domingo, 29 de setembro de 2013

Quem merece crédito, Obama ou Rohani?



Na semana passada o novo presidente do Irã foi à Assembleia das Nações Unidas acordar sua sorte.
"Vá acordar sua sorte" é um dos muitos provérbios persas que os iranianos utilisam. 
Hassan Rohani foi a Nova York com este propósito, acordar a "sorte" que há anos o seu país perdeu junto ao restrito clube dos países desenvolvidos que tiravam proveito do antigo regime ditatorial do Xá Mohammad Reza Pahlev.
Indo a Nova York Rohani esperava despertar mesmo era os Estados Unidos, mergulhados em um torpor preconceituoso desde a Revolução que derrubou o Xá e da qual surgiu a República Islamita do Irã em 1980.
Rohani estendeu a mão também a Israel quando denunciou o holocausto na Segunda Guerra Mundial.
Tel Aviv não se mostrou disposta a fumar o cachimbo da paz, mas Washington não teve como evitar.
Barack Obama ficou reticente mas acabou aceitando a mão estendida de Hassan Rohani apesar da ideia fixa dos Estados Unidos que veremos mais adiante.

Binyamin Netanyahu preferiu mandar sua delegação retirar-se acintosamente durante o pronunciamento do presidente iraniano.
Pegou mal. Cheirou a imaturidade, a vontade de briga e falta de vontade de resolver a questão nuclear e as demais pendências de maneira diplomática, amigável.
O Primeiro Ministro de Israel foir recriminado por seu próprio Ministro da Economia Yair Lapid (cujo partido centrista Yesh Atid aderiu à coalizão governamental nas últimas eleições) que disse que o gesto de afronta fora um erro.
"Israel should not seem as if it is serially opposed to negotiations and as a country that is uninterested in peaceful solutions. Leaving the UN general assembly and boycotting is irrelevant in current diplomacy."
Desde a posse de Rohani (reformista bastante popular no Irã apesar das sapatadas que levou dos sectários na chegada) que a ala extremista majoritária do governo de Netanyahu referese-se a ele como "a wolf in sheep's clothing".
Aliás, em Tel Aviv, cada vez que um adversário tenta ser cordial, em vez de aceitar o diálogo para tentar fazer amizade e deixar as águas rolarem para o oceano da paz, os reacionários fazem este comentário depreciativo do "Lobo com pele de carneiro" com sarcasmo.
Postura que os extremistas israelenses atribuem aos oponentes porque dela abusam frequentemente embora exijam do alheio o que não têm; e por isso, merecerem outro provérbio persa: اول برادریتو ثابت کن، بعد ادعای ارث و میراث کن; literalmente, Primeiro prove sua fraternidade, depois reclame sua herança.
Provérbio que considerando a história das relações obscuras de Washington com Teerã (e o resto do mundo) e de Israel com o Irã (e com os países que alicia) deveria estar mesmo na cabeça é de Rohani e não de Netanyahu e Obama.
E está, com certeza, embora o Presidente iraniano engula o sapo para parar de dar murro em ponta de faca. Engole o sapo, mas nem por isso está pronto a atender a demandas que só sirvam os Estados Unidos.
Pois há outro provérbio persa que se sabe adequado à insaciabilidade estadunidense: آنانکه غنی‌ترند، محتاج‌ترند; literalmente, Quanto mais rico, mais carente/faminto.
Rahoni tem consciência disso, mas sua margem de manobra é pequena. A não ser que ponha Vladimir Putin na jogada...

