domingo, 22 de setembro de 2013

Israel vs Palestina: História de um conflito XL (03-2004)


O mês de março de 2004 foi cheio de acontecimentos dramáticos.
No dia 03 os mísseis dos apaches voltaram a largar seus mísseis.
O alvo foi o carro de membros do Hamas, que morreram perto da colônia judia de Netzarim no norte da Faixa de Gaza.
Três dias mais tarde a IDF atacou os campos de refugiados de Nuesseirat e Bureij na Faixa e deixou para trás 14 mortos. Nove deles eram combatentes do Hamas que resistiram à investida. Os demais eram civis gazauís que não tiveram tempo de esconder-se em casa ou foram vítimas de tiro ao alvo dos soldados.
Um rapaz de 19 anos e duas crianças. Uma terceira foi hospitalizada em estado crítico. Recebera uma bala na cabeça e estava prestes a engrossar a lista de efeitos colaterais.
Na Cisjordânia, o cerco foi reforçado e Yasser Arafat voltou a ser sitiado na Mukata'a de Ramallah.
No dia 10, após meses de ataques aéreos esporádicos - para execuções sumárias ou manter a população aterrorizada - a IDF varreu a Cisjordânia de bombas. No rastro de sua passagem tinha gente correndo nas ruas por todos os lados carregando os feridos para um eventual abrigo. Cinco pessoas tiveram morte instantânea. Outras morreriam mais tarde ou ficariam com os defeitos físicos inerentes a este tipo de ataque.
Esta nova agressão serviu para bloquear as negociações monitoradas nos bastidores pela diplomacia internacional.
Uma reunião fora marcada para a semana seguinte entre as duas partes e Sharon queria assegurar-se que os palestinos recuariam; ou se não recuassem, que chegassem à mesa de negociações humilhados pela prisão domiciliar de Yasser Arafat e enfraquecidos pela demonstração de força desproporcional da IDF nos campos de refugiados.
Sharon alcançaria o retrocesso pretendido. Jenin também estava em polvorosa com o ataque direto à ala militar do Fatah. A IDF matou cinco membros das Brigadas al-Aqsa em uma armadilha e o clima ficou pesado.
Em fevereiro já tinham tentado assassinar o líder da organização, Zakaria Zubeidi, em vão, e desta vez o alvo continuava sendo ele. Mas Zakaria, um dos "filhos" de Arna, não era apenas o líder da resistência local, era o símbolo vivo do patriotismo; um exemplo e um ídolo. Assassiná-lo era missão impossível. (Zakaria é um pouco fora de série no caráter e no trajeto (é, porque continua vivo - Blogs 16/12/12 e 30/12/12 - e atuante em frente pacífica).

A campanha militar isralense acabou com dezenas de pessoas velando familiares mortos e centenas de feridos sendo tratados ou padecendo de falta de auxílio, por causa do bloqueio de ambulâncias nas barragens.
A resposta veio nos dias 13 e 14 de março.
Primeiro no sábado, em um ataque militar.
Um foguete do Hamas atingiu o posto militar israelense na fronteira da Faixa de Gaza com o Egito matando cinco soldados.
Depois no domingo, às 16h20, em dois atentados reivindicados pelas Brigadas al-Aqsa e o Hamas.
Os bomba-suicidas tinham 18 anos. Eram de Jabalya, um dos campos de refugiados mais maltratados pela IDF na Faixa de Gaza. Explodiram no porto de Ashdod, o segundo mais importante de Israel. Um dos garotos explodiu em um escritório e o outro alguns minutos depois perto dos armazéns. Levaram consigo 10 israelenses e deixaram 16 feridos. Visavam um tanque de gasolina que causaria danos muito maiores. Felizmente algo deu errado e as perdas foram menores.
Mais tarde soube-se que foi Nizar Rayan, do Hamas,  que organizou o ataque. As Brigadas al-Aqsa apenas se solidarizaram. Nizar Rayan também era de Jabalya. Era formado em teologia e doutorado em Estudos Islâmicos na Universidade Ondurman no Sudão. Se tivesse nascido em um país livre teria sido professor universitário como tantos. Em um país ocupado, virou um tipo de ponte entre a ala política e a militar do Hamas porque era muito próximo do Sheik Ahmed Yassine. Um dos fundadores do Movimento e sua referência espiritual.

Três dias depois a IDF retaliou a morte dos soldados com um ataque aéreo apocalíptico de Rafah, no sul da Faixa.
No solo, tanques, caterpillars armados destruíam carros e casas, snipers da IDF atiravam e matavam de maneira aleatória (como foi o caso dos irmãos Meghahier, Ahmed de 13 anos e Asma de 16, baleados quando brincavam no telhado de casa), enfim, foi um Deus acuda por todo lado.
Os Apaches sobrevoavam aterrorizando os habitantes e seus mísseis também destruíam casas.
No final do ataque cinematográfico, quatro pessoas jaziam sem vida e um monte de meninos eram carregados agonizantes para um posto de saúde que tivesse sido poupado.
Nove pessoas estavam feridas em estado crítico, cinco casas tinham sido explodidas sem sobrar nada, e o triplo de moradias parcialmente destruídas.
No dia 21 a IDF continuou a martelar matando mais quatro palestinos, inclusive duas mulheres, em A'basan, cidadezinha vizinha ao campo de refugiados Khan Younis, na Faixa.
Na Cisjordânia, os palestinos enterravam um adolescente, três homens e uma menina de 7 anos.
Em menos de uma semana de retaliação, a IDF já matara 17 palestinos - homens, mulheres e crianças - e deixado dezenas de feridos em estado mais ou menos crítico.

