental na ponta da língua - dos Estados Unidos à Europa passando pela nossa, e se define da seguinte forma: "I am not Hamas. I am a Palestinian activist who loves her country. Não sou do Hamas. Sou uma ativista palestina que ama seu país".
Como Isra morou fora, conhece de sobra a má reputação que Israel fabricou do Hamas e tenciona mudar essa imagem com fatos embasados e seu profissionalismo já demonstrado como âncora de jornal televisivo.
Isra não é uma marionete. É uma mulher jovem, mas bem preparada e além de simpática, tem uma personalidade forte o bastante para não se deixar manipular.
"Every day, women's footsteps can be seen advancing more in society. I know it's [job of Hamas' spokeperson] is a big responsibility and it's not easy to speak on behalf of a government in normal situations, whereas I am working in unique situations."
Pois é. Seja bem-vinda, Isra! E boa sorte aos esforços do Hamas de legitimar-se internacionalmente. 

Documentário Al Jazeera: Killing Arafat

Um comentário:

  1. A morte de Arafat já na época levantou suspeita dos palestinos de um possível envenenamento.Os médicos não conseguiram descobrir o veneno, além de que os seus assassinos lhe inocularam igualmente o retrovírus da sida tornando indecifráveis todos os exames. Só muito mais tarde,quando da captura pelo Hamas de documentos nos arquivos pessoais do ministro Mohamed Dahlan, foi que as provas do complô foram reunidas. O assassinato foi orquestrado por Israel e pelos Estados-Unidos, mas realizado por Palestinianos. Os Colaboradores que conspiraram com o Ocupante para o matar vão apoderam-se do poder sem demora.
    P.S.:Este é um trecho extraído do anexo da obra de Isabel Pisano ” Yasser Arafat,na intimidade. A Paixão pela Palestina”.

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