Rohani tem no Irã o que Ahmadinejad não tinha. Credibilidade por ter sido eleito democraticamente. 
Desta vez, foi sim, uma vitória incontestável. 
E quem conhece sua atuação no Programa Nuclear e nos cargos que exerceu nos últimos anos sabe que Rohani não é Ahmadinejad. É um homem bem preparado e sensato. É religioso, mas tem apoio de muitos eleitores liberais e do Partido Verde. 
E apesar dos preconceitos ocidentais baseados mais na ignorância e na difamação midiática do que em fatos, o Irã não é assim o Bicho Papão que falam.
É verdade que é um regime autoritário bastante sectário que tem de expandir os Direitos de seus cidadãos e os Direitos Humanos em geral.
Para demonstrar boa vontade nesta área, antes de embarcar para NY, Rohani libertou onze presos políticos. Inclusive a advogada Nasrin Sotoudeh, defensora de vários ativistas perseguidos pelo regime, inclusive da colega Shirine Ebadi, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz e refugiada política em Londres devido a perseguições intermináveis do regime.
Esta proibição de participação social da população é execrável.
Por outro lado, o Irã é um Estado, em certos aspectos, até liberal.
A sociedade é dividida em dois: as classes C, B e A, quanto mais cosmopolitas e estudadas, mais laicas. E as classes C e D menos instruídas e mais sectárias.
(Ao contrário de Israel onde o sectarismo predomina em todas as classes. Aliás, em Israel a sensatez também independe de idade e meio social - embora a maioria dos pacifistas israelenses seja de esquerda e de meio social mais esclarecido, há alguns reservistas do Breaking the Silence que foram criados em famílias ortodoxas.)

Cidadela de Bam
Voltando ao Irã, é um país muito bonito e interessante. Teerã é uma cidade viva, culta, dinâmica.
Que eu saiba, o Irã é o único país do mundo que apesar de reivindicar uma particularidade religiosa até no nome do Estado, reserva no Parlamento cadeiras a representantes de religiões minoritárias. Não às inimigas milenares, mas às toleradas e protegidas oficialmente, ou seja, cristianismo, judaísmo, zoroastrianismo.
Estas três religiões têm cadeiras cativas no Parlamento e hoje contam com 14 dos 290 deputados. A divisão das cadeiras desta minoria é de 5 cristãos ortodoxos armênios, 4 católicos, 3 judeus, 2 zoroastrianos. O que representa apenas 2,1 por cento do Legislativo, entretanto, considerando a fama de obtusos que os Aiatolás têm, a simples obrigatoriedade de representação já me parece significante.
Os Reformistas representam 35,5 por cento do Parlamento.
É claro que no sistema autoritário estabelecido pelos aiatolás as grandes decisões são tomadas no alto da pirâmide político-jurídico-executiva.

Como já disse em um prévio blog dedicado ao Irã (19/02/12), o presidente não governa de maneira soberana e o poder do Parlamento é relativo. Há um Líder Supremo acima dos Três Poderes. O cargo foi definido pela Constituição pós-revolucionária a fim de garantir o respeito à Lei Islâmica.
Este homem que é a maior autoridade hierárquica do país é eleito por uma Assembleia de Especialistas, que por sua vez é eleita por sufrágio universal por 8 anos.
O Líder Supremo, hoje, Aitatolá Ali Khamenei, por sua vez escolhe os doze membros do Conselho Guardião que delibera em última instância sobre as decisões legislativas, executivas, judiciárias. Este Conselho Guardião é composto por quatro advogados e seis aiatolás.
O que não significa que a Assembleia Legislativa, o Poder Judiciário e o Presidente da República não tenham voz ativa neste sistema. Têm. Desde que convençam o Conselho que têm razão e que esta não seja nociva ao sistema...
Khamenei continua cético em relação a Barack Obama. Gato escaldado, o Aiatolá declarou que "Americans are untrustworthy and illogical. They are not honest in their dealings."
Acho que o Líder Supremo iraniano não é o único a pensar assim no mundo. Nem no meio político nem no econômico. Mas está pronto a deixar Rohani tentar fazer as pazes e o bloqueio contra seu país acabar.
Quanto a Binyamin Netanyahu, outro extremista notório e do qual todos os presidentes ocidentais desconfiam até quando espirra (Está mesmo gripado ou está fingindo? Se estiver gripado, está querendo me passar algum vírus?...), é obcecado com o Irã do mesmo tanto que George Bush era obcecado com o Iraque de Saddam Hussein (patologia mais do que nefasta para os demais países). Por isso não poupou escárnio quando Rohani pediu moderação e discussão sobre o programa nuclear iraniano: His speech is filled with hypocrisy. The world must keep up the pressure on Tehran.
(O mínimo é dizer que nese caso é o imundo falando do mal lavado. Pois "Bibi", como Netanyahu é conhecido em seu país, já mostrou suas garras afiadas e suas atividades na Faixa de Gaza e na Cisjordânia há anos atestam sua insaciável vocação de destruir e predar.)

