domingo, 26 de maio de 2013

Israel vs Palestina: História de um conflito XXXIV (agosto de 2003)


Em agosto de 2003, Israel quebrou a trégua de seis semanas no dia 14.
Prosseguindo a campanha de assassinatos de líderes do Fatah e do Hamas, tropas da IDF mataram mais um deles em Hebron.
A notícia chegou em Ramallah como um fósforo aceso a dois dedos de um mato cheio de capim seco.
Yasser Arafat entendeu que seria quase impossível conseguir convencer o Hamas a engolir o sapo e manter a trégua unilateral que vinha mantendo.
Dito e feito.
No dia 20, um bomba-suicida explodiu um ônibus em Jerusalém ocidental levando consigo dezoito israelenses e ferindo o triplo.
O atentado foi reivindicado e justificado como resposta à política de assassinatos que desde 2000 o Shin Bet levava a cabo. Primeiro sob ordens de Ehud Barak e depois sob ordens de Ariel Sharon.

A reação do primeiro ministro palestino Mahmoud Abbas foi conciliatória ao extremo. O importante para ele então era prosseguir as negociações de paz e para isto cortou contato com o Hamas, com o Jihad Islâmico e ordenou a busca e a prisão imediata dos organizadores do atentado.
Talvez tivesse obtido resultado dissuasivo, pelo menos a curto prazo, até a paz ser definitivamente negociada (sonhava).
Porém, Ariel Sharon não deu folga na campanha de extermínio "cirúrgico" dos líderes palestinos. Embora esta campanha de assassinatos já tivesse provocado "efeitos colaterais" tanto na Palestina, com as centenas de feridos circunstanciais, quanto em Israel, com aleatórias operações suicidas de reciprocidade.
Nessa lógica da violência rotatória, a punição da IDF chegou logo.
No dia seguinte voltou a investir Jenin causando danos humanos e materiais na cidade que ainda cambaleava.
A devastação causada pela Operação Defensive Shield em abril ainda era visível em toda parte - dezenas de famílias ainda estavam de luto fechado pelos parentes assassinados e o vácuo deixado pela destruição das casas ainda não fora remediado.
Os pais de família viram o novo assalto como uma fatalidade que só servia para traumatizar ainda mais os filhos já traumatizados.
Os estrangeiros que lá estavam, viam a consequência desta tortura intermitente na tristeza revoltada dos meninos desamparados. Cada bombardeio, cada demolição, cada humilhação despertava novas vocações para a resistência e para mártir que as invasões civis cimentavam.
Enquanto batalhões israelenses cutucavam a onça com vara curta na Cisjordânia, em Gaza, no mesmo dia, os Apaches voaram para torpedear  as negociações de paz. Desta vez assassinaram Ismail Abu Shanab, um dos fundadores do Hamas.
Por que Ismail Abu Shanab?
Porque era na época a imagem pública do Hamas. E como se não bastasse, era uma das vozes moderadas de Gaza.
Com Abu Shanab vivo, havia perspectiva de paz.
Seu assassinato foi o golpe que faltava para o Hamas descartar sem remorso a trégua e, consequentemente, as negociações do Road Map se fragilizarem mais.

