domingo, 12 de junho de 2011

Paquistão, Somália, e Oriente Médio


Syed com Talibã em Kumar
No dia 31 de maio, o jornalista investigativo paquistanês Syed Saleem Shahzad foi encontrado morto em um canal no nordeste do seu país natal. O corpo do chefe do escritório do Asian Times on line, baseado em Hong Kong, tinha marcas evidentes de torturas variadas. Syed era também correspondente da agência italiana de notícias AdnKronos e uma figura conhecida e respeitada pelos colegas que cobrem a área geográfica Paquistão/Afeganistão e o al-Qaeda.
Por que falar só em Syed, quando nos cinco primeiros meses deste ano vinte e quatro colegas já morreram exercendo nosso ofício? Porque ele foi sequestrado, torturado e jogado fora como lixo três dias após ter lançado o livro Inside al-Qaeda and the Taliban, no qual fazia revelações sobre o funcionamento da organização e sua infiltração em postos chave.
Quando Osama ben Laden foi executado falei de passagem da ineficácia deste desagravo estadunidense (como são todas as desforras que semeiam ódio e mais vingança), já que este não passava de um velhote sem nenhuma voz ativa no movimento terrorista internacional - Talvez por isto tenha sido deixado quieto pelos paquistaneses em seu refúgio de aposentado, após os serviços internos que lhes havia prestado.
O livro de Syed é baseado em uma série de entrevistas feitas durantes anos com vários líderes do al-Qaeda. E considerando suas fontes (perto das quais 95% dos jornalistas só tinham migalhas que transformavam em manchetes sensacionais) representa o retrato mais fiável da situação atual nesta região, nesta área.

Ayman al-Zawahiri
Syed confirma que Osama ben Laden era uma figura de proa para consumo público e que quem tocava o navio era mesmo o Dr Ayman Zawahiri, que formulou a linha ideológica e operacional da organização. Ele resume a estratégia do al-Qaeda em como “ganhar a guerra contra o Ocidente no Afeganistão” antes de mudar o rumo para a Ásia Central e o Bangladesh. Segundo ele, os aliados do al-Q no norte e no sul do Waziristão transformaram as áreas tribais do Paquistão em bases estratégicas de resistência dos Talibã às Forças EUA-OTAN, porém, deixa claro que a organização terrorista alimenta a luta dos Talibã não para que se livrem dos ocupantes, mas para que a ocupação seja mantida, pois é graças a esta que consegue atingir o objetivo global de polarizar o mundo islâmico. O temor do al-Q é que os Talibã cedam a um acordo, que as tropas ocidentais se retirem e lhes tirem a cenoura que atrai adeptos à sua organização.
Perto de Zawahiri, Maquiavel parece um garotinho de cinco anos. Em meados de 90 a eminência parda do alQ teria planejado tudo nos mínimos detalhes, desde os ataques dos EUA em 2001 e a retaliação no Afeganistão que estimularia uma revolta nos países islâmicos. Em seguida começariam acusações veladas contra os regimes corruptos árabes e sua submissão a Washington, a fim de destruir sua imagem. Documenta com uma entrevista que data de 2004, em que o líder saudita Saad al Faqih, suposto colaborador de ben Laden, afirma que este foi convencido por Zawahiri a jogar com o imaginário cowboy estadunidense que o colocaria como um “inimigo implacável” e “produziria um líder muçulmano capaz de desafiar o Ocidente com sucesso”.
As ocupações do Afeganistão e do Iraque, segundo as fontes de Syed, proporcionaram ao al-Q a chance de expansão que buscavam. Permitiram a orquestração de uma insurgência islâmica mundial, detectada pela Arábia Saudita que vem tentando mediar um acordo EUA/Talibã desde 2007 por temer a repercussão nacional. Tentativas que vêm sendo sistematicamente sabotadas pelo al-Q e pelos sectários estadunidenses incautos.
(A ironia do destino é que os jovens instruídos não são facilmente manipuláveis e por isto tomaram as rédeas de seus destinos, sem extremismo, e realizaram a Primavera Árabe sem o al-Qaeda.)  
Mollah Omar
Syed lembra que o líder dos Talibã Mollah (erudito) Omar também não está em fase com o al-Q, dando como exemplo o fato de em 2005 o líder ter ordenado que todos os Talibã instalados no Waziristão abandonassem “qualquer outra atividade” e retornassem ao país e em 2007 ter condenado a campanha do al-Q contra o Paquistão mesmo esta sendo em favor dos Talibã.
Trocando em miúdos, Syed refuta o argumento que o Pentágono usa para prosseguir as ocupações, ou seja, que o principal interesse do al-Qaeda é expulsar as Forças Ocidentais do Afeganistão porque está intimamente ligado aos Talibã. Outros jornalistas também sabem o quanto esta teoria é falsa.
Apesar de todas suas revelações serem devidamente documentadas, Syed pode ter sido torturado e executado por um “crime jornalístico” local, mais grave. Pelo que revelou da cooperação entre o al-Qaeda e o ISI (Serviço de Informação) do Paquistão, cujo chefe de então, em 2001 em Kandahar, teria garantido à organização terrorista que os deixaria tranquilos enquanto não fossem tocados - os ataques do al-Q começaram após a adesão pública do Paquistão aos EUA, selada com o ataque de Talibã no norte do Waziristão, em outubro de 2003. E Syed pode ter morrido também por causa do que sabia e ainda estava para falar.

