À massa, tão numerosa e tão necessária de tantos aquedutos, como comparar as pirâmides egípcias que não servem para nada ou as obras dos gregos, inúteis, porém célebres!
Esta frase que diferencia o mausoléu de um monumento notável poderia ser minha, mas se fosse não teria a mesma autoridade de quem a escreveu no fim do primeiro século. Sextus Julius Frontinus, Curator Aquarum imperial do ano 97 até 104, um tipo de senhor das águas na Roma antiga, a teria repetido várias vezes com a mesma indignação antes de escrevê-la para as gerações futuras.
Das Sete Maravilhas do Mundo conhecido na antiguidade – Pirâmide de Keops, Jardins suspensos da Babilônia, estátua de Zeus, templo de Artêmis, mausoléu de Halicarnasso, Colosso de Rodes e Farol de Alexandria, a única que sobreviveu às catástrofes naturais foi a Pirâmide de Giza. E esta ficou fora das Sete Novas Maravilhas. Frontinus deve ter sorrido desta ironia da história, embora seu critério de utilidade continue fora das pautas.
Neste espírito utilitário que Frontinus inspira, das Sete Novas Maravilhas, o Taj Mahal, em Agra, é uma obra faraônica que em vez de me extasiar arrepia. No estado em que está situado, o Uttar Pradesh com seus 175 milhões de almas, o que sempre me tocou foi a política racista e reacionária que inspirou atos de violência intercomunitária e que levou à organização gradual dos sem casta até a ascensão da advogada Mayawati, candidata do partido Dalit (os intocáveis) à chefia do ministério de um estado em que 57% das mulheres são totalmente analfabetas. As que só desenham o nome não são contadas.
Aliás, a espiritualidade que atrai os turistas à Índia (como ao Brasil são atraídos por nossa cordialidade), embora intrínseca, do ponto de vista jornalístico parece um mito distante da realidade deste país recordista de conflitos inter-religioso-raciais e inter-estados. Estes últimos, além das rixas anteriores à unificação do país, também por causa da distribuição desigual da água.
O nosso Cristo Redentor faz parte do clube restrito e vela pelo Brasil inteiro do litoral do Rio de Janeiro desde 1922. Imponente e apaziguador com seus braços abertos em um abraço protetor.
Na Ásia tem outra Nova Maravilha que é a Grande Muralha da China. Construída, destruída e reconstruída entre os séculos III AC e II DC e chamada wàn lǐ chángchéng, o que significa literalmente Grande Muralha de Dez Mil lǐ – uma medida infinita. A parte mais turística data da dinastia Ming, já que com a mobilidade fronteiriça o país ergueu e desmantelou várias ao ritmo das guerras expansionistas bem e mal sucedidas.
O nosso Cristo Redentor faz parte do clube restrito e vela pelo Brasil inteiro do litoral do Rio de Janeiro desde 1922. Imponente e apaziguador com seus braços abertos em um abraço protetor.
Na Ásia tem outra Nova Maravilha que é a Grande Muralha da China. Construída, destruída e reconstruída entre os séculos III AC e II DC e chamada wàn lǐ chángchéng, o que significa literalmente Grande Muralha de Dez Mil lǐ – uma medida infinita. A parte mais turística data da dinastia Ming, já que com a mobilidade fronteiriça o país ergueu e desmantelou várias ao ritmo das guerras expansionistas bem e mal sucedidas.
Na Muralha, a jornalista em mim rememora estas batalhas consecutivas que constituem a história do que a China é e que revelam bastante o temperamento que vigora. Ela me impressiona tanto quanto qualquer outra fortificação, mas o que me emociona ao vê-la é a lembrança dos dez milhões de homens mortos em gerações consecutivas por senhores de guerra que nem conheciam. Talvez tenha sido por isto que durante a Revolução Cultural Maoísta (1965-1969) seus oratórios e monumentos foram desmantelados e as pedras usadas em chiqueiros. Uma desforra póstuma aos dinastas ambiciosos que não deixa de ser um desacato à memória do sacrifício humano que as pedras cobriam.
O Oriente Médio, dominado por conflitos intermináveis, ocupações ilícitas e águas desviadas, contaminadas e confiscadas, também tem sua Nova Maravilha na Jordânia. Entre as três, para mim a única que vale a viagem é esta - Petra, a cidade de pedra, viva. Tudo nela é admirável. Da história ao sítio magistral entrevisto passo a passo pelo Siq, a longa fresta que encaminha a magia a nossos sentidos e olhos.
Sua história merecia um artigo, mas neste a restrinjo à época em que a Cidade Rosa foi capital nabatéia durante dois séculos faustosos (os primeiros AC e DC) e após enfraquecer devido a repetidos ataques foi esquecida até ser redescoberta em 1812 por um explorador suíço. No Antigo Testamento, Moisés, na travessia do Egito, ao passar por Petra bateu o cajado e do rochedo saiu uma fonte que matou a sede dos israelitas a caminho da tomada da Palestina.
