domingo, 24 de junho de 2012

Israel vs Palestina: História de um conflito XIII (08/09 2000)


A reunião de cúpula de Campo David terminou em julho de 2000 com a "oferta generosa" de Ehud Barak recusada por Yasser Arafat.
Logo em agosto soldados da IDF deram um tiro na cabeça de Mahmoud Abdullah, um palestino de 70 anos, e impediram que tivesse socorro médico durante uma hora. Fato corriqueiro nos Territórios Ocupados, mas este senhor tinha nacionalidade estadunidense e o caso deu no que falar; até terminar em pizza, como todos os casos similares.
No dia 18, três semanas após o colapso de Campo David, os negociadores voltaram a reunir-se em torno de uma mesa para dialogar como haviam prometido ao deixar os EUA.
Ehud Barak tomou a dianteira mediática comunicando que "oferecia" aos palestinos um estado independente contanto que terminassem formalmente o conflito com Israel.
Na mídia estas palavras soaram como uma demonstração de sua imensa boa-vontade, mas na verdade, era um belo golpe de palavras, pois quaisquer que fossem as garantias apresentadas por Yasser Arafat, poderiam ser consideradas insuficientes e ele sempre sairia de bonzinho na história.
De quem foi esta ideia brilhante, não se sabe, mas que Dennis Ross estivesse nas imediações era bem provável.
E o enviado estadunidense ficou lá fazendo seus conchavos.
Com a corda toda, Ehud Barak voltou às manchetes quando "garantiu" que "quando" Jerusalém estivesse sob sua guarda, nenhum dano seria causado aos santuários e às duas mesquitas, como se as igrejas que a cidade abriga não corressem  o mesmo perigo. Até então eram bem cuidadas pelos cristãos palestinos.
"Yasser Arafat sabia muito bem que se seus compatriotas não podiam circular livremente na cidade, mesmo esta sendo legalmente de sua propriedade e sob suposta tutela internacional; como ficaria quando ela tivesse só um dono e este dono em vez da ONU fosse sionista, intolerante e expansionista? Que garantia tinha que os cristãos e os muçulmanos não seriam atacados pelos judeus extremistas como acontecia em Hebron a toda hora do dia?" disse um de seus colaboradores.
Portanto o líder palestino descartou de cara a oferta generosa do primeiro ministro israelense, dizendo que jamais assinaria um tratado de paz que não lhe garantisse a soberania de Jerusalém Oriental incluindo a cidade antiga. Segundo determinação das Nações Unidas.