Ismail Abu Shanab era o terceiro na hierarquia do Hamas.
E era a voz e a mentalidade progressista do "triunvirato".
Nesse dia fatídico, os Apaches lançaram 5 mísseis em seu carro, no bairro de Rimal, em Gaza.
Ele tinha 53 anos. Deixou mulher e onze filhos.
Uma testemunha, Talat al-Rayes, conta que ouviu o primeiro míssil "hit the car just outside his house in Gaza City. There were three people trying to get out of the car. The doors were opening when three more rockets hit. I didn't know who was in the car until people dragged the bodies out and we saw it was Abu Shanab."
Os dois guarda-costas de Abu Shanab morreram no ataque.
Muitos passantes foram feridos.
Mas ao ouvir a notícia, era difícil pensar apeans nos três homens. Pois era claro que a maior vítima do atentado israelense era a paz. Portanto, as populações de lá e de cá da Linha Verde.
O funeral de Abu Shanab foi seguido por mais de cem mil pessoas. Muitas clamavam vingança e os líderes que ficavam ostentavam posturas graves.
Abu Shanab representava a ala pragmática que ponderava e insistia na importância das negociações para que os palestinos parassem de viver em sobressalto, pudessem baixar a guarda e as novas gerações desfrutarem da perspectiva de cidadania da qual foram despojados na Naqba.
Entretanto, apesar de seu comedimento, respeitava a ideologia do partido e a liderança do Sheikh Ahmed Yassine sem questioná-lo.
Mas dos três líderes máximos, ele era o único que defendia um cessar-fogo a longo prazo e a solução dos dois Estados. E advogava também por decisões conjuntas em vez de individuais, "mesmo o indivíduo estando certo", dizia.
No enterro, um membro do Hamas gritou em um alto-falante o que Sharon talvez estivesse esperando ouvir: "The road map is being buried, only martyrdom operations will remain," referindo-se à perspectiva da recrudescência de bombas-suicidas.
Abdel-Aziz al-Rantissi, um dos líderes que ficaram, e que sobrevivera em junho a um atentado do mesmo tipo, declarou que mesmo que Israel matasse mais dez líderes do Hamas, "another leadership will arise and continue the fight until victory".
O jovem Hamza, filho de Abu Shanab, por seu lado, adotou o discurso comedido do pai quando lembrou que o morto "was trying to unite the Palestinian people and the ceasefire was uniting people."
E por isso foi morto?
A pergunta ficou no ar.

Não dá para dizer com certeza que os assassinatos arquitetados por Ariel Sharon fossem calculados apenas para obstacular a paz, mas era o que se suspeitava.
Embora nem os jornalistas mais empedernidos quisessem acreditar que sabendo que cada execução acarretava represálias inevitáveis, seu ódio pelos donos da terra que cobiçava levassem o Primeiro Ministro de Israel a pôr em risco a vida de seus próprios concidadãos para "justificar" a ocupação milita e agilizar o processo de expansão das invasões civis com a limpeza étnica que estava acontecendo na Cisjordânia.
Entretanto, tudo levava a crer que seu objetivo principal era agredir, provocar, ocupar com mais sofreguidão até conseguir confiscar toda a terra palestina a médio prazo.
Nada explicava o perigo ao qual expunha seus compatriotas com o extermínio de lideranças moderadas que seriam imediatamente substituídas por companheiros com sede de vingança, intratáveis.
Como aconteceria com a execução de Abu Shanab, que merece uma palavrinha para que se entenda como chegou ao primeiro escalão do Hamas.