Mas o oásis da cidade não tinha nada de místico e o que me impressiona no sítio é a proeza técnica dos nabateus contra a erosão e seu sistema hidráulico. Atualmente as camadas freáticas de água salgada ameaçam a cidade, mas no período nabateu, ela era doce, pluvial e recuperada com facilidade graças à impermeabilidade das rochas. Os habitantes dispunham de água à vontade, fornecida pelo sistema de recuperação e estocagem ainda visível, assim como as barragens hidráulicas e os preciosos aquedutos cujo sistema avançado só tinha um rival, e qual!
Era este o calcanhar de Aquiles da jóia árabe. Foi aí que os romanos, especialistas no assunto, a dominaram. Após um sítio interminável, cortaram os aquedutos e a rendição não tardou a chegar. É o famoso poder bélico da água enaltecido por Frontinus no livro III de sua obra Estratagemas (Maquiavel a leu e releu várias vezes...) em que um capítulo inteiro é dedicado aos desvios dos rios e à contaminação da água para subjugar um adversário irredutível - como os israelenses fazem com os palestinos nos territórios ocupados.
Este é o mesmo Frontinus revoltado com a subestimação dos aquedutos e sua real contribuição à humanidade. Como dizia o poeta lusitano, Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
Apesar de suas contradições, o cônsul romano deve ter ficado indignado com a quarta Maravilha, escolhida na cidade dos onze aquedutos e do complexo hidráulico até hoje admirado. Como se sabe, nossos contemporâneos escolheram o Coliseu, palco de inúmeras crueldades, em vez de uma das 286 ruínas - Argélia, Alemanha, Espanha, França, Grã-Bretanha, Grécia, Israel, Itália, Jordânia, Líbano, Líbia, Marrocos, Turquia e Tunísia - das centenas de aquedutos de superfície que os romanos construíram.
Portanto, espero que não se importem que eu conclua as Novas Maravilhas sem falar nas duas últimas situadas na nossa América Latina - Chichén Itzá, no Iucatã mexicano, e o peruano Machu Pitcchu admirável. Preciso de espaço para celebrar a água e a inventividade que ela suscita.
Portanto, espero que não se importem que eu conclua as Novas Maravilhas sem falar nas duas últimas situadas na nossa América Latina - Chichén Itzá, no Iucatã mexicano, e o peruano Machu Pitcchu admirável. Preciso de espaço para celebrar a água e a inventividade que ela suscita.
A Maravilha que me maravilha é a mesma que maravilhava Frontinus. Os aquedutos romanos que nem concorreram ao título, embora tenham sido construídos pela mão do homem para lhe ser fonte de vida.
Edificados em profusão em Roma e nos territórios anexados para que as populações locais usufruíssem plenamente de seu potencial hídrico, tinham importância ímpar no encaminhamento de água pública. A história conta que durante a administração de Frontinus, as pestilências foram totalmente removidas, Roma ficou mais limpa, o ar ficou respirável e a água potável. Embora fosse matemático, seus escritos demonstram um bom conhecimento hidrológico e este foi bem utilizado.
Como é impossível citar todos os aquedutos localizados dentro e fora da Itália, ou seja, no vast Império Romano, é melhor nos atermos a Roma e resumirmos o sistema simples e sofisticado.
Ao longo do império e com o crescimento da população, onze aquedutos foram construídos na capital a fim de alimentar os banhos públicos, as fontes e as residências. A água de melhor qualidade era reservada ao consumo humano e a de segunda qualidade aos banhos, conectados diretamente à rede de esgoto subterrânea na qual a água corria continuamente, evitando a obstrução dos canos. Parece que as casas, inclusive dos ricos, não eram conectadas à rede e tinham de se virar para evacuar seus detritos.
Com a história e a promoção de impérios com outras prioridades, os aquedutos foram sendo abandonados ou destruídos por conquistadores de passagem que elevavam monumentos sem trazer melhoramentos para os povos dominados, quando não apenas devastavam. Mas o que resta dos aquedutos continua às vistas de quem viaja pelo império extinto.
Para os curiosos, o fim da Cloaca Maxima, rede de esgotos romana, ainda é visível no rio Tibre, na altura das pontes Rotto e Palatino. Foi sob uma delas que São Sebastião foi despejado pelas águas do esgoto em que tinha sido jogado após ser executado duas vezes pelo imperador Diocleciano em 288. Seu corpo foi resgatado do rio e está enterrado na Basílica Apostolorum em Roma.
Mas se antes de virar flecha ao alvo São Sebastião tivesse tido tempo de ditar testamento, talvez tivesse proibido seu enterro, como Frontinus proibiu o seu com uma frase que golpeia muito narcisista inseguro que confunde mausoléu com edificação de vulto: O gasto com um monumento é supérfluo. A memória do meu nome durará, se minha vida tiver sido digna.
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