Foi neste clima que as discussões prosseguiram setembro adentro.
Barak rejeitava quase todas as propostas palestinas, mas mesmo assim, sabendo que o seu padrinho gringo não o deixaria à míngua, declarou que apesar de discordar de "algumas" ideias do líder palestino retomaria o diálogo se Arafat aceitasse que as negociações se baseassem nas ideias de Bill Clinton.
Pressionado por todos os lados e com a fama de ranzinza mal-agradecido ganhando a mídia que convence a opinião pública, Arafat voltou a conversar com enviados estadunidenses em meados de setembro para esclarecer pontos significantes.
Mas quando no dia 19 Ehud Barak negou soberania palestina inclusive no santuário de al-Haram al-Sharif, o pouco que fora construído foi por água abaixo em um minuto.
Em uma última tentativa de conciliação, Arafat adiou a declaração unilateral de Estado enquanto em Tel Aviv a tática da contra-informação prosseguia. Anúncios contraditórios ou ambíguos choviam, embora boatos corressem que Barak estava para concordar com a repartição de Jerusalém, que aos olhos de seus aliados de Washington parecia viável.
Aí chegou o dia 26 de setembro que precedeu uma data que ficaria nos anais negros do conflito.
O general Ariel Sharon, algoz de Sabra e Shatila, anunciou que pretendia ir à Esplanada da mesquita al-Aqsa.
O chefe do serviço de segurança palestino avisou imediatamente o governo israelense: "Se Sharon entrar neste sítio religioso, haverá uma revolta".
Não receberam resposta e a imprensa só obteve dos responsáveis do Likud respostas evasivas como "Não é certeza que a visita aconteça. Estamos esperando o parecer da polícia".
A expectativa aumentou, a preocupação mais ainda, o boato espalhou-se por Tel Aviv e os pacifistas, apreensivos, condenaram a visita que se anunciava de maneira enfática.
Todos sabiam que além da provocação gratuita, para todos os palestinos Ariel Sharon simbolizava repressão, invasão e crueldadde absoluta.
Lembram e relembram os filhos que era ele o Ministro da Defesa em 1982 durante a ocupação militar de Beirute e que inclusive a comissão de investigação israelense o considerara moralmente responsável pelos horrores cometidos nos massacres de Sabra e Shatila.
Sem contar que depois de ter sido afastado do cargo, adquirira um apartamento em plena Jerusalém antiga encorajando outros militantes sionistas a se implantarem na cidade palestina.
Ehud Barak, que acumulava o cargo de Ministro da Defesa, foi avisado e não deu a atenção devida. Limitou-se a autorizar escolta militar à comitiva.
Além de autorizar a "visita", não viu utilidade em preparar os soldados da IDF para a eventual reação visceral que a Autoridade Palestina considerava provável, temia e avisara para evitar que a situação piorasse.
Às sete e meia da manhã do dia 28 do ano 2000, o general Ariel Sharon, presidente do partido de extrema direita Likud, resolveu voltar ao palco com um golpe que ficaria nos anais do oriente Médio como o ato de provocação mais crasso de uma autoridade israelense, quase um ato de guerra. Guardando as proporções, do peso do assassinato em Saraievo do arqueduque austro-húngaro Franz Ferdinand, que em 1914 encadeou uma série de eventos que levariam à Primeira Guerra Mundial.
Sharon penetrou no pátio da mesquita situada no Al-Haram al-Sharif ou o Monte do templo, no coração de Jerusalém, de cara fechada. Estava com sua delegação partidária, protegido por dezenas de soldados das forças especiais bem armados.
Este complexo religioso localizado no sítio do antigo templo de Herodes e da Basílica de Nossa Senhora é hoje o primeiro Qibla dos muçulmanos e o terceiro santuário do islamismo. Ele contém também uma área sagrada do judaísmo.
O pretexto que Sharon usara para esta campanha político-militar era débil - conferir a procedência de reclamações de arqueólogos judeus que diziam que as autoridades religiosas muçulmanas haviam vandalizado sítios arqueológicos de um estábulo presumido do rei Salomão, localizados sob o monte, durante a conversão do local séculos antes.
O que não se sabe é como e se as autoridades responsáveis caíram nessa desculpa esfarrapada ou se concordavam com a iniciativa do presidente do partido rival.
 