Ismail Abu Shanab nasceu em 1950, no campo de refugiados Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza.
Seus pais e ancestrais eram de Al Jayyeh, uma cidadezinha próxima de Ashkelon, uma das cinco metrópoles do extinto império Filistino.
Sua família foi expulsa de casa em 1948, ano da criação unilateral do Estado de Israel, e da Naqba, e a cidadezinha foi posta abaixo.
Foi um bom aluno, focado como todos os meninos palestinos (vale lembrar que a Palestina detém o recorde de jovens que chegam à universidade - 90% - apesar de todos os pesares e dificuldades), foi admitido na recém-criada Universidade Bir Zeit de Ramallah, em 1966.
Em 1967, a Guerra dos Seis Dias e a Ocupação subsequente  impediram que frequentasse esta universidade laica de ensino bilingue árabe-inglês e de alta-qualidade internacional  (http://www.birzeit.edu/). 
Por incrível que pareça, era mais fácil sair da Faixa de Gaza para o Egito do que para a Cisjordânia - embora seja a mesma nação de terra descontínuas - e ele foi admitido na Universidade Mansoura do Cairo (http://www.mans.edu.eg/en).
Formou-se em Engenharia civil, retornou a Gaza, trabalhou alguns meses no conselho municipal da cidade e em 1977 trabalhou para as Nações Unidas na Faixa.
Mas seu sonho era aperfeiçoar-se e acabou conseguindo uma vaga nos Estados Unidos, na Universidade do Colorado.
Quando voltou para casa com o Mestrado debaixo do braço, foi contratado para dar aula no curso de Engenharia da Universidade Islâmica de Gaza (http://www.iugaza.edu.ps/en/) .
Lá conheceu Ahmed Yassine, Ibrahim Magadmeh e o fundador do Jihad islâmico Fathi Shiqaqi.
Envolveu-se na criação do Hamas, então organização humanitária, e por isso foi preso em 1989.
Ficou detido até 1996 sob alegação que participara do sequestro e morte do soldado israelense Ilan Sa'adon.
Quaisquer que fossem as razões verdadeiras, foi na cadeia que ficou religioso de verdade.
Em 1998 a Autoridade Palestina o deteve junto com outros líderes do Hamas. Inclusive Mahmoud al Zahar (membro fundador e tido como eminência parda do Hamas até hoje).
Em seguida Abu Shanab foi, concomitante ou sucessivamente, representante do Hamas na OLP (Organização de Libertação da Palestina, liderada por Yasser Arafat) e porta-voz da ala política do Hamas na Faixa de Gaza. Era nele que todos os holofotes e câmeras da mídia ocidental estavam focados.
Passava a imagem de uma pessoa bem articulada e ponderada.
Em dezembro de 2001 voltou a ser detido pela Autoridade Palestina na leva de demonstração de "boa-vontade" de Yasser Arafat para conter os atentados.
Foi participante ativo das negociações de paz em 2002 e 2003 como representante do Hamas e era o intermediário entre seu partido e Mahmoud Abbas. Quando o Primeiro Ministro tentava convencer o Hamas a parar os ataques.
Ele foi fundamental no cessar-fogo aceito e declarado pelo Hamas e o Jihad Islâmico no dia 29 de junho de 2003. Seus esforços foram imensos para persuadir seus companheiros a estabelecer o hudna, como os palestinos chamaram esta medida pacificadora unilateral.
Quando foi assassinado pelo Shin Bet, era o terceiro homem na hierarquia do Hamas, em que o sheik Ahmed Yassine era ainda a maior autoridade. Os dois homens que estavam acima eram Abdulaziz Rantissi e Mahmud Zahar.
Abu Shanab estava acima de Ismail Haniyeh. Seu substituto óbvio e atual líder do Hamas na Faixa de Gaza.