Mas a cólera de Ariel Sharon ainda não fora saciada. O pior, políticamente, estava por vir no dia seguinte.
Dando continuidade à campanha de assassinatos de dirigentes palestinos, os Apaches voltaram ao ar e dirigiram-se a Gaza.
Este dia 22 de março de 2004 ficaria nos anais do conflito como uma das datas mais marcantes.
O sheik Ahmed Yassine, paraplégico e quase cego, foi assassinado na porta da mesquita na saída da oração matinal.
O atentado começou a ser realizado de manhãzinha. Uma "procissão" de jatos F-16 voou sobre Gaza. O barulho familiar deu como sempre um frio na espinha dos gazauís de todas as idades, mas era um terror ao qual estavam acostumados. Ninguém suspeitou que desta vez os jatos tinham ido fazer barulho para cobrir a missão assassina dos helicópteros de combate.
Yassine ia à mesquita do bairro de Sabra todos os dias. Ficava a apenas cem metros de sua casa. Nem ele, nem ninguém, suspeitou que as turbinas dos F-16 estavam fazendo uma cortina sonora para o Apache AH-64 aproximar-se dele na calada.
Os mísseis Hellfire do helicóptero de combate mataram instantaneamente Yassine, seus dois guarda-costas, e seis pessoas que também estavam deixando o santuário.
O que sobrou de Yassine foi levado às pressas para o hospital al-Shifa, mas sem nenhuma esperança de conseguir salvá-lo. Considerando o estado de sua cadeira de rodas, era óbio que ele também devia estar em pedaços.
Logo que sua morte foi anunciada, a Autoridade Palestina declarou três dias de luto oficial e fechou as escolas.
Em Gaza, Ismail Haniyeh (atual líder do Hamas na Faixa) disse "This is the moment Sheikh Yassin dreamed about. Ariel Sharon opened the gates of hell."
A palavra vingança emergiu dos 200 mil gazauís que seguiram o funeral, mas também dos ausentes, na Faixa e na Cisjordânia. E pela primeira vez desde sua criação, o Hamas foi eleito o partido mais popular da Palestina nos territórios ocupados.
Ultrapassou o Fatah até na Cisjordânia.
Ariel Sharon conseguiu com um assassinato neutralizar todo o trabalho de conciliação de Yasser Arafat, alienar o Fatah e sabotar como queria as negociações de paz.
O novo dirigente do Hamas, Abdel Aziz Rantissi (à direita com o sheikh), já deu o tom de sua liderança em um serviço religioso dedicado a Yassine: "The Israelis will not know security... We will fight them until the liberation of Palestine, the whole of Palestine." E dirigiu-se publicamente à ala militar do partido: "The door is open for you to strike all places, all the time and using all means."
Shaul Mofaz, o Ministro da Defesa de Israel, rotulara Yassine de "Palestinien Bin Laden" a fim de demonizá-lo e facilitar a solidariedade dos EUA, mas desta vez até Bush considerou que Ariel Sharon fora longe demais.
aliás, nem a classe política israelense foi unânime na aprovação da medida extrema. O próprio Ministro io Interior Avraham Poraz, centrista do Partido Shinui, disse que achava que este assassinato "was a bad idea because I am afraid of a revenge coming from the Palestinian side, from the Hamas side."
Enfim, até Shimon Peres, o homem de duas caras que era na época o líder do moderado Labour Party, disse temer que o assassinato "could lead to an escalation of terror."
"The assassination itself  is an act of terror", disse em alto e bom som um ativista pacifista israelense.
A comunidade internacional em peso condenou o assassinato. Começando por Kofi Annan, então secretário geral das Nações Unidas.
A Comissão de Direitos Humanos da ONU votou uma Resolução também reprovando, como a Liga Àrabe e a União Africana.
Um rascunho condenando a execução sumária de Yassine e dos outros oito palestinos assim como todo ato terrorista contra civis foi apresentada ao Conselho de Segurança.
Os Estados Unidos a vetaram, mesmo que com o veto admitissem, por ingenuidade ou arrogância, o terrorismo de Estado que Israel fazia e de cujo crime era apriorísticamente exonerado.
O embaixador dos EUA "explicou" que a Resolução, para ser aprovada, tinha de nomear o Hamas explicitamente por causa dos atentados no porto de Ashdod. Isentando assim por omissão Israel por seus atentados diários.
O comunicado que o embaixador estadunidense John Negroponte leu no Conselho de Segurança das Nações Unidas dizia que "The killing of Sheikh Yassin has escalated tensions in Gaza and the greater Middle East, and sets back our effort to resume progress towards peace. However, events must be considered in their context and as we consider the killing of Sheikh Yassin, we must keep in mind the facts. Sheikh Ahmed Yassin was the leader of a terrorist organization, one which has proudly taken credit for indiscriminate attacks against civilians, including most recently an attack last week in the Port of Ashdod, which left 10 Israelis dead. He preached hatred, and glorified suicide bombings of buses, restaurants, and cafes. Yassin was opposed to the existence of the State of Israel, and actively sought to undermine a two-state solution in the Middle East."
Para os palestinos era de novo a farsa dos dois pesos e duas medidas.
No dia 30, os palestinos fecharam o mês com as passeatas tradicionais que faziam desde 1976 para comemorar o Dia da Terra. Dia de protesto contra a desapropriação e instalação das invasões dos colonos judeus no lado oriental da Linha Verde.   
O mês terminaria com onze mortos israelenses e 80 palestinos.
Em abril Ariel Sharon poria ainda mais lenha na fogueira. E nela queimaria também muitos compatriotas dele. 


Documentário da israelo-marroquno-francesa Simone Bitton, 2004
premiado no Festival de Sundance
MUR
Parte I - legendas em português, (10')

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