Ao serem informados do aparato, parlamentares palestinos e três deputados árabes do Knesset foram lá na hora marcada tentar argumentar, mas foram mantidos à distância enquanto Sharon e comitiva penetravam no recinto com estardalhaço.
A marcha ostentatória foi breve, durou 35 minutos. Sharon sabia do risco que corria e como bom general acostumado com carnificinas, queria estar longe quando o pavio que estava acendendo explodisse a bomba política.
Os palestinos que estavam na esplanada tinham ido orar e foram pegos de surpresa com a visita indesejada, pois a Autoridade Palestina preferira agir sozinha e manter segredo, a fim de não pôr lenha na fogueira.
Esta precaução serviria pelo menos para diminuir as perdas imediatas.
No dia mesmo, após a retirada estratégica de Ariel Sharon às 8h05, os poucos homens que se encontravam na Esplanada apenas gritaram "Dê o fora, assassino!" lançando sapatos contra os policiais israelenses que protegiam o general e que, detrás dos escudos, responderam com balas de borracha que deixaram vários feridos.
Enquanto isto Sharon explicava à imprensa: "É inaceitável que em plena Jerusalém, sob soberania israelense, um judeu não possa ir livremente a um dos lugares sagrados do judaísmo..." acrescentando em seguida a frase que acenderia o pavio da bomba que deixara para trás bem à vista: "O monte do templo está em nossas mãos!"
Foi a frase fatídica divulgada em todos os canais de televisão e emissoras de rádio da região.
A tática de Sharon de deturpar os fatos desviando o enfoque do conflito -  de político-territorial que opunha israelense e palestino, ao religioso (omitindo de propósito os cristãos nativos que sofriam os mesmos prejuízos morais, religiosos e físicos a que os muçulmanos eram submetidos) - foi detectada mas não exposta como devia. Quando reivindicou em nome de "sua" religião a propriedade da esplanada da mesquita que para os judeus é o monte do templo e para os cristãos a antiga basílica de Nossa Senhora - mas nem o Vaticano cria caso com isto - tinha a clara intenção de bloquear toda solução política e abrir caminho aos fanáticos que o ouviam.
Até os palestinos, muçulmanos e cristãos, com nacionalidade israelense, se sentiram diretamente visados pela provocação de Sharon. São mais de um milhão de sobreviventes à Naqba que vivem sobretudo na Galileia, em Jaffa e nas imediações de Haifa e que constituem vinte por cento da população israelense.
E por que Ariel Sharon organizou este ato ostentatório logo nessa hora?
Dizem que é por ter ficado sabendo que o primeiro ministro Ehud Barak estava para admitir o princípio de "uma cidade para duas capitais", ou seja, que Jerusalém seria a capital de Israel e da Palestina.
Esta "urgência" que teria dado uma chance ínfima à retomada das negociações teria motivado a visita estratégica de Sharon.
Mas não foi só por isto.
Sentiu que Ehud Barak estava fragilizado e queria mostrar que Israel é quem mandava, que tudo estava sob controle, lacrado, inclusive os santuários das duas religiões do povo palestino.
Visava as eleições e para ganhar tinha de contar com os votos dos extremistas se colocando como o bravo defensor dos interesses judeus e portanto levar vantagem sobre seu adversário político Barak e seu aliado Netanyahu, com uma única cajadada.
O ato de Sharon foi pensado.
Em um dia, em uma hora, transformou a percepção dos integristas. No conflito político objetivo, suscetível de resolução negociada, o general aposentado com sede de guerra projetou a obscuridade de um conflito pseudo-religioso que é por definição subjetivo e que portanto, neste caso específico, excluía possibilidade de compromisso.
No dia seguinte ao ato desastroso, dia 29, Jerusalém assisitiu a uma passeata de protesto de centenas de universitários, após a oração da sexta-feira (o "domingo" muçulmano).
Despreparados para a rebelião espontânea ao ato desrespeitoso do general Buldozer (como Sharon é chamado pelo seu incentivo à destruição de moradias para implantar invasões judias), a IDF reagiu com força brutal, muitos jovens foram agredidos a cacetada, a balas, sete morreram no local e 1.800 sofreram ferimentos mais ou menos graves.
Multiplicando este número pelo de familiares, parentes, amigos, conhecidos e pessoas relacionadas por tabela, a repressão sangrenta de Jerusalém e imediações fomentou uma bola de neve de passeatas nas principais cidades da Cisjordânia, em Gaza e em Israel - onde pela primeira vez na história a IDF atiraria em cidadãos nacionais.
Um relatório da Anistia Internacional demonstraria mais tarde que a maioria das vítimas palestinas nesta data era de jovens participantes das passeatas e passantes que não constituíam nenhum perigo para os soldados.
Daí em diante, de todo funeral eclodiria uma passeata de protesto que terminaria em pedras contra gases, tanques e balas que provocariam mais feridos, mais mortes, bombas-suicidas, prisões arbitrárias, torturas, mais revolta, bombardeios desvairados...
Assim começou a Intifada Al-Aqsa, conhecida como a Segunda Intifada.

"Palestine is the cement that holds the Arab worl together, or it is the explosive that bloxs it apart."
Yasser Arafat

Objetores de consciência e reservistas da IDF, forças israelense de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence

Professor Edward Said com a palavra

Professor Noam Chomsky com a palavra

Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/

Petição internacional para o reconhecimento do Estado da Palestina  

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