Falando em al-Qaeda, no início da semana a polícia da Somália matou em um checkpoint na capital Mogadishu, um de seus líderes mais procurados, o comorense Fazul Abdullah Mohammed (que Hillary Clinton nomeou de ouvido “Harun Fazul”, que é uma das alcunhas do terrorista).
Fazul Abdullah era um dos operadores al-Q África Oriental mais perigosos, devido ao seu alto grau de inteligência, sua capacidade linguística (falava cinco linguas fluentemente e se virava em mais), de disfarce e sobretudo, pela sedução que exercia em novos recrutas e pela violência que não poupava.

Fazul Abdallah e seu parceiro mortos
Desta vez os EUA passaram a informação às autoridades locais e estas cuidaram de interceptá-lo. Quem o conhecia, sabia que oporia resistência e que sua vida terminaria no gesto que faria e fez para escapar descarregando sua K47 “incrementada” (uma versão “falsificada” da famosa kalachnikov russa de 1947), a arma mais popular no tráfico internacional.
Sua presença em Mogadishu é um forte indício da ligação entre o al-Qaeda e a organização “rebelde” local al-Shabab, cujo objetivo é aplicar no país sua interpretação extremista da lei islâmica promovendo atentados.
O ministro do interior, por exemplo, foi assassinado na sexta-feira
 na explosão de um carro.
A Somália está sem governo central efetivo desde que o ditador do país foi
destituído em 1991. A capital é uma ilha cercada de grupos rebeldes que disputam território, liderança, praticam pirataria no Oceano Índico, sequestram,
matam uns aos outros e apostam no caos.

Campo de refugiados sírios na Turquia
Tirando estas duas mortes por motivos antagônicos, esta semana foi marcada pela corrente de insurreição da população síria e a política de repressão do presidente Bashar Assad que continua resultando em dezenas de milhares de vítimas que perdem a vida, ou são feridas ou forçadas ao exílio. Centenas de famílias já atravessaram a fronteira em direção ao Líbano.
E estão chegando cada vez mais refugiados na Turquia, onde neste domingo a população vota em seus futuros representantes legislativos. Dia importante por causa de todos os problemas internos que vão dos debates sobre a manutenção da laicidade, a marginalização da população kurda, à ansiedade para entrar na União Européia.

Enquanto isto, em nosso capítulo semanal sobre o presente e o futuro da Palestina, em vez de negociar, o Ministro das Relações Exteriores de Israel começou uma ofensiva diplomática internacional contra o reconhecimento do Estado da Palestina na reunião prevista na ONU em setembro.
Sua estratégia foi denunciada pelo jornal israelense Haaretz: Acionar as organizações judias em todos os países para que promovam lobbys junto aos políticos e que influenciem a opinião pública através de artigos destrutivos contra a Palestina publicados nos jornais mais lidos (no Brasil inclusive. Que o leitor fique advertido!).
O governo de Israel sabe que o reconhecimento do Estado da Palestina vai isolá-los e forçá-los a retirar-se da Cisjordânia e que terminem o bloqueio de Gaza. Argumentam que só negociações (em seus termos) trarão a paz e o presidente da Palestina Mahmoud Abbas retruca que a única solução para a sobrevivência da Palestina é a legalização de seu Estado com base na fronteira de 1967.
O que tem lógica por causa do colapso das negociações patrocinadas pelos EUA no ano passado devido à recusa israelense de gelar a colonização. Humilharam o coitado do vice-presidente Joe Biden anunciando novas construções no meio da sua conversa com o primeiro ministro Benyamin Netanyahu e mostraram que Israel só quer paz se conservar o controle da água dos palestinos, todo o território ocupado e o que está em processo de ocupação, e levar os gazauís à penúria total.
Na verdade, a aprovação do Estado da Palestina na Assembléia da ONU seria puramente simbólica, já que os Estados Unidos, que têm poder de veto, já deixaram claro que se oporão à decisão. Mas não deixará de ser um embaraço a mais e um golpe fatal na popularidade internacional de Barak Obama. E até nacional, entre seus aliados liberais.
No documento vazado, o ministro israelense Rafael Barak é claro: “Nosso objetivo é conseguir que o máximo de países se oponham ao reconhecimento do Estado da Palestina. Os esforços palestinos têm de ser referidos como um processo que provoca a erosão de Israel e compromete a paz.”
São tão obtusos que não vêem que estão fazendo tudo errado. Os jovens que protagonizaram a Primavera Árabe podem muito bem apoiar os vizinhos palestinos em uma Intifada outonal.
Os israelenses pacifistas e preocupados com a justiça já começaram no mês passado suas passeatas em Tel Aviv em apoio à criação do Estado da Palestina.


Free Gaza Movement: http://www.freegaza.org/
Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/; http://youtu.be/rzqgGnAS8OQ;
http://www.bigcampaign.org/;

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