Bem, quando Obama entrou no governo em 2009 e ainda não estava dominado pela AIPAC (lobby israelense em Washington) se dizia pronto a negociar com o Irã sem pré-condições.
A retória mudou depois da pressão israelense mesmo tendo em mãos relatórios de seus espiões que concluíam que o Irã abandonara seu programa nuclear anos antes. O próprio New York Times fez o relato. Que batia com descobertas feitas em 2007.
Então por que Obama voltou atrás quando Lula e Erdogan conseguiram convencer Ahmadinejad a aceitar as condições da Casa Branca para negociar há alguns anos?
Porque o que interessa realmente os Estados Unidos e Israel é uma mudança do regime no Irã.
Sephen Walt, professor da Universidade de Harward, escreveu em junho de 2012 que o Irã tinha razão de desconfiar desta segunda intenção e concordo com ele neste ponto sem hesitar.
O problema é que, como sempre, os Estados Unidos olham o mundo com uma lente míope que deforma o presente e desconsidera o futuro e o fato irrefutável que toda ação tem consequências. Quando os atos são militares, as consequências são sempre drásticas.
Nos casos em que os EUA intervêm militarmente as consequências são previsíveis e estimáveis, mas assim mesmo recidiva.
Por quê?
Porque teimam em querer reproduzir alhures o american way of life.
Por quê?
A fim de exportarem seus produtos e procederem a pilhagens sistemáticas das riquezas alheias.
Que melhorem o quê?
O american way of life. Sobretudo do 1% que controla as riquezas mundiais.
Foi assim no Iraque, foi assim no Afeganistão, foi assim na Líbia, está sendo asssim no Egito, na Síria, e no Irã querem fazer igualzinho.
Incitam o golpe com espionagem e armas contrabandeadas através da Arábia Saudita e depois deixam tamanha desordem que o novo Al-Qaeda agradece o que recebeu de mão beijada e toma as rédeas de maneira terrivelmente perigosa. E Deus nos guarde!

Enquanto isso, a "abertura" de Obama ao diálogo com Rohani está no mesmo pé do ano passado quando Paul Pillar, veterano da CIA e professor convidado na Georgetown University de Washington DC, disse que The Iranians have good reason for doubts. There is ample reason for them to believe—a belief reinforced by the experience of Qaddafi in Libya—that ultimately the main Western interest is in regime change. In the near term, they also have reason to wonder whether, if they start making significant concessions, they will see any significant lessening of the sanctions.  And although the Obama administration does want a deal, demands that can easily be interpreted either as deal breakers or as having been selected with a military attack in mind tend to raise questions about that, too. Relieving such doubts ought to be a major objective of the United States and its P5+1 partners in planning their approach toward the talks.
The Obama administration has placed high stakes on negotiations with Iran. In dealing with the immediate problem of an Israeli government with an itchy trigger finger, the administration has signed on to the Israeli position of an Iranian nuclear weapon being unacceptable. The United States ought to place heavy emphasis on negotiations with Iran in any case. There is still ample unexplored negotiating space for reaching an agreement with Tehran. But given the stakes, the administration cannot afford to risk messing up the process by focusing on demands that seem to have more to do with simplifying the task of Israeli military targeteers than they do with anything else.
No ponto de vista do Irã é um esforço sobre-humano confiar na Casa Branca. Saddam e Gaddafi abriram as portas à inspeção ocidental e acabaram sem arma nuclear, expostos, depostos, mortos.
Sem contar que os EUA abordam o Irã de maneira ambígua e ao mesmo tempo contundente.
Ambígua porque há de se lembrar que entre 1980 e 1988 cerca de cem mil iranianos foram mortos ou feridos por armas químicas que os Estados Unidos forneceram ao Iraque para mais tarde cobrarem de Saddam que provasse que elas tinham sido mesmo usadas na totalidade... E mesmo assim executaram os filhos de Saddam Hussein e deixaram que ele fosse executado.