Seu filho mais velho, Hassan, estava estudando Engenharia de computação nos Estados Unidos. O caçula, Mesk, tinha dois anos.
Seu filho Hamza Abu Shanab, então com 19 anos e hoje com 31, dirige a ONG "Assembleia Palestina de apoio à Revolução Síria".
No dia 22 de agosto de 2003, estava na cerimônia religiosa na mesquita Omari e no imenso cortejo funerário que encheu as ruas de Gaza em homenagem ao pai.
Uma das lembranças fortes que os jornalistas guardam de Abu Shanab é a de um fato que revelou sua personalidade.
Ao ser escolhido para liderar a chapa do Hamas na disputa pelo importante Conselho da Associação de Engenharia da Faixa de Gaza, conquistou 8 dos 11 assentos disputados no pleito. Para grande pesar de Yasser Arafat pelos meros três representantes que o Fatah assegurara.
Nessa hora em que podia fazer proselitismo político e aumentar a divisão entre os dois partidos, optou pela conciliação diplomática. Negou que a vitória dos oito membros do Hamas fosse um sucesso político dizendo que os juizes haviam julgado os candidatos conforme suas competências profissionais. E acrescentou uma frase que o poria na história e que adiantou bastante sua ascenção política: since the Oslo accords Hamas had acquired freedom to organise and has no need to score political points in elections to professional bodies. 
A própria imprensa israelense sublinhou seu ser e dizer inusitados. O Jerusalem Post, quotidiano em inglês na linha do Haaretz de Tel Aviv, publicou na época "For a leading Hamas activist, Abu Shanab has just done two strange things. He declined to exploit an election win as a major Hamas victory, and he complimented Oslo's contribution to freedom."
Ele declarara anteriormente ao mesmo jornal: "Let's be frank, we cannot destroy Israel. The practical solution is for us to have a state alongside Israel. When we build a Palestinian state, we will not need these militias. All the needs for attack will stop. Everything will change into a civil life."
Talvez tenha sido por isso, pela vontade de paz e a dos dois Estados que ele tenha sido assassinado.
A outros jornalistas declarou: "Nobody likes and nobody supports killing innocent people. But the Palestinian position is in a self-defense position, that of Palestinians who suffer from Israeli occupation and from Israeli military forces - who kill and massacre and destroy all of our infrastructure - and all of their improprieties."

Ele afirmava que não incentivava nenhum bomba-suicida. "They do it by their own initiative, but impressed and incited by Sharon's plan to kill more Palestinians and by Sharon's soldiers and tanks and airplanes, who kill more Palestinians." E ao lhe perguntarem se apoiava os atentados contra civis israelenses, disse: "We support one thing: Israeli full withdrawal from our land. If this is achieved, we support any plan which can get this Israeli occupation."

A consequência imediata do assassinato de Ismail Abu Shanab foi levada a público no dia seguinte ao seu funeral.
O Hamas, o Jihad Islâmico e as Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa - próximas do Fatah) declararam em uníssono que punham fim à promessa feita no dia 29 de junho de cessar-fogo unilateral.
A consequência mediata foi a violência que continuaria de ambos os lados, na qual Ariel Sharon nadaria de braçada. Pois continuaria a encher os territórios ocupados de "colonos" importados da África do Sul, Argentina e Rússia para popular as invasões-assentamentos na Cisjordânia provocando mais danos materiais e morais na Palestina.
Agosto de 2003 foi um mês cinzento.
Esperava-se que os seguintes, que fechariam o ano, fossem melhores, mas as possibilidades reais que esperanças positivas virassem realidade eram mínimas. 



Reservista da IDF, forças israelenses de ocupação, Shovrim Shtika - Breaking the Silence 

"On your first arrest mission, you’re sure it’s a big deal, and it’s actually bullshit. You enter the Abu Sneina (Hebron) neighborhood and pick up three children. After that whole briefing, you’re there with your bulletproof vest and helmet and stuck with that ridiculous mission of separating women and children. It’s all taken so seriously and then what you end up with is a bunch of kids, you blindfold and shackle them and
drive them to the police station at Givat Ha’avot. That’s it, it goes on for months and you eventually stop thinking there are any terrorists out there, you stop believing there’s an enemy, it’s always some children or adolescents or some doctor we took out. You never know their names, you never talk with them, they always cry, shit in their pants.
Was there a case of someone shitting in his pants?
I remember once. Always that crying. There are those annoying moments when you’re on an arrest mission, and there’s no room in the police station, so you just take the kid back with you to the army post, blindfold him, put him in a room and wait for the police to come pick him up in the morning. He sits there like a dog… We did try to be nice and find a mattress for them, some water, sometimes some food, and they’d sit there blindfolded and shackled, left like that until morning. Those were the instructions. That, or just to leave them in the war-room. That was also standard procedure. Until morning, until someone came to pick them up."
Unidade militar: Nahal Brigade. Patente: First Sergeant. Hebron 2010.

Reservista da IDF, forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence - 1


Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/

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