Contundente porque o Irã está completamente cercado geograficamente pelo Exército, bases ou aliados estadunidenses.
Por isso os iranianos devem estar se preparando para negociar sem esquecer um de seus provérbios principais: تا گفته‌ای غلام توام، میفروشنت; literalmente: Logo que disser, "Sou seu escravo", você será vendido. 
A quem? É fácil imaginar, sabendo quem é o único vizinho do Irã que tem armas nucleares.

Rohani foi diplomata e não sendo marinheiro de primeira viagem prefere pensar a priori no perigo de ficar vulnerável do que ter de lamentar a posteriori ouvindo de um compatriota outro provérbio: از ماست که بر ماست; ou seja, Cada um é responsável por sua própria desgraça.
Provérbios à parte, tanto os Estados Unidos quanto o Irã têm de "esquecer" Israel e aproveitar esta oportunidade histórica para fazerem as pazes.   
Diálogo, diálogo, diálogo. 

O governo dos Estados Unidos é ganancioso e amoral por causa dos compromissos com as empresas que elegem o presidente, mas os estadunidenses não são maus intrinsecamente e sim por ingenuidade e ignorância. 
Quanto aos iranianos, pecam no autoritarismo religioso que impõem aos compatriotas por temerem a praga do Al-Qaeda, a intransigência da Casa Branca e o ódio desmesurado de Netanyahu.  
No fundo, têm razão. Não de proibir a liberdade de expressão de seus compatriotas e sim dos três bichos-papões que rondam a regão.   
Mas ambos países são feitos de gente de carne, osso e sentimentos idênticos.
E rola em Washington que Rohani teria perdido uma boa oportunidade de encontrar Obama em um almoço "improvisado". A desculpa foi que os estadunidenses serviriam álcool... No caso, um vinho excelente de uvas chardonnay originárias da região francesa da Bourgonne e bem sucedido nos EUA. A verdade é que Rohany temia aventurar-se em terreno minado despreparado e não queria chocar a ala radical tão cedo. Mesmo assim levou sapatada na chegada...
Por esse gesto de poucos amigos, Rohany desceu um degrau na escada da conciliação e ele e Obama ficaram quase no mesmo nível. Para as coisas andarem depressa têm de encontrar-se em terreno neutro. A desconfiança mútua é grande demais.

Com a Síria também a única intervenção válida é a de empurrar todas as partes legítimas para o diálogo. Só assim garantir-se-á a paz sem o perigo do Al-Qaeda. 
Falando em Síria e e em paz, a decisão do Comitê de Segurança da ONU sobre a destruição das Armas químicas do estoque de Assad foi interessante. Representa, implicitamente, o reconhecimento oficial que estas armas não podem ser utilizadas e a necessidade de destruí-las e de parar de fabricá-las.
Israel e os Estados Unidos também usaram este tipo de arma fora de suas fronteiras.
Também serão julgados ou vai ser só a Síria?
Suas armas também serão destruídas ou só as sírias?
Podemos esperar sentados.
Para si mesmos, chamam de "Agentes Químicos", para os demais, "Armas Químicas" ou "Weapons of Mass Destruction" .
Dois pesos e duas medidas. É isto que irrita.

Reportagem al Jazeera: Israel Nuclear's capabilities


Nenhum comentário:

Postar um comentário